I - Tendo sido celebrado um contrato promessa sujeito às seguintes condições - outorga do contrato prometido no prazo máximo de 120 dias (ou seja, até 3 de Junho de 2023) e aprovação do crédito bancário a solicitar pelo promitente comprador – haverá que averiguar, findo o prazo, se a não aprovação do crédito bancário se deveu a algum comportamento do promitente comprador.
II - A circunstância do promitente-comprador, dentro do prazo fixado no contrato, ter seguido um caminho menos célere com vista a aprovação do crédito, não pode redundar na conclusão da culpa daquele no não cumprimento da condição, uma vez que, ainda que mais lesto no pedido, a decisão da entidade bancária seria a mesma.
III - Cabia aos promitentes-vendedores alegar e provar que a condição – aprovação de crédito bancário – não foi cumprida por força do comportamento da outra parte. Não o fazendo, torna-se possível a resolução do contrato e a restituição do sinal, em singelo, conforme acordado.
IV - Se os promitentes-vendedores não restituem o sinal, após interpelação, estamos perante um incumprimento daqueles no que respeita à devolução do mesmo, que não é um incumprimento do contrato-promessa.
Juízo Central Cível do Porto - Juiz 5
Processo nº 2744/23.0T8VLG.P1
AA, solteiro, maior, natural de Moçambique, número de Contribuinte ..., residente em ..., Avenue ..., Inglaterra, instaurou esta acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra BB, divorciado, número de Contribuinte ..., residente na Rua ..., ..., Valongo e CC, divorciada, número de Contribuinte ..., residente na Rua ..., ..., Valongo, peticionando que, na procedência da acção:
“a) Se declare que o A. resolveu com justa causa o contrato promessa de compra e venda objeto dos autos;
b) Sejam os RR. condenados a devolver o sinal ao A. no valor de dezoito mil euros acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento ou, em alternativa,
c) se declare que os RR. sem causa justificativa, viram o seu património enriquecido pelo valor do sinal com que se locupletaram, devendo ser condenados a restituir ao A. o que receberam indevidamente, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento.”
Sumariamente alega que que celebrou um contrato promessa de compra e venda com os réus em Fevereiro de 2023, na qualidade de promitente comprador e os réus na qualidade de promitentes vendedores, clausulando as partes que, se apesar dos esforços encetados pelo autor o contrato prometido não se concretizasse por recusa de concessão de crédito, o contrato poderia ser anulado, por manifestação de vontade, com a consequente devolução do sinal em singelo, sem qualquer penalização.
Alega o autor que entregou a título de sinal a quantia de € 18.000,00 e realizou várias diligências no sentido de lhe ser concedido crédito bancário. No entanto, não conseguiu obter essa concessão, em várias instituições bancárias, em parte porque o imóvel objecto do contrato-promessa estava arrendado, facto que os réus não o informaram.
Perante essa impossibilidade, da qual os réus foram sempre informados, o autor requereu a anulação do contrato e a devolução do sinal, de acordo com o clausulado no contrato, interpelando os réus por carta recebida no dia 12-06-2023.
Com surpresa verificou que no dia 19 no mesmo mês os réus tinham colocado o imóvel novamente à venda.
O autor recorreu à notificação judicial avulsa que foi recebida, mas sem resposta.
Os réus não devolveram ao autor o valor do sinal, incumprindo definitivamente com o contrato promessa de compra e venda.
Em sede de contestação, admitem a outorga do contrato promessa de compra e venda com o autor, mas não a versão alegada segundo a qual o mesmo desconhecia que o imóvel estava arrendado, por ser um facto que consta do próprio anúncio de venda colocada pela empresa de imediação imobiliária e facto que foi falado com o autor e que este conhecia. Se o omitiu ao banco é um factor alheio aos réus.
Consideram que o contrato promessa de compra e venda não foi cumprido, mas por facto imputável apenas ao autor, porque não cuidou de, sem culpa, obter a concessão de crédito, assistindo aos réus o direito de consideraram o contrato incumprido e de fazerem sua a quantia entregue a título de sinal.
O autor alega uma versão parcial dos factos e omite factos relevantes, conduta que deve ser sancionada a título de litigância de má-fé.
Concluem pela improcedência da acção e condenação do autor como litigante de má-fé.
Em sede de pedido reconvencional, alegam que em 25-07-2022 outorgaram um contrato promessa e compra e venda com uma sociedade, na qualidade de promitentes compradores, tendo pago a título de sinal a quantia de € 10.000,00.
Esperavam os reconvintes liquidar o valor da compra com o produto da venda do imóvel prometido vender ao autor.
Os prazos para outorga do contrato foram prorrogados por acordo entre as partes, mas não foi possível continuar a prorrogação, não tendo sido concretizado o contrato prometido por falta de meios financeiros dos réus, perante o incumprimento do contrato promessa por parte do autor.
Com essa situação os reconvintes ficaram sem o valor do sinal que entregaram à promitente vendedora, o que apenas ocorreu por causa imputável ao incumprimento contratual do autor
Concluem deduzindo o seguinte pedido reconvencional. Deve:
“b) O Reconvindo ser condenado a pagar aos Reconvintes, o valor de 10.000,00, correspondente ao sinal por si prestado, aquando da celebração do contrato-promessa, a que se refere esta peça processual.”
Peticiona a total improcedência da reconvenção.
Responde ao pedido de litigância de má-fé, impugnando a factualidade em que o mesmo se alicerça e concluindo como na Petição Inicial.
Peticiona, por sua vez, a condenação dos réus como litigantes de má-fé.
Distribuídos os autos, foi agendada a realização de uma audiência prévia.
Foi concedido aos réus prazo para o exercício do contraditório.
Foram ainda, autor e réus, notificados sobre a ponderação pelo tribunal em proferir decisão de mérito, em face da prova documental constante dos autos, sem necessidade de produção de outros meios de prova e, caso não se opusessem, foram convidados a apresentarem as suas alegações sobre o mérito da causa.
Quer o autor, quer os réus apresentaram as suas alegações, tendo ainda os réus exercido o direito ao contraditório em relação aos documentos juntos pelo autor.
Foi proferida sentença que julgou a acção procedente, condenando os réus a devolverem ao autor a quantia de € 18.000,00 (dezoito mil euros) que receberam a título de sinal, quantia a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4%, desde a citação e até efectivo pagamento. O pedido foi julgado totalmente improcedente e o Autor absolvido do pedido.
NB. Bold da nossa autoria
Não se tendo conformado com tal decisão, vieram os RR. BB e CC interpor recurso (apenas na parte respeitante à acção) apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
I – Dos autos ressalta à evidência, que o autor gizou ab initio, o pedido de financiamento de forma errada;
II – Desde logo, quanto à realidade física do imóvel, e posteriormente, não fazendo qualquer menção, à existência de um arrendamento que incidia sobre o rés-do-chão do imóvel.
III – Da primeira omissão, o crédito que tinha sido objeto de aprovação, teve que ser reanalisado, em virtude da falha cometida pelo autor.
IV – Relativamente à segunda omissão, esta pelo seu enquadramento jurídico, veio a ser decisiva num primeiro momento, quanto à anulação da data para a realização do DPA, e posteriormente para o indeferimento do crédito solicitado pelo autor.
V – Sendo que, a realidade física do imóvel, era do perfeito conhecimento do autor, não só, por via da publicitação nos respetivos portais informativos, como ainda, por este se encontrar na posse, ou ter tido prévio conhecimento dos elementos constantes da respetiva caderneta predial.
VI – De igual forma, a existência do ónus que incidia sobre o rés-do-chão (arrendamento), era do total conhecimento do autor, por via de duas circunstâncias a saber:
a) A primeira, aquando da visita que aquele fez à unidade predial, onde refere que a coisa que menos gostou foi do imóvel ter uma inquilina;
b) A segunda, foi o envio e respetiva receção do contrato de arrendamento reportado ao sobredito rés-do-chão, o qual lhe foi desde logo facultado, e de que o autor se serviu, para o colocar à análise da sua advogada.
VII – No que concerne a estas duas realidades, a Mª. Juíza a quo, não se debruçou sobre as mesmas, nomeadamente quanto ao arrendamento em causa, o qual foi decisivo para num primeiro momento, impedir a realização do DPA, e, posteriormente para o indeferimento do financiamento.
Ora,
VIII – Com todo o respeito, esta realidade – existência do arrendamento – da qual derivou o indeferimento, deveria obrigatoriamente merecer da Srª. Juíza, uma análise mais profunda, considerando que esta omissão foi determinante para a não concessão do crédito.
Mas mais,
IX – Esta omissão é de todo incompreensível, na justa medida que o ónus existente foi sempre, desde o início do conhecimento do autor, não só, desde logo, através da publicação nos portais respetivos, mas também, pela visita que fez ao imóvel, e ainda, pelo envio do respetivo contrato de arrendamento.
X – E como tal, e como flui com manifesta linearidade dos autos, a Mª. Julgadora deveria ter dado uma atenção especial, de onde fosse manifesta a sua crítica quanto ao comportamento negligente e grosseiro do autor, e de onde pudesse emergir que com as suas omissões reiteradas, nomeadamente a respeitante ao arrendamento, tal factualidade foi determinante para a não realização do DPA, e posteriormente para não concessão do crédito.
XI – Por outro lado, a Mª. Juíza desconsiderou completamente que o autor, após ter sido confrontado com o indeferimento quanto ao seu pedido de crédito, só passado cerca de 1 mês, é que veio a remeter de novo a documentação agora devidamente seriada, ao Banco 1..., para nova análise da situação.
Ou seja,
XII – A Srª. Juíza deveria ter tido em atenção o tempo decorrido, entre o inicial indeferimento, e a nova apresentação da documentação junto do Banco 1..., considerando o período de tempo decorrido, o que demonstra à saciedade a forma perfeitamente negligente com que o autor desde sempre atuou.
Porém,
XIII – Mais uma vez nada disse sobre esta matéria.
XIV – Preferindo ao invés, dar ênfase ao prazo de 120 dias contido no nº 1 da cláusula 4ª, conjugando com estoutra contida no nº 2 da cláusula 5º.
Simplesmente,
XV – A questão em causa, não se resolve nem pouco mais ou menos, com o recurso a essas duas referências, ou por outra, provavelmente tem resolução, mas na antípoda considerada pela Mª. Juíza.
Na verdade,
XVI – Se porventura a decisão em causa, fosse tão só remetida a estes dois segmentos de índole contratual, a douta decisão posta aqui em relevo, sê-lo-ia demasiado redutora, considerando que obnubilou de todo, o que se passou a montante do percurso.
Porém,
XVII – O problema em análise ultrapassa em muitos os limites da douta sentença.
Com efeito,
XVIII – Nada diz, sobre a conjugação da carta enviada pelo autor aos RR. e de seguida, o e-mail por aquele enviado à A....
E esta sucessão de factos é determinante para a decisão posta aqui em crítica.
Na verdade,
XIX – Considerando como única a interpretação que logicamente se intuiu da conjugação dessas duas comunicações, tem-se como certo, que o autor no que respeita ao e-mail por si enviado, mais não pretende senão, dar sem efeito o teor da carta enviada aos RR., na mesma data, mas em momento anterior, desde que, a A..., aceitasse o reiniciar do processo de pedido de financiamento.
XX – E, em caso afirmativo, o autor de imediato enviaria aquela, os documentos necessários para os devidos efeitos.
XXI – Igualmente não foi referido qual a resposta da A..., relativamente a esse e-mail, resposta essa que consta dos autos, sob o doc. nº 6.
XXII – De igual forma, nada refere sobre o “comportamento silencioso” do autor, no que concerne aos documentos solicitados.
XXIII – Estas desconsiderações entroncam sem sombra de dúvida em erro de julgamento com todas as consequências daí advindas.
Contudo e ainda,
XXIV – Se, se atentar no nº 1 da cláusula 5ª do contrato-promessa este refere textualmente o seguinte: “Os outorgantes obrigam-se a entregar ao representante dos mesmos, e logo que lhe seja solicitado, todos os documentos que sejam necessários para a formalização do contrato prometido de compra e venda, e proposta para crédito se necessário”.
XXV – Afinal quem violou o contido na cláusula aqui em referência, com a não entrega dos documentos tidos como necessários, nomeadamente para a proposta de crédito?
XXVI – Dúvidas não parecem subsistir que foi o autor, que após solicitação da A... em proceder ao envio da documentação necessária, não cumpriu não só a solicitação em causa, mas ainda que deu o ”dito pelo não dito”, quanto à sua inicial manifesta vontade.
E por tal circunstância,
XXVII – O autor precludiu inelutavelmente a possibilidade do pedido do crédito vir a ser objeto de nova apreciação.
Porém,
XXVIII – Uma vez mais a Srª. Juíza nem uma palavra teve quanto a esta questão, que conforme supra se já deixou dito, é de capital importância.
Acresce ainda que,
XXIX – Foi o autor que se colocou no incumprimento em confronto com o nº 2 da cláusula 5ª, em virtude de afinal, não ter esgotado todas as possibilidades para a obtenção do crédito pretendido, em virtude de ter sido ele, que precludiu de todo, essa possibilidade, em não ter enviado, como lhe competia, a documentação tida por conveniente atento os fins em vista.
XXX – E mais uma vez, a Sª. Julgadora nada refere sobre este tema, ou melhor, a contrario, enfatiza a solução inversa, ou seja, que o autor tudo fez para que o seu crédito fosse aprovado.
XXXI – Nada mais errado na sua douta apreciação, em face dos factos aqui avocados, e que se encontram devidamente suportados pela prova documental junta aos autos.
Em jeito conclusivo,
XXXII –
a) A douta decisão posta aqui em crítica deveria, atento os factos carreados, e da documentação junta aos autos, ter dado o devido ênfase às omissões e atropelos do autor e supra reiteradamente mencionados, e pelos quais, foi desmarcado o DPA inicialmente agendado, e posteriormente, a não concessão do crédito;
b) Que o autor, não cumpriu com o estipulado nas cláusulas 4ª e 5ª do contrato promessa;
c) Que inviabilizou de todo, a possibilidade da repristinação do pedido de crédito, quanto não enviou, como era sua obrigação, - considerando que foi este se comprometeu a enviá-la - para a A... -, a fim de esta reiniciar o respetivo pedido de crédito;
d) Deveria ainda, consignar claramente que o autor, não esgotou todas as possibilidades de obtenção do crédito, e pelo contrário, precludiu de todo essa hipótese.
e) Finalmente e face ao comportamento grosseiramente negligente numa fase inicial, e numa posterior, já de verdadeira má-fé, deveria por tal circunstância, dar por incumprido o contrato-promessa, não por via da impossibilidade de cumprimento da obrigação, mas ao invés, pelo comportamento condenável do autor, com todas as suas consequências.
Resulta daqui,
XXXIII – Que a douta decisão violou desde logo o contido nas cláusulas 4ª e 5ª do contrato-promessa, assim como, supletivamente o contido nos artigos 227-nº 2; 405 e nº 2 do 760, todos do Código Civil, e ainda, não levou em linha de conta, o segmento constante do ponto nº 3 do sumário do Ac. RL. 2302/12.4TBALM.L1.S1 de 22 de abril de 2017, o qual refere: “… e sem que existam igualmente outros elementos dos quais se extraia que o autor tenha procedido em termos de provocar essa situação, é de concluir que essa recusa de financiamento bancário não lhe pode ser imputada”.
Nestes termos deve o presente recurso, pelos fundamentos supra expendidos, ser julgado procedente por provado, e, em consequência;
Ser a douta sentença posta aqui em crítica revogada, substituindo-se por uma outra, em que seja firmada douta decisão na qual consigne: Ser o autor que se encontra em incumprimento quanto ao contrato-promessa de compra e venda, e por tal circunstância, não é devido pelos RR., seja a que título for, a devolução do sinal ao autor, e por maioria de razão, os respetivos juros
NB: bold da nossa autoria.
O A. veio contra-alegar
“I - QUESTÕES PRÉVIAS
Da Violação do disposto no artigo 639.º do CPC
Prescreve o art.º 639.º no seu n.º 2 do CPC que, “Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.”(Itálico nossos)
Após uma leitura da norma supra, facilmente se perceciona que as conclusões efetuadas pelos Rec.tes, não cumprem o citado normativo legal e a falta deste pressuposto prejudica a concretização do princípio do contraditório do aqui Rec.do.
Na alegação a que ora se responde, os Rec.tes não enunciam quais as normas jurídicas violadas pelo Tribunal a “quo” na prolação da decisão aqui injustamente colocada em crise.
Estes não referem em que sentido é que no seu entender, as normas que constituíram fundamento à decisão proferida pelo Tribunal deveriam ter sido interpretadas e aplicadas, e nem referem como é que o Tribunal deveria ter aplicado as normas diversas daquelas que foram. Apenas no final das suas “conclusões” os Req.tes indicam artigos do Código Civil que em nada se aplicam ao caso em concreto.
Não há lugar in casu ao aperfeiçoamento do articulado, porquanto, tal como diversa jurisprudência se tem pronunciado, só se poderá aperfeiçoar o que existe imperfeito, e não o que inexiste.
A inobservância dos requisitos previstos no artigo 640.º n.º2 do CPC, é sancionada com a rejeição imediata do recurso, o que aqui se pugna (Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, datado de 29/05/2015, Relator Lopes do Rego ; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 6213/08.0TBLRA.C1, de 17/12/2004, Relator Falcão de Magalhães, Revista n.º 468/09.0TBPFR.P1.S1, Relator Azevedo Ramos.
Assim, deve este Venerando Tribunal decidir pela improcedência do recurso interposto pelos Rec.tes, por inobservância dos requisitos formais conforme exigido pelos arts. 639.º n.º 2 al. a), b) e c) do CPC.
Violação do disposto no artigo 640.º do CPC
Determina o art.º 640.º no seu n.º 1 do CPC que “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Os Rec.tes não identificam quais os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, nem os concretos meios probatórios, constantes do processo, que imporiam decisão diversa da proferida, ou sequer identificam a decisão alternativa que em concreto e factualmente devesse ser proferida.
“Para efeitos do disposto nos arts. 640.° e 662.°, n.° 1, do CPC, de acordo com a abundante jurisprudência do STJ, importa distinguir, de um lado, entre as exigências da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados (art. 640.°, n.° 1, al. a)), da especificação dos concretos meios probatórios convocados (art. 640.°, n.° 1, al. b)) e da indicação da decisão a proferir (art. 640.°, n.° 1, al. c)) - que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto - e, de outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados (art. 640.°, n.° 2, al. a)) - que visa facilitar o acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação. Enquanto a inobservância das primeiras (art. 640.°, n.° 1, als. a), b) e c)) implica a rejeição imediata do recurso na parte infirmada, o incumprimento ou o cumprimento deficiente da segunda (art. 640.°, n.° 2, al. a)) apenas acarreta a rejeição nos casos em que dificultem, gravemente, a análise pelo tribunal de recurso e/ou o exercício do contraditório pela outra parte.”(it., negrito e sublinhado nossos, cfr. Ac. do STJ datado de 03-11-2020, disponível in www.dgsi.pt)
Há que levar em linha de conta que a impugnação da matéria de facto, não se destina apenas a repetir um julgamento na sua totalidade, mas antes a corrigir determinados aspetos que os Rec.tes entendam não terem merecido um tratamento adequado por parte do Tribunal a quo.Caso um dos fundamentos do recurso seja o erro de julgamento da matéria de facto, os recorrentes têm obrigatoriamente de propor/indicar o sentido correto da resposta, que na perspetiva destes, se impõe que seja dado a tais pontos de facto que impugnam.
O CPC impõe que sejam especificados quais os factos impugnados que consideram não provados na sua totalidade ou provados parcialmente, explicitando claramente.
O facto dos recorrentes não terem indicado os concretos pontos de facto que consideravam incorretamente julgados, prejudicam a inintegibilidade do fim e do objeto do recurso, e em consequência, a possibilidade de um contraditório esclarecido – neste sentido vide, ac. STJ de 21-03-2023, disponível em www.dgsi.pt
A sentença ora proferida foi baseada em múltiplos elementos probatórios, pelo que os Rec.tes não podem simplesmente fundar a sua impugnação em afirmações genéricas, não concretizadas, e desrespeitadoras do ónus de especificação dos concretos meios probatórios quem impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversos dos recorridos.
Assim, deve ser rejeitado o recurso referente à impugnação da matéria de facto, por inobservância dos ónus de impugnação contidos nas alíneas a), b) e c) do n.° 1 do artigo 640.° do CPC., o que desde já se requer.
II) DO RECURSO
Não obstante a alegada irregularidade processual que condiciona o exercício do contraditório pelo ora aqui Rec.do, tentaremos responder a todas as questões que pensamos conseguir descortinar nas “conclusões” apresentadas pelos Rec.tes, e que achamos ser as que passamos a elencar e rebater.
CONCLUSÕES:
1º. A douta sentença recorrida não violou qualquer normativo legal;
2º. Esteve bem o Tribunal “a quo” na interpretação dos factos e na sua subsunção aos normativos legais;
3º. A convicção do Tribunal baseou-se, corretamente, em todos os elementos existentes no processo;
4º. As partes celebraram um contrato promessa de compra e venda sob condição resolutiva que desdobraram em três sub condições, nomeadamente: 1. A Outorga do contrato prometido no prazo máximo de 120 dias; 2. Aprovação do crédito bancário ao Rec.do.; 3. A realização por parte do A., de todos os esforços necessários para a concessão de crédito bancário.
5º. Todas as partes estavam cientes das cláusulas apostas no contrato.
6º. O Rec.do colocou à disposição das entidades bancárias toda a documentação necessária para que o pedido de crédito fosse concedido, tendo evitado junto todos os esforços necessários junto de diversas instituições bancária.
7º. O Rec.do cumpriu todas as obrigações que lhe eram impostas, tendo ficado provado que o mesmo demonstrou em prazo e perante os Rec.tes a impossibilidade de obter financiamento,
8º. O Rec.do envidou todos os esforços necessários para concluir o negócio, não lhe podemos jamais ser imputável a recusa de concessão de financiamento bancário.
9º. Ficou expresso que este, em prazo e perante os Rec.tes demonstrou e provou a impossibilidade de obter o financiamento a que se refere a cláusula resolutiva, motivo pelo qual operou validamente a resolução do contrato promessa
10º. O rec.do cumpriu o contrato promessa firmado, sempre dentro dos ditames da boa fé, e do princípio pacta sunt servanda.
11º. Por força de tais factos, existe a consequente obrigação dos Rec.tes restituírem as quantias recebidas ao abrigo de tal contrato a título de sinal.
12º. Tentam os Rec.tes ludribriar V.Exas., Venerandos Desembargadores, ao chamar à colação um terceiro denominado de “A...” trazendo uma novidade processual ao afirmar que este alegadamente é representante dos Rec.tes, quando tal questão nunca foi levantada em sede própria, e por conseguinte nem o poderá ser aqui, sob pena de se extravasar o ora Doutamente decidido e provado
13º. Nunca foi este terceiro parte no processo, não se encontra provado que este era representante legal dos Rec.tes, pelo que, jamais poderá existir uma pronúncia no que concerne a esta questão, e não poderá sequer tal questão ser suscitada em sede de recurso.
Por fim, concluir com o seguinte.
14º. Os Rec.tes nunca demonstraram/invocaram a perda de interesse, nem que a conversão da mora do autor em incumprimento definitivo que lhe pudesse ser assacado.
15º. Nunca foi invocada ou sequer pedida a declaração de incumprimento por parte do Rec.do, pelo que, jamais a mesma poderá apenas ser solicitada em sede de recurso.
16º. Este pedido, deveria ter sido feito em sede própria, e não através do presente recurso, sob pena de excesso de pronúncia.
17º. Jamais poderia assim ser proferida uma sentença que provasse e demonstrasse qualquer incumprimento por parte do Rec.do com a consequente perda do sinal, porquanto não existe qualquer fato provado que o demonstre, nem o mesmo sequer foi invocado e/ou provado por parte dos Rec.tes.
18º. Carece, assim, de qualquer fundamento o expendido pela Recorrente nas suas Conclusões – que mais não constituem do que uma derradeira, mas infundada, tentativa de alterar uma decisão que lhes foi desfavorável - pelo que as mesmas devem improceder.
Termos em que, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na integra a douta sentença proferida, por a mesma não merecer qualquer reparo.
NB: bold da nossa autoria.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
Questões prévias:
- incumprimento pelo recorrente do disposto no artigo 639º nº 2 do CPC
- incumprimento pelo recorrente do disposto no artigo 640º CPC
Diz o artigo 639.º, n.º 1 do CPC que o recorrente deve apresentar a sua conclusão, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Por seu turno, diz o n.º 2 do mesmo preceito que, versando as conclusões sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
Como se alcança das conclusões, que acima transcrevemos, em síntese, no recurso da matéria de direito, foi invocado o constante nas cláusulas 4ª e 5ª do contrato-promessa, assim como, supletivamente o contido nos artigos 227-nº 2; 405 e nº 2 do 760, todos do Código Civil,
Os recorrentes deram, assim, cumprimento ao disposto no citado n.º 2 do artigo 639.º, não sendo caso de aplicação do disposto no n.º 3 do mesmo preceito.
Nada obsta, pois, ao conhecimento do mérito do recurso na parte respeitante à matéria de direito.
Diz o artigo 662.º, n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Assim, quando a decisão da matéria de facto assente em meios de prova não vinculada, ou seja, sujeitos a livre apreciação, tais como, documentos sem valor probatório pleno, relatórios periciais, declarações da parte não confessórias ou depoimentos testemunhais, os poderes da Relação quanto à alteração da matéria de facto estão dependentes da iniciativa da parte interessada, que, nas conclusões do recurso, tem de impugnar a decisão da matéria de facto e cumprir os ónus previstos no artigo 640.º.
Nos termos do n.º 1 daquele artigo 640.º, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes de processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Das conclusões de recurso não resulta que os Recorrentes tenham pretendido impugnar a matéria de facto.
Na verdade o que resulta claro é que os Recorrentes pretendem que os factos considerados provados, por falta de impugnação e pelos documentos constantes dos autos, tenham uma “nova leitura”.
Mesmo entendendo-se que o quiseram fazer, também não resulta das mesmas, de forma inequívoca, quais os factos que pretendiam que fossem alterados, nem qual o sentido dessa alteração.
Não foi dado cumprimento aos ónus previstos no n.º 1 do citado artigo 640.º, pelo que, ainda se considere que interpuseram recurso da matéria de facto, sempre o mesmo teria de ser rejeitado.
Mantém-se, assim, a factualidade que foi considerada provada e não provada pelo Tribunal recorrido.
III. FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto controvertida.
Factos provados (por ausência de contestação e por documento):
1.º No dia 3 de Fevereiro de 2023, o A., na qualidade de promitente comprador, e os RR., na qualidade de promitentes vendedores, celebraram um contrato promessa de compra e venda, tendo por objecto um prédio urbano destinado a habitação, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Valongo, composto por habitação de rés-do-chão, andar, logradouro e garagens, descrita na Conservatória do Registo Predial de Valongo sobre o número ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., com a certidão do alvará de habitabilidade n.º 54, emitido pela Câmara Municipal ... em 20/03/1968 (docs. 1, 2, 3 juntos com a PI)
2.º No dia 5 de Fevereiro de 2023, o A. transferiu para a conta dos RR. com o IBAN ..., a quantia de 18.000,00€ (dezoito mil euros) a título de sinal e princípio de pagamento (docs. 4 e 5 juntos com a PI)
3.º Pelo contrato promessa de compra e venda, referido no ponto 1º, clausularam os outorgantes o seguinte:
4.º Previamente à assinatura do contrato promessa de compra e venda, o A. diligenciou junto da instituição bancária Banco 1... – instituição bancária na qual confia – informações sobre os produtos de crédito disponíveis, tendo em vista a aquisição do imóvel referido. (docs. 6 e 7)
5.º O A. incumbiu um intermediário de crédito vinculado de tratar de todos os trâmites do pedido de concessão de crédito bancário, tendo sido este quem intermediou o negócio entre as partes – A., banco e imobiliária representante dos RR. (Doc. 6 e 7);
6.º Tendo em vista a avaliação do imóvel objeto do processo de concessão de crédito bancário, o Banco 1..., solicitou a uma empresa especializada a realização de um relatório de avaliação imobiliária (docs 6 e 7).
7.º No dia 16 de Fevereiro de 2023, deslocaram-se ao imóvel os RR., o representante da imobiliária dos RR., e o perito, tendo em vista a realização do relatório de avaliação imobiliária, tendo o perito indicado elaborado o relatório com data de 17-02-2023, que constitui o documento n.º 7 cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
8.º Da avaliação referida no ponto anterior, consta, de entre outras informações, o seguinte:
(…)
“
6.5 Ónus sobre o imóvel (…) hipoteca
8. (…)
Visita ao interior: Sim.
Colateral exigível para efeitos de garantia hipotecária: sim.
(…)
Características Gerais
Descrição geral do imóvel.
Imóvel com dois pisos e dois apartamentos (…). No r/c tem um apartamento com cozinha, sala (…), quarto, casa de banho, sala e lavandaria e no exterior uma garagem fechada para viatura. No andar tem um apartamento com cozinha, três quartos, casa de banho e no exterior tem (…) para duas viaturas (…)
(…)
”O valor do imóvel foi encontrado partindo do pressuposto de que o imóvel se encontra livre de quaisquer ónus ou encargos. (…)
9.º Em anexo ao relatório foram juntas fotografias tiradas do interior do imóvel.
10.º No relatório não é feita qualquer menção de que o imóvel se encontrava arrendado.
11.º Com data de 9 de Março de 2023 foi enviado da parte da entidade bancária, gestão comercial do Banco 1..., para a imobiliária, o email que integra o doc 6, pag. 4 e 5 desse documento, relativamente ao assunto: “Processo Aquisição – AA – cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, destacando-se o pedido de envio de documentos para o processo do banco, concretamente:
“- Documentos de identificação válidos para todos os intervenientes (vendedores)
- Certificado energético;
- Declaração de não exercício de direito de preferência por parte da Câmara Municipal e pelo Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico (DGPC), nomeadamente através de anúncio publicado no site do Registo Predial on-line.
(…)
Licença de utilização (…)
- O processo de compra teve a intervenção de Mediador Imobiliário?
Em caso afirmativo é indispensável identificar o Mediador
12.º Os documentos solicitados foram enviados por “email´s” de 13, 14 e 16 de Março de 2023 (doc. 6)
13.º Em cumprimento do clausulado no CPCV firmado entre as partes foi agendado o DPA de compra e venda para o dia 12 de Abril de 2023.
14.º No dia 11 de Abril de 2023, a gestora processual do A., responsável pelo tratamento deste processo, rececionou um e-mail por parte do Banco Mutuante com o conteúdo a seguir transcrito e a solicitar as seguintes informações:
“(…)
Na sequência do acto do cliente AA agendado para o dia de amanhã, somos a solicitar a V/ colaboração.
Verificamos que nos foi remetido um anúncio de preferência onde consta que o
imóvel se encontra arrendado.
Nesta senda, somos a questionar se o imóvel se encontra arrendado ao comprador, ou se o mesmo se encontra arrendado a terceiro.
Caso o mesmo se encontra arrendado terceiro, somos a solicitar um envio de:
- contratos arrendamento
-comprovativo de notificação do direito de preferência ao arrendatário
-confirmação se o arrendamento é ou não para manter” (doc. 8)
15.º Tais documentos foram solicitados aos RR via e-mail, no mesmo dia (11-4-2023, pelas 15h47m), constando da parte final desse “email” o seguinte:
“Assim e, uma vez que o imóvel está arrendado a terceiros, solicito que enviem o solicitado o mais breve possível. (…)” (doc. 9)
16.º No mesmo dia – 11-04-2023 – pelas 17.55 – por parte do Banco 1... - e referente ao processo de financiamento (n.º ...) foi enviado para o autor o email que integra as páginas 2 e 3 do doc. 10 junto com PI com o seguinte Assunto: “Desmarcado---Processo n.º ...”, do qual consta, de entre outras menções, o seguinte:
“Estimado AA
(…)
No seguimento do acto agendado, somos a informar que no seguimento de contacto telefónico, lamentavelmente, teremos de proceder à sua desmarcação.
Verificamos que no anúncio de preferência emitido para o imóvel do contrato refere que o imóvel se encontra arrendado, sendo que a avaliação ao mesmo foi realizada tendo o imóvel por devoluto e não fazendo qualquer menção ao arrendamento.
Nesta senda e, destinando-se a aquisição para habitação própria e permanente do senhor AA (…), não poderemos outorgar com o arrendamento a manter.
Caso pretendam que o arrendamento se mantenha, poderá ser dado destino ao imóvel de habitação secundária, mas a mesma carece de ulterior autorização da Direcção de Risco para avançar com a hipoteca a registar sob imóvel com arrendamento a manter. (…)
17.º Por carta registada com aviso de recepção, com data de 17 de Abril de 2023 o autor, através da sua mandatária, enviou aos réus a carta que constitui o doc. n.º 11, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
18.º Na carta referida consta:
“(…)
Nos termos da cláusula quinta do (…) contrato, vem o promitente comprador solicitar a documentação necessária para a formalização do contrato prometido, a saber:
- Contrato de arrendamento celebrado com a actual inquilina, bem como os recibos de renda dos últimos 3 meses;
- Comprovativo da interpelação para o exercício de preferência e a aludida interpelação (o seu conteúdo, bem como comprovativo do não exercício do direito em prazo)
Solicito o envio da documentação (…) no prazo de 8 dias contados a partir do envio da presente missiva. Sem a verificação predita, será considerado o incumprimento definitivo e da responsabilidade exclusiva de V. Exa. (…)”
19.º Os RR. responderam por carta de 20 de Abril de 2023, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido (doc. 12)
20.º Da carta mencionada consta, de entre outras menções:
“(…)
Informamos (…) que já foi fornecido, em devido tempo, o contrato de arrendamento com a arrendatária de parte do imóvel e que a rendas têm sido liquidadas mensalmente.
Acresce informar também que foi enviada para a arrendatária, a carta informativa da alienação que está planeada com o cliente AA, com informação sobre o valor do negócio.
Apresentamos ainda disponibilidade para agendar uma reunião com V. Exas. e os nossos representantes “A..., Lda.”a fim de podermos efectuar todos os esclarecimentos que a situação recomenda.
Solicitamos ainda informação sobre data, hora e local para a realização da escritura do n/ imóvel e que está prevista no contrato promessa (…).”
21.º No dia 4 de Maio de 2023 realizou-se uma reunião nas instalações da Imobiliária tendo por objectivo informação e esclarecimentos relativos ao processo de venda do imóvel (doc. 12)
22.º De modo a que o crédito fosse reapreciado pela direção de risco do Banco o
A. comprometeu-se a, logo que obtivesse a documentação que estava na posse dos RR.,
submeter o pedido de reapreciação (resulta do teor do doc. 13, página 1)
23.º Nesse dia a Imobiliária enviou para a mandatária do autor, com conhecimento do mesmo e dos réus, o email que integra o documento n.º 12, remetendo a documentação solicitada, que integrava a carta enviada pelos réus, com data de 12 de Abril de 2023, à arrendatária do rés-do-chão, comunicando-lhe a venda do imóvel, o valor da venda e notificação para o exercício ou não do direito de preferência (doc. 13)
24.º Ao analisar a documentação rececionada, o A. verificou que o direito de preferência legal da inquilina, apenas foi remetido no dia 19 de Abril de 2023 (doc. 13, página 4)
25.º A arrendatária não recebeu a carta e o expediente foi devolvido aos remetentes em 11 de Maio de 2023. (doc. 14)
26.º Com base nos documentos que lhe foram enviados e com data de 9 de Maio de 2023 o autor solicitou ao banco a reapreciação do pedido de financiamento para aquisição do imóvel (Doc. 15)
27.º O pedido de concessão de crédito foi enviado à direção de risco do banco com todos os documentos reunidos após entrega destes pelos RR. (doc, 15)
28.º Os RR. foram informados de todas as diligências que estavam a ser tomadas
pelo A., através de missiva enviada no dia 11.05.2023 e rececionada no dia 12.05.2023 (doc. 16)
29º O financiamento pelo Banco 1... foi recusado, referindo que a operação não era viável não podendo o banco “outorgar com o imóvel arrendado” (doc. 17)
30.º Para além do pedido efectuado junto do Banco 1... o autor solicitou a concessão de crédito junto de outras entidades bancárias, nomeadamente, Banco 2..., Banco 3..., Banco 4... (docs. 18 a 20)
31.º Na carta enviada aos réus em 11 de maio de 2023 o autor deu também conhecimento da realização de diligências junto de outros bancos (doc. 16)
32.º Na mesma carta refere, na parte final, que caso não lhe fosse concedido o crédito bancário necessário para aquisição do imóvel, iria acionar a cláusula quinta do contrato promessa de compra e venda. (doc. 16)
33.º As outras entidades bancárias recusaram a concessão de crédito:
a. Banco 2... – recusa de concessão de crédito, uma vez que o mesmo não apresentava sugestão de viabilidade em nenhuma das modalidades em comercialização, entre outros aspetos (doc. 18)
b. Banco 3... - recusa de concessão de crédito, uma vez que o mesmo não apresentava sugestão de viabilidade (doc. 19)
c. Banco 4..., S.A. - recusa de concessão de crédito, uma vez que o mesmo não apresentava sugestão de viabilidade, (doc. 20)
34.º Em face das expostas bancárias obtidas o autor enviou a carta registada com data de 6 de Junho de 2023 (doc. 21 junto com a PI) com o seguinte teor:
35.º A carta foi rececionada no dia 12.06.2023 (doc. 22)
36.º Os réus não devolveram o valor do sinal;
37.º No dia 19 de Junho de 2023, o autor verificou que o imóvel objeto do contrato
prometido se encontrava novamente à venda, pelo valor de € 189.000,00. Do Anúncio consta que o rés-do-chão está arrendado. (doc. 23)
38.º O autor requereu a notificação judicial avulsa dos réus, por requerimento de 21-06-2023, mediante a qual interpelou os réus para, no prazo de 5 dias, e perante a resolução do contrato, procederem à entrega do valor correspondente ao sinal sob pena de recurso aos meios judiciais (doc. 24 junto com a PI)
39.º Os réus foram notificados através de Agente de Execução no dia 4 de Julho de 2023, mas nada disseram (doc. 25);
40º Antes da outorga do contrato promessa com o autor, o imóvel estava à venda, venda mediada pela sociedade de mediação imobiliária de nome “A...”, que divulgou a venda através do anúncio que constitui o doc.1 junto com a contestação, nomeadamente através de plataformas informáticas como a “B...”;
41º Do anúncio consta o preço da venda no valor de 189.000,00€, a descrição do imóvel como integrado por rés-do-chão e andar, constando em relação ao rés-do-chão que se encontrava arrendado;
42.º Com data de 19 de Janeiro de 2021 a mediadora imobiliária “A...” recebe o email que constitui o doc. n.º 2 junto com o requerimento probatório dos réus, dando conhecimento da existência de um potencial interessado, informação dada pela sua congénere “C...;
43.ºSeguiram-se contactos e o autor visitou o local através da C... e manifestou-se interessado para comprar (doc. 3 – Ficha de visita a imóvel)
44.º Da referida ficha consta, em resposta à questão “O que menos gostou” o autor respondeu: “Ter inquilina”;
45.º A Agência C..., solicitou, após a visita ao local, à “A...” que lhe fosse enviado o contrato de arrendamento, que foi enviado (doc. 4 do requerimento probatório dos réus)
46.º Na troca de correspondências entre as agências, com data de 2º de Janeiro de 2023, é mencionado pela C... o seguinte: “Estou a tentar reunir a documentação toda com IBAN, para ainda hoje lhe enviar, o cliente só conseguiu falar comigo à pouco depois de ver o contrato. E vai perguntar à advogada dele como se faz para passar a ser ele o senhorio da inquilina, como pode mudar o contrato. Se a DD me souber dizer agradeço.” (doc. 4)
47.º O autor solicitou os serviços da sociedade C... para a intermediação do crédito, no sentido de tratar de todos os trâmites do pedido de concessão bancária, empresa que mediou a negociação do crédito solicitado pelo autor ao Banco 1... (artigo 6º da PI e correspondência trocada e reflectida no doc. 6 junto com a PI)
48.º A 7 de fevereiro de 2023, a “A...”, enviou uma comunicação à “C..., (ao cuidado de EE), questionando-a quanto à deslocação do perito avaliador, se o contacto fornecido ao banco tinha sido o da C... ou da A..., pois era importante, avisar a inquilina da referida visita, para esta se encontrar em casa à hora previamente acordada, a fim de poder franquear a porta de acesso ao interior (doc. 5 junto com o requerimento probatório dos réus)
49.º No mesmo dia foi enviado um email por parte da C... para a A... com o seguinte teor:
(doc. 5 – requerimento probatório dos réus)
50.º Por email de 20 de fevereiro de 2023, a C..., através da sua colaboradora EE, informa a colega – FF, gestora processual - com c.c. a várias entidades, entre as quais a A..., que, e segundo a informação veiculada pelo autor (cliente da C...), a avaliação tinha sido favorável. (doc. 6 - requerimento probatório dos réus)
51.º Da mesma comunicação consta que:
(doc. 6 - requerimento probatório dos réus)
52.º Do anúncio de venda mencionado no ponto 47º consta de forma expressa que é constituído por rés-do-chão e 1º andar, com entradas independentes. (doc. 1 - requerimento probatório dos réus)
53º Com data de 24 de fevereiro de 2023, a C..., por email subscrito pela sua CEO GG, com conhecimento ao autor, referiu o seguinte:
(doc. 7 - requerimento probatório dos réus)
54.º Em resposta a esse e-mail, a “A...”, na qualidade de representante dos RR. no negócio em causa, enviou para a CEO da C... o email com data de 25-02-2024, com o seguinte teor:
(doc. 8 – requerimento probatório dos réus)
55º Com data de 11 de Maio a “A...” informa sobre o não exercício do direito de preferência da arrendatário, através de email com o seguinte teor:
(doc. 10 junto com o requerimento probatório, integrando a correspondência trocada entre as partes)
56º A carta registada enviada em 6 de junho de 2023 foi registada pelas 18h25m (doc. 10 – requerimento probatório dos réus)
57.º Nesse mesmo dia, pelas 18h47m o autor, através da sua Il. Mandatária enviou para a “A...” um e-mail que constitui o doc. n.º 10 do requerimento probatório dos réus, em resposta a um email da “A...” do dia anterior (5-6) com o seguinte teor:
58.º O email da “A...” de 5 de Junho de 2023 questionava a Il. Mandatária sobre o estado do processo, informação que também já tinha sido solicitada por email de 18 de Maio de 2023. (doc. n.º 10 do requerimento probatório dos réus)
59.º Com data de 25 de julho de 2022, os réus outorgaram um contrato promessa de compra e venda, na qualidade de promitentes-compradores com a sociedade denominada “D..., LDª”, esta na qualidade de promitente vendedora, contrato junto como documento n.º 12 e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, destacando-se as seguintes cláusulas:
60.º O contrato promessa foi objecto de um primeiro aditamento outorgado em 22 de Setembro de 2022, com o seguinte teor:
61.º O contrato foi objecto de um novo aditamento em 31 de Janeiro de 2023 com o seguinte teor:
62.º A entidade bancária Banco 1... definiu que a aprovação e concessão do crédito bancário requerida pelo autor ficaria condicionada à avaliação do imóvel, informação prestada em 7 de Fevereiro de 2023 (doc. 2 junto com a réplica);
63.º Por DPA outorgado no dia 17 de Novembro de 2023 e denominado “Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” os réus compraram à sociedade “D... Lda.” o imóvel identificado no contrato promessa mencionado nos pontos 59º a 61º, com recurso a financiamento bancário, destinando-se a habitação própria permanente (docs. 1 e 2 juntos na audiência prévia);
64.º Do referido documento consta que o preço da compra e venda foi de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros) pago através de cheque bancário sobre o Banco 5... S. A.;
65º Mais consta que o financiamento bancário concedido aos réus foi de € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros);
66º. O imóvel está inscrito na matriz predial urbana, freguesia ..., Santo Tirso, sob o artigo ... e descrito na C.R Predial de Santo Tirso sob o n.º ... (certidões prediais e matriciais juntas, respectivamente como docs. 3 e 4 na audiência prévia)
67.º A aquisição do imóvel em favor dos réus por compra à sociedade “D... Lda.” está registada pela Ap... de 2023/11/17 (certidão predial junta como doc. 3);
68.º O imóvel objecto do contrato promessa de compra e venda outorgado entre o autor e os réus foi vendido a terceiros, compra e venda registada na certidão predial pela Ap. ..., de 2023/09/19 (certidão predial junta como doc. 5 na audiência prévia)
69.º O contrato de compra e venda que fundamentou o registo do direito de aquisição referido no ponto anterior foi outorgado entre os réus, na qualidade de vendedores e HH e II, na qualidade de compradores, em 19 de Setembro de 2023 (doc. 6 junto pelo autor na audiência prévia)
70.º Segundo o contrato referido no ponto anterior o preço foi de 184.000,00€, tendo os compradores transferido a título de sinal e princípio de pagamento aos vendedores, a quantia de 18.400,00€. O remanescente foi pago no dia da outorga do contrato; (doc. 6)
71.º Os compradores recorreram a financiamento bancária para a aquisição, tendo a entidade bancária mutuado a quantia de € 165.600,00, ao abrigo do crédito bonificado à habitação de pessoa com deficiência.
Da reconvenção:
15º. O negócio referente ao imóvel A. não foi consumado, e por tal circunstância,
o sinal entregue aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, foi perdido em favor da promitente.”
A sentença recorrida acolheu a versão do A.
Deu como assente que as partes acordaram que o cumprimento da obrigação – outorga do contrato prometido – ficou dependente do cumprimento pelo autor (promitente comprador) de duas condições:
- Outorga do contrato prometido no prazo máximo de 120 dias (ou seja, até 3 de Junho de 2023) e
- Aprovação do crédito bancário a solicitar pelo promitente comprador.
Entendeu-se na sentença que “de acordo com a factualidade provada o autor solicitou a concessão de um financiamento bancário para aquisição de uma habitação própria permanente, crédito que numa fase inicial foi aprovado pelo Banco 1... – e foi agendada a outorga do contrato prometido para o dia 12 de Abril de 2024.
No entanto, também se provou que esse dia foi desmarcado porque o banco, tendo tomado conhecimento de que uma parte do imóvel estava arrendada recusou a concessão do crédito que tinha sido o pedido pelo autor e que foi para aquisição de HPP. Mas não fechou a porta e concedeu ao autor a possibilidade de o pedido de crédito ser convertido em financiamento para aquisição de habitação secundária, iniciando-se os procedimentos bancários em finais de Fevereiro de 2023 que se prolongaram com a renegociação do crédito, com pedidos de documentos por partes dos réus. Só em Maio de 2023 é que os réus apresentam comprovativo do não exercício do direito de opção pela arrendatária (facto 55º). Nessa data não havia qualquer incumprimento, na medida em que devemos ter em atenção que o prazo acordado entre as partes para a outorga do contrato prometido foi de 120 dias. Dos factos provados também resulta que o autor para além de ter solicitado um financiamento ao Banco 1..., procurou a concessão de crédito junto de outras entidades bancárias identificadas no ponto 33º dos factos provados. Na carta enviada pela mandatária no autor aos réus e datada de 11 de Maio de 2023, é dado conhecimento dessas diligências. Sucede que as respostas das entidades bancárias foram todas negativas e a primeira condição para a outorga do contrato prometido e acordada entre as partes na cláusula 4º, ponto 1, não se verificou. A segunda também não se verificou, na medida em que, por falta de concessão de crédito, o autor não agendou outra data, no prazo de 120 dias, para a outorga do contrato prometido.
Ocorreu assim um incumprimento do contrato, por impossibilidade de cumprimento da obrigação.
Na decisão questiona-se se a impossibilidade que efectivamente ocorreu – falta de concessão de crédito – concede ou não ao autor o direito de cessar a relação contratual, como fez pela carta em enviou em 6 de Junho de 2023 e o direito de exigir a devolução do sinal nos termos da cláusula quinta do contrato, posição que repetiu e reforçou com a notificação judicial avulsa. Entendeu-se que da conjugação entre o teor da cláusula quarta e quinta do contrato, resulta que existia ainda uma outra condicionante para o cumprimento do contrato: - A realização por parte do autor de todos os esforços necessários para que a concessão do crédito se concretizasse. As partes, ao abrigo do disposto no artigo 405º do C. Civil, podem acordar livremente no conteúdo das obrigações contratuais, desde que das mesmas não resulte a violação de normas imperativas. A cláusula em causa e que impõe uma atitude activa do autor na procura da concessão do crédito bancário, não viola os princípios da boa fé contratual (previstos nos artigos 227º e 762º do C. Civil) nem colide com qualquer norma que regula o regime jurídico do contrato promessa previsto pelos artigos 410 e seguintes do C. Civil. Sobre os motivos para a não concessão inicial do crédito solicitado pelo autor e que levou a que fosse dado sem efeito a outorga do contrato prometido indicado para o dia 12 de Abril, o que se extrai dos factos provados é que o autor desde o início das negociações sabia que uma parte do imóvel estava arrendado, quer porque consta de forma expressa do anúncio de venda, quer porque o contrato de arrendamento foi enviado pela mediadora que estava a tratar do negócio por parte dos réus, para a mediadora que estava a tratar do mesmo negócio por parte do autor. Assiste razão aos réus quando referem que lhes é totalmente alheio que tal informação não tenha sido dada atempadamente ao banco (antes de 12 de Abril de 2023). No entanto e tal como o referimos, nessa data ainda estava o autor em prazo para continuar com a realização das diligências para obter a concessão de crédito. E o autor fez essas diligências, quer junto na mesma entidade bancária, pela reconversão do crédito para aquisição de uma HPP, para a aquisição de uma habitação secundária. Requereu igualmente a concessão de crédito junto de mais 4 entidades bancárias. O autor não esteve parado como os réus afirmam, resultando dos factos provados que depois da recusa na concessão do primeiro crédito, nos meses de Março, Abril e Maio tentou obter crédito junto de outras instituições e também junto do mesmo banco, o que os réus sabiam, por comunicação que lhes foi dirigida em Maio de 2023. De todas obteve reposta negativa. O autor cumpriu com a condição imposta pela cláusula quinta, ponto 2. Ora, cessado o prazo de 120 dias, tendo sido recusada a concessão do crédito ao autor e tendo este desenvolvido vários esforços (o conceito de “todos” é indeterminável e se mais esforços achavam os réus que o autor deveria ter realizado, deveriam ter alegado e provado, o que não fizeram), contratualmente não fixaram as partes qualquer outra condição para que se considerasse o contrato como cessado. “
Os RR. defenderam que “se o autor, por inépcia, por falta de diligência ou de outra característica, não soube conduzir o processo, e fê-lo de forma absolutamente errada, não informando a instituição bancária das características do imóvel, e ainda, que parte do mesmo (rés-do-chão) se encontrava arrendado, a culpa exclusiva tem de lhe ser assacada, considerando o seu prévio e atempado conhecimento das coisas.”
Ora, dizemos nós, mesmo dando como certo que o Autor não soube conduzir o processo de financiamento, não tendo alertado a entidade bancária da existência de um contrato de arrendamento, o certo é que, depois desta (entidade bancária) ter sido colocada a par da situação e tendo havido uma reformulação dos termos do empréstimo, o mesmo também não foi concedido.
Assim, se alguma culpa se pode assacar ao A., a mesma reduz-se ao maior tempo despendido na análise do processo por parte da instituição bancária.
Mesmo que,” ab initio”, o banco tivesse conhecimento de todas as características do imóvel e, designadamente, do arrendamento, a solução seria a mesma – não conceder o financiamento.
O Autor tentou junto de outras instituições bancárias, tendo a resposta sido a mesma.
Daí que, como bem se diz na sentença em crise, se os RR. entendiam que o A. não desenvolveu todos os esforços, deveriam ter alegado e provado quais seriam.
Ora, os RR. não o fizeram. A sua alegação em sede de contestação prende-se, apenas e tão só, com a condução errada, pelo Autor, do pedido de financiamento, mas que, a final, depois de esclarecidos e clarificados todos os pontos de relevo para a concessão do empréstimo, o mesmo veio a ser negado.
A alegação dos RR. só permite concluir que, a ter sido assim, o A. protelou a decisão da instituição bancária.
Porém, a resposta da banca (ainda que mais tardia) ocorreu durante o prazo de cumprimento do contrato, permitindo ao Autor que diligenciasse junto de outras entidades bancárias, tendo obtido igual resposta.
Em sede de recurso vêm os RR. afirmar que o A., já numa fase subsequente, pretendeu reiniciar o pedido de financiamento, mas depois não enviou a documentação necessária. Acrescentam que foi o autor, que com o seu comportamento, se colocou em condições de não cumprir o contrato-promessa ao não dar qualquer resposta, à solicitação da A..., constante do documento sob a epígrafe nº 6.
Esta alegação acoplada ao incumprimento apenas surge nas alegações de recurso.
Em sede de contestação, os RR. aludem a este comportamento do A. para efeitos de integração do conceito de má fé. – cfr. Petição inicial XLI – Atente-se entre outros a carta enviada aos RR., denunciando o contrato promessa – documento junto com a P.I., doc. nº 16 -, e do e-mail enviado ao Dr. JJ, representante da A..., onde lhe é solicitado o apoio para a concessão de crédito bancário.
Socorremo-nos de um Acórdão do STJ de 27-04-2023, tirado no processo 2310/19.4T8SXL.L1.S1, onde é feito um desenvolvimento sobre a matéria em causa nestes autos: “Caso a escritura de compra e venda não venha a ser outorgada na data designada nos termos do nº 1 da presente cláusula, até 31 de Julho de 2019, pelo facto da Terceira não obter licença para o ensino do francês ou financiamento por si requerido, a Primeira e os Segundos poderão considerar este contrato como resolvido, tendo direito à rescisão unilateral do mesmo e a devolver à Terceira o valor recebido, a título de sinal, em singelo.” – destaque nosso. É isto, e só isto, que reza a cláusula. Não há que inventar, portanto.
Ou seja, é precisamente por (e só por) considerar verificada a condição nela contida, qual seja, a ausência de financiamento, que a Autora vem solicitar dos réus a devolução do “valor recebido, a título de sinal”. Sendo manifesto que toda a alegação factual carreada à petição inicial visa, precisamente, demonstrar a ausência daquele financiamento (e apenas isto), concluindo-se ali que, uma vez que tal financiamento não teve lugar, encontram-se os RR em incumprimento do estipulado no Contrato Promessa de Compra e Venda” na medida em que, apesar de interpelados para o efeito, não devolveram à Autora/promitente compradora (conforme entendem resultar da aludida Clª 7ª/3) o sinal que dela receberam os RR (vide, designadamente, arts 34 e 35 da pi).
Dito de outra forma: não invoca a Autora o incumprimento do contrato promessa “por causa … imputável” aos RR/promitentes vendedores, pois que nesse caso, dada a existência de sinal, o direito que lhe assistia seria a devolução do dobro do que prestou (artº 442º, nº2 CC).
Limita-se, sim, a exigir a devolução do sinal em singelo prestado, apenas por ser “condição resolutiva aposta no Contrato Promessa de Compra e Venda” – na citada Clª 7ª/3 (artº 39º de pi).
(…) Condição é a cláusula acessória dum negócio jurídico pela qual o seu autor faz depender os efeitos daquele, total ou parcialmente, da verificação de um acontecimento ou facto futuro e objectivamente incerto. É usual designar também como condição o próprio facto condicionante. Também se chama condição ao facto futuro e objectivamente incerto da verificação do qual o autor de um negócio jurídico faz depender, total ou parcialmente, os efeitos do mesmo negócio [5].
Também na definição de Manuel de Andrade [6], condição é a cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que ou só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (o negócio mantém-se suspenso enquanto a condição se não verifica – não se sabe se o negócio virá a ganhar eficácia, nem quando, embora se saiba que assim poderá vir a acontecer) — condição suspensiva —, ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (a verificação do facto condicionante determina a cessação da eficácia do negócio ou da parte do negócio condicionado – o negócio mantém-se precário, sem se saber se virá a perder a sua eficácia, nem quando) — condição resolutiva[7].
É, com efeito, característico da condição, como cláusula típica, que o seu conteúdo corresponda à sujeição da eficácia do negócio, ou de parte dele, à verificação ou à não verificação de um facto e que esse facto, o facto condicionante, seja na condição tido como facto futuro e como facto incerto. São, pois, estes os elementos qualificantes da condição como cláusula típica: que opere sobre a eficácia do negócio e que a faça depender de um facto futuro e incerto.
A condição vem satisfazer necessidades práticas importantes. Na verdade, aquando da contratação, as partes desconhecem, muitas vezes, a evolução futura dos factos em que assentem. Por isso, tem o maior interesse a possibilidade de subordinar a própria eficácia negocial a esse desenrolar dos factos.
Como reza o artº 270º do CC, “As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução; no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva”.
Ora, da leitura do alegado pela Autora, cremos que a referida Cláusula 7ª, nº3, do Contrato-Promessa, não consubstancia uma Condição resolutiva, mas, sim, perante cláusula resolutiva – sendo de referir que a lei permite que a resolução do contrato se funde em “convenção” das partes (artº 432º CC).
Efectivamente, como escreve DANIELA FARTO BAPTISTA[8], “a cláusula resolutiva distingue-se da condição resolutiva: a primeira, enquanto fonte de um direito potestativo de extinção retroactiva da relação contratual, apenas confere ao beneficiário o poder de resolver o contrato uma vez verificado o facto por ela descrito, a segunda determina a imediata destruição da relação contratual assim que o facto futuro e incerto se verifica. Acresce que a resolução tem, em regra, apenas eficácia retroactiva entre as partes e a verificação da condição resolutiva tem, também em regra, eficácia retroactiva plena (artigo 274.º, n.º 1)”.
Assim, portanto, enquanto a condição resolutiva, uma vez verificada, importa a resolução automática do negócio jurídico, já a cláusula resolutiva confere apenas a possibilidade de, verificado o fundamento convencional previsto no contrato, resolver o contrato.
Portanto, ao contrário do que parece ser o entendimento do tribunal recorrido, consideramos que a cláusula contratual supra transcrita configura uma cláusula resolutiva expressa, pois o que ali se plasmou foi que as partes acordavam que a eventual não obtenção de financiamento pela Terceira outorgante (ora Autora) concederia à Primeira e Segundos outorgantes o direito a resolver o contrato promessa – “à rescisão unilateral do mesmo e a devolver à Terceira o valor recebido…”. Ou seja, o que de tal cláusula ressalta com toda a nitidez é que não sendo obtido o financiamento bancário, apenas à Primeira e Segundos outorgantes (ora RR) assistia o direito a resolver o contrato com tal fundamento (caso, obviamente, assim o pretendessem – “poderão…” resolver, reza a cláusula). Não pretendendo os ora RR fazer uso desse direito de resolução contratualmente convencionado, o contrato manter-se-ia, naturalmente, de pé, sujeitando-se às subsequentes vicissitudes.(…) Em suma: a cláusula em análise consagrou um direito convencional de resolução. Como é sabido, há duas modalidades de resolução: a legal e a convencional, sendo que a resolução convencional se funda na liberdade contratual, podendo apresentar múltiplas facetas e depender de diferentes requisitos, sendo também os respectivos pressupostos livremente conformáveis pelas partes. Sendo certo que, nos termos gerais, a cláusula de resolução não se funda no dogma da vontade (em crítica ao mencionado dogma, vd, BETTI[12]), pelo que se deverá encontrar devidamente exteriorizada. Assim, portanto, as partes podem estabelecer diferentes acordos de resolução, com pressupostos e efeitos diversos[13].”
No mesmo sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-09-2021, tirado no processo 12868/19.2T8LSB.L1.S1.
Para melhor enquadramento da questão em apreço, vamos referir algumas das datas importantes:
- 3 de Fevereiro de 2023 - data do contrato-promessa
- 3 de Junho – fim do prazo de 120 dias fixado no contrato
- 6 de Junho de 2023 – A. solicita a devolução do sinal (ponto 34 dos factos provados) e a carta foi recebida a 12.06. (cfr. Ponto 35 dos factos provados)
- Nesse dia o autor, através da sua Mandatária enviou para a “A...” um e-mail que constitui o doc. n.º 10 do requerimento probatório dos réus, em resposta a um email da “A...” do dia anterior (5-6) com o seguinte teor:
- 19 de Junho – prédio está novamente à venda (ponto 37 dos factos provados)
- 21 de Junho de 2023 - O autor requereu a notificação judicial avulsa dos réus mediante a qual interpelou os réus para, no prazo de 5 dias, e perante a resolução do contrato, procederem à entrega do valor correspondente ao sinal sob pena de recurso aos meios judiciais – cfr. Ponto 38 dos Factos provados
A cronologia dos factos torna a situação mais clara.
Aliás, nem se percebe o relevo que os RR./Recorrentes pretendem dar ao dito email citado supra.
Vejamos.
As partes celebram um contrato-promessa sujeito a uma cláusula de resolução.
Decorrido o prazo constante do contrato e não tendo sido cumprida a condição, pode o contraente a favor de quem aquela foi aposta, resolver o contrato.
A circunstância do A. ter dado anuência a que um terceiro (não resulta dos factos que o citado Sr. JJ tenha qualquer ligação com os RR), tentasse, mais uma vez, obter o financiamento, só por si, não afasta a condição resolutiva.
A verdade é que a 21.06.2023 o A. volta a interpelar os RR., agora através de uma notificação judicial avulsa, no sentido da devolução do sinal.
Note-se que aqui, tal como referido no Acórdão do STJ citado supra, o incumprimento dos RR. reside na não devolução do sinal.
Se fosse incumprimento do contrato promessa (o A. não retirou outras consequências da circunstância do imóvel, em 19 de Junho, estar novamente para venda) os RR. teriam que restituir o sinal em dobro - artº 442º, nº2 CC.
Deste modo e concluindo, não assiste qualquer razão aos Recorrentes.
Não há forma de imputar o não cumprimento da condição resolutiva a qualquer comportamento do Autor.
Desta forma, soçobra o recurso.
IV. DECISAO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Registe e notifique.
DN
Porto, 19 de Novembro de 2024
(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)
Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990.
Raquel Correia Lima
Rodrigues Pires
João Ramos Lopes
______________________
[5] Castro Mendes, Dir. Civil, Teoria Geral; 1979, III- 483.
[6] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, 1966, 2.º- 356.
[7] Ver Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 6.ª ed., pp. 606 e ss. (condições impróprias, condições ilícitas, condições suspensivas e resolutivas, condições causais, potestativas e mistas, etc…).
[8] In Comentário ao Código Civil, Das Obrigações em Geral, UCP, 2018, p. 138.
[9] DANIELA FARTO BAPTISTA, In Ob. Cit. p. 138.
[10] Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, p. 917.
[11] Assim também se pronunciou BRANDÃO PROENÇA, nas suas Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, Coimbra, 2011, pp. 362 e ss..
[12] Teoria Geral do Negócio Jurídico, Vol. I, Coimbra, 1969, pp 107 ss.
[13] Ver DI MEO, «Il Contenuto della Clausula Risolutiva Expressa», in La Clausula Risolutiva Espressa, org. OLGA BARONE, Pádua, 1994, pp 1 ss).