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RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
APRECIAÇÃO AUTÓNOMA DA PROVA PRODUZIDA
PROVA PERICIAL
DANO BIOLÓGICO
EQUIDADE
Sumário
I - A convicção do tribunal não depende apenas /e /ou do depoimento de testemunhas, sendo que a circunstância de não ser produzida prova que contrarie o seu depoimento, não determina, sem mais, valorar positivamente aquele depoimento. II - Sendo embora o juiz o perito dos peritos o certo é que, por norma, o carácter técnico da perícia sobrepõe-se à livre apreciação do julgador. III - O dano biológico, segundo a maioria da jurisprudência, deve ser enquadrado de acordo com a equidade.
(Da Responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível do Porto - Juiz 4
Processo nº 9375/22.0T8PRT
ACÓRDÃO
RELATÓRIO (transcrição do relatório da sentença)
AA intentou a presente Acção declarativa, sob a forma de processo comum contra A... S.A, peticionando a condenação da R. a) a pagar, a título de indemnização, a quantia líquida de €145.066,84 (cento e quarenta e cinco mil e sessenta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos), por todos os danos sofridos em resultado do acidente supra descrito, tudo acrescido de atualização, b) Acrescido de juros à taxa de 8%/ano a calcular sobre a diferença entre o quantum atribuído em sede judicial e o valor oferecido pela demandada, calculados desde 18 de Janeiro de 2022, c) E ainda juros à taxa legal desde a citação (compatível com o mecanismo da correção monetária da obrigação de indemnizar (cfr.Acs. STJ de 23/04/98 e de 23/09/98 e da RL de 04/09/99) sobre o valor de €1.500,00; d) A ministrar diretamente, no futuro, todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, suportando ainda os custos e encargos com as intervenções cirúrgicas, internamentos, fisioterapia e psiquiatria ou, e) A suportar aqueles custos e encargos com todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, suportando ainda os custos e encargos com as intervenções cirúrgicas, internamentos, tratamentos, fisioterapia e psiquiatria ou, f) Em alternativa, e por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, requer-se seja a sua liquidação remetida para execução de sentença (cfr. arts. 564º nº 2 e 569º do CC e 556º, nº 1, al. b) e nº 2 e 358º do CPC), g) Sem prejuízo do valor da perda de retribuição que o demandante irá sofrer, quer no período de clausura hospitalar, quer no período de recuperação, h) Sendo que, por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, requer-se seja a sua liquidação remetida para execução de sentença (cfr. arts. 564º nº 2 e 569º do CC e 556º, nº1, al. b) e nº 2 e 358º do CPC).
Para o efeito, aponta que no dia 18 de Novembro de 2020, pelas 8 horas e 45 minutos, no cruzamento entre a Rua ... e a Rua ..., na freguesia ..., concelho ..., ocorreu um embate em que foram intervenientes o motociclo da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-EC conduzido pelo A. e o veículo pesado de mercadorias, da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-OE-.. (no momento do acidente, encontrava-se segurado na aqui Ré, sob a apólice número ...00), que tinha acoplado o semi-reboque de matrícula AV-....8, segurado na aqui Ré, através da apólice número ...800, sendo que era de dia, o tempo estava seco e a via, com piso betuminoso, estava seco e em razoável estado de conservação.
O motociclo AC circulava na Rua ..., vindo do túnel denominado como túnel ..., em direcção à Rua ... e o veículo pesado OE também circulava na mesma artéria e no mesmo sentido de marcha, sendo que existe uma rotunda no cruzamento daquelas duas artérias.
O Autor, uma vez que pretendia seguir pela Rua ..., circulava pela direita, uma vez que ia sair na primeira saída da rotunda, enquanto o condutor do veículo pesado OE circulava pela esquerda, tendo entrado na rotunda pela esquerda, verificando-se que o Autor, quando já estava a entrar na Rua ..., foi abalroado pelo veículo pesado OE, que colidiu com o motociclo por si conduzido, uma vez que aquele veículo pesado entrou na rotunda pela faixa da esquerda e, inesperadamente, virou à direita na tentativa de entrar na Rua ..., sendo que, em virtude daquela colisão, o Autor foi projectado para o solo, tendo ficado com inúmeros ferimentos.
Com a sua conduta ilícita e culposa, o condutor do veículo OE causou danos patrimoniais e não patrimoniais ao autor, que não se teriam verificado se não tivesse ocorrido o sinistro descrito nos autos, o qual ocorreu por causa da inobservância do dever de cuidado e diligência, bem como da inobservância do dever de cumprimento das aludidas regras de direito estradal a que aquele condutor estava obrigado.
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A R. contestou e não impugnou a culpa do condutor do veículo seguro, apontando, no entanto, que o sinistro em apreço é também de serviço e considerou exageradas as verbas indemnizatórias reclamadas pelo autor e impugnou as mesmas.
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Proferiu-se despacho saneador, onde se julgou o Tribunal competente, o processo isento de nulidades, a personalidade, capacidade e legitimidade das partes, e a inexistência de outras excepções do conhecimento oficioso.
Foi fixado o objecto do litígio e temas da prova.
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Procedeu-se à realização de julgamento com observância do formalismo legal aplicável.
Foi proferida sentença que condenou:
- a R. “A..., S.A.” a pagar ao A. AA a quantia global de € 57.500,00 (€ 25.000,00+32.500,00) como indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos em função do sinistro descrito nos autos, acrescidas de juros de mora:
- Sobre a quantia de € 13.650,00 fixado a título de indemnização por danos patrimoniais, juros à taxa de 4% desde a data de citação (21-03-2019) e até integral pagamento;
- Sobre a quantia de € 11.350,00 relacionada com a indemnização fixada por danos patrimoniais, juros à taxa de 8% desde 18-01-2022 até à data da prolação desta sentença e depois desde esta última data à taxa de 4% até integral pagamento;
- Sobre a importância de € 32.500,00, atribuída a título de indemnização por danos não patrimoniais, contados desde a data da prolação desta sentença, até efectivo e integral pagamento;
No mais foi a R. absolvida do pedido.
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RECURSO
Não se tendo conformado com tal decisão, veio o Autor interpor recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1 – O Recorrente deu entrada da presente ação contra a Recorrida, pedindo a sua condenação no pagamento da indemnização global, a título de danos morais e patrimoniais, de € 145.066,84 (cento e quarenta e cinco mil e sessenta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos), em virtude do acidente que o vitimou no dia 18 de Novembro de 2020, pelas 8 horas e 45 minutos, em ..., ..., cuja responsabilidade pela ocorrência do mesmo, ficou a dever-se à conduta negligente do veículo seguro na Recorrida.
2 – A Recorrida contestou, aceitando a responsabilidade do seu segurado na ocorrência do sinistro, todavia não aceitou os valores peticionados pelo Recorrente, por entender serem exagerados.
3 – Foi realizada a audiência de julgamento, com a respetiva produção de prova.
4 – O Recorrente não aceita a matéria de facto dada como não provada (R dos Factos Não Provados), por entender que da prova produzida em julgamento, aquele facto deveria constar da matéria dada como provada, designadamente pelos depoimentos das testemunhas BB e CC.
5 – Assim, o presente recurso versa sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito.
6 – Do depoimento daquelas duas testemunhas resulta claro que este facto deveria constar da matéria de facto dada como provada – “Por força das lesões que o afetam, não poderá voltar a desempenhar aquelas funções (serviços remunerados), implic7 – A Recorrida não apresentou prova que contrariasse estes dois depoimentos e, como tal, deverá aquele facto ser julgado provado, o que se pretende com a reavaliação da prova gravada.
8 – O Recorrente não concorda com o valor arbitrado pelo Tribunal a quo.
9 – O Tribunal a quo condenou a Recorrida a pagar ao Recorrente, a título de danos patrimoniais, a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), e €32.500,00 (trinta e dois mil e quinhentos euros), a título de danos morais.
10 – À data do acidente, o Recorrente tinha 38 anos de idade, auferia o vencimento anual de €26.333,34 (vinte e seis mil trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos).
11 – Por força do acidente, o Recorrente ficou com um Défice Funcional de 5 pontos.
12 – As sequelas são compatíveis, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, mas implicam esforços suplementares.
13 – A idade média de vida para os homens, à data do acidente, era de 82 anos.
14 – O Recorrente não consegue realizar serviços remunerados (trabalho suplementar), o que implica um decréscimo salarial no seu vencimento mensal.
15 – Com base nestes elementos, entendemos não ser descabido a atribuição de uma indemnização, a título de danos patrimoniais, de pelo menos € 60.000,00 (sessenta mil euros).
16 – E a título de danos morais a quantia nunca inferior a € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), atendendo ao facto de o Recorrente, à data do acidente, ter 38 anos de idade, ser portador de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 5 pontos, um Quantum Doloris fixável no grau de 4/7, um Dano Estético Permanente fixável no grau 2/7, e, por último, a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7.
17 – Em face do supra alegado, deverá a douta sentença recorrida ser substituída por outra que condene a Recorrida a pagar ao Recorrente a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de danos patrimoniais, e a quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), a título de danos morais, num total de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros).
18 – A douta sentença recorrida viola o disposto nos artigos 483.º, 493.º, 494.º, 562.º, 563.º, 564.º, 566.º do Código Civil.ando uma diminuição do vencimento mensal do Autor.”
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Venerandas Excelências, se requer, seja dado inteiro provimento ao presente recurso, consequentemente se revogando a decisão recorrida, substituindo por outra que condene a Recorrida no pagamento ao Recorrente de uma indemnização pelos danos sofridos, no montante de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros), por todos os danos sofridos em resultado do acidente supra descrito, tudo acrescido de atualização, acrescido de juros à taxa de 8% ao ano, e ainda juros à taxa legal desde a citação (compatível com o mecanismo da correção monetária da obrigação de indemnizar (cfr. Acs. STJ de 23/04/98 e de 23/09/98 e da RL de 04/09/99).
CONTRA-ALEGAÇÕES
A apelada A..., SA veio apresentar contra-alegações dizendo:
1. Pretende o apelante que se dê como provado o facto R), não provado, a saber: Por força das lesões que o afetam, não poderá voltar a desempenhar aquelas funções (serviços remunerados), implicando uma diminuição do vencimento mensal do Autor, e isto apenas com base no depoimento de duas testemunhas, BB e CC.
2. Mas, salvo o devido respeito, sem razão, porque esquecendo o que, sobre esse facto, foi o elemento de prova decisivo para a decisão do tribunal recorrido, o relatório pericial, como se esclarece na motivação de facto da sentença, aonde expressamente se diz …, mas já não se pode afirmar, como pretende o A., que ficou impossibilitado de fazer tais serviços [gratificados], dado que, o relatório da perícia de avaliação do dano corporal não contém qualquer referência quanto ao facto de o A. estar impedido de desenvolver qualquer actividade relacionada com a sua profissão, sem prejuízo da referência à necessidade de esforços suplementares.
3. Com base, pois, naquele relatório pericial deverá manter-se a decisão de dar como não provado o facto R), julgando improcedentes as conclusões 4 a 7, inclusive, da apelação.
4. Pretende ainda o apelante que seja aumentada a indemnização que lhe foi atribuída pelo défice funcional permanente/incapacidade parcial permanente geral de 5 pontos, no valor de € 25.000, e a compensação que lhe foi arbitrada pelos danos não patrimoniais, no valor de € 32.500.
5. Mas, também aqui, e salvo o devido respeito, sem razão.
6. Os montantes arbitrados foram-no no respeito pela jurisprudência mais recente, a saber:
- Ac. da RG de 13/07/2021 (Ana Cristina Duarte), Proc. nº1880/17.6T8VRL.G1: DFP de 3 pontos,34 anos de idade, sendo compatível com o exercício da actividade habitual de delegada profissional de farmácias mas com esforços suplementares, e vencimento mensal base de € 607,70 - indemnização de € 10.000,00;
-Ac. da RG de 27/05/2021 (Margarida Almeida Fernandes), Proc. 5911/18.4T8BRG.G1 – DFP de 2 pontos, 53 anos de idade, sendo compatível com o exercício da sua actividade habitual de afinador de máquinas mas com esforços suplementares – indemnização de € 5.500,00;
- Ac. da RG de 04/03/2021 (Alexandra Lopes), Proc. nº1490/17.8T8BRG.G1 – DFP de 8%, 27 anos de idade, sendo compatível com o exercício profissional de professor de desporto mas com maior esforço, e vencimento mensal de cerca de € 1.000,00 - indemnização de € 35.000,00;
- Ac. da RG de 15/10/2020 (Afonso Cabral de Andrade), Proc. nº5908/18.4T8BRG.G1– DFP de 7 pontos, 13 anos de idade, estudante – indemnização de € 40.000,00;
- Ac. da RG de 18/06/2020 (Rosália Cunha), Proc. nº5334/17.2T8GMR.G1 – DFP de 9 pontos, 32 anos de idade, desempregada - indemnização de € 28.500,00;
- Ac. do STJ de 06/05/2021 (Margarida Blasco), Proc. nº1169/16.8T9AVR.P2.S1 –DFP de 10 pontos, 49 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional de agente da polícia judiciária, mas com esforços acrescidos, e vencimento mensal de € 2.100,00 - indemnização de € 38.000,00;
- Ac. do STJ de 18/03/2021 (Ferreira Lopes), Proc. nº1337/18.8T8PDL.L1.S1– DFP de 13 pontos, 50 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional de assistente graduado hospitalar, mas com esforços acrescidos, e vencimento mensal de cerca de €4.161,88 - indemnização de € 45.000,00;
- Ac. do STJ de 23/03/2021 (Fernando Samões), Proc. nº1989/05.9TJVNF.G1.S1- DFP de 4 pontos, 19 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional, mas com esforços acrescidos, e vencimento não apurado - indemnização de € 12.000,00;
- Ac. do STJ de 07/04/2016 (Maria da Graça Trigo), Proc. nº237/13.2TCGMR.G1.S1 - DFP de 8 pontos, 22 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional de «revistadeira», mas com esforços acrescidos, e vencimento mensal de €675,28 -indemnização de €25.000,00;
7. Deverão, como tal, ser julgadas improcedentes as conclusões 8 a 17 da apelação e ser mantida a douta decisão recorrida.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
No caso vertente, em face das conclusões do recurso, as questões a apreciar são: - O erro na apreciação da matéria de facto no que respeita à alínea R) dos Factos Não Provados - A quantificação da indemnização devida.
FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto controvertida.
1.º No pretérito dia 18 de Novembro de 2020, pelas 8 horas e 45 minutos, no cruzamento entre a Rua ... e a Rua ..., na freguesia ..., concelho ..., ocorreu um embate em que foram intervenientes o motociclo da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-EC e o veículo pesado de mercadorias, da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-OE-... 2. O veículo OE tinha acoplado o semi-reboque de matrícula AV-....8, segurado na aqui Ré, através da apólice número ...800. 3. Era de dia, o tempo estava seco e a via, com piso betuminoso, estava seco e em razoável estado de conservação. 4. O Autor é Agente Principal da Polícia de Segurança Pública, desempenhando funções na Divisão de Trânsito do Porto. 5. No momento em que ocorreu o acidente, o Autor deslocava-se da sua residência, sita em ..., ..., para o seu local de trabalho, sito no Porto. 6. O Autor conduzia o motociclo designado por AC. 7. O veículo AC, à data a que reportam os factos, encontrava-se registada a propriedade a favor do cunhado do Autor, de nome DD. 8. O veículo OE, no momento do acidente, encontrava-se segurado na aqui Ré, sob a apólice número ...00. 9. O motociclo AC circulava na Rua ..., vindo do túnel denominado como túnel ..., 10. Por sua vez, o veículo pesado OE também circulava na mesma artéria e no mesmo sentido de marcha. 11. O motociclo AC circulava na Rua ..., em ..., ..., em direcção à Rua .... 12. Por sua vez, o veículo pesado OE também seguia no mesmo sentido. 13. Existe uma rotunda no cruzamento daquelas duas artérias. 14. O Autor, uma vez que pretendia seguir pela Rua ..., circulava pela direita, uma vez que ia sair na primeira saída da rotunda, 15. Enquanto o condutor do veículo pesado OE circulava pela esquerda, 16. Tendo entrado na rotunda pela esquerda. 17. O Autor, quando já estava a entrar na Rua ..., foi abalroado pelo veículo pesado OE, 18. Que colidiu com o motociclo por si conduzido, 19. Uma vez que aquele veículo pesado entrou na rotunda pela faixa da esquerda e, inesperadamente, virou à direita na tentativa de entrar na Rua .... 20. Em virtude daquela colisão, o Autor foi projectado para o solo, tendo ficado com inúmeros ferimentos. 21. Em consequência do embate, o autor foi assistido no local do acidente e, posteriormente, transportado de urgência ao Hospital ..., no Porto (doc. nº 1 junto com a petição inicial). 22. O Autor ficou internado naquela unidade hospitalar até ao final daquele dia 18 de Novembro de 2020, tendo sido transferido para o Centro Hospitalar ..., em ..., para aí ser submetido a uma intervenção cirúrgica ao membro inferior esquerdo. 23. Como consequência directa e necessária do embate supra descrito, o Autor sofreu fratura bimeolar do tornozelo esquerdo e fratura do escafoide, entre várias escoriações por todo o corpo. 24. O Autor foi, inicialmente, assistido no Hospital ..., no Porto e, posteriormente no Centro Hospitalar ..., em ..., onde foi submetido a intervenção cirúrgica ao membro inferior esquerdo (perna e tornozelo). 25. Onde esteve internado durante dois dias, ou seja até ao dia 20 de Novembro de 2020 (doc. nº 2 junto com a petição inicial). 26. Passando a ser orientado pelos serviços clínicos da Seguradora, aqui Ré. 27. Onde se deslocou algumas vezes. 28. Contudo, após ter alta do Centro Hospitalar ..., em ..., no dia 20 de Novembro de 2020, deslocou-se duas vezes por semana ao Centro de Saúde ..., ..., para substituição dos pensos. 29. No dia 2 de Dezembro de 2020, o Autor teve consulta de ortopedia no Centro Hospitalar ..., em ..., com o médico que o operou. 30. Naquela consulta, o médico cirurgião entendeu manter a tala na perna esquerda do Autor, 31. Mantendo os curativos no Centro de Saúde da sua área de residência 32. No dia 11 de Dezembro de 2020, o Autor teve nova consulta de ortopedia no Centro Hospitalar ..., em ..., 33. Tendo-lhe sido retirada a tala da perna e dada a indicação para tentar fazer carga sobre a perna esquerda. 34. Prescreveram-lhe ainda a realização de fisioterapia, uma semana após a retirada da tala, ou seja, após o dia 17 de Dezembro de 2020. 35. Assim, entre o dia 17 de Dezembro de 2020 e 12 de Janeiro de 2021, o Autor foi submetido a sessões diárias de fisioterapia que decorreram na Clínica B..., em .... 36. As custas com aquelas sessões de fisioterapia foram suportadas pelo Serviço Nacional de Saúde. 37. Mais tarde, no dia 7 de Janeiro de 2021, o Autor teve consulta de ortopedia no Centro Hospitalar ..., 38. Tendo-lhe sido mantidas as sessões de fisioterapia. 39. No dia 12 de Janeiro de 2021, o Autor teve a sua primeira consulta de ortopedia no Hospital 2..., por conta da seguradora. 40. No dia seguinte, 13 de Janeiro de 2021, inicia as sessões de fisioterapia por conta da seguradora, na clínica B..., em .... 41. O A. foi chamado, no dia 9 de Fevereiro de 2021, a nova consulta de ortopedia no Hospital 2..., 42. Onde lhe foi marcada a cirurgia para remoção dos parafusos da perna / tornozelo. 43. Assim, no dia 10 de Fevereiro de 2021, o Autor é internado no Hospital 2... para a realização da cirurgia de extracção dos parafusos na perna / tornozelo, 44. Tendo tido alta clínica daquela unidade hospitalar no dia seguinte, 11 de Fevereiro de 2021. 45. No dia 23 de Fevereiro de 2021, o Autor teve nova consulta de ortopedia no Hospital 2.... 46. No dia 9 de Março de 2021, o Autor teve nova consulta de ortopedia nos serviços clínicos da seguradora (Hospital 2...). 47. No dia 9 de Abril de 2021, o Autor foi a nova consulta de ortopedia nos serviços clínicos da seguradora, Hospital 2..., 48. No dia 13 de Abril inicia sessões de fisioterapia na clínica da C..., em ..., a pedido da companhia de seguros responsável. 49. As sessões de fisioterapia eram diárias e mantiveram-se até ao dia 12 de Julho de 2021. 50. No dia 6 de Maio de 2021, o Autor é novamente consultado nos serviços clínicos da seguradora, na especialidade de ortopedia. 51. O Autor, no dia 4 de Junho de 2021, é novamente consultado nos serviços clínicos da companhia de seguros, desta vez a consulta decorreu na Casa de Saúde ..., por força da fusão das companhias de seguro, (A... e D...). 52. No dia 18 de Junho de 2021, o Autor é novamente convocado para uma junta médica da PSP, 53. Que o mantiveram em situação de ITA. 54. Uns dias mais tarde, a 2 de Julho de 2021, o Autor é novamente convocado para uma consulta de ortopedia nos serviços clínicos da seguradora, 55. Que o mantiveram em situação de ITA, 56. Tendo-lhe sido reagendada nova consulta para o dia 13 de Julho de 2021. 57. A qual veio a decorrer, optando aquela companhia de seguros por manter o Autor em situação de ITA. 58. No dia 10 de Agosto de 2021, o Autor é novamente avaliado nos serviços clínicos da companhia de seguros responsável, 59. A qual mantém o Autor em situação de ITA. 60. No dia 3 de Setembro de 2021, o Autor é convocado para nova junta médica nos serviços clínicos da PSP, a qual veio a decorrer, tendo mantido o Autor em situação de ITA. 61. Cinco dias depois, a 8 de Setembro de 2021, o Autor é novamente consultado em ortopedia, nos serviços clínicos da Ré, mantendo-o em situação de ITA. 62. A 17 de Setembro de 2021, o Autor é novamente submetido a junta médica nos serviços clínicos da PSP, 63. Mantendo-se em ITA. 64. O Autor, a 1 de Outubro de 2021, é observado em consulta de ortopedia, nos serviços clínicos da Seguradora, mantendo-se em situação de ITA. 65. Uma semana depois, a 8 de Outubro de 2021, o Autor é avaliado novamente em junta médica da PSP, a qual decide mantê-lo em situação de ITA. 66. Quase dois meses depois, a 3 de Dezembro de 2021, o Autor é novamente submetido a junta médica nos serviços clínicos da PSP, mantendo-se em situação de ITA. 67. No dia 14 de Dezembro de 2021, o Autor deslocou-se pela última vez aos serviços clínicos da seguradora para ser avaliado, 68. Tendo-lhe sido dada alta clínica. 69. Naquela consulta, os serviços clínicos da seguradora realizaram a avaliação final das lesões corporais que afetam o Autor. 70. No início, não conseguia manter-se de pé mais de 30 minutos. 71. Nos três meses seguintes ao acidente, com excepção de se deslocar quer à consulta externa, quer à clínica para realizar tratamentos de fisioterapia, o Autor esteve acamado, 72. Privado da sua normal mobilidade, 73. Inteiramente dependente, para as mais elementares e básicas necessidades, de ajuda de terceira pessoa, 74. Que o ajudava a tomar banho e a vestir-se. 75. Sentia dores atrozes, 76. Tinha dificuldades em dormir, dado que não encontrava qualquer posição confortável e qualquer movimento lhe era doloroso. 77. As dores, a falta de mobilidade, as dificuldades em dormir, o sono agitado, causaram no Autor grave angústia, grande sofrimento, desespero, noites e noites sem descanso. 78. Toda esta situação, para além das dores e incómodos, deixava o Autor melindrado e até vexado e humilhado por não ser autossuficiente e depender de terceiros para alguns dos mais primários actos da vida corrente. 79. Neste período, e posteriormente, para além das dores que sentia, o Autor estava impedido de movimentar o corpo, 80. O que se agravava nas noites, na cama, tendo passado diversos dias e noites sem dormir, dado que não “tinha posição para dormir” ou tinha que mudar de posição constantemente mercê das dores que sentia. 81. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 31-12-2021. 82. Considerando o valor da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas não afectando o examinado em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico, limitando-o em termos funcionais e situacionais, gerando um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos, sendo que as sequelas são compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicam esforços suplementares. 83. Em resultado das sequelas que o apoquentam, o A. sente grande cansaço, incómodo e fenómenos dolorosos ao nível da perna e tornozelo esquerdo. 84. Estas sequelas incapacitam o Autor para qualquer atividade desportiva como jogging, caminhadas e jogos de futebol. 85. Acresce referir que o Autor sempre jogou futebol, três vezes por semana, com amigos e colegas de trabalho. 86. Hoje em dia e por força das lesões que o afectam, o Autor está impossibilitado de o fazer, o que lhe causa enorme tristeza e angústia. 87. O Autor não aguenta carregar pesos e tem dificuldades para permanecer muito tempo na posição ortostática. 88. À data do acidente, o Autor era uma pessoa ainda jovem, com 38 anos de idade, em pleno vigor, fisicamente bem constituído e saudável. 89. Saudável e escorreito, sem mazelas, 90. Ativo, que trabalhava e fazia caminhadas, 91. E que cuidava do seu aspeto físico. 92. O Autor, antes do acidente, fazia semanalmente remunerados, o que implicava um aumento do seu vencimento no final do mês, pois tratava-se de trabalho suplementar. 93. Os denominados remunerados implicam que o Autor se mantenha longos períodos de pé, 94. No ano de 2019, o A. auferiu rendimentos no valor de €26.333,34, fez retenções na fonte no valor de €3.495,00 e suportou contribuições no valor de € 2.570,56. 95. O Autor ficou com diversas cicatrizes em todo o corpo. 96. Por email remetido ao Autor, a Ré apresentou em 18 de Janeiro de 2022, a denominada “proposta razoável” de € 13.650,00 (treze mil seiscentos e cinquenta euros), conforme documento nº 11 junto com a petição inicial. 97. A Ré, através do contrato de seguro, titulado pela apólice número ...800, válida e eficaz à data do acidente, assumiu a responsabilidade civil perante terceiros pela circulação do veículo com a matrícula ..-OE-... 98. O sinistro identificado nos autos foi simultaneamente de serviço. 99. Por causa do sinistro descrito nos autos, a PSP reclamou da aqui R. o pagamento dos vencimentos e suplementos processados ao aqui A. no período em que esteve ausente do serviço (18-11-2020 a 18-04-2022) no valor global de € 35.050,20 (abrangendo remuneração base, suplemento das Forças de Segurança, Fardamento, Subsídio de Refeição, Subsídio de Natal, Subsídio de Férias, Taxas Contributivas – Regime Social) bem como € 114,47 com referência a despesas suportadas pelo DSAD em unidades de saúde convencionadas e € 550,00 relativamente a despesas com consultas/Juntas Médicas do sinistrado (Informação da PSP remetida aos autos em 31-10-2022).
Factos não provados, dos alegados com relevância para a decisão da causa: os demais alegados, designadamente: A. O Autor é chamado novamente a consulta de ortopedia ao Centro Hospitalar ..., e onde informa que está a ser acompanhado nos serviços da seguradora, B. Tendo-lhe, por via disso, cessado com aquelas consultas. C. O Autor, entre o dia 24 de Fevereiro de 2021 e 8 de Abril de 2021, foi sujeito, diariamente, a sessões de fisioterapia na Clínica B.... D. Contudo, o Autor manteve-se em situação de ITA atribuída pelos serviços clínicos da PSP. E. No dia 28 de Janeiro de 2022, o Autor é novamente avaliado em junta médica nos serviços clínicos da PSP, F. Mantendo-se em situação de ITA. G. No dia 4 de Março de 2022, o Autor é avaliado novamente em junta médica, nos serviços clínicos da PSP, H. Tendo, nessa data, o processo encerrado e dada alta clínica ao Autor, I. Não obstante, o Autor estar munido de um relatório médico, subscrito pelo ortopedista, Dr. EE, o qual refere que o Autor não se encontra ainda capaz de retomar a sua actividade profissional, J. Inclusivamente, é referido naquele relatório que o Autor necessita de retomar a fisioterapia. K. Assim, por força daquele resultado, o Autor foi obrigado a retomar a sua actividade profissional, com os condicionalismos acima descritos, L. Nos dezassete meses seguintes ao acidente, com excepção de se deslocar quer à consulta externa, quer à clínica para realizar tratamentos de fisioterapia, o Autor esteve acamado, M. O Autor, desde o acidente passou a sofrer de sequelas do foro psiquiátrico, - irritabilidade exacerbada com terceiros e familiares, tornando-se irritável e intempestivo; - insónias, dormindo por curtos períodos e com sono agitado, com crises de sonambulismo; - cefaleias; - estado de ansiedade; - humor deprimido; - instabilidade emocional; - medo; - revivescências traumáticas do acidente; N. Tudo para além de um agravamento da região afetada, dado que com a carga e esforço contínuos, como a marcha, a perna e tornozelo esquerdo irão sofrer um agravamento da sequela, O. Na verdade, os vários tratamentos, as sequelas de que ficou a padecer definitivamente, continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar, P. Que o vão acompanhar durante toda a vida, Q. Que se exacerbam com as mudanças de tempo. R. Por força das lesões que o afectam, não poderá voltar a desempenhar aquelas funções (serviços remunerados), implicando uma diminuição do vencimento mensal do Autor. S. O Autor irá necessitar, até final da sua vida, de assistência médica e medicamentosa, tratamentos fisiátricos, consultas de osteopatia, ortopedia e de acompanhamento psiquiátrico. T. O demandante necessitará no futuro, periodicamente, de acompanhamento e tratamento ortopédico. U. Toma, diariamente, ansiolíticos, anti-inflamatórios, relaxantes musculares, antidepressivos, indutores de sono. V. No entanto, mostra-se necessário a realização de uma cirurgia plástica, tendo em vista a atenuação das cicatrizes resultantes do acidente de viação que vitimou o Autor. W. Para a realização da referida cirurgia plástica, o Autor terá que despender um valor nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), em face da múltiplas lesões sequelares cicatriciais, sob a forma de lesões queloides exuberantes que apresenta, de acordo com o que lhe foi transmitido por médico cirurgião plástico. X. O Autor deslocou-se, a suas expensas, por 86 vezes à clínica de fisioterapia, aos serviços clínicos da seguradora e aos serviços clínicos da PSO, a qual dista de sua casa 25 kms., o que perfaz, ida e volta, 50 quilómetros, o que perfaz 4300 quilómetros, o que fez em veículo próprio. Y. Ademais, em resultado do acidente foi obrigado a suportar algumas despesas com consultas médicas, no valor total de €69,00 (sessenta e nove euros), cujo comprovativos remeteu oportunamente à Ré e que ainda não lhe foram liquidados. Z. Em virtude do sinistro, ficaram danificados um casaco, no valor de €60,00 (sessenta euros), umas calças, no valor de €35,00 (trinta e cinco euros), um par de sapatilhas, no valor de €75,00 (setenta e cinco euros), um relógio, no valor de € 60,00 (sessenta euros) e um capacete, no valor de € 120,00 (cento e vinte euros).
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DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nos termos do artigo 640.º, n.º 1, do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, (a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, e (c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, conforme preceitua a al. a), do n.º 2, do mesmo artigo. O recorrente cumpriu este ónus, pelo que, do ponto de vista formal nada obsta ao conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Como se pode ler no Acórdão desta Relação em que é relator o Sr. Desembargador Artur Dionísio Oliveira, processo nº 767/21.2T8PNF.P1, ainda não publicado “ Dispõe, por sua vez, o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. A análise e a valoração da prova na segunda instância está, naturalmente, sujeita às mesmas normas e princípios que regem essa actividade na primeira instância, nomeadamente a regra da livre apreciação da prova e as respectivas excepções, nos termos previstos no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, conjugado com a disciplina adjectiva dos artigos 410.º e seguintes do mesmo código e com a disciplina substantiva dos artigos 341.º e seguintes do Código Civil (CC), designadamente o artigo 396.º no que respeita à força probatória dos depoimentos das testemunhas. É consabido que a livre apreciação da prova não se traduz numa apreciação arbitrária, pelo que, nas palavras de Ana Luísa Geraldes (Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591), «o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância». De resto, como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra 2019, p. 720), o juiz deve «expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados». Mas não podemos olvidar que, por força da imediação, da oralidade e da concentração que caracterizam a produção da prova perante o juiz da primeira instância, este está numa posição privilegiada para apreciar essa prova, designadamente para surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir a espontaneidade e a credibilidade dos seus depoimentos, que frequentemente não transparecem na gravação. Por esta razão, Ana Luísa Geraldes (ob. cit. página 609) salienta que, em caso de dúvida, «face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».
No caso presente pretende o recorrente a alteração da decisão no que respeita ao facto constante da alínea R dos Factos não provados.
No entender do recorrente esses factos - Por força das lesões que o afectam, não poderá voltar a desempenhar aquelas funções (serviços remunerados), implicando uma diminuição do vencimento mensal do Autor - deveriam ser considerados provados.
Diz o recorrente que o Tribunal a quo não valorou os depoimentos das testemunhas BB e CC. A testemunha BB é companheira do Recorrente e a testemunha CC é colega de trabalho do Recorrente.
Entende que a Recorrida não produziu prova em audiência que contrariasse o depoimento destas duas testemunhas relativamente aos serviços remunerados que o Recorrente deixou de realizar em virtude das lesões sofridas com o acidente relatado nos autos. E, nessa medida, impõe-se a alteração da matéria de facto, devendo passar a constar da matéria dada como provada o seguinte facto: Por força das lesões que o afectam, não poderá voltar a desempenhar aquelas funções (serviços remunerados), implicando uma diminuição do vencimento mensal do Autor.
Antes de mais, uma pequena precisão. Incumbe ao Autor a prova dos factos que são constitutivos do seu direito – Artigo 342.º do Código Civil (Ónus da prova) “ 1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. 2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. 3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.”
A convicção do tribunal não depende apenas /e /ou do depoimento de testemunhas, sendo que a circunstância de não ser produzida prova que contrarie o seu depoimento, não determina, sem mais, valorar positivamente aquele depoimento. Assim, não é pelo facto do depoimento das citadas testemunhas não ter sido contrariado pela recorrida que o Tribunal deva aderir, em termos probatórios, à tese que apresentaram.
Relativamente a este ponto em concreto da matéria de facto, vejamos a motivação efectuada pelo Tribunal a quo.
(….) Quanto ao mais, o Tribunal valorizou o depoimento da testemunha BB companheira do A. desde 2019 e que descreveu a situação do mesmo logo após o sinistro, tendo notado uma diferença ao nível do estado de espírito do A. na sequência do sinistro, referiu o facto de o A. ter engordado bastante e da alteração dos seus hábitos de vida, da testemunha DD, cunhado do A. que também falou sobre a pessoa do A. antes e depois do sinistro, CC, agente da PSP que trabalha com o A. desde 2000, que discorreu sobre a situação actual do A. e as declarações de parte do A. que ajudaram a perceber melhor do alcance dos danos sofridos e que redundaram na afirmação do que ficou exposto em relação aos elementos supra descritos e, em seguida, no exposto em 83. a 91 O relatório da perícia de avaliação do dano corporal é essencial no que se refere ao plasmado em 81., 82. e 95. no que diz respeito ao enquadramento em termos de queixas do A., análise e alcance das consequências do sinistro descrito nos autos, situação que se reflecte em grande parte da factualidade dada como não provada. Com efeito, a questão do acompanhamento psiquiátrico e das queixas do A. neste domínio estão completamente ausentes de tal relatório, o que significa que, nesta altura, nem sequer o A. valoriza esses elementos, o que afasta qualquer relevância do exposto neste domínio (pontos L. a W. dos factos não provados). Do mesmo modo, o aludido relatório nada refere em relação a repercussões futuras no sentido de o A. necessitar da tal cirurgia plástica ou de acompanhamento nas várias vertentes alegadas, o que retira qualquer virtualidade ao exposto pelo A. nesta matéria, dado que, o Tribunal não tem qualquer suporte para valorizar tal matéria de outra maneira. Note-se que o citado relatório aponta como data de consolidação das lesões a data de 31-12-2021, o que é incompatível com a afirmação do A. de que esteve 17 meses acamado, do mesmo modo que está em causa o mais exposto pelo A. em relação à fita do tempo em relação a todo o processo, sem prejuízo de o Tribunal ter valorizado vários elementos que se mostram evidenciados nos vários meios de prova já apontados, nomeadamente a assunção por parte da R. de que o A. fazia serviços gratificados e as condições subjacentes à realização de tais serviços, até porque lhe liquidou o valor devido nesse âmbito (factos 92. e 93.), mas já não se pode afirmar, como pretende o A., que ficou impossibilitado de fazer tais serviços, dado que, o relatório da perícia de avaliação do dano corporal não contém qualquer referência quanto ao facto de o A. estar impedido de desenvolver qualquer actividade relacionada com a sua profissão, sem prejuízo da referência à necessidade de esforços suplementares.”
Parece-nos que a motivação da decisão relativamente à matéria de facto é muito clara. Não obstante as queixas que o A. apresenta e que referiu aquando da realização do exame pericial e o depoimento das testemunhas que reiteraram as mesmas, hiperbolizando-as, o tribunal teve com consideração o que resultou da perícia efectuada, plasmada no relatório e esclarecimentos posteriores.
Aqui chegados impõe-se tecer algumas considerações a propósito do valor probatório da prova pericial no âmbito o Direito Civil.
A este propósito, seguiremos o Acórdão da Relação de Guimarães de 01.10.2015, tirado no processo 40/12.7TBSBR.G1 onde se pode ler. “ (…) Em primeiro lugar, importa desde já precisar o entendimento que temos seguido no que concerne à força probatória da prova pericial. Afirma Mendes, João de Castro, [3] “ a prova pericial (…) é o meio de prova que consiste na transmissão ao juiz de informações de fato por uma entidade – perito (,…)- especialmente encarregada de as recolher. Ora em matéria de prova, dispõe o artigo 607º, nº 5, do CPC, que, em princípio, “o Tribunal…aprecia livremente as provas, decidindo os Juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, com ressalva das situações em que a lei dispuser, diferentemente, atento o nº 2, do normativo acabado de citar. Principio que vigora no domínio da prova pericial, o que não significa prova arbitrária [4], mas, também, que não se trata de prova positiva ou legal, cujo juízo se presumiria subtraído à livre apreciação do julgador, nos termos do disposto pelo artigo 389º, e até por contraposição ao estatuído pelos artigos 371º, nº 1 e 376º, nº 1, que se referem à prova documental, e 358º, que se reporta à confissão, todos do CC, onde vigora o sistema da prova legal. Efectivamente, o valor da prova pericial civil, contrariamente ao que acontece com a prova pericial penal [5] não vincula o critério do julgador, que a pode rejeitar, independentemente de sobre ela fazer incidir uma crítica material da mesma natureza. Considerando, porém, a necessidade de evitar que o princípio da livre apreciação da prova não resvale em arbitrariedade, a lei exige que a prova pericial seja apreciada pelo Juiz, segundo a sua experiência, prudência e bom senso, mas com inteira liberdade, sem se encontrar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais [6]. Ao contrário do que acontecia com a versão do Código de Processo Civil de 1961, em que o respetivo artigo 578º, embora já consagrando o princípio da livre apreciação da prova pericial, obrigava o julgador a fundamentar a sua conclusão, sempre que se afastasse do parecer dos peritos, o Tribunal pode agora afastar-se, livremente, deste parecer, quer porque tenha partido de factos diferentes dos que aceitou o perito, quer porque discorde das suas conclusões ou do raciocínio lógico em que se apoia, quer porque, finalmente, os demais elementos úteis de prova existentes nos autos invalidem, na sua ótica, o laudo dos peritos [7] Em suma, a convicção do julgador sobre os factos forma-se, livremente, com base nos elementos de prova, globalmente, considerados, sem vinculação estrita às conclusões dos exames periciais, se houver elementos de prova que contrariem a factualidade sobre que assentaram tais exames [8] e [9]. Este princípio traduz “ a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, entretanto se ambicione atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os fatos sem provas ou contra provas “[10] Porém convém não esquecer o peculiar objeto da prova pericial: a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (art.º 388 do Código Civil). (o sublinhado é nosso). Como anota Rezende de Almeida [11] “ as legislações processuais dos países continentais europeus apresentam condições gerais de valoração da prova produzida nos autos. Não se encontra, porém, critérios objectivos que subsidiem o juiz na verificação da qualidade daquilo que se atesta na perícia. Não há norma que gere a obrigação do juiz de exercer controle sobre a cientificidade ou tecnicidade do laudo pericial, e (…). Deste modo, à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal. Aliás a especial relevância do juízo científico está necessariamente relacionada com a especial credibilidade da perícia que o legislador entendeu estar ligada à sua natureza oficial. Ou seja, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser suscetível de uma crítica material e igualmente científica. Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva [12] (art.º 653 nº 2 e 659 nº 2, in fine, do CPC). Dever que deve ser cumprido com particular escrúpulo no tocante a juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida [13] Assim entende-se que não se deve confiar, de forma ilimitada ou irrestrita, no efeito prático do ditame de que o juiz é o perito dos peritos. Dado que a prova pericial supõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado, é difícil que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objetivo para o qual não dispõe de meios subjetivos. Naturalmente que estamos a partir do princípio de que tal conhecimento científico que nos é transmitido deve ser passível de apreensão pelo Juiz, desde que devidamente expostos os fatos, a metodologia de análise a utilizar e os pressupostos essenciais a uma conclusão racionalmente aceite. Neste caso isto significa que, a não ser que sobrevenham novos e seguros elementos de prova, maxime uma nova perícia, a liberdade do juiz não o autoriza a estabelecer, sem o concurso dos peritos, as razões da sua convicção. (…) Quando ao direito, o juiz é por definição tão apto como o autor do parecer, ou seja, em princípio conhece tão bem o direito, as normas, os critérios de interpretação ou os princípios jurídicos como o autor do parecer e por isso não se lhe levanta qualquer dificuldade em discordar deste e fundamentar opinião diversa (…). (…)Mas em relação aos conhecimentos técnicos as coisas não se passam da mesma maneira: o juiz, em condições normais, não dispõe de conhecimentos bastantes para poder inverter ou recusar as conclusões do parecer quando estas se baseiam e fazem aplicação de conhecimentos técnicos ou científicos. Repare-se que o que justifica a intervenção técnica no processo é a existência de matéria de facto que envolve questões ou dificuldades de natureza técnica cuja solução depende de conhecimentos especiais que não estão ao alcance do tribunal: se esses conhecimentos não estão ao alcance do tribunal, convenhamos que não será fácil ao tribunal afastar as conclusões de quem os tem, a não ser que elas estejam ostensivamente erradas, careçam de justificação, forem incongruentes com meios de prova inequívocos [14]. Concluindo, por mais que se afirme a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente na decisão da causa.” NB: bol da nossa autoria. ________________ [5] No processo penal o art. 163.º do CPP dispõe expressamente que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador, o qual deve fundamentar a sua divergência sempre que a sua convicção divergir do juízo contido no parecer dos peritos, [6] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV, 1981, 566 a 571; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 340, citado e Almeida, Francisco Manuel Lucas Ferreira de, Direito Processual Civil, Coimbra, Almedina, 2010 Vol I pp 276. [7] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 340, citado. [8] STJ, de 9-3-94, BMJ nº 435, 626 e Os meios de Prova em processo Civil, Fernando Pereira Rodrigues, 2015 pp 20 e Ac. Relação de Coimbra de 11 de Março de 2009, Processo 4/05.7TAACN:c1, relator Jorge Gonçalves disponível em www.dgsi.pt [9] Leal Henriques e Simas Santos, Código de Processo Penal Anotado, 1996, 1º, 642. [10] cf. Reis, José Alberto dos, Comentário ao Código de Processo Civil, cit pp 245. [11] in Almeida, Diogo Assumpção Rezende de, A Prova Pericial no Processo Civil, “ O Controle da Ciência e da Escolha do Perito ppp 55 [12] - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 263 e 264. [13] Carlos Lopes do Rego, O Ónus da Prova nas Acções de Investigação da Paternidade: Prova Directa e Indirecta do Vínculo da Filiação, in, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, 2004, págs. 789 e 780. [14], neste sentido Ac.R.Porto de 08.11.2012 proferido no processo 6439.07.3TBMTS.P1
Tal como consta da motivação à decisão da matéria de facto, foi este o caminho traçado pelo Tribunal a quo e que este tribunal de recurso entende como adequado.
O depoimento das testemunhas ouvidas não tem a virtualidade de conseguir afastar o juízo científico da perícia. Improcede, nesta parte, o recurso interposto.
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Não podemos esquecer o artigo 662.º n.º 1, do CPC quando preceitua que a Relação deve alterar a decisão na parte em que a proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A análise e a valoração da prova na segunda instância está, naturalmente, sujeita às mesmas normas e princípios que regem essa actividade na primeira instância, nomeadamente a regra da livre apreciação da prova e as respectivas excepções, nos termos previstos no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, conjugado com a disciplina adjectiva dos artigos 410.º e seguintes do mesmo código e com a disciplina substantiva dos artigos 341.º e seguintes do Código Civil (CC), designadamente o artigo 396.º no que respeita à força probatória dos depoimentos das testemunhas.
É jurisprudência pacífica que a Relação não deve reapreciar a matéria de facto se a alteração pretendida for inócua para a decisão da causa, ou seja, se for insusceptível de fundamentar a sua alteração, tendo em conta as específicas circunstâncias em causa, sob pena de levar a cabo uma actividade processual inconsequente e inútil que, por isso, lhe está legalmente vedada (artigo 130.º do CPC).
Não há a menor dúvida que o tribunal valorou os seguintes factos: - o quantum doloris, o dano estético permanente, e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer
Também não há dúvidas que os teve em consideração aquando da aplicação do Direito aos factos – cfr. Finalmente, o tribunal terá que ponderar devidamente o facto de o acidente em causa nos autos ter repercussão directa e definitiva sobre a vida do autor. Dentro destes danos o tribunal valorou devidamente o grau atribuído a cada um deles. Assim, o quantum doloris é muito elevado (4 em 7), sem olvidar o tempo de internamento assim como o dano estético permanente (2 em 7) e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer (2 em 7). Ou seja, os danos sofridos pelo autor, um homem de 38 anos abrangem várias componentes da sua vida pessoal e diversos domínios que qualquer ser humano tem direito a usufruir para poder ser feliz, sendo incontornável que o A. ficou afectado na sua auto-estima que tem necessariamente reflexo na sua interacção social e afirmação pessoal. Os padecimentos supra referidos são de molde a considerar que estamos perante uma situação merecedora de ressarcimento, mostrando-se ajustada a quantia global de € 32.500,00, tendo em atenção os critérios anteriormente enunciados e que se destina a compensar a realidade vivida pelo autor após o acidente.
Porém, acabou por não os incluir nos factos provados. Ora, estes são essenciais, pelo que importa suprir tal omissão.
Deste modo adita-se o seguinte facto:
O quantum doloris sofrido pelo A. foi de 4 em 7, o dano estético permanente de 2 em 7) e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de 2 em 7).
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O DIREITO
DO QUANTUM DAS INDEMINIZAÇÕES
O Recorrente não concorda com o valor arbitrado pelo Tribunal a quo.
Relativamente aos danos patrimoniais, o tribunal fixou a indemnização em €25.000,00 e o recorrente entende como adequado o valor de, pelo menos, €60.000,00, tendo em consideração que o recorrente tinha 38 anos de idade à data do acidente, auferia o vencimento anual de €26.333,34, ficou com um Défice Funcional de 5 pontos, as sequelas são compatíveis, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, mas implicam esforços suplementares, a idade média de vida para os homens, à data do acidente, era de 82 anos, o Recorrente não consegue realizar serviços remunerados (trabalho suplementar), o que implica um decréscimo salarial no seu vencimento mensal.
Desde já há que ter em consideração que este último item não foi considerado pelo Tribunal a quo, nem o será no âmbito deste recurso, permanecendo aqueles factos a pertencer ao grupo dos factos não provados.
Quanto aos danos não patrimoniais, o Tribunal a quo fixou em € 32.500,00 a indeminização e o recorrente entende como adequado o valor de nunca inferior a € 45.000,00 atendendo ter, à data do acidente, 38 anos de idade, ser portador de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 5 pontos, um Quantum Doloris fixável no grau de 4/7, um Dano Estético Permanente fixável no grau 2/7, e, por último, a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7.
Factos provados e nos quais o Tribunal fundamentou a sua decisão.
Em consequência do embate, o autor foi assistido no local do acidente e, posteriormente, transportado de urgência ao Hospital ..., no Porto (doc. nº 1 junto com a petição inicial).
O Autor ficou internado naquela unidade hospitalar até ao final daquele dia 18 de Novembro de 2020, tendo sido transferido para o Centro Hospitalar ..., em ..., para aí ser submetido a uma intervenção cirúrgica ao membro inferior esquerdo.
Como consequência directa e necessária do embate supra descrito, o Autor sofreu fratura bimeolar do tornozelo esquerdo e fratura do escafoide, entre várias escoriações por todo o corpo.
O Autor foi, inicialmente, assistido no Hospital ..., no Porto e, posteriormente no Centro Hospitalar ..., em ..., onde foi submetido a intervenção cirúrgica ao membro inferior esquerdo (perna e tornozelo).
Onde esteve internado durante dois dias, ou seja até ao dia 20 de Novembro de 2020 (doc. nº 2 junto com a petição inicial).
Passando a ser orientado pelos serviços clínicos da Seguradora, aqui Ré.
Onde se deslocou algumas vezes.
Contudo, após ter alta do Centro Hospitalar ..., em ..., no dia 20 de Novembro de 2020, deslocou-se duas vezes por semana ao Centro de Saúde ..., ..., para substituição dos pensos.
No dia 2 de Dezembro de 2020, o Autor teve consulta de ortopedia no Centro Hospitalar ..., em ..., com o médico que o operou.
Naquela consulta, o médico cirurgião entendeu manter a tala na perna esquerda do Autor,
Mantendo os curativos no Centro de Saúde da sua área de residência
No dia 11 de Dezembro de 2020, o Autor teve nova consulta de ortopedia no Centro Hospitalar ..., em ...,
Tendo-lhe sido retirada a tala da perna e dada a indicação para tentar fazer carga sobre a perna esquerda.
Prescreveram-lhe ainda a realização de fisioterapia, uma semana após a retirada da tala, ou seja, após o dia 17 de Dezembro de 2020.
Assim, entre o dia 17 de Dezembro de 2020 e 12 de Janeiro de 2021, o Autor foi submetido a sessões diárias de fisioterapia que decorreram na Clínica B..., em ....
As custas com aquelas sessões de fisioterapia foram suportadas pelo Serviço Nacional de Saúde.
Mais tarde, no dia 7 de Janeiro de 2021, o Autor teve consulta de ortopedia no Centro Hospitalar ...,
Tendo-lhe sido mantidas as sessões de fisioterapia.
No dia 12 de Janeiro de 2021, o Autor teve a sua primeira consulta de ortopedia no Hospital 2..., por conta da seguradora.
No dia seguinte, 13 de Janeiro de 2021, inicia as sessões de fisioterapia por conta da seguradora, na clínica B..., em ....
O A. foi chamado, no dia 9 de Fevereiro de 2021, a nova consulta de ortopedia no Hospital 2...,
Onde lhe foi marcada a cirurgia para remoção dos parafusos da perna / tornozelo.
Assim, no dia 10 de Fevereiro de 2021, o Autor é internado no Hospital 2... para a realização da cirurgia de extracção dos parafusos na perna / tornozelo,
Tendo tido alta clínica daquela unidade hospitalar no dia seguinte, 11 de Fevereiro de 2021.
No dia 23 de Fevereiro de 2021, o Autor teve nova consulta de ortopedia no Hospital 2....
No dia 9 de Março de 2021, o Autor teve nova consulta de ortopedia nos serviços clínicos da seguradora (Hospital 2...).
No dia 9 de Abril de 2021, o Autor foi a nova consulta de ortopedia nos serviços clínicos da seguradora, Hospital 2...,
No dia 13 de Abril inicia sessões de fisioterapia na clínica da C..., em ..., a pedido da companhia de seguros responsável.
As sessões de fisioterapia eram diárias e mantiveram-se até ao dia 12 de Julho de 2021.
No dia 6 de Maio de 2021, o Autor é novamente consultado nos serviços clínicos da seguradora, na especialidade de ortopedia.
O Autor, no dia 4 de Junho de 2021, é novamente consultado nos serviços clínicos da companhia de seguros, desta vez a consulta decorreu na Casa de Saúde ..., por força da fusão das companhias de seguro, (A... e D...).
No dia 18 de Junho de 2021, o Autor é novamente convocado para uma junta médica da PSP,
Que o mantiveram em situação de ITA.
Uns dias mais tarde, a 2 de Julho de 2021, o Autor é novamente convocado para uma consulta de ortopedia nos serviços clínicos da seguradora,
Que o mantiveram em situação de ITA,
Tendo-lhe sido reagendada nova consulta para o dia 13 de Julho de 2021.
A qual veio a decorrer, optando aquela companhia de seguros por manter o Autor em situação de ITA.
No dia 10 de Agosto de 2021, o Autor é novamente avaliado nos serviços clínicos da companhia de seguros responsável,
A qual mantém o Autor em situação de ITA.
No dia 3 de Setembro de 2021, o Autor é convocado para nova junta médica nos serviços clínicos da PSP, a qual veio a decorrer, tendo mantido o Autor em situação de ITA.
Cinco dias depois, a 8 de Setembro de 2021, o Autor é novamente consultado em ortopedia, nos serviços clínicos da Ré, mantendo-o em situação de ITA.
A 17 de Setembro de 2021, o Autor é novamente submetido a junta médica nos serviços clínicos da PSP,
Mantendo-se em ITA.
O Autor, a 1 de Outubro de de 2021, é observado em consulta de ortopedia, nos serviços clínicos da Seguradora, mantendo-se em situação de ITA.
Uma semana depois, a 8 de Outubro de 2021, o Autor é avaliado novamente em junta médica da PSP, a qual decide mantê-lo em situação de ITA.
Quase dois meses depois, a 3 de Dezembro de 2021, o Autor é novamente submetido a junta médica nos serviços clínicos da PSP, mantendo-se em situação de ITA.
No dia 14 de Dezembro de 2021, o Autor deslocou-se pela última vez aos serviços clínicos da seguradora para ser avaliado,
Tendo-lhe sido dada alta clínica.
Naquela consulta, os serviços clínicos da seguradora realizaram a avaliação final das lesões corporais que afetam o Autor.
No início, não conseguia manter-se de pé mais de 30 minutos.
Nos três meses seguintes ao acidente, com excepção de se deslocar quer à consulta externa, quer à clínica para realizar tratamentos de fisioterapia, o Autor esteve acamado,
Privado da sua normal mobilidade,
Inteiramente dependente, para as mais elementares e básicas necessidades, de ajuda de terceira pessoa,
Que o ajudava a tomar banho e a vestir-se. Sentia dores atrozes,
Tinha dificuldades em dormir, dado que não encontrava qualquer posição confortável e qualquer movimento lhe era doloroso.
As dores, a falta de mobilidade, as dificuldades em dormir, o sono agitado, causaram no Autor grave angústia, grande sofrimento, desespero, noites e noites sem descanso.
Toda esta situação, para além das dores e incómodos, deixava o Autor melindrado e até vexado e humilhado por não ser autossuficiente e depender de terceiros para alguns dos mais primários actos da vida corrente.
Neste período, e posteriormente, para além das dores que sentia, o Autor estava impedido de movimentar o corpo,
O que se agravava nas noites, na cama, tendo passado diversos dias e noites sem dormir, dado que não “tinha posição para dormir” ou tinha que mudar de posição constantemente mercê das dores que sentia.
A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 31-12-2021.
Considerando o valor da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas não afectando o examinado em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico, limitando-o em termos funcionais e situacionais, gerando um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos, sendo que as sequelas são compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
Em resultado das sequelas que o apoquentam, o A. sente grande cansaço, incómodo e fenómenos dolorosos ao nível da perna e tornozelo esquerdo.
Estas sequelas incapacitam o Autor para qualquer atividade desportiva como jogging, caminhadas e jogos de futebol.
Acresce referir que o Autor sempre jogou futebol, três vezes por semana, com amigos e colegas de trabalho.
Hoje em dia e por força das lesões que o afectam, o Autor está impossibilitado de o fazer, o que lhe causa enorme tristeza e angústia.
O Autor não aguenta carregar pesos e tem dificuldades para permanecer muito tempo na posição ortostática.
À data do acidente, o Autor era uma pessoa ainda jovem, com 38 anos de idade, em pleno vigor, fisicamente bem constituído e saudável.
Saudável e escorreito, sem mazelas,
Ativo, que trabalhava e fazia caminhadas,
E que cuidava do seu aspeto físico.
O Autor, antes do acidente, fazia semanalmente remunerados, o que implicava um aumento do seu vencimento no final do mês, pois tratava-se de trabalho suplementar.
Os denominados remunerados implicam que o Autor se mantenha longos períodos de pé,
No ano de 2019, o A. auferiu rendimentos no valor de €26.333,34, fez retenções na fonte no valor de €3.495,00 e suportou contribuições no valor de € 2.570,56.
O Autor ficou com diversas cicatrizes em todo o corpo.
O quantum doloris sofrido pelo A. foi de 4 em 7, o dano estético permanente de 2 em 7) e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de 2 em 7).
Dano biológico Escreveu-se na decisão recorrida “Assim, considerando que em consequência das sequelas permanentes infligidas pelo acidente, exige-se ao A. esforços acrescidos para exercício da sua actividade profissional, o seu rendimento apurado nos autos, o défice funcional permanente de 5 pontos na integridade física e psíquica, a idade da autora à data do acidente (38 anos), a esperança média de vida em 2023 para os homens 78 anos, a taxa de inflação previsível até essa altura, que se podia fixar em 4% ao ano, a taxa de juro previsível para depósitos a prazo, que fixa em 2% ao ano (inferior à taxa de juros civis, mas superior à taxa actualmente paga em depósitos a prazo), a circunstância de o montante da indemnização ser entregue de uma só vez, a circunstância de haver que subtrair, ao valor da remuneração anual, pelo menos 1/3 dos rendimentos para gastos pessoais do autor, sendo que, na posse destes critérios, é ajustado arbitrar ao autor uma indemnização de € 25.000,00 pelo dano biológico reclamado nos autos.”
Não nos iremos alongar no desenvolvimento do conceito de “dano biológico”.
A maioria da jurisprudência, reconhecendo a existência das três vertentes em que tem sido feito o enquadramento do dano biológico (dano patrimonial, dano não patrimonial ou tertium genus), entende a equidade como a mais adequada e que o chamado dano biológico reconduz-se a um dano corporal que consiste na diminuição ou lesão da integridade psicofísica da pessoa em si e por si considerada.
É indiscutível que a perda genérica de capacidades laborais e funcionais do lesado constitui um dano ressarcível, pelo que, haja ou não afectação da capacidade de ganho daquele, impõe-se, sempre, o ressarcimento autónomo do dano biológico. Lê-se no AC do STJ de 21.01.21 “ Como se escreveu, por exemplo, no acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Novembro de 2020, www.dgsi.pt, proc. n.º 5572/05.0TVLSB.L1.1, “Como se disse já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (www.dgsi.pt, 1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 103/2002.L1.S1), “É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)”(cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» – acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978); a perda de rendimento que resulte da redução, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. Nº 428/07.5TBFAF.G1-S1). A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”. Assim, cfr, ainda os acórdãos de 4 de Junho de 2015, www.dgsi.p, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 3 de Dezembro de 2015, www.dgsi.pt, proc.n.º 3969/07.0TBBCL.G1.S1, ou de 19 de Setembro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1.”.
Em qualquer das vertentes, patrimoniais ou não patrimoniais, a indemnização pelo dano biológico deve ser calculada segundo a equidade: artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Código Civi.
Há quem diga que a equidade há-de ser, sempre, mitigada com o princípio da igualdade, ou seja, tentar atribuir indeminizações semelhantes aos casos semelhantes.
Não obstante ser um ideal a atingir, a diversidade e especificidade de cada caso torna difícil a comparação.
A sentença considerou “ o dano biológico na vertente patrimonial” e ponderou a indemnização de acordo com critérios de equidade, vista a idade do lesado e o défice funcional de 5 pontos de que ficou a padecer e fixou-a em 25.000€, ou seja, um valor abaixo do cálculo daquele dano caso se socorresse, como critério orientador, das fórmulas matemáticas clássicas.
Deve realçar-se a dificuldade subjacente ao cálculo do dano biológico na vertente patrimonial, enquanto perda futura de capacidade de ganho, pois exige a previsão, não pacífica, de dados que apenas são constatáveis no futuro e por um muito longo período de tempo, como seja a evolução da economia, da produtividade, do emprego, dos salários ou da inflação. Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos) (neste sentido, entre outros Acórdão da RG de 12.01.2017 e AC do STJ de 10.11.2016).
Concluindo, tendo em conta tudo o que dissemos, os critérios a atender e a equidade como “fio da balança”, entendemos que o valor a fixar em termos de indeminização por danos patrimoniais deve ser de €35.000,00
O que se escreveu a este propósito na sentença em crise: (…) a indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso do autor ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de serviço, não contempla a compensação do dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente, porquanto, enquanto a primeira indemnização tem por objecto o dano decorrente da perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua actividade profissional habitual, durante o período previsível dessa actividade e, consequentemente, dos rendimentos que dela poderia auferir, a compensação do dano biológico tem como base e fundamento “a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da actividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual” - Acórdão do STJ, de 13.07.2017 (processo nº 3214/11.4TBVIS.C1.S1), www.dgsi.pt. Tal equivale a dizer que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas. Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais. Assim, o lesado tem direito a uma quantia que constitua justa compensação do denominado dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal. No mesmo sentido, refere o Acórdão do STJ, de 06.12.2017 (processo nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1), www.dgsi.pt que «O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis”. Ora, na situação dos autos, com referência à situação do A., considerando o valor da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas não afectando o examinado em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico, limitando-o em termos funcionais e situacionais, gerando um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos, sendo que as sequelas são compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, o que tanto basta para que se deva concluir pela perda da capacidade de ganho. A aferição da necessidade de compensação pela perda da capacidade de ganho fundada na existência de uma incapacidade para o trabalho assenta numa perspectiva estática da actividade laboral ou, se se preferir, na existência de uma situação económica de pleno emprego, estando o lesado já inserido no mercado de trabalho. Esta perspectiva não apreende a realidade dinâmica de procura de novo emprego ou de uma promoção. Como é evidente, num mercado de trabalho extremamente competitivo, os melhores empregos tenderão a ser oferecidos aos candidatos que, em abstracto, se apresentam como mais eficientes, isto é, aos candidatos que não revelam qualquer capacidade funcional diminuída. Tem, pois, a autor direito a uma indemnização pelo dano biológico (patrimonial) sofrido. A liquidação desta indemnização não pode ser simplisticamente decalcada do cálculo da indemnização devida pela perda da capacidade de ganho. Aliás, em muitos casos, cumular-se-á com estoutra indemnização. Por outro lado, haverá que ter em atenção o valor da compensação a arbitrar pelos incómodos resultantes de esforços suplementares, como danos (que são) não patrimoniais, considerando que essa compensação visa sobretudo permitir ao lesado obter meios para suavizar ou eliminar o sofrimento. A não se atentar nesta realidade, estar-se-ia, então, perante uma duplicação de vias ressarcitórias: numa via, compensação do sofrimento que será sentido no futuro; noutra via, entrega de uma indemnização para adquirir os meios a que o sofrimento não ocorra. A compensação agora arbitrada destina-se, pois, apenas a compensar o efectivo handicap do autor no fortemente concorrencial mercado de trabalho – isto é, no mercado, de acordo com as suas habilitações, que o autor tinha a legítima expectativa de integrar. Tratando-se, como se trata, de um dano futuro – mais do que uma simples perda de chance -, justifica-se e impõe-se o recurso à equidade (art. 566.°, n.º 3, do Cód. Civil), informada por critérios de verosimilhança e de probabilidade, considerando as balizas dadas por provadas - como a natureza da actividade laboral em causa, a remuneração normal dessa actividade, a sua idade (e período normal de vida activa, tendo o autor 38 anos e o grau de dano biológico fixado (sobre o recurso à equidade, cfr. o Ac. do STJ de 19-09-2019 (2706/17.6T8BRG.G1.S1)).
Em termos de dano não patrimonial, o A. impetra a quantia global de € 65.725,00 por danos morais, considerando o dano biológico, o dano estético, o quantum doloris, a repercussão da situação na sua actividade profissional e na vida desportiva e bem assim os dias de internamento. No que concerne à obrigação de indemnização, estabelece o artigo 562.º do Código Civil que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve constituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” e o artigo 566.º, n.º 1 que “a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. Estabelece também o artigo 564.º do mesmo Código que “O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.” (n.º 1) e que “na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.” (n.º 2). O fim da obrigação de indemnizar é pôr a cargo do lesante a prática de certos actos, cuja finalidade comum é criar uma situação que se aproxime o mais possível da situação em que o lesado provavelmente se encontraria se não tivesse tido lugar o facto que deu causa ao dano. O Código Civil consagra, assim, a prevalência da reconstituição natural, que resulta da intenção de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, meio mais eficaz de garantir o interesse do lesado. Sempre que a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o responsável, terá de recorrer-se à reconstituição por equivalente, que consiste no pagamento de uma indemnização em dinheiro, que tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (que, pendendo o processo na primeira instância, corresponde à data de encerramento da audiência de julgamento, nos termos do artigo 663.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), e a situação patrimonial que o lesado teria nessa data se não existissem danos, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil, que, assim, consagrou a teoria da diferença. O Código Civil aderiu à tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais limitando a, no entanto, àqueles cuja gravidade seja susceptível de merecer a tutela do direito, gravidade essa, aferida por um padrão objectivo que tome em conta as circunstâncias concretas. Para o cálculo do respectivo montante deverá recorrer-se a critérios de equidade, ponderando, entre outros factores, o grau de culpa do Autor da lesão, as condições económicas deste e do lesado, as flutuações da moeda, etc. A indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se o dano não tivesse ocorrido, mas simplesmente e, de alguma forma, compensar o lesado pelos abalos e sofrimentos sentidos e igualmente sancionar a conduta do lesante. Na verdade, trata-se de prejuízos de natureza infungível, pelo que não é possível uma reintegração por equivalente, susceptível de indemnização, mas apenas um quantitativo que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro. Esta compensação deve ser proporcionada à gravidade do dano e deverá ter um alcance significativo e não meramente simbólico ou miserabilista. As circunstâncias a ponderar prendem-se com o quantum doloris, o período de doença, situação anterior e posterior do lesado em termos de afirmação social, apresentação e auto-estima, alegria de viver, idade, esperança de vida, perspectivas para o futuro, etc. Há que considerar que em consequência directa do acidente o autor teve as lesões físicas descritas nos factos provados, o que demandou os tratamentos também ali descritos, o que provocou dores e o dano estético supra referido (permanente), assim como nas actividades de lazer. Finalmente, o tribunal terá que ponderar devidamente o facto de o acidente em causa nos autos ter repercussão directa e definitiva sobre a vida do autor. Dentro destes danos o tribunal valorou devidamente o grau atribuído a cada um deles. Assim, o quantum doloris é muito elevado (4 em 7), sem olvidar o tempo de internamento assim como o dano estético permanente (2 em 7) e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer (2 em 7). Ou seja, os danos sofridos pelo autor, um homem de 38 anos abrangem várias componentes da sua vida pessoal e diversos domínios que qualquer ser humano tem direito a usufruir para poder ser feliz, sendo incontornável que o A. ficou afectado na sua auto-estima que tem necessariamente reflexo na sua interacção social e afirmação pessoal. Os padecimentos supra referidos são de molde a considerar que estamos perante uma situação merecedora de ressarcimento, mostrando-se ajustada a quantia global de €32.500,00, tendo em atenção os critérios anteriormente enunciados e que se destina a compensar a realidade vivida pelo autor após o acidente.
No que respeita à indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, socorrendo-nos da parte teórica da sentença com a qual concordámos, na íntegra, parece-nos que os danos sofridos pelo Autor (que estão já fixados), a esse nível, são elevados e que €32.500,00 ficará um pouco aquém dos danos efectivamente sofridos.
O Autor foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, andou quase dois meses com tala, esteve 3 meses acamado, sofreu dores fortes, ficará para sempre com marcas do acidente, não poderá efectuar as actividade desportivas e de lazer da forma como o fazia antes.
Entendemos que o valor de €40.000,00 será a compensação adequada.
IV. DECISAO
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em dar parcialmente provimentoao recurso interposto, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra na qual se decide: - Acrescentar aos Factos provados o ponto 95 - A“ O quantum doloris sofrido pelo A. foi de 4 em 7, o dano estético permanente de 2 em 7) e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de 2 em 7).”
- Condenar a R. “A..., S.A.” a pagar ao A. AA a quantia global de €75.000 (€35.000,00+40.000,00) como indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos em função do sinistro descrito nos autos.
As referidas quantias são acrescidas de juros de mora nos seguintes termos: - Sobre a quantia de € 13.650,00 fixado a título de indemnização por danos patrimoniais, juros à taxa de 4% desde a data de citação (21-03-2019) e até integral pagamento; - Sobre a quantia de € 21.350,00 relacionada com a indemnização fixada por danos patrimoniais, juros à taxa de 8% desde 18-01-2022 até à data da prolação desta sentença e depois desde esta última data à taxa de 4% até integral pagamento (art. 38º nº 3 do RSSORCA) - Sobre a importância de € 40.000,00, atribuída a título de indemnização por danos não patrimoniais, contados desde a presente data até efectivo e integral pagamento;
Custas pelo A. e R., na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
DN
Porto,19 de Novembro de 2024.
(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)
Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990.
Raquel Correia Lima (Relatora)
Alexandra Pelayo (1º Adjunto)
Anabela Andrade Miranda (2º Adjunto)