ATOS DAS PARTES
SUPRIMENTO DA INSUFICIÊNCIA
JUSTO IMPEDIMENTO
QUESTÕES NOVAS
Sumário

I – A norma do artigo 146.º, n.º 2, do CPC, tem em vista a correcção de vícios ou omissões formais dos actos efectiva e tempestivamente praticados pelas partes; não visa considerar praticado algum acto que não chegou a sê-lo, tal como não visa admitir a prática de algum acto fora do prazo legalmente previsto, ainda que aquela omissão ou este atraso se tenham ficado a dever a um lapso não censurável da parte ou do seu mandatário.
II – Apenas o instituto do justo impedimento se mostra adequado a evitar as consequências da falta de junção de determinado documento dentro de determinado prazo, nomeadamente da falta de junção do comprovativo do pedido de nomeação de patrono dentro do prazo da oposição à insolvência.
III – O justo impedimento deve ser obrigatoriamente suscitado com a prática extemporânea do acto (tendo em vista ultrapassar essa extemporaneidade), no tribunal perante o qual deve ser praticado aquele acto.
IV – A recorrente não pode apresentar na alegação de recurso, perante o Tribunal da Relação, a defesa que não apresentou no momento legalmente previsto, perante o Tribunal de primeira instância, pois os recursos não se destinam a repetir a instância no tribunal de recurso nem a analisar questões novas, não suscitadas perante a primeira instância, a não ser que estas sejam de conhecimento oficioso, mas apenas a reapreciar as decisões proferidas.

Texto Integral

Processo n.º 1141/24.4T8VNG-D.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
A..., Lda., com sede na Rua ..., ... ..., veio intentar a presente acção especial de insolvência contra B..., Lda., com sede no Lugar ..., ... Vila Nova de Gaia, pedindo que a requerida seja declarada insolvente.
A requerida foi citada, nos termos, para os efeitos e com as cominações previstas nos artigos 29.º, n.ºs 1 e 2, 30.º, n.ºs 1, 2 e 5, e 25.º, n.º 2, todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), e no artigo 246.º do Código de Processo Civil (CPC), não tendo deduzido oposição.
Em 27.06.2024 foi proferida sentença que declarou a insolvência da requerida, a qual foi notificada à requerida por carta registada de 28.06.2024.

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Inconformada, a requerida apelou desta sentença, apresentando a respectiva alegação, que termina com as conclusões que a seguir transcrevemos (expurgadas da parte referente à questão da tempestividade da apelação, já ultrapassada):
«V- Os autos mostram que a devedora ora recorrente praticou todos os atos necessários à concessão de Apoio Judiciário e à legalmente imposta interrupção do prazo para praticar o ato de apresentação da competente oposição nos termos do artº 30º nº 1 do CIRE.
VI- Sendo completamente falso que, e contrariamente ao que discorre a sentença ora posta em crise, a requerida / devedora não deduziu oposição, visto que o prazo legal em curso para o efeito se encontrava, e encontra interrompido.
VII- Os autos mostram que a Ré praticou todos os atos necessários à concessão de Apoio Judiciário e à interrupção do prazo para praticar o ato de apresentação de contestação, só que os praticou de uma forma defeituosa.
Porquanto
VIII- A Requerida nos autos em apreço se considera-se regularmente citada, nos termos dos artºs 230 nº 2, 229º nº 5 e 246º nº 4 todos do CPC ex vi artº 17º do CIRE, no dia 07-05-2024, para no prazo de 10 dias deduzir oposição, nos termos do nº 1 do artº 30º do CIRE, ao qual acresce uma dilação de 30 dias por força do estipulado no artº 245º nº 3 do CPC, (cfr. cópia que se junta como docº nº 2 e se dá por integralmente reproduzida)
IX- E cujo termo por força do disposto nos artºs. 138º nº 2 e 142º do CPC ex vi artº 17º do CIRE ocorreria no dia 17-06-2024.
X- Tal prazo, reafirma-se, não se encontra ainda esgotado, de 10 dias para a requerida – B..., Lda – deduzir oposição, nos termos do nº 1 do artº 30º do CIRE, foi interrompido nos autos em apreço, em virtude do envio atempado – em 14/06/2024 aos mesmos, do comprovativo de apresentação do Requerimento de Protecção Jurídica (na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como na nomeação e compensação de patrono) autuado pela ISS, e-Clic, em 13-06-2024, como Pedido 2024-06/125108, nos termos e para os efeitos do nº 4 do artº 24 do DL. 120/2018 de 27/12. (cfr. cópias que se juntam como docº s nºs. 3 e 4 e se dão por integralmente reproduzidos)
XI- Pedido esse – de Proteção Jurídica formulado pela ora recorrente – que deverá considerar-se tacitamente deferido em 15/07/2024, por força do estipulado no artº 25º nºs 1 e 2 do DL 120/2018 de 27/12 (redação atual), o que desde já aqui se invoca para os efeitos previstos no nº 3 do mesmo artigo;
XII- Devendo, pois, e salvo sempre o devido respeito por m.o.c., o tribunal a quo solicitar à Ordem dos Advogados que proceda à nomeação do patrono, nos termos da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º do referido diploma legal.
XII- Reiniciando-se, por tal devir, a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, a contagem do prazo de 10 dias para a devedora ora recorrente deduzir oposição nos termos do nº 1 do supracitado artigo 30º do CIRE, anulando-se todos os atos posteriormente praticados nos termos do artº 195º nº 2 do CPC ex vi 17º do CIRE.
Sendo certo, e em abono da mais pura verdade, que
XIII-A requerida praticou os atos referidos em X das presentes conclusões de uma forma defeituosa, defeito esse que consistiu no facto da requerida ter endereçado um e-mail destinado à comunicação no processo do requerimento para concessão do Apoio Judiciário para nomeação de patrono para o endereço mailto:vngaia.comercio@tribunais.org.pt, e não para o endereço correto vngaia.comercio@tribunais.org.pt, decorrendo tal erro apenas do reencaminhamento, por assunção do programa informático deste, do iPhone do mesmo.
XIV- Não devendo tal lapso ser considerado um lapso materialmente censurável, e como tal justificável e a todo o tempo, nos termos do artº 146º nº 2 do CPC, devendo no humilde entendimento da ora recorrente, valer como a data da prática do ato a do reencaminhamento por iPhone do mail enviado, fazendo-se uma interpretação analógica da lei nos termos do artigo 9º n.º 1 do CC, equiparando a telecópia ao correio eletrónico.
XV- Devendo tal questão, e salvo sempre o devido respeito por m.o.c., ser vista de um ponto de vista ético e do “homem médio”, por forma a evitar a cega aplicação do direito e a cair-se na situação retratada no principio “Summum ius, summa iniuria”, visto estar em causa o princípio basilar da nossa Constituição plasmada no artigo 20º. e que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais com tutela jurisdicional efetiva, bem como o preceito constitucional ínsito no artigo 202º., nº. 2 do da CRP que impõe que na administração da justiça incumba aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
XVI- O erro material da Ré, a esta luz da aplicação pura e dura do direito conduz a que tenha que ser considerada inconstitucional qualquer interpretação que se faça dos preceitos legais aplicáveis que não protejam aqueles direitos constitucionais, decorrendo do n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, o qual preceitua que a interpretação (da lei) não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
XVII- A douta decisão recorrida, na interpretação que deu ao artigo 24º. nº. 4, da Lei do Acesso ao Direito, violou, assim, manifestos preceitos constitucionais e dos mais importantes que a Constituição consagra, facto este que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos, designadamente para os do art.º 72.º n.º 2 da LTC.
XIX- A douta sentença recorrida fez, pois, uma errada interpretação e aplicação do artigo 24º. nº. 4, da Lei do Acesso ao Direito e consequentemente dos artigos 64.º, 20.º e 202º., nº. 2, estes da Constituição da República Portuguesa, bem como dos artigos 9.º e 249.º do C. Civil e 146º. e 566º., estes do Código de Processo Civil, artigos estes que devem ser aplicados e interpretados por forma a que seja anulada a sentença proferida, voltando a correr prazo para apresentação da oposição por parte da requerida ora recorrente.
XX_ Consequentemente, requer a V. Ex.ªs que, com o devido suprimento, se dê provimento ao presente recurso e, na procedência dele, julgar-se verificada a arguida nulidade com as inerentes decorrências, designadamente a de voltar a correr prazo, que se encontra interrompido desde 14-04-2024 para a apresentação de defesa (oposição – artº 30º do CIRE) da Requerida, a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; por força do estipulado no artº 24º nº 5º do DL 120/2018 de 27/12 (redação atual), anulando-se em consequência a sentença, de Declaração de Insolvência proferida a de 27-06-2024, com todas as devidas e legais consequências
XXI-Como consequência da necessidade de existência de um processo justo e equitativo, em que a ambas as partes, possa ser assegurado o acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva, obstando-se à prolação de decisão surpresa pelo tribunal, cuja anulação se impõe e a V.Exªs se requer, por se terem postergado, sem conhecimento da requerida ora recorrente, os mais elementares direitos de defesa l constitucionalmente consagrados.
XXII- Ao não o fazer enferma a douta decisão recorrida de Nulidade – erro de julgamento – por violação – incorreta interpretação e aplicação – do disposto nos artºs 24º nº 4,27º, nº 1 e 37º da Lei 34/2004 de 29 de Julho com as alterações introduzidas pela lei 47/2007, de 28 de Agosto, e DL. 120/2018 de 27/12 (redação atual) visto que deveria ter notificado, após o reinício do prazo, a ora recorrente da nomeação de patrono, a partir da qual se (re)inicia o decurso do prazo de dez dias para a dedução de oposição, sob pena de não o fazendo se considerarem confessados os factos alegados na petição inicial-. e artº 30º nºs. 1 e 5 do CIRE, 20º nºs. 1 e 4 da CRP, e 3º do CPC.
XXIII_ Nulidades essas que aqui se invocam para todos os devidos e legais efeitos, visto as mesmas influenciarem manifesta e irremediavelmente a boa decisão da causa, nos termos dos artºs. 198º e nºs. 1 e 2 do 195º, ambos do CPC.
XXIV- Assim sendo, impõe-se a revogação da decisão recorrida e, de harmonia com o preceituado no artigo 665.º, n.º 1, do CPC, a sua substituição pelo tribunal de recurso, concedendo-se à ora Recorrente, prazo para, nomeadamente apresentar a sua Oposição ao pedido de declaração de insolvência, após a legalmente imposta notificação da nomeação de patrono – o qual ainda não se encontra em curso pelas razões supra expostas –, o que desde já se requer, seguindo-se os ulteriores termos até final.
Caso assim não se entenda o que só por mera cautela e dever de patrocínio se admite, e ao abrigo do disposto no artº 42º nº 2 do CIRE
XXV- Face aos elementos apurados, e contrariamente ao decidido, a devedora não se encontra insolvente, simplesmente, face a dificuldades que não ultrapassam a situação normal do sector, tem tido problemas de liquidez financeira.
XXVI- No entanto dispõe de capacidade própria, aviamento, e contratos em curso, mormente o Contrato de Promessa de Cessão de Exploração celebrado pelo prazo de 15 anos com um investidor, o qual e decorrendo da execução do referido contrato, por aquele, se compromete a pagar 20% das dívidas, à data da celebração do contrato definitivo, que lhe permitirão cumprir as obrigações vencidas, desde que não veja bloqueada a normal atividade do seu estabelecimento.
XXVII- Tudo conforme melhor se alcança do documento que aqui se protesta juntar como docº nº 5, ao abrigo do disposto nos artºs 425º e 651º nº 1 do CPC, mostrando-se tal junção necessária face á sentença proferida e ora posta em crise (o qual se dá por integralmente reproduzido), acrescendo ainda o facto da requerida ter em 2023 uma faturação que ascendeu a € 450.00,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros) .
XXVIII- Encontra-se pois a requerida ora recorrente numa situação que afasta os fundamentos da declaração de insolvência da mesma.
XXIX_ Sendo certo que, e contrariamente ao que consta da referida sentença – Declaração de é completamente falso que a requerida nos autos em apreço não tenha deduzido a competente oposição, nos termos do nº 1 do artº 30º do CIRE, visto tal prazo estar interrompido, conforme tudo o que sobredito fica sendo tal Declaração de insolvência, no nosso humilde entendimento, e salvo o devido respeito por douta opinião contrária, NULA.
XXX- Encontrando-se pois, caso assim não o entendam. preenchidos os requisitos legais que demonstram a situação de solvência da ora recorrente, nos termos do artigos 3º nº 2 e 3 do CIRE. encontrando-se, de facto, numa situação que afasta os fundamentos da declaração de insolvência da mesma, e cuja declaração a V.Exªs se requer com todas as consequências legalmente previstas.
XXXI- Mais se requer que, ao presente Recurso de Apelação, sejam atribuídos os efeitos previstos no nº 3 do artº 40º aplicável ex vi artº 42º ambos do CIRE suspendendo-se a liquidação e a partilha do activo.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso de Apelação e em consequência determinar o tribunal “ad quem”:
A nulidade da decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos, considerando-se tacitamente deferido, o pedido de proteção jurídica em apreço, concedendo-se, à ora Recorrente B..., Lda a possibilidade de apresentar, em prazo legal a sua Oposição ao pedido de declaração de insolvência, com a consequente tramitação posterior, assim se fazendo, Justiça!»
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O Ministério Público apresentou resposta a esta alegação, pugnando pela total improcedência da apelação.
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II. Fundamentação
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
Tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, importa decidir:
- Se o prazo para a requerida deduzir oposição ao pedido de insolvência foi – e continua – interrompido, ao abrigo do disposto no artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (na redacção introduzida do Decreto-Lei n.º 120/2018, de 27 de Dezembro);
- No caso negativo, se não estão verificados os requisitos legais da declaração da insolvência da requerida.
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Está documentado nos autos que a requerida foi citada, nos termos previstos no artigo 228.º do CPC, aplicável à citação de pessoas colectivas por força do disposto no artigo 246.º do mesmo código, por carta registada com aviso de recepção datada de 03.04.2024 (ref. 458715965). Tendo esta carta sido devolvida por não ter sido reclamada (ref. 38891900), a secretaria expediu nova carta registada em 30.04.2024, ao abrigo do disposto no artigo 246.º, n.º 4, do CPC (ref. 459598060), a qual foi expedida pelos CTT em 06.05.2024 e depositada em 07.05.2024 (ref. 39040951), nos termos previstos no artigo 229.º, n.º 5, do CPC, para onde remete o citado artigo 246.º, n.º 4.
Não se vislumbra qualquer irregularidade nesta citação, de que cumpra conhecer ao abrigo do disposto no artigo 566.º do CPC, sendo certo que a mesma foi endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
Nestes termos, a citação da requerida considera-se efectuada na data do referido depósito, nos termos do disposto no artigo 230.º, n.º 2, do CPC, ou seja, no dia 07.05.2024. Por conseguinte, o prazo de 10 dias para aquela deduzir oposição à insolvência, previsto no artigo 30.º, n.º 1, do CIRE, terminaria no dia 17.05.2024 (caso em que a requerida poderia apresentar essa oposição até ao dia 22.05.2024, mesmo sem invocar e demonstrar o justo impedimento, desde que procedesse ao pagamento da multa prevista no artigo 139.º, n.ºs 5 a 8).
Porém, como afirma a recorrente, ao referido prazo de 10 dias acresce uma dilação de 30 dias, por força do estipulado no artigo 245.º, n.º 3, do CPC, pelo que o termo do prazo de 1o dias para deduzir oposição apenas ocorreu no dia 17.06.2024. De resto, esta dilação é expressamente mencionada na carta remetida à citanda em cumprimento do disposto no artigo 246.º, n.º 4, do CPC.
Afirma também a recorrente que este prazo foi interrompido, em virtude do envio atempado – em 14.06.2024 – do comprovativo da apresentação do requerimento de protecção jurídica, nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e compensação de patrono, nos termos previstos no artigo 24.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 120/2018, de 27 de Dezembro – querendo seguramente referir-se à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, alterada por aquele Decreto-Lei.
Sucede que tal comprovativo não foi efectivamente junto aos autos, pelo que não era do conhecimento do Tribunal quando foi proferida a sentença recorrida.
Ora, nos termos do invocado artigo 24.º, n.º 4, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
Decorre com toda a clareza desta norma que a interrupção apenas ocorre com a junção aos autos do referido comprovativo, pois só assim o tribunal pode ter conhecimento da apresentação do pedido de nomeação de patrono. E decorre da mesma norma que a interrupção apenas atinge o prazo que estiver em curso, não afectando os prazos que já tiverem decorrido integralmente.
Voltando ao caso dos autos, verifica-se que o comprovativo do pedido de nomeação de patrono apenas foi junto com a alegação do presente recurso, quando já estava obviamente esgotado o prazo para deduzir oposição à insolvência, mesmo tendo em conta a dilação aplicável e os três dias úteis previstos no artigo 139.º, n.ºs 5 e 6, do CPC (que se esgotaram em 20.06.2024).
Alega, porém, a recorrente que o comprovativo por si enviado em 14.06.2024 – ou seja, quando ainda estava em curso o prazo para apresentar a sua oposição – só não foi junto aos autos porque o enviou para endereço electrónico mailto:vngaia.comercio@tribunais.org.pt, e não para o endereço correto vngaia.comercio@tribunais.org.pt, lapso que considera não lhe ser censurável, na medida em que «[o] erro material da Requerida, na indicação do endereço eletrónico do tribunal não é erro grosseiro, decorrendo apenas do reencaminhamento, por assunção do programa informático deste, do iPhone do mesmo». Assim, entende que o acto em questão se deve considerar praticado na data desse reencaminhamento, ao abrigo do disposto nos artigos 146.º, n.º 2, do CPC, e 9.º, n.º 1, do CC.
Sob a epígrafe Suprimento de deficiências formais de actos das partes, dispõe assim aquele artigo 146.º do CPC:
1 - É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.
2 - Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.
Este preceito, introduzido no CPC na reforma levada a cabo em 2013, visa evitar que questões meramente formais impeçam ou condicionem a apreciação do mérito da causa e a justa composição do litígio. O n.º 1 consagra a solução já antes preconizada pela jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 249.º do Código Civil (CC), para a rectificação dos erros de cálculo e de escrita manifestados nas peças processuais elaboradas pelas partes. O n.º 2, nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2019, p. 175), «admite o suprimento ou a correcção de vícios ou omissões de actos praticados, desde que a parte interessada o requeira e o vício ou a omissão tenham natureza meramente formal, isto é, que não contendam com a substância do acto praticado».
É, assim, claro que esta norma não visa considerar praticado algum acto que não chegou a sê-lo, tal como não visa admitir a prática de algum acto fora do prazo legalmente previsto, ainda que aquela omissão ou este atraso se tenham ficado a dever a um lapso não censurável da parte ou do seu mandatário.
Por conseguinte, afigura-se de linear clareza que a previsão daquele n.º 2 não abrange a situação dos autos, ainda que por via da sua interpretação analógica, também invocada pela recorrente, a qual sempre pressuporia uma lacuna que, como veremos, não existe. Enquanto aquela norma diz respeito à correcção de vícios ou omissões formais dos actos efectiva e tempestivamente praticados pelas partes, neste recurso de apelação discute-se se um acto que a parte não chegou a praticar dentro de determinado prazo (a junção aos autos do comprovativo do pedido de nomeação de patrono, apenas efectuada com a alegação de recurso) deve considerar-se praticado naquele prazo ou, pelo menos, produzir os efeitos que a lei atribui à sua prática dentro do mesmo (a interrupção do prazo então em curso).
E não se diga, como parece fazer a recorrente na sua alegação, que a tentativa de frustrada de juntar aos autos o documento em causa corresponde à prática desse acto. É absolutamente evidente que tal acto não foi praticado naquele momento, pois o comprovativo do pedido de nomeação de patrono não foi junto aos autos, por ter sido remetido para um endereço electrónico que não corresponde ao do tribunal. Não pode, assim, discutir-se se o acto foi praticado no referido prazo, mas apenas se a omissão da sua junção dentro desse prazo está justificada e, por isso, pode ser ultrapassada, designadamente para os efeitos do artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 24/2004.
Ora, como escrevem os autores antes citados, a norma do artigo 146.º, n.º 2, do CPC «não permite superar o efeito do incumprimento de algum ónus que impenda sobre as partes, visando tão só permitir a correcção de aspectos meramente formais de ato que tenha sido tempestivamente praticado» (loc. cit.). Acrescentam os mesmos autores que «também não será possível, por esta via, praticar atos relativamente aos quais já tenha decorrido o prazo respectivo, pois que para tais situações se ajusta a figura do justo impedimento, única via susceptível de ultrapassar os efeitos do decurso de prazo perentório».
É, precisamente, esta a figura que se adequa à situação dos autos.
Nos termos do disposto no artigo 140.º, n.º 1, do CPC, considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
No caso concreto, a recorrente veio alegar que o comprovativo do pedido de nomeação de patrono não foi junto aos autos dentro do prazo para a apresentação da oposição ao pedido de insolvência, por lapso não grosseiro nem censurável, relacionado com o funcionamento das comunicações electrónicas por via do seu telefone móvel, pedindo que tal junção – que apenas ocorreu mais tarde, com a alegação deste recurso – se considere efectuada naquele prazo e produza o efeito interruptivo previsto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
É, assim, manifesto que apenas o instituto do justo impedimento se mostra adequado a evitar as consequências, nefastas para a parte, da falta de junção daquele comprovativo no referido prazo.
Sucede que o justo impedimento deve ser obrigatoriamente suscitado com a prática extemporânea do acto, tendo precisamente em vista ultrapassar a sua extemporaneidade. Isso mesmo decorre do disposto no artigo 140.º, n.º 2, do CPC. Nos termos desta norma, a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
Ora, o acto em causa neste recurso – a junção aos autos do comprovativo do pedido de nomeação de patrono para efeitos de interrupção do prazo de oposição ao pedido de insolvência – tem de ser praticado perante o tribunal de primeira instância. Por conseguinte, também o justo impedimento destinado a justificar a prática extemporânea desse acto tem de ser alegado perante esse tribunal, sem prejuízo do recurso que caiba da decisão que a primeira instância profira sobre tal questão.
Recorde-se que, na terminologia de Miguel Teixeira de Sousa, em matéria de recursos, o nosso sistema processual civil adoptou um modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame, que vise a repetição da instância o tribunal de recurso. Assim, os recursos destinam-se apenas a reapreciar as decisões proferidas e não a analisar questões novas, a não ser que estas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos necessários para esse conhecimento (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª ed., 2020, pp. 139-140).
Ora, o lapso alegadamente ocorrido no envio para o processo do documento comprovativo do pedido de nomeação de patrono nunca foi alegado e, por isso, nunca pode ser apreciado pelo tribunal a quo.
E não se diga, como faz a recorrente, que a sentença é nula, designadamente por ter sido proferida quando ainda não se havia esgotado o prazo para a apresentação da oposição e por se traduzir numa decisão surpresa.
Como decorre dos autos e do que já deixámos exposto, não tendo sido junto aos autos o comprovativo do pedido de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono, o tribunal a quo não podia ter conhecimento deste pedido, pelo que, ao proferir a sentença, não praticou um acto que a lei não admitisse naquele momento, nem omitiu qualquer acto ou formalidade prescrita na lei susceptível de inquinar a referida sentença (cfr. artigos 195.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC).
A única questão que se coloca é, repetimos, saber se a não junção atempada do referido comprovativo, tendo em vista a interrupção do prazo da oposição, se deve considerar justificada e, por essa razão, se deve admitir-se a prática posterior desse acto com os referidos efeitos interruptivos e suas consequências legais.
Acrescente-se ainda que a conclusão não seria diferente se estivéssemos perante um verdadeiro pedido de suprimento de deficiências formais de actos das partes, ao abrigo do disposto no artigo 146.º do CPC, pois tal pedido, por razões semelhantes, tem de ser dirigido ao tribunal perante o qual o acto foi praticado.
Em suma, tanto a junção do comprovativo do pedido de nomeação de patrono, como a alegação do justo impedimento, deviam ter sido efectuadas perante o tribunal a quo, não podendo sê-lo directamente perante o tribunal ad quem. Assim, as razões invocadas pela recorrente para justificar a falta de junção aos autos do comprovativo do pedido de nomeação de patrono antes de esgotado o prazo da oposição não constituem fundamento de recurso da sentença, o que determina a sua improcedência.
Para a hipótese de se julgar improcedente a argumentação antes analisada, veio a recorrente afirmar que, contrariamente ao decidido, não se encontra insolvente, alegando factos que, no seu entender, corroboram aquela asserção, protestando juntar um documento para prova do que afirma.
Mas é de meridiana clareza que a recorrente não pode apresentar na alegação de recurso, perante o Tribunal da Relação, a defesa que não apresentou no momento legalmente previsto, perante o Tribunal de primeira instância. Como já antes dissemos, os recursos não se destinam a repetir a instância no tribunal de recurso, nem a analisar questões novas, não suscitadas perante a primeira instância, a não ser que estas sejam de conhecimento oficioso, mas apenas a reapreciar as decisões proferidas.
É, assim, manifesta a improcedência desta alegação.
Na total improcedência da apelação, as respectivas custas serão suportadas pela recorrente, nos termos previstos no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que eventualmente beneficie.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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III. Decisão
Pelo exposto, os Juízes desta 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto julgam totalmente improcedente a apelação e confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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Porto, 19 de Novembro de 2024
Artur Dionísio Oliveira
Maria Eiró
João Ramos Lopes