SANEADOR-SENTENÇA
FACTOS RELEVANTES
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
CESSÃO DE CRÉDITO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário


1. No saneador-sentença não há lugar à fixação de factos não provados.
2. Se o juiz considera que o estado da causa permite a apreciação do mérito logo no saneador, não há factos a declarar como não provados, desde logo porque não houve julgamento para aferir essa não prova.
3. A petição de embargos é o local onde o embargante deve alegar os fundamentos da sua oposição à execução, sob pena de preclusão.
4. A cessão de créditos pode ser comunicada ao devedor por qualquer meio, mesmo extrajudicial, e pode decorrer da citação para a acção executiva.
5. O acordo de pagamento da quantia exequenda em prestações interrompe o prazo de prescrição, pois constitui reconhecimento expresso do direito do exequente.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo de Execução do Entroncamento, AA deduziu embargos de executado em relação à execução que lhe foi movida por Banco Comercial Português, S.A. (em cuja posição foi, entretanto, habilitada SCALABIS – STC, S.A.), alegando a prescrição da quantia exequenda, a prescrição da livrança exequenda, a incompetência territorial do tribunal, a nulidade da cessão de créditos operada ao exequente e consequente ilegitimidade activa deste, a ineptidão do requerimento executivo, a falta de liquidação da obrigação exequenda, a violação do pacto de preenchimento, a inexequibilidade do título executivo e a inadmissibilidade da penhora do crédito de reembolso de IRS do ano de 2021, no valor de € 116,46, em virtude da prescrição da quantia exequenda.
Admitidos os embargos, o embargado contestou e foi designada data para a audiência prévia.
Realizada esta, foi proferido saneador-sentença, julgado os embargos improcedentes.

Recorre o executado, e conclui:
1. Por sentença datada de 12-01-2024 o tribunal “a quo” julgou integralmente improcedentes a oposição à execução mediante embargos de executado e a oposição à penhora deduzidas por AA.
2. O Embargante ora recorrente não se conforma com a sentença recorrida porquanto o tribunal “a quo” ao ter proferido saneador-sentença sem que tivesse sido produzida nenhum elemento de prova violou o poder/dever de prosseguir o apuramento da verdade material.
3. Ao que acresce que os presentes autos não se encontravam em condições de ser proferida sentença sem que tivesse sido produzida a prova testemunhal indicada, até porque os documentos juntos aos autos pelas partes careciam de serem ou não comprovados em sede de audiência de discussão e julgamento, o que não sucedeu.
4. Termos em que deverá a douta sentença recorrida ser revogada por não ter sido realizada a audiência de discussão e julgamento, por não ter sido produzida prova e por violação do disposto no artigo 411.º Código Processo Civil e bem assim do princípio do inquisitório.
5. Sem prescindir, o ora Recorrente não se conforma com a sentença recorrida porquanto a mesma é totalmente omissa quanto à seleção da matéria de facto.
6. Pelo que se conclui que ou estamos perante uma omissão de pronúncia, devendo a sentença recorrida ser revogada por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.
7. Assim como não o tribunal “a quo” não decidiu todas as questões/exceções alegadas pelo Embargante ora Recorrente, nomeadamente a excepção perentória do pagamento.
8. Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, cometeu-se uma nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.1, do CPC.
9. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.
10. O Embargante ora recorrente não se conforma com a sentença recorrida porquanto resultam incorretamente julgados e apreciados os factos dados como provados n.º 1 a 14.
11. Andou mal o tribunal “a quo” ao não analisar criticamente toda a prova documental junta aos autos.
12. Por outro lado os executados já liquidaram na totalidade a quantia mutuada e não se encontram numa situação de incumprimento.
13. O que faz com que estejamos perante um facto extintivo do direito e do crédito invocado pela Exequente.
14. Termos em que e por erro na valoração da prova documental deverão os factos dados como não provados serem julgados como provados.
15. Ao não apreciar e ao não valorar a prova documental junta aos autos a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 362.º e 376.º do Código Civil.
16. Motivos pelos quais deverão tais documentos ser valorados, ou caso assim não se entenda deverá a sentença recorrida ser revogada por violação do disposto nos artigos 362.º e 376.º do Código Civil.
17. Termos em que deverá a sentença recorrida ser declarada nula e consequentemente deverá ser ordenada a realização de audiência de discussão e julgamento e a consequente produção de prova.
18. Sem prescindir, a sentença recorrida violou ainda o artigo 89.º do CPC que consagra que é competente para a execução o tribunal do domicílio do executado.
19. Viola o artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil e o artigo 27.º, n.º 1 da nossa Constituição.
20. Invocando-se desde já a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo tribunal “a quo” ao artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil por violação do disposto no artigo 27.º, n.º 1 da Constituição para efeitos de eventual recurso para o Tribunal Constitucional.
21. E viola o artigo 309.º do Código Civil.
22. Tendo o contrato sido celebrado a 05-03-1999, até à presente data decorreram mais de 23 anos.
23. Encontrando-se a quantia peticionada prescrita.
24. Termos em que deverá ser revogada a sentença recorrida pro violação do disposto no artigo 309.º do Código Civil e consequentemente deverá ser declarada a prescrição dos presentes autos, julgando-se a presente acção executiva extinta.

A resposta sustenta a manutenção do julgado.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

A matéria de facto julgada provada na sentença é a seguinte:
1. Por requerimento entrado na então designada Secretaria Geral de Execuções de Lisboa em 17-06-2004 o “Banco Comercial Português, S.A.” instaurou contra BB e AA acção executiva para pagamento da quantia global de € 8.173,48 (oito mil cento e setenta e três euros e quarenta e oito cêntimos).
2. Apresentou, para valer como título executivo, uma livrança cujo teor se considera integralmente reproduzido, emitida em 05-03-1999, com data de vencimento de 22-12-2003 e o valor aposto de € 8.054,90 (oito mil e cinquenta e quatro euros e noventa cêntimos), subscrita por ambos os executados para «Titulação do contrato de crédito n.º 750281».
3. No segmento destinado à exposição dos factos o exequente alegou o seguinte:
«1º A sociedade Mello Crédito – Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S.A.”, celebrou com o Banco Comercial Português, S.A., a 27/10/2000 um contrato de cessão de créditos, através do qual cedeu a este banco a totalidade dos créditos relativos a contratos por si celebrados até esta data.
2º O Banco exequente é portador de uma livrança subscrita pelos executados, com data de emissão 05.03.1999, data de vencimento 22.12.2003, no valor de 8.054,90 €, que se junta e aqui se dá por reproduzida, como título executivo.
3º Tal livrança, foi subscrita pelos executados e por estes entregues ao Banco exequente, como livrança em branco, para garantia das responsabilidades do seguinte contrato, que a exequente, no exercício da sua actividade creditícia, celebrou com os executados:
- Contrato de Crédito automóvel, com o n.º …, formalizado em 05.03.1999, por documento particular, no montante de 1.000.000$00, pelo prazo de 36 meses, à taxa de juro nominal anual de 13,45%, o que corresponde a uma taxa anual efectiva de 16,1 % (Doc. N.º 1, que se junta e reproduz)
4º O referido empréstimo destinou-se a ser utilizado como crédito pessoal, para compra de um automóvel.
5º Nos termos da convenção de preenchimento constante da cláusula 11ª do referido contrato, os executados autorizaram expressamente o Banco exequente, a preencher a livrança por eles subscrita e não integralmente preenchida, designadamente no que se refere à data de emissão, montante em dívida, data de vencimento e local de pagamento, pelo valor correspondente aos créditos de que em cada momento o Benco fosse titular, por força do referido contrato. (Doc. N.º 1)
6º Os mutuários, aqui executados, não cumpriram as obrigações por si assumidas no referido contrato, encontrando-se em dívida à exequente, as quantias a seguir indicadas, que se reportam à data de vencimento da livrança, agravando-se o débito, quanto a juros vincendos, à taxa legal:
Capital……………….………………….…….4.394,51 €
Juros……………………………………..……3.480,88 €
Imposto de Selo da Livrança……….…....40,27 €
Imposto de Selo sobre Juros……….….139,24 €
Total…………………………………………8.054,90 €
(Doc. 2 que se junta e reproduz)
7º Aos juros vincendos, que calculados desde a data de vencimento da livrança, até 15.05.2004, ascendem a 123,58 €, acrescem as despesas extrajudiciais de responsabilidade dos devedores que a exequente porventura venha a efectuar, a liquidar oportunamente, nos termos do contrato e das disposições legais.
8º Sobre o total de juros de mora a cobrar, incide a taxa de 4 % nos termos da verba 17.2 da Tabela do Imposto do Selo.
9º Pelo capital e juros, vencidos e vincendos e imposto de selo respondem os executados.
10º A livrança que serve de base à presente execução é título executivo, com os necessários requisitos de exequibilidade, de acordo com o disposto nos artigos 46º, alínea c), do C.P.C., pretendendo o Banco exequente haver da executada a quantia de 8.178,48 €, acrescida de juros vincendos, até integral reembolso.
12º Os mencionados créditos encontram-se vencidos e são exigíveis.
13º A executada foi interpelada para efectuar o pagamento das quantias em dívida, não o tendo feito (Doc.3)
14º O Tribunal é competente, nos termos do pacto de aforamento constante da cláusula 15º das Condições Gerais do Contrato. (Doc.2)».
4. No segmento atinente à liquidação da obrigação fez, por seu turno, constar o que segue:
«(…) VALOR LÍQUIDO …………………….………………………………………. 8.173,48 €
(…)».
5. Com o requerimento executivo foram juntos, além do mais, a livrança, o contrato n.º 750281 outorgado em 05-03-1999 e uma carta datada de 04-12-2003, tendo como remetente o aqui exequente e como destinatários ambos os aqui executados e o seguinte teor:
«(…)
Assunto: Contrato de crédito pessoal celebrado em 05/03/1999
(…)
Por contrato celebrado em 27.10.2000 a Mello Crédito – Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S.A. cedeu ao Banco Comercial Português, S.A. – Sociedade Aberta, os créditos que detinha sobre V. Exªs.
Assim, por incumprimento da cláusula 3.ª do contrato de crédito pessoal em epígrafe (não provisionamento da conta D.O. para efeitos de débito das sucessivas prestações vencidas), comunicamos a V. Exªs. que, nesta data, foi efectuado o preenchimento da livrança de caução em branco para o efeito entregue por V. Exªs.
Nesta conformidade, nos termos do respectivo pacto de preenchimento constante da cláusula 11ª do aludido contrato, informamos que a mesma se encontra a pagamento na morada abaixo indicada com vencimento fixado para o próximo dia 22 de Dezembro de 2003, pelo montante de € 8.054,90 assim discriminado:
- Capital ……………….………………….……. Eur.: 4.394,51
- Juros ……………………………………..…… Eur.: 3.480,88
- Imposto do Selo …………………….…... Eur.: 139,24
- Selagem título ……….…………………… Eur.: 40,27
Caso o pagamento não ocorra na data de vencimento indicada, ver-nos-emos forçados a promover as diligências necessárias à cobrança coerciva do valor em dívida.
(…)».
6. Em 20-12-2005 foi junto aos autos de execução principais um requerimento subscrito pelo exequente e por ambos os executados, cujo teor se tem por integralmente reproduzido, incorporando um plano de pagamento da quantia exequenda em 66 (sessenta e seis) prestações.
7. Em 22-04-2008 foi proferido despacho suspendendo «a instância executiva pelo período correspondente à duração do plano de pagamentos ou até ao seu incumprimento».
8. Em 20-09-2021 o exequente informou «que não chegou a recepcionar qualquer valor nos presentes autos, referente ao acordo de pagamento celebrado com os Executados».
9. Tendo a execução prosseguido, em 05-05-2022 o Sr. agente de execução procedeu à penhora do crédito de reembolso do IRS de 2021 do executado AA, no valor de € 116,46 (cento e dezasseis euros e quarenta e seis cêntimos).
10. Nessa sequência, o executado AA foi citado em 16-05-2022.
11. Em 06-06-2022 foi junto aos mesmos autos de execução principais ofício provindo do Instituto da Segurança Social, I.P. dando conta da concessão ao executado AA do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
12. Tal ofício foi notificado ao exequente por expediente postal datado de 19-10-2022.
13. Em 14-12-2022, ainda no âmbito dos autos de execução principais, foi proferida sentença em que se decidiu declarar o Juízo de Execução de Lisboa «incompetente, em razão do território, para a tramitação e decisão da acção executiva e respectivos apensos», mais se determinando que, após trânsito, se remetessem «os autos ao Tribunal competente, o Juízo de Execução do Entroncamento».
14. Notificada às partes e ao Ministério Público por ofícios datados de 21-12-2022 e 04-01-2023, tal sentença não foi alvo de qualquer reclamação.

Aplicando o Direito.
1. Nulidade do saneador-sentença:
Começa o Recorrente por afirmar que os autos não se encontravam em condições de ser proferida sentença sem ter sido produzida a prova testemunhal.
No entanto, o Recorrente não indica quaisquer factos concretos que carecessem de outra prova, e certo é que todos os factos alegados nos articulados estão já demonstrados, quer por prova documental junta aos autos, quer por expresso acordo das partes.
Alega ainda o Recorrente que a sentença incorre em nulidade por omissão de pronúncia, por falta de selecção da matéria de facto. Mais especificamente, sustenta nas suas alegações que tal nulidade decorre da falta de selecção de quais os factos não provados.
Porém, a sentença selecciona quais os factos que considera assentes e procede à motivação dessa decisão, fundando-se, no essencial, em prova documental não impugnada. Mais declara que não há factos a enunciar como não provados, na medida que “o estado processo permite o imediato conhecimento do mérito da causa, (e) seria ilógico em sede de saneador-sentença proceder àquela enunciação”.
Assim é.
Com efeito, uma coisa é a sentença proferida após a audiência de julgamento, com a produção dos mais variados meios de prova, seja documental, seja por confissão ou declarações das partes, seja pericial, seja por inspecção judicial, seja testemunhal. Neste caso, a sentença obedece ao disposto no art. 607.º do Código de Processo Civil e na sua fundamentação o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e motivando a sua convicção, nos termos exigidos pelos n.ºs 4 e 5 daquele artigo.
Mas quando o despacho saneador conhecer imediatamente do mérito da causa, o que pode fazer ao abrigo do art. 595.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil, “sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória”, não há a obrigação de proceder à análise crítica das provas com as mesmas exigências dos n.ºs 4 e 5 do art. 607.º. Neste caso, o tribunal deve elencar os factos já assentes – por acordo, por documento ou por confissão – e fundamentar a sua decisão.
Com efeito, relativamente a factos plenamente provados, não opera o princípio da livre apreciação da prova e consequente necessidade de motivação da convicção do juiz, mas apenas a verificação do facto estar assente.
Por outro lado, se o juiz considera que o estado da causa permite a apreciação do mérito logo no saneador, não há factos a declarar como não provados, desde logo porque não houve julgamento para aferir essa não prova.
Neste sentido, veja-se a seguinte jurisprudência, toda disponível para consulta em www.dgsi.pt:
· Acórdão da Relação de Coimbra de 16.09.2014 (Proc. 1655/10.3TBVNO.C1);
· Acórdão da Relação de Lisboa de 06.06.2019 (Proc. 21172/16.7T8LSB.L1-2);
· Acórdão da Relação de Lisboa de 03.12.2020 (Proc. 4711/18.6T8LRS-A.L1-2);
· Acórdão da Relação do Porto de 16.12.2020 (Proc. 21596/18.5T8PRT-A.P1); e,
· Acórdão da Relação do Porto de 09.09.2021 (Proc. 1029/11.9TJPRT-K.P1).
Quanto à falta de conhecimento da excepção peremptória da pagamento, nada foi alegado a esse respeito na petição de embargos, que é o local onde o embargante deve alegar os fundamentos da sua oposição à execução, nos termos exigidos pelo art. 728.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Trata-se de uma manifestação do princípio da preclusão, e apenas em relação a matéria de oposição que seja superveniente se permite o decurso de novo prazo de dedução de embargos (n.º 2 do dito art. 728.º).
Como se afirma no Acórdão da Relação do Porto de 17.05.2022 (Proc. 2726/18.3T8PRT-A.P1), publicado em www.dgsi.pt, “em sede de embargos de executado, vigora também o princípio da concentração da defesa; isto é, por regra, o executado tem o ónus de apresentar em juízo todos os seus argumentos de defesa na primeira oportunidade que lhe seja concedida para o efeito. E, se o não fizer, já não o pode realizar mais tarde.”
Assim, também por esta perspectiva não procede a arguição de nulidade do saneador-sentença.

*
2. Da competência territorial do tribunal:
Argumenta o Recorrente que o tribunal territorialmente competente seria o do seu domicílio, nos termos do art. 89.º do Código de Processo Civil.
No entanto, como bem nota a decisão recorrida, sobre a questão formou-se já caso julgado.
Nos autos de execução principais foi proferida decisão que declarou o Juízo de Execução de Lisboa “incompetente, em razão do território, para a tramitação e decisão da acção executiva e respectivos apensos”, mais se determinando que, após trânsito, se remetessem “os autos ao Tribunal competente, o Juízo de Execução do Entroncamento”, decisão essa que foi notificada às partes, que não recorreram.
Como tal, a questão da competência territorial está definitivamente resolvida, face ao disposto no art. 105.º n.º 2 do Código de Processo Civil, pelo que nada mais há a acrescentar sobre esta matéria.
Esta parte das alegações improcede assim.
*
3. Da cessão de créditos:
Argumenta o Recorrente que a cessão de créditos efectuada pela Mello Crédito ao exequente BCP é nula, nos termos do art. 583.º n.º 1 do Código Civil, pois não lhe foi comunicada nem manifestou a aceitação de tal acto.
De acordo com a mencionada norma, a cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite.
Ora, entre os factos provados, com suporte em documento não impugnado, em 04.12.2003 foi enviada carta aos executados, informando-os que “por contrato celebrado em 27.10.2000 a Mello Crédito – Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S.A. cedeu ao Banco Comercial Português, S.A. – Sociedade Aberta, os créditos que detinha sobre V. Exª.s».
Logo, a notificação extrajudicial foi realizada.
De todo o modo, o conhecimento da cessão pelo devedor é condição de eficácia da cessão relativamente a ele e justifica-se pela necessidade deste conhecer quem é o seu credor.
E tal conhecimento pode ser notificada por qualquer meio, mesmo extrajudicial, e pode decorrer da citação para a acção executiva.
Esta é, de resto, a jurisprudência que tem sido adoptada no Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente nos Acórdãos de 10.03.2016 (Proc. 703/11.4TBVRS-A.E1.S1), de 26.05.2021 (Proc. 135/20.3T8CBA-A.E1.S1) e de 07.09.2021 (Proc. 348/16.2T8BJA-A.E1.S1), todos publicados em www.dgsi.pt.
De todo o modo, a questão nem se coloca nos autos, pois a comunicação da cessão de crédito foi realizada ainda antes da citação para a causa.
Quanto à eventual inconstitucionalidade do art. 583.º n.º 1 do Código Civil, por violação do art. 27.º n.º 1 da Constituição, diremos que esta norma trata do direito à liberdade e à segurança, sem qualquer relevo para a apreciação daquela norma.
Consequentemente, também esta parte do recurso deve ser desatendida.
*
4. Da prescrição do crédito
Argumenta, finalmente, o Recorrente que o crédito está prescrito, nos termos do art. 309.º do Código Civil, pois o contrato foi celebrado em 05.03.1999, e já decorreram mais de 23 anos.
Porém, a execução foi proposta em 17.06.2004, pelo que tem a prescrição por interrompida cinco dias depois de ter sido requerida, nos termos do art. 323.º n.º 2 do Código Civil.
E certo é que o embargante nada alega acerca da imputação à exequente do atraso na citação.
De todo o modo, resulta dos autos que em 20.12.2005 exequente e executados celebraram um acordo de pagamento da quantia exequenda em 66 prestações, que motivou a suspensão da instância executiva.
Como correctamente se escreve na sentença recorrida – e o Recorrente nem discute esse argumento – tal acordo interrompe o prazo de prescrição, como resulta do art. 325.º n.º 1 do Código Civil, pois constitui reconhecimento expresso do direito do exequente – neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 12.10.2017 (Proc. 1561/13.0TBSCR.L2-2), em www.dgsi.pt.
Improcedendo, pois, a última linha de argumentação do Recorrente, resta confirmar a sentença recorrida.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Évora, 23 de Maio de 2024

Mário Branco Coelho (relator)
Elisabete Valente
José António Moita