I. O despacho sobre a apensação de ação não traduz o exercício de um poder discricionário, antes se tratando de um poder, que o juiz deve exercer vinculado a determinados críticos legais.
II. Não é fundamento válido para justificar essa inconveniência, a sobrecarga ou o acréscimo de trabalho decorrente da apensação.
III. Tratando-se, em qualquer das ações em causa, de discutir a dinâmica do mesmo acidente de viação e, em qualquer dos caso, de danos do mesmo decorrentes, as vantagens ao nível da economia processual que o julgamento conjunto das três causas trará, não só em atos do Tribunal, como das próprias Partes, não tendo de repetir meios de prova, alegações e despesas que decorrem de todo e qualquer processo judicial resulta evidente – evitar-se-á dessa forma a repetição de depoimentos longos e sensíveis e de diligências probatórias inerentes a um acidente de que decorreram tão infelizes e graves consequências.
IV. Por outro lado, a uniformidade de julgamento que pode proporcionar a circunstância da causa de pedir ser, numa parte substancial, semelhante, apresenta-se como a maior vantagem da apensação de ações, pois serão objeto de uma única decisão proferida pelo mesmo juiz.
(Sumário elaborado pela relatora)
Já no âmbito da ação n.º 2456/23...., apesar de estar em causa o mesmo acidente de viação, a causa de pedir é muito mais complexa relativamente aos danos sofridos, bastando atentar no valor do pedido extremamente elevado e a extensão dos articulados (só a petição inicial tem 379 artigos, a juntar aos 164 e 248 artigos das petições iniciais das ações pendentes neste Juízo), pelo que a apensação da mesma iria tornar a apreciação de tal matéria morosa e difícil, sendo do conhecimento geral que um processo complexo e com uma causa de pedir muito extensa dificulta a produção da prova e leva a que a parte por vezes se perca no todo, não se vislumbrando vantagem na apensação também do processo n .º 2456/23.... que suplante os inconvenientes assinalados.
Por sua vez, o artigo 36º do Código de Processo Civil estabelece que “1-É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência.
2- É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.
3- É admitida a coligação quando os pedidos deduzidos contra os vários réus se baseiam na invocação da obrigação cartular, quanto a uns, e da respetiva relação subjacente, quanto a outros.
4- É igualmente permitida a coligação sempre que os requerentes de processos especiais de recuperação da empresa e de falência justifiquem a existência de uma relação de grupo, nos termos dos artigos 488.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais”.
Por legitimidade entende-se a posição das partes em relação a uma determinada ação.
Nos termos do artigo 30º, nos 1 e 2 do Código de Processo Civil de 2013, o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar, exprimindo-se tal interesse pela utilidade derivada da procedência da ação.
Segundo MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA,[1] a legitimidade “tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da ação possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor”.
A coligação consubstancia uma situação em que há pluralidade de partes e pluralidade correspondente de relações materiais controvertidas.
Assim, a coligação de autores ou de réus é admitida, nos termos, do disposto no artigo 36º do Código de Processo Civil e nas situações com relevância para a decisão dos autos, quando:
- Seja a mesma e única a causa de pedir que sustenta os diferentes pedidos formulados;
- Os pedidos, apesar de diferentes, estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência;
- A procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação das mesmas regras de direito.
Na situação dos autos, uma vez que os pedidos nas duas ações têm por base o ressarcimento de prejuízos causados em consequência do mesmo acidente de viação, não há qualquer dúvida que se está perante uma situação em que pode haver coligação, uma vez que a decisão nas duas ações depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação das mesmas regras de direito nos termos do disposto no artigo 36º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Finalmente, o artigo 37º do Código de Processo Civil estatui que:
“1-A coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia.
2- Quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.
3- Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada.
4- Se o tribunal, oficiosamente ou a requerimento de algum dos réus, entender que, não obstante a verificação dos requisitos da coligação, há inconveniente grave em que as causas sejam instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente, determina, em despacho fundamentado, a notificação do autor para indicar, no prazo fixado, qual o pedido ou os pedidos que continuam a ser apreciados no processo, sob cominação de, não o fazendo, ser o réu absolvido da instância quanto a todos eles, aplicando-se o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo seguinte.
5- No caso previsto no número anterior, se as novas ações forem propostas dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado do despacho que ordenou a separação, os efeitos civis da propositura da ação e da citação do réu retrotraem-se à data em que estes factos se produziram no primeiro processo”.
No caso concreto, a coligação não afeta as regras de competência internacional ou em razão da matéria e, estão em causa 2 ações pendentes neste J... do Juízo Central Cível ..., pelo que se decide autorizar a cumulação por uma questão de economia de meios.
Considerando as vantagens na tramitação unitária das duas ações, a solução passa por incorporar as mesmas num único apenso.
Assim sendo, por se verificar uma situação de coligação e estando reunidos os pressupostos previstos nos artigos 36º, 37º e 267º, nos 1 e 2 do Código de Processo Civil, vislumbrando-se vantagens na tramitação unitária das duas ações pelos motivos supra expostos, sendo certo que esta ação foi a 1ª a ser intentada, não havendo qualquer situação de dependência dos pedidos formulados, pelo que determino a apensação aos autos do processo n.º 2465/23.... deste Juízo (indeferindo-se a apensação do processo n .º 2456/23.... pelas razões supra expostas).
Notifique, inclusivamente no âmbito do processo n.º 2465/23.....
*
Apense o processo n.º 2465/23...., dê baixa estatística e, junto o mesmo, abra de novo “Conclusão”.(…)”
***
Não se conformando com o despacho, na parte em que indeferiu a
apensação do processo n.º 2456/23...., a Ré dele interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido a fls. __, no âmbito do processo supra identificado, o qual indeferiu a pretensão da ora Recorrente de apensação aos autos do processo n.º 2498/23..., do processo n.º 2456/23...., com o qual esta não se poderá conformar.
2. O douto Tribunal, com a sua decisão, violou as regras de interpretação e aplicação do artigo 267.º do CPC, ao determinar o indeferimento de apensação de ações quando se encontram preenchidos os requisitos positivos e negativos para que a mesma se defira.
3. No dia 16/07/2021, cerca das 18:00 horas, na ..., km 72,400, sentido Este/Oeste, em ..., ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-BS, propriedade de Mercedes-Benz Portugal, S.A..
4. O veículo era conduzido por DD, legal representante da locatária “CTB RENT, LDA” sendo que, além da condutora, encontravam-se como ocupantes do veículo: AA, CC, BB e EE.
5. Deste acidente, resultaram danos para os ocupantes AA, para o seu filho CC, tendo ainda resultado a morte de sua filha, BB.
6. Tendo por causa de pedir tal acidente de viação, AA, interpôs ação de condenação. Esta ação corre termos no Juízo Central Cível ... – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o número 2498/23..., tendo a respetiva petição inicial dado entrada no dia 08/07/2023.
7. Em tal ação, peticiona um total de € 214.611,90, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
8. Paralelamente, intentou AA ação de condenação, por si e na qualidade de herdeiro da sua filha BB, ação que correu termos no Juízo Central Cível ... – Juiz ..., Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o número 2465/23...., tendo a respetiva petição inicial dado entrada no dia 14/08/2023.
9. Em tal ação, peticiona um total de € 125.046,55, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
10. Corre, ainda, termos no Juízo Central Cível ... – Juiz ..., Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o número de processo 2456/23.... ação declarativa de condenação instaurada por CC, representado pelos seus pais e legais representantes AA e DD. A respetiva petição inicial deu entrada no dia 15/08/2023.
11. Em tal ação peticiona um total de € 1.597.469,84, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
12. Ora, atenta a factualidade de base das três causas supra, e as suas causas de pedir, foi pela Ré, que o é nos três processos, requerida a apensação destas ações, através de requerimento datado de 31/10/2023, na ação que deu entrada primeiro, i.e., no processo com o n.º 2498/23....
13. Este requerimento foi objeto de despacho, em 24/11/2023, de indeferimento do requerido, por considerar não se estar na ação que foi instaurada primeiro.
14. Após esclarecimento prestado por requerimento datado de 27/11/2023, veio o douto Tribunal, o Juízo Central Cível ... – Juiz ..., debruçar-se sobre a requerida apensação.
15. Decidiu, a final, pelo deferimento da apensação aos autos do processo n.º 2465/23...., indeferindo a apensação do processo n.º 2456/23.....
16. Não pode a Ré, ora Recorrente, concordar com o teor deste despacho, pois que ambas os processos devem ser apensados ao processo que corre termos sob o n.º 2498/23....
17. Face à complexidade das duas ações que pode ser minimizado em julgamento comum, “tendo presente os fundamentos que a justificam – a economia de actividade e a uniformidade do julgamento – o julgamento da causa que se pretende apensar ou da causa a que a apensação se devia fazer, apresenta-se-nos como o limite” (v. Ac. RC de 2013.05.21, Proc. 4044/07.3TJCBR-C.C1, www.dgsi.pt), situação que manifestamente não se verifica in casu, dado que ambos os autos aguardam a marcação da audiência prévia.
18. Em face do exposto, requerer-se a este douto Tribunal, nos termos e para os efeitos do art. 267º do CPC, se digne ordenar a apensação dos autos nº 2456/23.... aos presentes autos, que foram apresentados primeiramente em juízo, com as legais consequências.”
19. De acordo com o artigo 267.º, n.º 1 do CPC, se forem propostas separadamente ações que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, é ordenada a junção delas, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação.
20. Ora, conforme nos diz o Tribunal da Relação de Guimarães, “a apensação de processos é um instituto de natureza eminentemente prática, que visa obter a maior economia processual possível, e, ao mesmo tempo, promover a uniformidade de julgamentos quando estão em causa questões conexas.
21. Trata-se de uma manifestação do princípio da economia processual, permitindo que no mesmo processo se resolva o maior número possível de litígios, impedindo a multiplicação evitável de processos judiciais.
22. E também de acordo com o Tribunal Judicial da Relação de Évora: “Como é consabido, a apensação de processos (art.º 267º e seguintes do CPC) tem dois desígnios fundamentais: o da economia processual e o da uniformidade de julgamento.
23. Temos, portanto, como pressuposto positivo da apensação o preenchimento dos requisitos de admissibilidade das figuras supra expostas e como pressuposto negativo que não estejam em fases processuais diferentes e que não exista uma razão especial que a ela se oponha.
24. Ora, as três ações supra descritas preenchem os requisitos de admissibilidade da coligação.
25. Segundo o artigo 36.º, n.º 1 do CPC, é permitida a coligação de autores contra um réu quando a causa de pedir seja a mesma e única.
26. Por sua vez, diz-nos o n.º 2 do mesmo preceito que é igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos.
27. Como já se deixou supra exposto, a causa de pedir das três ações é exatamente a mesma: o acidente de viação ocorrido no dia 16/07/2021, sendo os pedidos interpostos contra a mesma Ré derivados todos eles desse mesmo sinistro.
28. Por outro lado, não se encontram obstáculos a esta coligação, correspondendo os pedidos à mesma forma de processo e sendo a competência territorial destes exatamente a mesma. Isto porque a causa de pedir, o acidente de viação, determina o local onde ocorreu o sinistro e, por sua vez, a competência territorial para debate das causas. Encontrando-se, ainda e à data do requerimento da apensação, os três processos na mesma fase processual.
29. Ora, no seu despacho, o douto Tribunal entendeu pelo indeferimento da apensação da ação n.º 2456/23.....
30. Assim o fez com a fundamentação de que “apesar de estar em causa o mesmo acidente de viação, a causa de pedir é muito mais complexa relativamente aos danos sofridos, bastando atentar no valor do pedido extremamente elevado e a extensão dos articulados (…), pelo que a apensação da mesma iria tornar a apreciação de tal matéria morosa e difícil, (…) não se vislumbrando vantagem na apensação também do processo n .º 2456/23.... que suplante os inconvenientes assinalados.”
31. Ora, salvo o devido respeito, não se pode determinar a complexidade da causa de pedir com base na extensão dos articulados e do valor peticionado.
32. A causa de pedir, como ficou já supra clarificado, é o acidente de viação em apreço nas três ações. Naturalmente, a dimensão dos danos peticionados por cada um dos seus Autores diferenciará tendo em conta os danos alegadamente sofridos por cada um destes.
33. Já no que diz respeito à alegada morosidade que esta apensação causaria ao processo, diz-nos o Tribunal da Relação do Porto: “A justificação do atraso para a inconveniência não merece acolhimento, porque o interesse na apensação é a economia processual e a uniformidade do julgado, valores que prevalecem sobre o maior trabalho, a maior demora dum julgamento aglomerado de processos. A economia não é posta em causa pelo atraso do processo ao qual é apensado um outro, ou outros, antes reside na libertação dos meios humanos envolvidos no processamento e julgamento dos processos a apensar. O benefício da uniformidade do julgado contribui decisivamente para a paz social e para o crédito da justiça e soma-se à economia da libertação, ponderando-se contra a simples demora dum processo ou o maior trabalho que ele dá a resolver.”
34. E ainda o Tribunal da Relação de Lisboa: “II. Verificados os requisitos previstos no art. 30º do C.P.C., deve o juiz ordenar a apensação se o estado do processo ou outra razão válida a não tornar inconveniente. O despacho sobre a apensação de acção não traduz o exercício de um poder discricionário, antes se tratando de um poder, que o juiz deve exercer vinculado a determinados críticos legais. Não pode, por isso, aceitar-se como válida, para justificar essa inconveniência, a sobrecarga ou o acréscimo de trabalho decorrente da apensação.”
35. Pois bem, claro fica que a morosidade que possa acrescer a um processo não pode ser fundamento para a não apensação de ações quando preenchidos os requisitos legais para a mesma.
36. Mais se diga que não se visiona, sequer, qual seria a morosidade acrescida aos autos com a apensação indeferida.
37. Em ambos os processos n.º 2498/23... e 2456/23.... foram requeridas, como se deixou já supra, diligências probatórias periciais. Não se pode sequer afirmar que tal morosidade destas advém, pois que sempre se realizarão nos autos a que se apensaria a segunda destas ações.
38. Aliás, diga-se, apenas se vislumbram vantagens para a plena decisão dos autos, atenta a uniformidade de julgamento possível através da apensação de todas as ações decorrentes da mesma causa de pedir – o acidente de viação supra discriminado.
39. E apesar de o douto Tribunal alegar que só acresceria morosidade aos autos, temos, com muito respeito, de discordar de tal avaliação, porque a extensão de um articulado ou a dimensão dos danos alegados não tornam a causa mais ou menos complexa.
40. Veja-se, ademais, as vantagens ao nível da economia processual que o julgamento conjunto das três causas teria, não só em atos do douto Tribunal, como das próprias Partes, não tendo de repetir meios de prova, alegações e despesas que decorrem de todo e qualquer processo judicial.
41. A apensação de processos é um instituto de natureza eminentemente prática, visando obter a maior economia processual possível, e, ao mesmo tempo, promover a uniformidade de julgamentos.
42. À data em que a Recorrente apresentou o seu requerimento de apensação este era – e continua a ser- oportuno, não colidindo com a evolução processual de ambos os processos porque, na data, em nenhum deles ocorrera ainda a audiência prévia.
43. Conforme refere o Acórdão (proc. 4044/07.3TJCBR-C.C1) “A uniformidade de julgamento, evitando que as causas em questão que versam sobre questões idênticas ou conexas sejam objeto de julgamentos dispares, apresenta-se como a maior vantagem da apensação de ações, pois serão objeto de uma decisão proferida pelo mesmo juiz”.
44. Deste modo, à luz da ponderação exigida pelo art.º 267.º do CPC, é, pois, de revogar o despacho recorrido.
45. Estão preenchidos os pressupostos da apensação dos processos.
46. Deverá o requerimento de apensação aos presentes autos do Processo n.°2456/23...., ser deferido, sendo o douto despacho proferido revogado.
(…)
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Despacho, sendo substituído por outro que defira a apensação da ação n.º 2456/23...., só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
*
O Autor AA respondeu às alegações, referindo que não se opõe a que seja igualmente apensada à presente ação, a ação que corre termos sob o processo n.º 2456/23...., que versa sobre o mesmo evento rodoviário que constitui a causa de pedir na presente demanda, referindo que não se pode, contudo, conformar com o requerimento da ré/recorrente, no sentido de que ao presente recurso seja concedido efeito suspensivo, concluindo da seguinte forma:
“TERMOS EM QUE DEVERÁ SER NEGADO PROVIMENTO AO PEDIDO DE FIXAÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO DE APELAÇÃO, SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.”
*
Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso,
cumpre apreciar e decidir.
II. QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC).
Assim, no caso, cumpre apreciar e decidir da verificação dos pressupostos de que depende a apensação do processo n.º 2456/23.... aos presentes autos.
*
III. Fundamentação
1.De Facto
Os factos pertinentes à resolução do presente recurso constam do
antecedente relatório.
*
2. Do mérito do recurso
Recordemos a situação em causa nos autos.
A pretensão do Autor assenta nos danos que alega ter sofrido em consequência de acidente de viação ocorrido no dia 16/07/2021, cerca das 18:00 horas, na ..., km 72,400, sentido Este/Oeste, em ..., em que foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-BS, propriedade de Mercedes-Benz Portugal, S.A.., na altura conduzido por DD, legal representante da locatária “CTB RENT, LDA” sendo que, além da condutora, encontravam-se como ocupantes do veículo: AA, CC, BB e EE.
Segundo a factualidade descrita pelo Autor, AA, o sinistro deveu-se à negligência da condutora, DD, alegação que foi pela ora Recorrente impugnada alegando não dispor a Recorrente de elementos que permitam determinar quem foi o responsável pelo acidente.
Deste acidente, terão resultado danos tanto para o ora Autor, AA, como para o seu filho CC, tendo ainda resultado a morte de sua filha, BB.
Esta ação, como é sabido, corre termos no Juízo Central Cível ... – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o número 2498/23..., tendo a respetiva petição inicial dado entrada no dia 08/07/2023.
Nesses autos, vem o Autor requerer a condenação da ora Recorrente ao pagamento:
• Da quantia nunca inferior a € 150.000,00 a título de indemnização pelo dano biológico (dano patrimonial futuro);
• Da quantia de € 14.611,90 (a título de danos patrimoniais com despesas médicas, medicamentosas, fisioterapia e transportes, já realizadas e despesas futuras já quantificadas a título de fisioterapia;
• Do valor que vier a apurar-se necessário para prover a eventuais despesas futuras com tratamento médicos, cirurgias, medicamentos e fisioterapia/hidroterapia;
• Da quantia de € 50.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais.
É de salientar que, nestes autos, foi requerida pelo próprio Autor a sua submissão a perícia de avaliação corporal do dano.
Paralelamente, intentou o referido AA ação de condenação, por si e na qualidade de herdeiro da sua filha BB, ação que corre termos no Juízo Central Cível ... – Juiz ..., Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o número 2465/23...., tendo a respetiva petição inicial dado entrada no dia 14/08/2023.
Nesses autos, o Autor peticiona a condenação da ora Recorrente ao pagamento:
• Da quantia de € 7.546,55 a título de indemnização por danos patrimoniais (despesas de funeral);
• Da quantia de € 67.500,00 a correspondente à quota-parte que assiste ao Autor a título de danos não patrimoniais (dano moral da vítima pela antevisão da sua morte e dano não patrimonial pela perda do direito à vida);
• Do valor de € 50.000,00, a título de compensação pelos danos não
patrimoniais próprios em virtude do falecimento da sua filha.
Por fim, corre termos no Juízo Central Cível ... – Juiz ..., Tribunal Judicial
da Comarca ..., sob o número de processo 2456/23.... ação declarativa de condenação instaurada por CC, representado pelos seus pais e legais representantes AA e DD. A respetiva petição inicial deu entrada no dia 15/08/2023.
Nestes autos, o ali Autor peticiona a condenação da ora Recorrente ao pagamento:
• Da quantia de € 1.547.469,84, a título de danos patrimoniais;
• Do valor de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais;
• Dos tratamentos médicos e medicamentosos que o mesmo venha eventualmente a necessitar no futuro por virtude das sequelas de que ficou a padecer;
Nesses autos, foi pelo Autor CC requerida a sua submissão a perícia de avaliação corporal do dano.
Atenta a factualidade de base das três causas supra, e as suas causas de pedir, foi pela Ré, que o é nos três processos, requerida a apensação destas ações, através de requerimento datado de 31/10/2023, na ação que deu entrada primeiro, i.e., no processo com o n.º 2498/23....os termos da causa.
Não foi deduzida oposição à requerida apensação.
Apreciemos.
“Se forem propostas separadamente acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, é ordenada a junção delas, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação” (n.º 1 do art.º 267.º do CPC).
Como é sabido, a apensação de processos (art.º 267.º e seguintes do CPC) tem dois desígnios fundamentais: o da economia processual e o da uniformidade de julgamento.
Com efeito, a apensação de processos é um instituto de natureza eminentemente prática, que visa obter a economia da atividade processual, e, ao mesmo tempo, promover a uniformidade de julgamentos quando estão em causa questões conexas, ou seja, quando a causa de pedir ser a mesma e única, ou de os pedidos estarem numa relação de dependência nas ações apensadas.
Na verdade, “a este instituto subjazem razões de economia processual bem como de uniformidade de julgados. A apensação depende da verificação dos seguintes pressupostos formais ou substanciais: entre as diversas ações instauradas e pendentes devem verificar-se as circunstâncias de que depende o litisconsórcio, a coligação, a oposição ou a reconvenção; a apensação deve ser requerida pelos interessados e só pode ser oficiosamente determinada quando incida sobre processo ou processos adstritos ao mesmo juiz (excluindo-se deste modo as situações em que o processo está pendente no mesmo tribunal ou juízo, mas na titularidade de juiz diferente); deve verificar-se um interesse atendível na junção de processos; o requerimento deve ser apresentado no processo que deva suportar a apensação; a pretensão apenas deve ser deferida depois de respeitado o contraditório e desde que o estado do processo ou outras razões especiais não impeçam a apensação”[2]3.
A apensação de ações só se justifica verdadeiramente quando as causas são conexas.[3] “O fundamento da junção é a conexão: Juntam-se as causas que são conexas; e juntam-se, como dissemos, para se conseguirem estes dois benefícios:
a) Economia de actividade
b) Coerência, ou melhor, uniformidade de julgamento.”[4]
A parte que requer a apensação deverá demonstrar a existência da conexão entre as ações e que a apensação serve em concreto a um mais perfeito desenvolvimento da relação jurídica processual”.[5]
Requerida a apensação, o juiz deferirá o requerimento se entender ser legal e conveniente a apensação ou indeferindo-o se entender ser ilegal (por não obedecer aos requisitos exigidos pelo referido art.º 267.º do CPC), ou, sendo legal, a apensação se tornar inconveniente, dado o estado dos processos ou em atenção a qualquer outra circunstância.
Vale isto por dizer que no deferimento da apensação de processos, o juiz está, por um lado, vinculado a determinados critérios legais e por outro atribui-se ao juiz um poder discricionário na ponderação do aludido pressuposto negativo.
Segundo o artigo 36.º, n.º 1 do CPC, é permitida a coligação de autores contra um réu quando a causa de pedir seja a mesma e única.
Por sua vez, diz-nos o n.º 2 do mesmo preceito que é igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos.
No caso, dúvidas não se colocam de que a causa de pedir das três ações é, ao menos em parte (já que se trata, em qualquer os casos, de causa de pedir complexa) exatamente a mesma: o acidente de viação ocorrido no dia 16/07/2021 e a respetiva dinâmica, sendo os pedidos formulados contra a mesma Ré decorrentes todos eles desse mesmo sinistro.
Por outro lado, não se encontram obstáculos a esta coligação, correspondendo os pedidos à mesma forma de processo e sendo a competência territorial destes exatamente a mesma, já o acidente de viação, determina o local onde ocorreu o sinistro e, por sua vez, a competência territorial para debate das causas.
Encontrando-se, ainda e à data do requerimento da apensação, os três processos na mesma fase processual.
O indeferimento da apensão do último dos aludidos processos não se fundou na falta de tais pressupostos, mas antes no entendimento de que “no âmbito da ação n.º 2456/23...., apesar de estar em causa o mesmo acidente de viação, a causa de pedir é muito mais complexa relativamente aos danos sofridos, bastando atentar no valor do pedido extremamente elevado e a extensão dos articulados (só a petição inicial tem 379 artigos, a juntar aos 164 e 248 artigos das petições iniciais das ações pendentes neste Juízo), pelo que a apensação da mesma iria tornar a apreciação de tal matéria morosa e difícil, sendo do conhecimento geral que um processo complexo e com uma causa de pedir muito extensa dificulta a produção da prova e leva a que a parte por vezes se perca no todo, não se vislumbrando vantagem na apensação também do processo n .º 2456/23.... que suplante os inconvenientes assinalados.”
Não obstante as razões invocadas para o indeferimento da apensação, afigura-se que desde logo, a complexidade da causa de pedir não pode ser decorrência direta da extensão de factos que constituem a causa de pedir ou do valor dos danos.
Por outro lado, como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa, proferido no processo 7951/2006-6, em 26-10-2006, que se pode consultar em www.dgsi.pt, e em cujo sumário se lê: “ II. Verificados os requisitos previstos no art. 30º do C.P.C., deve o juiz ordenar a apensação se o estado do processo ou outra razão válida a não tornar inconveniente. O despacho sobre a apensação de acção não traduz o exercício de um poder discricionário, antes se tratando de um poder, que o juiz deve exercer vinculado a determinados críticos legais. Não pode, por isso, aceitar-se como válida, para justificar essa inconveniência, a sobrecarga ou o acréscimo de trabalho decorrente da apensação”.
Tratando-se, em qualquer das ações, de discutir a dinâmica do mesmo acidente de viação e, em qualquer dos casos, de danos do mesmo decorrentes, as vantagens ao nível da economia processual que o julgamento conjunto das três causas trará, não só em atos do Tribunal, como das próprias Partes, não tendo de repetir meios de prova, alegações e despesas que decorrem de todo e qualquer processo judicial resulta para, nós, evidente – evitar-se-á dessa forma a repetição de depoimentos longos e sensíveis e de diligências probatórias inerentes a um acidente de que decorreram tão infelizes e graves consequências.
Por outro lado, a uniformidade de julgamento que pode proporcionar a circunstância da causa de pedir ser, numa parte substancial, semelhante, apresenta-se como a maior vantagem da apensação de ações, pois serão objecto de uma única decisão proferida pelo mesmo juiz.
Assim, é patente que as vantagens de economia processual e de uniformização de julgados que podem advir da apensação dos identificados processos superam as indicadas desvantagens ligadas à dimensão de qualquer dos autos em causa e à relevância prática dos inconvenientes aduzidos.
Em conclusão, merece provimento o recurso.
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IV. Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que cumprido o contraditório relativamente ao Autor no processo n .º 2456/23...., defira a apensação de tal processo ao presente, salvo se a tanto, outra circunstância, designadamente qualquer ocorrência processual posterior, a tanto obstar.
Sem custas por a elas não ter dado causa a Apelante.
Registe e notifique.
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Évora, 2024-05-23
Ana Pessoa
Maria João Sousa e Faro
José António Moita
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[1] A Legitimidade Singular em Processo Declarativo, BMJ n.º 292, p. 105.
[2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, CPC anotado, em anot. ao art.º 267.º
[3] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III, pp. 203.
[4] Alberto dos Reis, op. e loc. cit, nota 3..
[5] Ac da RL de 07.05.2009, proc. nº 10525/08-2, acessível em www.dgsi.pt