REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
Sumário


1. O exercício das responsabilidades parentais é um poder-dever dos pais exercido altruisticamente no interesse da criança - o critério orientador na decisão do tribunal é o interesse superior da criança e não o interesse dos pais, que apenas deve ser considerado na justa medida em que se mostre conforme àquele;
2. O superior interesse do menor é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, com a primazia da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor;
3. O regime da residência alternada é o regime de regulação do exercício do poder paternal mais conforme ao interesse da criança porque lhe possibilita contactos em igual proporção com o pai, a mãe e respetivas famílias - é de primordial interesse para a criança poder crescer e formar a sua personalidade na convivência em termos de plena igualdade com a mãe e com o pai, sendo, semelhantes as condições afetivas, materiais, culturais e sócio-económicas de ambos os progenitores.
4. A residência alternada permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
AA instaurou a presente ação contra BB, com vista à alteração da regulação das responsabilidades parentais das filhas de ambos, CC e DD.
Para o efeito e em súmula, alegou que as partes tiveram um relacionamento, de cerca de 12 anos, que terminou em 2020, e do qual nasceram as menores.
Em tal contexto, havendo-se o casal separado, o Requerente explicitou que aquelas têm estado a viver com a progenitora, ainda que o Requerido tenha sempre acompanhado o seu percurso de vida, tendo uma relação de proximidade com as suas filhas.
Como tal, evidenciando deter condições para o efeito, o Requerente preconizou a aplicação do regime de residência alternada.
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Designada data para conferência de pais, no seu seio e ante a ausência de entendimento entre as partes foi fixado regime provisório, havendo as partes sido remetidas para a ATE.
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Em sequência, da ATE e da conferência que se lhe seguiu, persistindo a ausência de acordo entre as partes, foram estas notificadas para alegar, o que fizeram, a fls. 53 e ss. no caso do pai, e a fls. 67 e ss., no caso da mãe, pugnando aquele pela residência alternada e esta pela manutenção das menores a residir consigo.
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Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, nos termos da qual foi decidido:
“Nestes termos, na presente acção, intentada por AA contra BB, relativamente às menores CC e DD fixa-se o seguinte regime de exercício das responsabilidades parentais:
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1. Exercício das responsabilidades parentais:
1.1. As crianças ficam entregues aos cuidados de ambos os progenitores e com ambos residentes, em regime de semanas alternadas, ocorrendo as trocas à Segunda-feira, competindo ao progenitor que tenha consigo as menores deixá-las, ao início das actividades lectivas, na escola que frequentam, recolhendo-as, também na escola, no final de tais actividades, o progenitor a quem compita a semana respectiva, sendo que caso não haja escola, a entrega deverá ser feita na casa do progenitor a quem compete a semana, na hora em que as menores iniciariam as actividades lectivas.
1.2. O exercício das responsabilidades parentais relativo aos actos da vida corrente das menores incumbe ao progenitor com quem as menores se encontrem a residir na semana respectiva.
1.3. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das menores serão exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2. Visitas:
2.1. As menores, nos períodos de tempo em que estejam com a progenitora, poderão conviver com o progenitor, em termos a acordar entre ambos os progenitores, aplicando-se idêntico regime aos períodos de tempo em que estejam com o progenitor, sendo que em qualquer dos casos, caso não haja acordo, não haverão outros convívios entre as menores e o progenitor/a com quem não estejam a residir, além do que resulta da aplicação do regime de semanas alternadas e do reportado às férias e aniversários que infra se enuncia.
2.2. As férias de Natal, Páscoa e Ano Novo serão passadas pelas menores com os progenitores em termos a acordar entre estes, até 15 dias antes do seu início, sendo que caso não haja acordo, continuará a aplicar-se o regime da residência em semanas alternadas.
2.3. Nos dias de aniversário dos progenitores, as menores tomarão uma refeição com o progenitor que faça anos; já nos dias de aniversário das menores, as mesmas tomarão uma refeição com cada um dos progenitores.
3. Alimentos:
3.1. Tendo-se fixado o regime de residência alternada semanal, não se fixa uma pensão de alimentos a ser suportada por qualquer um dos progenitores, posto que caberá a cada um deles, nas semanas em que as menores estejam consigo, suportar os custos com os gastos correntes das mesmas (como sejam, alimentação e vestuário).
3.2. As despesas médicas, medicamentosas e escolares, serão suportadas por ambos os progenitores, em partes iguais, devendo para o efeito o progenitor que suporte na totalidade o custo inicial de tais despesas remeter cópia do respectivo recibo ao outro progenitor, até ao final do mês a que digam respeito e devendo o progenitor devedor liquidar a sua parte até ao dia 8 do mês subsequente.
3.3. Idêntico regime se aplica às despesas extracurriculares, desde que previamente acordadas.
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Inconformada, apelou a Requerida, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
I. A douta sentença recorrida não fez um correcto enquadramento jurídico dos factos como provados e não provados.
II. Ao presente recurso deverá ser atribuído efeito suspensivo, perdurando assim o efeito do regime provisório até trânsito em julgado, porquanto foi este regime que as menores vivenciaram até aos dias de hoje, após a separação dos progenitores (Fevereiro de 2020).
III. As Menores sempre viveram com a Recorrente, tendo ficado na companhia e à guarda desta, desde a separação dos pais, não havendo notícia de qualquer facto que desabone a capacidade da mãe em garantir os cuidados adequados às suas filhas.
IV. A residência alternada é incompatível com a necessidade de estabilidade e de uma rotina diária com regras simples e bem definidas de forma a permitir um crescimento harmonioso das Menores, sobretudo porque o recorrido não tem disponibilidade e os progenitores têm dificuldades de relacionamento.
V. O tribunal a quo deveria ter considerado os malefícios estudados pela ciência na formação da personalidade e no equilíbrio emocional das crianças provocados pela desvinculação da figura primária de referência, aqui recorrente, a falta de acordo na regulação e o conflito existente entre os progenitores e a existência de indícios de instabilidade emocional, já verificadas nas crianças, corroborado pelo depoimento das testemunhas EE, a sua esposa e pela própria recorrente.
VI. O tribunal a quo desvalorizou por completo as declarações de parte prestadas pela recorrente, bem como as testemunhas apresentadas por esta e pelo recorrido.
VII. Entende a Recorrente que os factos dados como provados identificados como números 10, 11, 16, 18, 26, 29, 32, 33 e da sentença foram incorretamente julgados.
VIII. E, bem assim, os factos dados como não provados identificados com os pontos 55, 56, 60, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71 da sentença foram incorretamente julgados.
IX. A recorrente não aceita que tenha sido dado como provado que o progenitor tenha disponibilidade para garantir em pleno o regime de residência alternada em semanas, tendo já surgido durante a pendência dos autos essa possibilidade e o recorrido ignorado e descurado tal possibilidade.
X. Foi confirmado pela recorrente, pelas testemunhas FF, GG, HH, EE e II, que o progenitor não tem total disponibilidade de permanecer com as menores em regime de residência alternada em semanas, não podendo ainda tirar férias de verão durante os meses de julho e agosto por imposição da entidade empregadora.
XI. Mais foi confirmado pela mãe do progenitor que fica com as menores durante o período das férias, e também durante o período em que as menores estão ao cuidado do recorrido.
XII. Não se aceita que o progenitor, que o mesmo refere que pode fazer os seus horários de trabalho, pelo menos há cerca de 4 anos, ainda não tenha procurado uma solução, tentado para ficar com as menores em regime de residência alternada.
XIII. A decisão deveria ter sido proferida no sentido de considerar como não provado os pontos 32, e aceitar como provados os pontos 55, 56, 66 e 69.
XIV. A residência alternada, em ambientes e rotinas diferentes, é naturalmente, por si só, geradora de instabilidade emocional e física, instabilidade esta que já se verifica pela separação dos progenitores.
XV. In casu, tendo-se já manifestado indícios claros de instabilidade emocional, corroborado pelos depoimentos das testemunhas JJ, Recorrente e KK, deveria o tribunal manter o regime anterior, já que funcionava bem e cumpria totalmente o desiderato da Lei, nos termos do n.º 5 do art.º 1906 do Código Civil.
XVI. A CC teve um ano escolar um pouco complicado, com oscilações de comportamento, tendo manifestado comportamentos negativos e preocupantes. Nesse sentido, e tendo consciência que os tempos de Covid, o presente processo e a idade da menor, a recorrente achou pertinente, tendo em conta o superior interesse da CC, o acompanhamento de uma psicóloga. Assim, consultou o requerente, pedindo a sua opinião, que até à presente data não mereceu qualquer resposta e que o recorrido faz questão de não comparecer e falar com a psicóloga.
XVII. Do depoimento da testemunha JJ e Recorrente, das quais resultaram declarações que foram prestadas com credibilidade, conclui-se que a menor DD tem, efetivamente, alterações de comportamento nos dias anteriores à visita ao pai,mostrando-se mais sensível, ficando emocionalmente instável, com mais ansiedade, sensibilidade excessiva, mais chorosa e irritada.
XVIII. A Progenitora comunica e pede a opinião e participação do Progenitor, em todas as ações que dizem respeito às menores e o progenitor ou não responde ou demonstra desinteresse.
XIX. Pelo que os pontos 64 e 65 deverão ser dados como provados.
XX. No que concerne aos pontos 67, 68, 71 e 72 considerados como não provados, a recorrente considera o pai ausente na saúde das menores, que não lhe comunica a ida das mesmas às consultas, sendo patente a falta de comunicação.
XXI. Pelo que os pontos 60 e 70 terão de ser considerados como provados.
XXII. A recorrente teve de chamar à atenção ao progenitor porquanto as Menores apresentavam roupa com nódoas e sapatos sujos, tendo ainda por diversas o recorrido entregue as Menores à recorrente com o saco de roupa para lavar, demonstrando que não possui capacidades para o trato do vestuário.
XXIII. O recorrido persiste com a ideia de que que caso houvesse guarda partilhada aí sim partilhava os custos inerente às Menores.
XXIV. O Tribunal a quo, de forma parcial, não apreciou devidamente o depoimento das testemunhas, desvalorizando os comportamentos negativos do Recorrido para com a Recorrente.
XXV. O Tribunal a quo, para fundamentar a sua decisão em alterar a guarda das menores, apreciou os depoimentos de uns em detrimento dos outros, até porque, na verdade, cada uma das famílias - do recorrido e requerente - tem as suas experiências da vivência familiar, do que assiste e ouve por parte das menores.
XXVI. E, o Tribunal a quo entendeu que os depoimentos da família da Recorrente revelaram menos credibilidade.
XXVII. Por outro lado, deverão ser feitas as seguintes alterações/aditamentos aos seguintes pontos:
“11. O progenitor procura fazer diversas actividades que possam ser agradáveis para as menores, nomeadamente passeando com as menores (como, por ex., em 2021, em que foram a Évora, juntamente com os avós paternos e em 2022 a ...).
16. Na sequência da decisão referida em 4., quando o progenitor pede para estar com as menores para além do período fixado, a mãe tem demonstrando pouca flexibilidade, sendo que as menores, por exemplo, chegaram depois das 20h00m a casa do pai no Domingo, dia 3 de Julho de 2022 – cfr. fls. 64, sendo que nesta data as menores estiveram em actividades extracurriculares e por esse motivo a entrega foi depois das 20h00, facto este que o progenitor tinha conhecimento.
18.A CC terminou o 7.º ano com notas escolares de 5 valores a tudo, excepto a educação física e ciências naturais, onde foi notada com 4 valores – cfr. fls. 64 (v.).
26. Nos horários em que a menor não tem aulas e a mãe está a trabalhar, a mãe socorre-se da ajuda da avó materna e de outros familiares maternos.”
XXVIII. O tribunal a quo desvalorizou a situação de conflituosidade entre os pais, quando na verdade o relacionamento entre os pais é fundamental e tem sido apontado pela jurisprudência como um critério fundamental na decisão da atribuição da guarda alternada.
XXIX. Apoiados em tais entendimentos e tendo em conta que a DD ainda só conta 8 anos de idade, que sempre viveu com a mãe, que a zela, cuida, educa e dela toma totalmente conta desde que nasceu, existindo laços afetivos fortes entre ambas, e que é manifesto a elevada animosidade existente entre os progenitores, bem retratada nos presentes autos, nada, mas mesmo nada aconselha ou recomenda que se altere a residência atual e habitual das menores.
XXX. O Tribunal a quo, não obstante ter constatado que os progenitores não mantêm entre si uma relação cordial, de cooperação e de diálogo, o que ficou bem demonstrado pela produção de prova testemunhal, desvalorizou por completo tal situação e alterou a residência das menores, drasticamente, não atendendo ao superior interesse das crianças.
XXXI. Porquanto, as menores irão estar sujeita a parâmetros de educação diferentes, o que, até, poderá dificultar o seu desenvolvimento, não restando dúvidas que a Progenitora apresenta melhores condições para garantir às Menores um projecto educativo mais equilibrado e as condições favoráveis a um são crescimento, devendo ser com esta, como aliás já está estabelecido a título provisório, que as Menores devem continuar a residir habitualmente.
XXXII. Mais, o Tribunal a quo, atendendo aos factos levados aos autos, pelas declarações das partes, em que revelam a conflituosidade existente, deveria ter decidido pela manutenção do regime provisório.
XXXIII. Citando MARIA CLARA SOTTOMAYOR (in “Estudos e Monografias – Exercício do Poder Paternal”, Porto, Publicações Universidade Católica, 2003, 2ª ed., págs. 439 a 444) escreve que “a guarda alternada acarreta para a criança inconvenientes graves pela instabilidade que cria nas suas condições de vida e pelas separações repetidas relativamente a cada um dos seus pais, causadas pela constante mudança de residência. (…) a guarda alternada compromete o equilíbrio da criança, a estabilidade do seu quadro de vida e a continuidade e unidade da sua educação, pois não garante a colaboração dos pais no interesse da mesma”, não devendo ser decretada “em casos de conflito parental elevado ou quando um dos pais tem preocupações com a segurança dos filhos junto do outro (…)”
XXXIV. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo violou o artigo 1906º nº 6 do Código Civil, na medida em que, o Tribunal a quo na sua decisão não atendeu ao superior interesse das menores e não ponderou e apreciou todas as circunstâncias relevantes para proferir a decisão de alterar substancialmente a guarda das menores.
XXXV. Sendo que o Tribunal a quo deveria ter aplicado aquela norma jurídica, no sentido de que deveria permanecer a guarda com a mãe, não correspondendo ao superior interesse da criança a alteração para um regime de guarda alternada, até pelas circunstâncias relevantes que resultaram da prova produzida nos presentes autos.
XXXVI. Pelo que, deverá ser dado provimento ao presente recurso, com a produção de Acórdão que revogue a sentença proferida pelo Tribunal a quo e, em consequência, mantenha o regime provisório que existia da regulação das responsabilidades parentais, continuando as menores a residir com a mãe e mantendo tudo o que aí está anteriormente fixado entre ambos os progenitores, acrescido da comparticipação em 50% nas despesas de educação, médico e medicamentosas e das actividades extracurriculares por parte do Progenitor.
Face ao exposto deverá a sentença do tribunal a quo ser revogada, e consequentemente substituída, por outra que estabeleça o regime provisório, tornando-o definitivo, contemplando ainda a comparticipação em 50% nas despesas de educação, médico e medicamentosas e das actividades extracurriculares por parte do Progenitor, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!”
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O Progenitor respondeu ao recurso, concluindo da seguinte forma:
I-Inexiste qualquer erro de julgamento da matéria de facto no caso concreto, pelo menos relevante, tendo a convicção do tribunal assentado em raciocínios que em nada contrariam as regras da experiência comum, convicção devidamente fundamentada pelo Tribunal A Quo de acordo com o disposto no artigo 607 nº 5 do C.P.C .
II- Ao presente recurso deve ser atribuído o efeito meramente devolutivo, por ser o que melhor salvaguarda os interesses das menores estando a ser aplicado o regime de residência alternada desde ../../2023, sem qualquer intercorrência ou percalço, não alegando a recorrente nenhum facto que não tenha sido já ponderado na douta decisão.
III- O Mº Juíz “ a quo”, fez análise crítica de toda a prova produzida, decidindo julgar procedente o pedido de residência alternada formulado pelo progenitor das crianças, obviamente de acordo com o superior interesse das mesmas.
IV- No caso em apreço, a Mª Juiz “a quo” sopesou bem os conflitos existentes entre os progenitores considerando-os de baixa intensidade pelo que, o regime de residência alternada com periodicidade semanal irá contribuir para o amenizar da conflitualidade existente entre os progenitores, ao contrário do que vinha sucedendo.
V- A residência alternada é considerada actualmente pela maioria da doutrina e jurisprudência como o regime que melhor se adequa ao desenvolvimento harmonioso das crianças, não existindo no presente caso nada que o desaconselhe.
VI- Cita a recorrente depoimento das testemunhas EE e esposa ou seja, irmão e cunhada e a própria recorrente, para invocar uma alegada instabilidade emocional nas crianças, sendo que, nada é contextualizado e nem corroborado por outros meios de prova nomeadamente família paterna.
VII- Os factos dados como provados nos pontos 10,11,16,18,26,29,32,33, foram correctamente julgados.
VIII- Foram correctamente julgados também os pontos 55,56,60,64 a 71 dos factos não provados ao contrário do que alega a recorrente.
IX- É completamente falso, que tenha surgido durante os autos possibilidade do progenitor ter a anuência da progenitora ao regime de semanas alternadas, facto é que, ainda estamos a discutir a questão em sede de recurso.
X- Atente-se que as menores até à sentença não residiam com o progenitor, apesar de já terem vivido com o progenitor largos períodos nomeadamente no período do covid, pelo que, fazerem-no em igualdade de circunstâncias entre ambos os progenitores só poderá contribuir para um crescimento saudável.
XI- As transcrições efectuadas pela recorrente em nada contrariam os pontos provados ou não provados, uma vez que, tudo foi ponderado de acordo com a convicção do julgador, os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos, sendo que, qualquer pessoa entenderá a decisão proferida como a mais justa e adequada.
XII- A conclusão retirada no ponto XI das conclusões da recorrente é elaborada de má fé ao dizer que a avó fica com as menores que é de uma enorme falsidade, pois a avó disse que estava com as netas e não que ficava com as netas quando estão com o pai, é censurável a manipulação que a recorrente fez ao nível da transcrição do depoimento da avó substituindo a palavra ele, por eu, para dar a entender que não é o pai que fica com as menores, o que é completamento falso.
XIII-Assim como, é normal a avó paterna visitar facilmente as netas, pois é vizinha do progenitor, a avó está com as menores e não fica com as menores, como a recorrente insinua.
XIV-Com o devido respeito é completamente despropositado acusar o progenitor de não ter mudado os horários, quando na verdade a mãe não permitia o regime de residência alternada.
XV- Extraindo-se inclusivamente dos factos 5 e 6 dos factos provados que o progenitor residiu já largos períodos com as menores após a separação do casal, decorridos cerca de 12 anos de vivencia em comum, o que desde logo é demonstrativo das suas capacidades de cuidar das crianças, não existindo nada em seu desabono.
XVI-O que resulta dos pontos 7 e 8 provados na douta sentença é que quando é necessário para o bem-estar das crianças os progenitores comunicam, de forma que não obsta minimamente à implementação da residência alternada.
XVII- O regime provisório implementado até à douta sentença, determinou desentendimentos entre os progenitores pelo que, a solução não pode ser continuar a manter o progenitor com menos tempo na vida das crianças do que a mãe, mas sim, estabelecer um regime igualitário entre ambos.
XVIII- O progenitor cumpriu escrupulosamente com o regime provisório fixado, em que tinha de receber as filhas ao Domingo até às 20.00h e entregar na casa da mãe até às 20h na terça feira seguinte.
XIX-Do ponto 9 dos factos provados, resulta que as crianças têm relação próxima com ambos.
XX- O ponto 10 dos factos provados resulta provado quer pelas declarações da própria recorrente que confirmou que o progenitor foi à escola falar com o professor de português da CC e da própria menor CC, que refere nomeadamente que as exigências relativamente aos estudos são iguais quer em casa da progenitora quer em casa do progenitor, quer pelo conjunto da prova produzida, bem como pelos depoimentos das testemunhas FF, quer da testemunha LL.
XXI- O ponto 11 dos factos provados resulta provado, quer pelo depoimento de LL que referiu que progenitor é um pai dedicado, que faz as actividades com as menores, quer pelas declarações de MM que referiu a ida a Évora e ... com as menores, bem como idas ao parque do progenitor com as filhas, prepara o jantar, faz limpeza à casa toda, FF que também sublinhou a disponibilidade do progenitor para com as menores e NN que referiu nomeadamente as idas à praia, bem como a própria avó materna referiu que o pai ia com a menor DD à natação e a menor CC que referiu que o progenitor também ia a provas de patinagem.
XXII-O Progenitor não é ausente na saúde das menores, o que decorre das declarações do progenitor, doc.s juntos aos autos, depoimentos por ex. de MM e de LL e FF de onde resulta que é preocupado com elas, e até declarações da própria recorrente que referiu por ex. uma situação que o progenitor tinha ido ao médico com uma das filha só permite concluir que deixa de existir qualquer problema com as idas ao médico com a guarda partilhada, cada um tem obrigação de levar as menores ao médico em caso de doença na sua semana.
XXIII- As menores tem roupa nas duas casas, conforme declarações da menor CC, não merecendo credibilidade a alegação da recorrente de que a roupa das menores tinham nodoas, não existindo nenhuma prova de que as meninas não estejam bem vestidas ou limpas quando estejam com o progenitor.
XXIV-A pouca disponibilidade da progenitora em que as crianças fiquem com o progenitor é um facto e resulta até dos factos provados nos pontos 15,16 e 21.
XXV-O ponto 29 dos factos provados resulta demonstrado porque, desde logo de acordo com as regras da experiência comum, se o progenitor já ficou largos períodos com as menores, teve que tratar de refeições, vestuário e arrumação da casa, mas tudo foi corroborado nomeadamente pela vizinha NN que referiu todos os cuidados com a casa quando as filhas estão para chegar, a avó paterna que referiu nomeadamente que o filho é muito limpinho, assim como declarações da testemunha FF.
XXVI-Quanto à disponibilidade de horários laborais do progenitor para ter as filhas consigo a residir, resultou provado pelo depoimento da sua superior hierárquica que, é o mesmo que faz os seus horários de trabalho e dos seus colegas durante o ano, sem necessidade de aprovação sua ou da admnistração.
XXVII- Inexistem razões que impeçam o progenitor ora recorrido, de ficar com as suas filhas menores de idade, uma vez que, até o seu horário será moldado e já foi inclusivamente moldado de acordo com o disposto na douta sentença com o facto de semana sim, semana não, estar com as crianças, o que resultou provado até pelas declarações da sua superior hierárquica e doc.s juntos.
XXVIII-Quanto aos horários de trabalho do progenitor nos meses de Julho e Agosto, será obviamente da sua responsabilidade encontrar soluções que acautelem o bem estar das menores, caso não lhe seja possível ter férias nesse período.
XXIX-Das regras da experiência comum resulta que a progenitora não poderá estar de férias durante todo o período de férias escolares usualmente entre 15 de Julho e 15 de Setembro, pelo que, também esta terá que encontrar a solução que melhor salvaguarde o bem estar as menores nas semanas que lhe corresponderem.
XXX-A progenitora acusa o pai de não ir buscar sempre as filhas à escola, por indisponibilidade de horários, mas é um facto que a progenitora já por diversas vezes pediu à avó materna, paterna e irmão para irem buscar as crianças o que demonstra a dualidade de critérios.
XXXI- Os progenitores têm a colaboração de família em caso de necessidade.
XXXII- Os progenitores residem no mesmo Município em ... e a filha CC vai de autocarro para a escola quer da casa do pai quer da casa da mãe.
XXXIII-É A própria menor CC que declara em resposta ao Meritíssimo Juiz que gostava de estar uma semana com cada um dos progenitores.
XXXIV-A própria menor CC confirmou a instancias do Meritíssimo Juiz que a exigência para estudar é igual tanto com o pai, como com a mãe, referiu que as coisas correm bem quando está com o pai, que as rotinas são idênticas ema casa do progenitor e da progenitora, que o pai também acompanha nas provas de patinagem artística, que ajuda nos trabalhos de casa o que vem corroborar os pontos 10,17,18 dados como provados.
XXXV-Dos pontos 12 e 13, dados como provados conclui-se nomeadamente que os progenitores durante os anos de vida em comum sempre puderam contar com o apoio da família paterna.
XXVI-Do ponto 16, 21 provados resulta que efetivamente a progenitora faz outros planos justamente no tempo que caberia ao progenitor ficar com as menores.
XXXVII-A Técnica da Audiência técnica especializada evidenciou mais uma vez, a disponibilidade das menores para estarem com ambos os progenitores.
XXXVIII- As menores gostam de estar com o pai, nunca tendo existido nada em seu desabono durante o regime provisório, a CC tem 14 anos de idade e expressou em tribunal a sua vontade de residência alternada e a menor DD tem 8 anos de idade e adaptou-se facilmente à nova dinâmica, até porque como se disse as rotinas são as mesmas.
XXXIX-A própria avó paterna referiu que o progenitor é bom pai.
XL-O progenitor sempre cumpriu o regime provisório fixado e ficou a ansiosamente à espera da sentença, que entrou em vigor sem qualquer percalço para as crianças, tendo já alterado os horários em conformidade.
XLI-A menor CC pouco depois do julgamento deixou de ir à psicóloga escolhida unicamente pela progenitora, nada sendo contextualizado ou concretizado a este respeito.
XLII-Quanto aos factos não provados nos pontos 55,56,60,64 e 65 a 71, fundamentou o Meritíssimo Juiz A QUO que o seu destino decorreu da ausência de elementos probatórios que com a necessária certeza permitissem a sua plena e cabal afirmação tendo ainda justificado o porquê da sua convicção, pelo que, foram corretamente apreciados no conjunto da prova produzida.
XLIII-Neste caso, existem dois progenitores capazes, atentos e preocupados, que residem todos no mesmo concelho, ambos tem condições económicas e de habitação para estarem com as filhas, pelo que é do superior interesse das menores passarem a residir com ambos os progenitores em igualdade de circunstâncias, devendo manter-se assim a douta sentença proferida que determinou a guarda partilhada.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve a decisão recorrida ser mantida na integra, assim se negando provimento ao recurso.
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O Ministério Público respondeu às alegações, apresentando a seguinte síntese conclusiva:
“1 - A recorrente não se conforma com a Sentença proferida no âmbito dos presentes autos, invocando a errada apreciação da prova e, consequentemente, a violação do superior interesse das crianças na decisão de fixar a residência alternada das mesmas.
2 - Para tal, põe em causa os seguintes pontos da matéria de facto: 10, 11, 16,18, 26, 29, 32, 33, 55, 56, 60, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, porquanto entende que, da prova produzida, deveria resultar provado que o recorrido não tem disponibilidade para ficar com as crianças nem se interessa pelos assuntos relacionados com a saúde das mesmas, a instabilidade emocional daquelas crianças e o mau relacionamento entre os progenitores.
3 - Porém, para impugnar a matéria de facto, a recorrente indica fragmentos de depoimentos, fazendo uma montagem que serve a sua pretensão, mas descontextualizando os depoimentos prestados, não cumprindo o dever de especificação previsto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil.
4 - Ademais, o juiz aprecia livremente a prova, fazendo uma apreciação global da mesma, segundo as regras da experiência e da lógica, de forma motivada, conforme o disposto no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil e, bem assim, no que concerne à prova testemunhal, no artigo 396.º do Código Civil.
5 - Ora, no caso dos autos, a apreciação e valoração da prova não foi feita de forma diferente. De facto, constata-se que o Tribunal fixou os factos provados e não provados de acordo com a sua convicção, e não de forma arbitrária, mostrando o fio condutor do seu raciocínio até chegar à Decisão, mostrando-se o mesmo lógico e racional.
6 - A recorrente não concorda com a apreciação e valoração feita pelo Tribunal, porque a decisão não vai ao encontro da sua própria valoração, a sua verdade, verdade que a recorrente pretende fazer valer.
7 - Também a declaração da parte é apreciada livremente pelo Tribunal, conforme dispõe o artigo 466.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, mas, neste caso, com maior prudência atendendo a que a parte tem interesse na causa.
8 - Assim, atendendo ao princípio da livre apreciação da prova, e não esquecendo a oralidade e a imediação que apenas estão presentes aquando do depoimento prestado perante o Tribunal “a quo”, a sentença apenas poderia ser objecto de censura pelo Tribunal “ad quem” caso se verificasse um percurso ilógico, irracional e arbitrário na formação da convicção do julgador da primeira instância, o que manifestamente, não sucede.
9 – Também não foi violado o disposto no artigo 1906.º, n.º 6 do Código Civil, contrariamente ao que defende a recorrente.
10 - Com efeito, o superior interesse da criança deve presidir a qualquer decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais, conforme resulta de diplomas internacionais aos quais Portugal se encontra vinculado e vigoram na nossa ordem jurídica.
11 - Em conformidade com o citado princípio, na decisão de fixar a residência atender-se-á primeiramente às necessidades da criança, seguindo-se a avaliação da capacidade dos progenitores para satisfazer tais necessidades.
12 - Concluindo-se que ambos os pais se encontram igualmente habilitados para o efeito, a opção que deve prevalecer é a residência alternada das crianças, permitindo a repartição do tempo por ambos os progenitores em condições de igualdade e a criação e reforço de laços afetivos recíprocos, em conformidade com o disposto no artigo 1906.º, n.º 6 do Código Civil.
13 – Ora, conforme ficou demonstrado e foi dado como provado, designadamente nos pontos 9 a 14, 28 e 29, 31 a 33 e 35 da decisão, o progenitor foi sempre um pai presente e interessado, tem disponibilidade emocional e disponibilidade de tempo para ficar com as crianças, contando igualmente com a ajuda da família alargada.
14 - Ademais, também as crianças demonstraram abertura e interesse em partilhar residência entre o pai e a mãe, e a localização geográfica das residências também permite o regime em causa.
15 - Destarte, sendo o regime de residência alternada o que melhor satisfaz o superior interesse das crianças, e não existindo motivo para ser afastado, como resulta do supra exposto, não foi violado qualquer princípio ou disposição legal, designadamente, a norma do artigo 1906.º, n.º 6 do Código Civil, que a recorrente invoca.
Pelo exposto, deverá ser julgado improcedente o recurso e ser integralmente mantida a sentença recorrida.”
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No despacho que admitiu o recurso fixou-se ao mesmo efeito devolutivo, o que se fundamentou nos seguintes termos:
“Em face do decidido na Sentença não vemos que da aplicação do regime nela fixado decorra qualquer prejuízo para os menores, antes indo tal regime de encontro àquilo que o Tribunal julgou ser o interesse dos menores, não se vendo que a aplicação do mesmo decorra uma desestabilização da vida dos mesmos.”
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Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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II. Questões a decidir.
Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC), são questões a decidir:
- Se deve ser alterada a decisão de facto;
- Se deve ser alterado o regime fixado na sentença recorrida e a criança ser entregue à guarda e cuidados da ora Apelante.
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III. Fundamentação
III.1. Fundamentação de facto
Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1. CC, nascida no dia ../../2009, é filha de AA e de BB – cfr. fls. 4 (v.).
2. DD, nascida no dia ../../2016, é filha de AA e de BB – cfr. fls. 5 (v.).
3. Requerente e Requerida separaram-se em Fevereiro de 2020, tendo as Menores ficado a residir desde então com a Requerida.
4. Por decisão de 03/11/2021 (cfr. fls. 18), foi fixado o seguinte regime provisório, quanto às menores: “1. Exercício das responsabilidades parentais: 1.1. As menores ficarão entregues aos cuidados da mãe e com ela residentes; 1.2. O exercício das responsabilidades parentais relativo aos actos da vida corrente das menores incumbe à mãe ou ao pai quando as menores com ele se encontrem, não devendo, neste caso, o pai contrariar as orientações educativas mais relevantes definidas pela mãe; 1.3. O exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das menores serão decidias de comum acordo por ambos os progenitores, salvo caso de manifesta urgência; 2. Visitas: 2.1. O pai passará com as menores, semanalmente, o período compreendido entre o Domingo e a Terça-feira seguinte, devendo para o efeito a mãe, no Domingo e até às 20h, levar as crianças a casa do pai, que as entregará na casa da mãe, na Terça-feira seguinte, também até às 20h, sem prejuízo do acordo de ambos os progenitores de que ambas as meninas passem outros período de tempo com o pai. 3. Pensão de alimentos: 3.1. O pai contribuirá mensalmente com a prestação de 125 € (cento e vinte e cinco euros) para alimentos devidos a cada uma das filhas, no total de 250 € (duzentos e cinquenta), que deverá entregar à mãe até ao dia 10 de cada mês”.
5. As menores já residiram com o progenitor, nomeadamente em 2/3 meses nos primeiros seis meses de 2020 e, após o inicio do ano letivo de 2020/2021, sempre que existia necessidade de que alguém ficasse com as menores, por interrupção escolar devido ao Covid, era com o pai que ficava, porque estava em lay off parcial.
6. Em 2022, as menores passaram algumas semanas completas com o progenitor, nomeadamente a última semana de Junho e a segunda semana de Setembro de 2022, tendo o progenitor tirado férias para estar com as filhas, sempre convivendo em plena harmonia.
7. Em 18/09/2022, o progenitor remeteu à progenitora e-mail onde, entre o mais, se lê o seguinte: “(…) Como a CC e a DD vão estar de férias na semana de 24 de Outubro eu gostava de meter férias e ficar com elas nessa semana. Já tens alguma coisa combinada ou elas podem ficar comigo? (…)” – cfr. fls. 62.
8. Em 28/09/2022, a progenitora remeteu ao progenitor e-mail onde, entre o mais, se lê o seguinte: “(…) Sim, tenho férias nessa semana. Mas se as meninas quiserem, podem ir mais cedo para a tua casa e passar o fim de semana contigo. (…)” – cfr. fls. 62.
9. As menores têm uma relação próxima com ambos os progenitores, existindo entre estes e as menores carinho e afeto, manifestando-se estas alegres e felizes na companhia de ambos os pais.
10. O progenitor acompanhou sempre o percurso escolar das menores, mostrando interesse por todas as áreas da vida das filhas.
11. O progenitor procura fazer diversas atividades que possam ser agradáveis para as menores, nomeadamente passeando com as menores (como, por ex., em 2021, em que foram a Évora, juntamente com os avós paternos e em 2022 a ...), levando-as à praia, fazendo piqueniques, andando de bicicleta, indo ao cinema, passeando de barco e convivendo com os primos e com os tios.
12. Durante os anos de vivência em comum do casal, em situações como greve na escola, ou quando as menores vinham da escola e os pais estavam a trabalhar ou qualquer outro imprevisto, o casal pôde contar com o apoio da família paterna.
13. No quinto ano, a CC, quando tinha as tardes livres, ia para a casa da avó paterna.
14. Os progenitores residem próximo um do outro, dentro do mesmo concelho ...: o progenitor reside no ... e a progenitora na ....
15. Nos dias 15 de Fevereiro e 12 de Julho de 2022, em que as menores estariam com o pai, a progenitora marcou consultas para as mesmas – cfr. fls. 63 (f. e v.).
16. Na sequência da decisão referida em 4., quando o progenitor pede para estar com as menores para além do período fixado, a mãe tem demonstrando pouca flexibilidade, sendo que as menores, por exemplo, chegaram depois das 20h00m a casa do pai no Domingo, dia 3 de Julho de 2022 – cfr. fls. 64.
17. As rotinas em casa do pai são idênticas às da mãe, quer no horário de refeições, quer na hora de dormir.
18. O progenitor também ajuda com as atividades escolares, sendo que a CC terminou o 7.º ano com notas escolares de 5 valores a tudo, exceto a educação física e ciências naturais, onde foi notada com 4 valores – cfr. fls. 64 (v.).
19. A mãe colocou a CC numa explicação de Português – cfr. fls. 65.
20. A reação da CC à ideia da mãe de a colocar na explicação de Português, expressa no e-mail (de fls. 65) enviado pela progenitora ao progenitor, a 1 de Maio de 2022, foi a seguinte “(…) Disse que se tivesse que ter explicação, ia tirar nota negativa a todas as outras disciplinas”.
21. No e-mail referido em 20. os dias da semana disponíveis para que a CC tivesse explicação seriam a Terça-feira (pelas 17h30m) ou a Quarta-feira (pelas 15h00m), tendo a progenitora sugerido as Terças-feiras, por ter sido essa a preferência que a menor terá manifestado e por em tal dia o companheiro de explicações ser melhor – cfr. fls. 65.
22. Em Agosto de 2022 a mãe decidiu levar a CC a uma psicóloga.
23. Consta de fls. 65 (v.) uma troca de mensagens de telemóvel, no dia 5 de Outubro de 2022, que terá ocorrido entre a menor CC, estando em casa com a mãe, e o progenitor, com o seguinte teor: A - Vai à consulta com a psicóloga sexta às 18h A - Ou então não fico contigo na Segunda e terça – Bom dia CC desculpa não percebi a tua mensagem? A – Ou vais à consulta às 18h ou a outra hora ou eu na segunda n fico aí – Mas porquê? A – Porque tens de ir A – Ás 18h ou a outra hora A – Manda SMS que eu agora n posso atender – Logo falamos beijinhos A – Manda SMS – Não podes atender filha? A – Manda SMS – Não percebi. Estas ocupada? A – Não (…)”.
24. A menor CC estudava, no ano lectivo 2021/2022, na ..., no 7.ºA, que pertence ao agrupamento de escolas ... – cfr. fls. 62 (v.).
25. A mesma tinha o seguinte horário: às Segundas-feiras entrava às 08h45m e saía pelas 17h20m, às Terças-feiras entrava às 13h35m e saía pelas 17h20m, às Quartas-feiras entrava pelas 08h45m e saía pelas 13h25m, às Quintas-feiras entrava pelas 08h45m e saía pelas 17h20m e às Sextas-feiras entrava pelas 13h35m e saía pelas 18h15m – cfr. fls. 62 (v.).
26. Nos horários em que a menor não tem aulas e a mãe está a trabalhar, a mãe socorre-se da ajuda da avó materna.
27. A menor DD entrava na escola entre as 08h00m/08h30m, tendo AECS entre as 15h30m/16h30m, podendo ficar na escola até ás 17h30m.
28. O progenitor reside numa moradia com três quartos reunindo condições habitacionais para acolher as suas filhas.
29. O progenitor desempenha as tarefas domésticas necessárias ao bem-estar das menores, nomeadamente: a confeção de refeições, trato de vestuário e arrumação da casa.
30. O progenitor é subchefe de receção.
31. O progenitor trabalha por turnos e na semana em que tiver as menores na sua companhia, escolherá o turno que melhor se adeque às necessidades das mesmas.
32. A entidade patronal reforçou o número de colaboradores, sendo o próprio a elaborar o seu horário de trabalho e dos seus colegas.
33. O progenitor tem toda a abertura da parte da sua chefe para moldar o seu horário profissional face às necessidades das suas filhas.
34. O progenitor aufere cerca de 970 € mensais.
35. O progenitor conta com apoio da sua família sempre que for necessário, seja com os avós paternos seja com as suas irmãs.
36. A progenitora trabalha, das 9h00m às 17h00m, na C. M. ....
37. Aufere cerca de 847 € mensais.
38. A progenitora sempre demonstrou disponibilidade para estar com as menores quando não está a trabalhar e se encontra em casa.
39. A progenitora moldou e molda as suas férias consoante as pausas lectivas das menores.
40. O progenitor nunca assumiu a função de encarregado de educação.
41. O progenitor não acompanha a CC às consultas de psicologia.
42. No dia 29/08/2022, quando as menores chegaram à casa da progenitora, a mesma verificou que a CC tinha borbulhas e feridas em sangue, quer nos braços, quer nas pernas, tendo de imediato comunicado o sucedido ao pai por mensagem – cfr. fls. 78 (v.) e ss.
43. A progenitora insistiu junto do progenitor pela necessidade da CC ir ao médico dermatologista – cfr. fls. 78 e ss.
44. A progenitora levou a menor CC ao centro de saúde, onde lhe foi receitado um creme hidratante para colocar nas feridas, contudo não resultou – cfr. fls. 78 e ss.
45. A progenitora agendou consulta de alergologia para o dia 02/09/2022 tendo o médico referido que a CC tinha a pele muito seca, tendo o médico prescrito uma pomada com cortisona – cfr. fls. 78 e ss.
46. As menores foram passar uns dias com o pai, de 4/9 (domingo) até 9/9 (sexta-feira).
47. Durante esta semana, a menor CC piorou, facto este que o pai não comunicou à progenitora – cfr. fls. 78 e ss.
48. A CC, a meio da semana, ligou à progenitora, tendo a mesma referido para usar o creme com cortisona que o alergologista receitou – cfr. fls. 78 e ss.
49. No dia 10/09 a CC foi para a ... e voltou no dia 18/09 à tarde, Domingo.
50. As menores foram deixadas no pai, tendo a progenitora comunicado ao progenitor que a CC veio pior da viagem, que as feridas estavam infetadas e que tinham de ser tratadas – cfr. fls. 78 e ss.
51. Sucede que, no dia 20/09, o progenitor foi com a CC ao médico de família sem informar a progenitora – cfr. fls. 78 e ss.
52. A Requerida acompanha as menores nas suas atividades extracurriculares.
53. A Requerida faz diversas atividades ao ar livre com as menores, passa tempo com estas, vai à praia, cinema, parque, piscina, passando também as menores tempo com a sua família materna.
54. Os Progenitores têm dificuldades de relacionamento e de comunicação.
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III.2. O Tribunal Recorrido considerou que, com interesse para a boa decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:
55. O progenitor, durante o período que viveu maritalmente com a progenitora, cerca de 12 anos, convivia parcos momentos com as menores, pois sempre trabalhou por turnos.
56. Na altura, o Progenitor trabalhava por turnos, tendo pouca disponibilidade para as Menores, situação esta que perdura nos dias de hoje.
57. Durante o período em que as menores ficaram a viver com a progenitora, a mesma tem vindo a manipular as crianças, nomeadamente habituando a DD a dormir consigo, para que esta fique mais dependente de si.
58. A progenitora tem um sentimento de posse relativamente às crianças.
59. A progenitora não manda quase nenhuma roupa para as menores quando estas estão com o progenitor e dá a entender constantemente às menores que o progenitor não ajuda nada a nível económico.
60. Quando com o progenitor as menores apresentavam roupa com nódoas e sapatos sujos, tendo aquele, por diversas, entregue aquelas à progenitora com o saco de roupa para lavar.
61. A progenitora marca consultas médicas para as crianças, chama o pai para ir, mas apenas para, no fim, dizer a este para pagar e o tentar deixar malvisto em frente às filhas, conforme sucedeu com a consulta de alergologia em Setembro.
62. O referido em 22. ocorreu após se saber da data da marcação da continuação da conferência de pais, tendo o progenitor questionado a progenitora do porquê e a resposta foi que fosse perguntar à psicóloga.
63. A 9 de Outubro de 2022, a menor CC, depois de chegar à casa do progenitor, disse ao pai que a mãe lhe tinha dito no caminho para casa do pai que, já que ela queria ficar semana sim, semana não com o pai, que ela não precisava voltar na Terça-feira.
64. Por diversas vezes, a menor DD manifestou, perante a progenitora, a vontade em não pernoitar na casa do progenitor ou lá permanecer, sendo que em 25 de Setembro de 2022, a mesma implorou à progenitora, chorando compulsivamente, durante 1h30, para não pernoitar na casa do progenitor.
65. A menor CC manifestou à mãe a vontade de não ir para a casa do pai.
66. Por inúmeras vezes, no período que as menores ficam com o Progenitor, este trabalha até tarde (00h00), ficando as menores entregues aos cuidados dos familiares ou até com amigos.
67. O Requerente demonstra desinteresse quanto à saúde das menores.
68. A Progenitora comunica e pede a opinião e participação do Progenitor, em todas as ações que dizem respeito às menores e o progenitor ou não responde ou demonstra desinteresse.
69. No ano de 2020, o progenitor não passou quaisquer dias de férias com as Menores, nem encetou esforços neste sentido.
70. A menor CC teve um ano escolar com oscilações de comportamento, tendo manifestado comportamentos negativos.
71. No referido em 45. o médico referiu que a reação na pele derivou de uma situação de stress, facto este que o progenitor desvalorizou.
72. Na sequência do referido em 51. o progenitor recusou-se a transmitir à progenitora o que o médico tinha dito, sem referir a toma da medicação, tendo dito somente para a progenitora ir falar diretamente com o médico e assim aconteceu.
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III.3. Da impugnação da matéria de facto.
A Apelante impugna a matéria de facto provada constante dos seguintes pontos da decisão: 10, 11, 16, 18, 26, 29, 32, 33, 55, 56, 60, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, pondo em causa a apreciação e valoração da prova efetuada pelo tribunal.
O Ministério Público entende que a Recorrente se limita a indicar fragmentos de passagens dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, descontextualizando-os, fazendo uma escolha do que mais convém à decisão da sua pretensão, por discordar da apreciação e valoração da prova globalmente produzida efetuada pelo tribunal, pelo que que não foi cumprido o disposto no artigo 640, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil, quanto aos requisitos para a impugnação da matéria de facto, não se mostrando ainda cumprida a exigência de especificação prevista na norma do artigo 640, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil, ou, ainda que haja a especificação, a mesma não se encontra feita de forma correta, dificultando de forma irreversível a tarefa do Tribunal “ad quem”, o que, no seu entender, deverá levar à rejeição do recurso em matéria de facto.
É sabido que o objeto do conhecimento do Tribunal da Relação em matéria de facto é conformado pelas alegações e conclusões do recorrente – este tem, não só a faculdade, mas também o ónus de no requerimento de interposição de recurso e respetivas conclusões, delimitar o objeto inicial da apelação – cf. artigos 635º, 639º e 640º, aplicáveis aplicável ex vi do art.º 33.°, n.° 1 do RGPTC. do Código de Processo Civil.
Assim, sendo a decisão do tribunal «a quo» o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação, desde que a parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito pelo artigo 640º – indicando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, e os meios de prova constantes do processo que determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos - a Relação, como tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia, de acordo com os princípios da livre apreciação (artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), reponderar as questões de facto em discussão e expressar o resultado que obtiver: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo (cf. artigo 662º do Código de Processo Civil).
A razão encontra-se na definição do objeto do recurso: é que, para além de o delimitar, balizando os poderes de cognição do Tribunal de 2.ª instância, o requerimento de interposição de recurso e os ónus a cargo do recorrente têm a função de permitir o real e efetivo exercício do princípio do contraditório pela parte recorrida. Compreende-se, assim, que faltando essa concretização, o legislador tenha optado por sancionar o não cumprimento do referido ónus com uma medida gravosa para o recorrente, ou seja, com a rejeição da impugnação.
Recorde-se que o artigo 640.º do CPC, com a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (…)”.(o destacado é nosso).
Entre as diversas decisões que têm versado sobre o aludido ónus, destacamos, pela respetiva clareza o recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2023, proferido em 14.11.2023, no processo n.º Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, no qual pode ler-se:
“Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.
Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador(58), chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso(59), conforme o n.º 1, alínea c) (60) do artigo 640, apresentando algumas divergências ou em sentido não totalmente coincidente, vejam-se os Autores, Henrique Antunes(61), Rui Pinto(62), Abílio Neto(63).
5 - Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.
O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, cumpre o ónus constante do n.º 1, c), do artigo 640, se a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, constar das conclusões, mas também da leitura articulada destas últimas com a motivação do vertido na globalidade das alegações, e mesmo na sequência do aludido, apenas do corpo das alegações, desde que do modo realizado, não se suscitem quaisquer dúvidas.
Seguindo de perto o que resulta deste Acórdão, volte-se ao caso vertente, sem, porém, perder de vista que não deverá proceder-se à reapreciação da matéria de facto quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (artigos 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do Código de Processo Civil), sendo que a lei processual civil rege-se pelo princípio da limitação dos atos vertido no artigo 130.º do mesmo diploma, de acordo com o qual não é lícito realizar no processo atos inúteis.
Como se decidiu no Acórdão desta Secção de 25.05.2023:

“O princípio da utilidade a que estão submetidos todos os atos processuais, consagrado no artigo 130.º do CPC, sob a epígrafe “princípio da limitação dos atos”, de acordo com o qual “não é lícito realizar no processo atos inúteis”, aplica-se à reapreciação da prova produzida, pelo Tribunal da Relação, a qual não deve efetuar-se quando, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se evidencie que desse conhecimento não resultará qualquer modificação na decisão de mérito a proferir.”

Vejamos então.

A Recorrente indica os pontos concretos que pretende ver alterados e, com exceção do que se refere ao ponto 10. dos factos, a decisão que entende que deveria ter sido proferida.

Quanto aos meios de prova em que sustenta a sua discordância, assiste razão ao Ministério Público quando entende que os excertos indicados nas alegações são vagos e imprecisos, surgindo descontextualizados da demais prova produzida.

Na verdade, a Apelante indica passagens de depoimentos de algumas testemunhas (FF, GG, MM (avó paterna das crianças), EE (irmão da recorrente), KK (avó materna das crianças) e ainda das próprias declarações da Recorrente, passagens que relaciona depois com grupos de factos, sem que surjam especificamente relacionados os meios de prova indicados com cada um dos factos impugnados.

Porém, porque da fundamentação da impugnação se retira, ainda assim, o sentido da decisão que a Impugnante entende deverá ser proferida – pretende essencialmente demonstrar a indisponibilidade do progenitor para ficar com as crianças e garantir as suas rotinas, a instabilidade das crianças, o desinteresse do recorrido em relação à saúde das crianças, a falta de comunicação dos progenitores e a disponibilidade da Recorrente para estar com as crianças - entende-se, que se mostra minimamente cumprido o supra identificado ónus, pelo que se procederá à análise da impugnação, nesse contexto.
Procedeu-se à audição de toda a prova produzida em audiência e à conjugação da mesma com a prova documental junta aos autos e da concatenação de todos tais meios de prova não pode discordar-se do juízo probatório realizado pelo Tribunal recorrido, o que se conclui, desde logo, da análise das declarações prestadas pela ora Recorrente.

Na realidade, das mesmas se extrai que, pese embora as filhas tenham ficado a viver na casa que ambos os pais habitavam aquando da separação, ocorrida em fevereiro de 2020, ali ficando a residir com a mãe, logo em abril do mesmo ano, em face das restrições determinadas em virtude da pandemia que assolou o mundo, a mesmas passaram a residir com o pai, que se encontrava em “lay off”, situação que durou, pelo menos dois meses, e que se repetiu em 2021, entre janeiro e março, e no caso da CC, durou até às férias da Páscoa, tendo o pai cuidado das menores num local diverso daquele que era a casa de morada de família que as filhas conheciam, sem que a ora Recorrente tivesse indicado qualquer situação que não tivesse corrido bem, designadamente com a saúde, alimentação ou o acompanhamento e sucesso escolar das filhas. O que é coerente com a resposta que deu quando instada, de que o único obstáculo à guarda partilhada que entende verificar-se é o que se prende com os horários laborais do progenitor.

E das mesmas declarações se retira que ambos os progenitores se socorrem da família alargada no apoio que prestam às filhas - a mãe do apoio da avó materna no que se refere aos tempos livres da CC e à hora de saída da DD (16.30h); o pai nos momentos em que o seu trabalho requer a sua presença em momentos livres de atividades letivas das filhas.

Tais declarações foram, nesta parte confirmadas - para além de pelas declarações prestadas pela CC – pelas da técnica OO, que fez referência às condições, capacidade e apoio familiar de que ambos os progenitores dispõem, referindo ainda que ambos partilham os mesmos valores e projetos de vida para as filhas, não existindo entre ambos divergências quanto a qualquer aspeto fundamental da vida das mesmas, assinalando como única fonte de conflito ou desacordo, a circunstância de a ora Recorrente ter dificuldade “de partilhar porque entende que o pai não tem disponibilidade”.

Ora, não tendo tais meios de prova sido contrariados por qualquer outro meio de prova, sendo ainda de assinalar o sucesso escolar da CC confirmado por ambos os progenitores e pelas classificações que constam dos factos provados e também da DD, cuja boa integração na escola foi salientada pela testemunha PP, Educadora de Infância, importa desde logo concluir pela improcedência da impugnação da matéria de facto no que aos pontos 10., 11, 16., 18., 26. e 29., dos factos provados, e dos considerados não provados nos pontos 60. -sendo de sublinhar quanto a este ponto que a própria Recorrente referiu ter pretendido ser ela própria a tratar das roupas das filhas -, 67., 68., 69., 70., 71 e 72.

Saliente-se, quanto ao ponto 69., que se trata do ano em que as crianças estiveram com o pai quando este esteve em “lay off” entre abril e maio, e o pelo mesmo declarado quanto à necessidade de trabalhar depois de tal período, perante as necessidades da empresa e as próprias de angariar meios de sustento, em face da redução de vencimento decorrente dos momentos em que esteve sem trabalhar.

No que particularmente concerne à disponibilidade do progenitor para acompanhar as filhas, para além do que já foi assinalado, importa salientar que as declarações que o mesmo prestou, confirmadas pelos meios de prova já salientados, até mesmo pela ora Recorrente que assinalou os períodos que as filhas passam com o pai e a capacidade do mesmo para fazer face às necessidades respetivas quando estão com o pai, foram ainda coerentes com o depoimento da testemunha GG, superior hierárquica do Recorrido há vários anos, que, para além de ter referido que o mesmo faz questão de estar presente nas festas das filhas, que ocorrem nas épocas festivas de carnaval, “descobrimentos”, Natal, enfim, em qualquer tipo de apresentação das mesmas, assinalou a grande flexibilidade na organização dos horários laborais da empresa para a qual ambos trabalham, referindo que para que o ora Recorrido possa fazer um horário que lhe seja conveniente apenas tem de se coordenar com a testemunha, uma vez que ambos se substituem reciprocamente, referindo que apenas o gozo de férias nos meses de julho e agosto carece de autorização da administração.

Também neste ponto não foi a prova assim produzida contrariada por qualquer meio de prova, pelo que não resta senão concluir pela improcedência da impugnação da matéria de facto no que respeita aos pontos 32. e 33. dos factos provados, 55., 56. e 66. dos não provados.

Quanto aos pontos 64. e 65. dos factos não provados, sufraga-se inteiramente a motivação do Tribunal recorrido quando entende que apenas foram feitas referências a “episódios isolados e inexpressivos que não constituem substracto suficiente para permitirem a prova dos factos, e acima de tudo, para afastar a realidade transmitida por todos de que as crianças se encontram bem com qualquer dos progenitores, e que ambos reúnem condições para satisfazer as necessidades das menores, que se sentem confortáveis e seguras com qualquer deles, sem prejuízo de a DD se encontrar numa fase da vida em que está muito ligada à mãe, sem que tal signifique que não necessite ou retire prazer da convivência com o pai.”

Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto.

Mantendo-se inalterada a matéria de facto considerada na sentença recorrida, é perante os factos ali julgados que cabe apreciar o mérito da decisão sob censura.

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III.4. Da pretendida alteração do regime regulação das responsabilidades parentais.
Importa agora apurar se o regime sob censura é o que melhor se compatibiliza com o superior interesse da CC e da DD ou se, ao invés, tal interesse fica melhor acautelado, mantendo-se o regime provisório anteriormente fixado, revogando-se a decisão sob censura, como pretende a Apelante.
O interesse da criança constitui um conceito jurídico indeterminado utilizado pelo legislador e que podia ser já encontrado no princípio 2º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959, com o seguinte teor: “A criança gozará de uma proteção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança”.
Também na Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, publicada no Diário da República nº 211/90, Iª Série, 1º Suplemento, de 12 de Setembro de 1990, se estabelece que “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança” (cfr. art. 3º, nº 1).
Consagra também a Constituição da República Portuguesa (cfr. arts. 13º, nº 2, 18º, nº 2, 36º, nºs 5 e 6, 68º, nº 2, 69º e 70º), os princípios jurídico-constitucionais que estruturam as diretrizes normativas de proteção da família, da infância e da juventude, consagrando que os direitos fundamentais dos pais à educação e manutenção dos filhos só podem ser restringidos em situações especialmente previstas na lei e sempre em prol da defesa dos direitos fundamentais da criança e sempre sujeitos às exigências de proporcionalidade e da adequação.
Decorre assim de imposição constitucional, enunciada em vários preceitos, entre eles o art.º 69.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que consagra que “as crianças têm direito a proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”, que o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal em matéria de regulação do exercício das responsabilidades parentais é o interesse superior da criança, critério este que deve estar acima dos direitos e interesses dos pais/guardiães quando estes sejam conflituantes com os daquela.
Dúvidas não existem de que o critério orientador e que terá necessariamente de presidir à decisão do tribunal é o interesse superior da criança e não os dos progenitores e /ou guardião, o qual apenas terá e deverá ser considerado, até por imposição constitucional (art.ºs. 36.º, n.ºs 3 a 6, 67.º, 68.º e 69.º da CRP), na medida em que se mostrem conformes ao interesse superior da criança, não colocando em crise esse interesse.
Também da conjugação dos artigos 1874º, 1877º a 1879º, 1885º, 1886º e 1906º, todos do Código Civil, e do artigo 27º, nºs 1 e 2 da Convenção acima mencionada, resulta claro que a procura da solução mais adequada para a criança deve ser aquela que melhor salvaguarde o superior interesse da criança.
No seguimento do constitucionalmente consagrado o art.º 1878.º, n.º 1, do Código Civil estabelece que o poder paternal é um poder-dever dos pais funcionalizado pelo interesse dos filhos, competindo aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens, tendo de o exercer, altruisticamente, ao interesse da criança.
O n.º 8 do artigo 1906.º do Código Civil, determina que, no exercício das responsabilidades parentais, o Tribunal decidirá sempre de harmonia com os interesses do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreça, amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
O n.1 do artigo 4.º do RGPTC, ao enunciar que os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC se regem pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo, remete para o disposto na al. a) do art.º 4.º da LPCJP (Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/1999, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 142/2015, de 8 de Setembro), nos termos da qual a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.
O Tribunal decidirá sempre de harmonia com os interesses do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreça, amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles (art.º 1906.º ex vi n.º 2 do art.º 1912.º do Código Civil), não estando o julgador em sede de processo de jurisdição voluntária sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, no exercício do poder-dever a que se encontra adstrito, efetuando as diligências de averiguação e de instrução necessárias à prolação mais adequada ao caso concreto, pelo que dúvidas inexistem que o critério orientador e que terá necessariamente de presidir à decisão do tribunal é o interesse superior da criança e não o dos progenitores, o qual apenas terá e deverá ser considerado, até por imposição constitucional (art.ºs. 36.º, n.ºs 3 a 6, 67.º, 68.º e 69.º da CRP), na medida em que se mostrem conformes ao interesse superior da criança, não colocando em crise esse interesse, sendo, pois, este o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal em matéria de regulação de responsabilidades parentais.
Importa sublinhar, perante as questões colocadas pela ora Apelante, que decorre do disposto no artigo 1878.º, n.º 1 do Código Civil, o conteúdo do poder paternal é um poder-dever dos pais, mas funcionalizado pelo interesse dos filhos - naquele preceito estabelece-se competir “aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens”, pelo que nunca será demais enfatizar o carácter funcional das responsabilidade parentais para com os filhos, cujo exercício terá de ser submetido, altruisticamente, ao interesse da criança, de tal modo que esse critério funciona como critério e limite do mesmo.
O superior interesse do menor surge assim como um conceito jurídico indeterminado que, apesar de “não ser definível, é dotado de uma especial expressividade”, é “uma «noção mágica», de força apelativa e tendência humanizante”; não sendo suscetível de uma definição em abstrato que valha para todos os casos.[2]
Trata-se de uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigentes em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem-estar cultural e moral.
A sua eficácia específica permite tomar em conta cada caso particular. O interesse de uma criança não é o interesse de uma outra criança e o interesse de cada criança é, ele próprio, suscetível de se modificar.[3]
Como se decidiu no recente Acórdão desta Secção de 27.10.2022, que subscrevemos, proferido no âmbito do processo n.º 155320.2T8FAR-B.E1, “[a] função motriz das responsabilidades parentais assenta atualmente na ideia do cuidado paternal[4] e este conceito de responsabilidades parentais é fortemente inspirado no conceito resultante da Recomendação n.º R (84) sobre as Responsabilidades Parentais, aprovada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28 de Setembro de 1984, que se apoia em estudos elaborados sobre a evolução da realidade social e jurídica dos diferentes Estados Europeus. Nesta recomendação emitida a propósito das responsabilidades parentais, estas emergem como «o conjunto dos poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar moral e material do filho, designadamente tomando conta da sua pessoa, mantendo relações pessoais com ele, assegurando a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal e a administração dos seus bens»[5].
Também a referência a este “interesse da criança” surge-nos em Convenções Internacionais que regulam os direitos e os estatutos dos menores [Cf.: Princípio 2 do Anexo à Recomendação nº R (84) 4, adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28 de Setembro de 1984, o qual estabeleceu, em sede de responsabilidades parentais, que “qualquer decisão da autoridade competente relativa à atribuição das responsabilidades parentais ou ao modo como estas responsabilidades são exercidas, deve basear-se, antes de mais, nos interesses dos filhos”] e na nossa lei interna, desde logo nos artigos 1906.º, n.º 8, do Cod. Civil, e art.º 37.º, n.º 1, do RGPTC, onde se dispõe, no primeiro dispositivo, que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor e que, no segundo dispositivo, o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais tem de corresponder aos interesses da criança.(…)
“(…) o conceito de “superior interesse da criança” está relacionado com o exercício dos seus direitos. O que significa que no confronto dos vários interesses em presença, por ventura legítimos (…), deve dar-se preferência e prevalência à solução que melhor garanta o exercício dos seus direitos”, sendo bens e interesses prioritários da criança “a sobrevivência, a integridade física e psíquica e a liberdade (quer no sentido do desenvolvimento da personalidade, quer no da liberdade física e da liberdade ideológica”.[6]
Efectivamente, “o interesse da criança é o direito que lhe assiste de crescer, de ir deixando de forma gradual de ser criança, num ambiente equilibrado, sem choques nem traumatismos de qualquer espécie, paulatinamente, em paz”, sendo que a prossecução do seu interesse passa por assegurar condições materiais, sociais, morais e psicológicas que potenciem o são desenvolvimento da sua personalidade, à margem das tensões e dos conflitos existentes entre os progenitores, e que viabilizem um relacionamento afetivo contínuo com ambos os pais.”
Com vista a minimizar o impacto da separação, as teorias da vinculação afectiva mais modernas defendem que devem existir mais períodos de convivência com um e outro progenitor para assegurar a consistência da construção de laços com ambos os progenitores e promover maior segurança à criança já que a estabilidade emocional desta depende da natureza dos vínculos e das oportunidades de partilha e não tanto das mudanças do espaço físico.”.[7]
A recente alteração ao Código Civil pela Lei nº 65/2020, de 4 de novembro, veio estabelecer as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores, sendo agora claramente possível o regime da residência alternada mesmo contra a vontade dos progenitores, desde que essa solução se revele como a mais adequada ao interesse da criança de manter uma relação o mais próxima possível com ambos os progenitores, de molde a que possa usufruir em pleno, e em termos paritários, do afeto, apoio e segurança que cada um deles lhe pode proporcionar, tendo presente que a guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades, sempre tendo em vista um “tempo de qualidade” no convívio entre aquele com ambos os progenitores.
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É, portanto, em face do interesse da CC e da DD e face aos factos apurados, que se deve analisar e decidir o diferendo, mantendo-se ou revogando-se a decisão sob censura.
O Tribunal Recorrido enfrentou e enunciou de forma adequada os fatores a ponderar em termos que se subscrevem e que não merecem qualquer reparo:
“Quanto às condições que diremos materiais ressuma dos autos que ambos os progenitores têm condições habitacionais para terem consigo as menores (conclusão essa que logo se extrairia da circunstância de até agora as mesmas terem vivido em ambas as casas dos progenitores sem que os mesmos tenham, sequer e de forma contundente, colocado em causa a habitabilidade de ambas as residências).
Mais ressuma dos mesmos que as partes vivem relativamente perto uma da outra (num contexto em que, estamos certos, permitirá, em casos extremos, socorrerem-se mutuamente quanto às menores), mais sucedendo que há, também, disponibilidade de ambas as famílias alargadas (mormente dos avós) para, como acontece (e felizmente) em muitas famílias, servirem de rede de apoio a ambos os progenitores quando tenham consigo os menores.
Por fim, tudo indicia existir disponibilidade emocional das menores para repartirem a sua vida entre os progenitores, agora de forma mais alargada com a residência em casa do pai e da mãe, revelando o progenitor, também, disponibilidade para o efeito, contando com flexibilidade no plano laboral para enfrentar essa nova realidade, apenas tendo obstado a tal, alguma obstinação da progenitora que não tem querido enveredar por uma residência alternada por, ao que se intui dos factos apurados, ter um natural e compreensível apego às filhas, fundando muito da sua objecção à residência alternada nos horários do pai, situação esta que, como se logrou demonstrar, está devidamente acautelada pelo mesmo em face da flexibilidade laboral revelada (repetimos) e não se olvidando que tem uma rede de apoio corporizada nos avós das menores (sendo certo que ainda que não seja para as menores viverem com os avós, nada obsta a que os mesmos ajudem na dinâmica familiar, como acontece, repetimos, com milhares de família, senão mesmo milhões, pelo País e pelo Mundo).
Em face do enunciado, não descortina o Tribunal razões para que a residência alternada seja postergada no caso dos autos, posto que a sua instituição deverá revelar-se benéfica para as menores na justa medida em que permitirá um convívio mais longo e estruturado com cada um dos progenitores, em igualdade de tempo para os mesmos, permitindo que as crianças fortaleçam os seus laços emocionais com os pais enquanto casal parental, sendo desejável que por via do acréscimo de responsabilidades que o regime em causa também implica para o pai o regime em questão venha a permitir uma maior capacidade de ambos os progenitores comunicarem entre si quanto às menores partilhando verdadeiramente o exercício das responsabilidades parentais.
Pelo exposto, julgamos que o regime de residência alternada semanal[8] permitirá às menores crescerem, doravante, numa igualitária partilha de experiências, de sensações, de felicidades e angústias com ambos os progenitores, sentindo, dessa forma, o “casulo protector” de ambos os pais que, ainda que separados, não deixam de ser um casal parental.”
E quanto aos alimentos:
“Finalmente, quanto à questão dos alimentos, uma vez que se concluiu pela fixação de um regime de residência alternada torna-se de inteira e comutativa justiça que ambos os progenitores, nas semanas respectivas, suportem os custos com os gastos correntes das menores (v.g., com alimentação, vestuário e afins), partilhando, em partes iguais, os custos reportados às despesas médicas, medicamentosas e escolares (o mesmo sucedendo quanto às despesas extracurriculares, desde que previamente acordadas, neste caso).
Enunciou, pois, o Tribunal, de forma exaustiva, os fundamentos que lhe permitiram afastar a iminência do perigo da solução relativamente ao progenitor, o que se afigura que fez de forma correta, em conformidade com o que os autos demonstram.
Subscreve-se integralmente tal juízo, que espelha a realidade das duas crianças.
Não se ignora que têm estado maioritariamente à guarda e cuidados da mãe, que tem vindo a assegurar os seus cuidados, em permanência, com todo o zelo, dessa forma tendo desempenhado um papel fundamental na vida das filhas e que é junto da mãe que têm desenvolvido maioritariamente as suas rotinas, como a Apelante refere.
Porém, não pode desconhecer-se que a CC e a DD, que já passaram longos períodos com o pai, num ambiente de conforto e segurança, têm direito a estabelecimento de laços afetivos, de vínculos seguros com ambos os progenitores, como se referiu.
E por isso, em função dos elementos constantes do processo à data da tomada da decisão recorrida, o decidido foi conforme ao superior e melhor interesse das crianças, interesse este, que, como vimos, deve prevalecer sobre qualquer outro, nomeadamente de qualquer dos progenitores.
Este é o processo das filhas e não dos seus progenitores, cujos interesses se deverão necessariamente subalternizar aos das menores, quando sejam conflituantes e inconciliáveis, devendo ambos cooperar no desenvolvimento e realização do projeto de vida das filhas, que, no essencial, partilham, como destacámos.
As crianças têm uma vinculação segura com o pai. Como refere o Ministério Público, “sendo o regime de residência alternada o que melhor satisfaz o superior interesse das crianças, e não existindo motivo para ser afastado, como resulta do supra exposto, não foi violado qualquer princípio ou disposição legal, designadamente, a norma do artigo 1906.º, n.º 6 do Código Civil, que a recorrente invoca”.
Em suma, a decisão recorrida, no contexto temporal e no circunstancialismo concreto em que foi proferida, não merece censura, sendo de manter, já que nenhuma disposição legal foi violada, nem violado foi qualquer princípio enformador do direito tutelar ou o referido n.º 1 do art.º 69.º da CRP que, tutelando a proteção infantil, no caso não foi postergado, não existindo qualquer fundamento recursivo com idoneidade e força bastante para pôr em causa o acerto da decisão recorrida.
Por todo o exposto, mostrando-se adequada, por conveniente e oportuna, a alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais decretada pelo Tribunal a quo, porquanto é aquele que, nesta oportunidade temporal se revela em concreto como a melhor solução para o desenvolvimento harmonioso da CC e da DD e que vai de encontro ao respetivo superior interesse, importa julgar improcedente a apelação.
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IV. Dispositivo
Pelo exposto, acordam em negar provimento à apelação, confirmando a decisão apelada.
Custas pela Apelante.
Registe e notifique.

Évora, 2024-05-23
Ana Pessoa (Relatora)
Manuel Bargado (1.º Adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2.ª Adjunta)
__________________________________________________
[1] Cfr. Maria Clara Sottomayor, “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio”, Almedina, 8.ª ed., pág. 59.
[2] Cfr. “Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, Quid Juris, 2ª ed., págs. 64 e 65 [obra coletiva de Helena Melo, João Raposo, Luís Carvalho, Manuel Bargado, Ana Leal e Felicidade Oliveira].
[3] Diogo Leite de Campos, Lições de Direito da Família e das Sucessões, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 1997, pp. 370; António H. L. Farinha e Conceição Lavadinho, Mediação Familiar e Responsabilidades Parentais, Coimbra, Almedina, págs. 47, António H.L. Farinha, Relação entre os Processos Judiciais, Infância e Juventude, nº 2/99, Abril - Junho, 1999, pp. 69, e Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Parental nos Casos de Divórcio, 4.ª ed., revista, aumentada e actualizada, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 15.
[4] O Princípio 2 do Anexo à Recomendação nº R (84) 4 estabelece que «qualquer decisão da autoridade competente relativa à atribuição das responsabilidades parentais ou ao modo como essas responsabilidades são exercidas, deve basear-se, antes de mais, no interesse dos filhos».
[5] Tomé Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, 3.ª ed., Quid. Juris, 2018, pp. 23-24.
[6] Ac. da RG de 02.11.2017, proc. n.º 996/16.0T8BCL-C.G1, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Com a alternância a ocorrer à Segunda-feira, de molde a permitir que com o início da semana ocorra um início de nova residência de forma a possibilitar que as trocas possam ocorrer de forma suave, tendo por referência a escola.