Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
IMÓVEL
COMPROPRIEDADE
DIREITO DE COMPROPRIEDADE
EXECUÇÃO
PENHORA
INSOLVÊNCIA
APREENSÃO
VENDA
Sumário
Estando apreendido nos autos de insolvência o direito de ½ indivisa do direito de propriedade relativamente ao imóvel em causa pertencente à insolvente e sabendo-se que o restante direito de ½ indivisa do direito de propriedade relativamente ao mesmo imóvel se encontra anteriormente penhorado em sede de execução que corre contra o outro comproprietário, de harmonia com o que decorre do disposto no n.º2 do art.º 743.º do do C.P.Civil “ex vi” do art.º 17.º do CIRE, realiza-se uma única venda, ou seja, venda da propriedade plena do bem, no âmbito do processo de execução, com posterior divisão do produto obtido.
Texto Integral
Apelação Processo n.º 1241/23.8T8AMT.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Gondomar-Juiz1 Recorrente – AA Recorrido – Credores da insolvência de BB Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntos – Desemb. Ramos Lopes
Desemb. Artur Dionísio Oliveira
I – Por apenso aos presentes autos de insolvência, onde foi declarada a insolvência, de BB, a pedido da própria, em 26.09.2023, devidamente transitada em julgado, tendo como resulta do respetivo auto de apreensão de bens, sido apreendido para a massa insolvente, além do mais: “Metade (1/2) do prédio urbano, composto por casa de habitação de três pisos e logradouro, com a área coberta de 329,80 m2 e área descoberta de 919,20 m2, inscrito na respetiva matriz predial sob o art.º ... da freguesia ..., concelho de Paredes, distrito do Porto, descrito na CRP de Paredes sob a descrição n.º .../...”, em sede do presente apenso de liquidação da massa insolvente, veio o Sr. AI fazer o seguinte requerimento: “1. Quanto à verba n.º 1¸ importa esclarecer o seguinte: - Face à ausência de qualquer indicação a respeito do início das diligências de venda do imóvel, pelo AE Dr. CC, o Administrador Judicial, em 13/11/2023, interpelou-o a esse respeito, sendo que o mesmo indicou autorizar o signatário a proceder à venda da totalidade do imóvel no processo de insolvência, revertendo metade do produto da venda para o processo executivo. - Sucede que, veio a IM do cônjuge da insolvente, comproprietário de ½ daquele imóvel e executado naquele processo executivo, informar que se opunha à venda da totalidade no imóvel, por ter apresentado embargos de executado. - Interpelado a esse respeito, o AE informou que efetivamente existe embargo, no entanto, o mesmo não tem efeito suspensivo, pelo que as diligências podem decorrer normalmente. - Pelo exposto, o Administrador Judicial propõe a venda da totalidade do imóvel em causa, através do portal E-Leilões, na modalidade de Leilão Eletrónico, pelo período de 30 (trinta) dias, sendo o valor mínimo a anunciar, o indicado pelo Credor Hipotecário, de 335.000,00 € (trezentos e trinta e cinco mil euros)”.
O comproprietário do bem apreendido nos autos, ora recorrente, AA, tendo tido conhecimento do teor do requerimento do Sr. AI, veio aos presentes autos dizer e requerer, além do mais, que: “(…) Na qualidade de comproprietário do referido imóvel, o requerente, desde já, e expressamente declara que se opõe à venda da sua metade nestes autos de insolvência. Sendo ainda certo que o processo executivo referido no relatório, encontra-se suspenso desde o dia 04.10.2023, conforme decisão proferida pelo Sr. Agente de Execução que se junta como doc. nº1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Com o processo suspenso, não podia aquele Agente de Execução ter-se pronunciado nos termos que vêm referidos no relatório do AI. Acresce ainda que, o requerente deduziu embargos de executado naqueles autos de execução. Neles invocou a prescrição do crédito exequendo. A ser julgada procedente a oposição (como se espera), a execução será declara extinta e, consequentemente, cancelada a penhora sobre o imóvel. O requerente, na sua invocada qualidade de comproprietário, tem direito a pronunciar-se e não lhe podem ser coartados os seus diretos, tanto mais quando estão em causa direitos constitucionalmente protegidos, como é o caso do direito de propriedade privada e o direito à habitação. Em face de todo o exposto, requer-se a V. Ex.ª se digne ordenar a notificação expressa do Sr. Administrador de Insolvência no sentido de: a) Suspender todas as diligências de venda no que diz respeito à metade do requerente sobre o imóvel melhor descrito no item 1.º supra; b) De ora em diante, notificar o requerente, na qualidade de comproprietário do referido imóvel, de todas as diligências que se vier a propor fazer em relação àquela que constitui a sua casa de morada de família, de forma a que o requerente possa sobre elas pronunciar-se e ter conhecimento, como é seu direito”.
Em 12.01.2024, foi proferido o seguinte despacho, ora recorrido: “Ref.ª 9244290 e 9314909: Uma vez que não estamos perante património comum, não se impõe o cumprimento do prescrito no art.º 740.º do CPC. Considerando a anuência do agente de execução, bem como o disposto no art.º 743.º do CPC, não se deduz qualquer objeção ao pretendido pelo Sr. AI.”
Inconformado com esta decisão, dela veio AA recorrer de apelação pedindo a sua revogação.
O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso intentado do despacho proferido em 12.01.2024, nos termos do qual o Mm.º Juiz autorizou a venda da totalidade do imóvel nestes autos de insolvência, do qual o recorrente é comproprietário.
2. Nestes autos encontra-se apenas apreendida a metade da insolvente sobre o referido prédio inscrito na matriz urbana da freguesia ... sob o art.º ....
3. O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores através da liquidação do património do devedor insolvente.
4. Nos termos do disposto no art.º 159.º do CIRE, sempre que se apurem bens dos quais o insolvente seja contitular, só se liquida no processo de insolvência o direito que o insolvente tenha sobre esses bens.
5. Não é legalmente admissível, nem o recorrente autorizou, a venda da sua metade, nestes autos de insolvência.
6. Acresce que, o referido prédio encontra-se todo ele penhorado no âmbito do processo de execução que corre termos sob o n.º 2316/23.9T8LOU do Juiz 2 do Juízo de Execução de Lousada.
7. O recorrente deduziu embargos de executado por apenso àqueles autos de execução, e requereu, ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 733.º do CPC, a suspensão da venda, até decisão a ser proferida em 1.ª instância sobre os embargos.
8. Quanto mais não seja, a pendência daqueles autos de embargos e o pedido de suspensão requerido nos termos do citado normativo, é causa prejudicial da decisão de venda da totalidade do imóvel nestes autos.
9. Acresce que, o Tribunal a quo tomou a decisão em crise, sem se pronunciar acerca do teor do requerimento que o recorrente juntou aos autos principais em 23.11.2023, e nele expressamente requereu a suspensão das diligências de venda no que respeita à sua metade. É notória a omissão de pronúncia do Tribunal a quo quanto ao requerimento do recorrente.
10. A decisão em crise viola o direito de propriedade privada e o direito de habitação do recorrente. Decide uma “expropriação” da sua casa de morada de família, num ainda, quando se encontra pendente incidente de embargos que, a serem julgados procedentes (como se espera), determinarão a anulação de toda e qualquer venda que, à revelia e sem autorização do recorrente, possa vir a ocorrer.
11. Acresce que, a venda judicial crê-se segura e certa. Determinar a venda nos termos indicados não assegura a mínima segurança e certeza para quem compra, nem dignifica quem vende, porquanto o Tribunal está a compactuar e autorizar a venda de um bem que não só não pertence, na sua totalidade, à insolvente, a que acresce o facto de se encontrar ainda por decidir a procedência dos embargos, que determinarão a extinção da execução que prossegue contra o recorrente.
Não há contra-alegações.
II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.
E ainda que:
1. O imóvel cujo direito a ½ indivisa está apreendido nos autos foi adquirido em 2002, pela insolvente, no estado de solteira, e por AA, no estado de divorciado, na proporção de metade para cada um deles.
2. A insolvente e AA acabaram por contrair matrimónio entre si, em agosto de 2005, sob o regime da comunhão de adquiridos.
3. No processo executivo n.º 2316/23.9T8LOU instaurado contra a ora insolvente e AA, foi penhorada totalidade do direito de propriedade relativo a tal imóvel, na proporção de 1/2 indivisa pertencente à insolvente e em igual proporção pertencente a AA.
4. Em consequência da declaração de insolvência da executada, ficou sustada execução relativamente à mesma.
5. Encontrando-se penhorado na dita execução ½ indivisa relativamente ao referido imóvel e pertencente a AA, sendo que a restante metade indivisa pertença de insolvente foi apreendida nos presente autos.
6. O exequente no dita execução - A..., S.A – credor hipotecário – é credor reclamante reconhecido nos autos de insolvência.
7. Os referidos autos de execução encontram-se na fase de venda executiva.
8. Os autos de insolvência encontram-se na fase de liquidação dos bens apreendidos para a massa insolvente.
III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
*
Ora, visto o teor das alegações do apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª – Da alegada omissão de pronúncia.
2.ª – Da alegada ilegalidade da venda nos autos de todo o imóvel.
Convém deixar desde já expresso que se não pode aceitar o teor do decidido em 1.ª instância, pois que sem fundamentação do assim decidido, denota sem mais, a aceitação do requerido pelo AI, e assim sendo, constituiu uma violação grave dos direitos de um terceiro relativamente aos autos de insolvência.
Mas vejamos.
1.ªquestão – Da alegada omissão de pronúncia.
Como resulta do teor do supra elaborado relatório, o comproprietário do direito de propriedade do imóvel em apreço nos autos, ora apelante, tendo tido conhecimento da intenção de venda do imóvel pelo AI veio aos presentes autos declarar, além do mais, que se opõe a essa mesma venda e que requeria, a suspensão de todas as diligências de venda no que diz respeito à metade do requerente sobre o imóvel em causa.
Ora, como se viu, a 1.ª instância no teor do despacho recorrido refere-se expressamente à Ref.ª do dito requerimento, mas sobre o mesmo nada refere.
Por um lado, e como é sabido, segundo o disposto no art.º 615.º n.º1 al. d), “ex vi” do n.º3 do art.º 613.º, ambos do C.P.Civil, a sentença (“in casu” o despacho) é nula se deixa de conhecer na sentença de questões de que devia tomar conhecimento ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Este vício traduz-se no incumprimento ou desrespeito por parte do julgador, do dever prescrito no art.º 608.º n.º2 do C.P.Civil, cfr. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 690 e Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, pág. 247, segundo o qual deve o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A nulidade da al. d) do n.º1 do art.º 615.º do C.P.Civil, é assim a sanção pela violação do disposto no art.º 608.º n.º 2 do C.P.Civil, o qual impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação mas, por outro lado, de só poder ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo tratando-se de questões do conhecimento oficioso do tribunal (omissão ou excesso de pronúncia).
É certo que o requerente, ora apelante, não é parte nos presentes autos de insolvência, não é insolvente, nem credor reclamante, todavia, e atenta a intenção do AI é manifesto que tem relevante e legítimo interesse em neles manifestar os seus intentos que, assim devem ser apreciados como é de Direito.
Ora, sendo que as questões colocadas no presente recurso estão subsumidas no presente recurso, considerando o que se impõe no art.º 665.º do C.P.Civil, sendo manifesto que o despacho recorrido é nulo por omissão de pronúncia, abaixo se apreciará das questões assim omitidas.
Procedem as respetivas conclusões do apelante.
2.ªquestão – Da alegada ilegalidade da venda nos autos de todo o imóvel.
Convém desde já deixar bem claro que se não percebe a referência a “bem comum” contida no despacho recorrido, já que ao que nos apercebemos dos requerimentos feitos aos autos, ninguém refere o bem imóvel em referência como “bem comum”.
Na verdade, trata-se de um bem imóvel adquirido, em 2002, pela insolvente, no estado de solteira, e por AA, no estado de divorciado, na presumida proporção de metade para cada um deles, cfr. art.º 1403.º do C.Civil. Pelo que, quando a insolvente e AA contraíram casamento entre si, em agosto de 2006, tal bem imóvel não ingressou no património comum do casal, mantendo-se o direito de compropriedade relativo ao mesmo, na proporção e metade para cada, como direito próprio dos mesmos, ou seja, mantêm-se uma propriedade em comum,ou compropriedade.
Quanto à hipoteca que o Sr. AI alega existir sobre o imóvel em apreço, dir-se-á apenas que desconhecendo nós o teor da escritura de constituição da dita hipoteca, e tendo por certo que o credor hipotecário será o exequente na execução n.º 2316/23.9T8LOU a que o mesmo alude, sendo também credor reclamante nos presentes autos de insolvência, segundo o que preceitua o n.º1 do art.º 686.º do C.Civil “A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.
Ora, a hipoteca pode incidir sobre a propriedade plena, de imóveis ou de bens móveis que para esse efeito sejam equiparados a imóveis, art.º 688.º n.º1 als. a) e f) do C.Civil, mas também pode incidir sobre direitos reais menores como o direito de superfície, cfr. al. c) do mesmo preceito, e o usufruto, cfr. al. e) também do n.º1 do mesmo preceito, assim como, separadamente, sobre as partes de um prédio suscetíveis de propriedade autónoma sem perda da sua natureza imobiliária, cfr. n.º 2 do art.º 688.º do C.Civil. E também se pode constituir hipoteca de quota de coisa ou direito comum, cfr. n.º2 do art.º 689.º do C.Civil. Assim, pode o proprietário pleno de imóvel evitar onerar a totalidade do seu direito, constituindo hipoteca apenas sobre uma parte ideal do imóvel, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil anotado”, vol. I, em anotação ao artigo 688.º, assim como pode o comproprietário constituir hipoteca apenas sobre o seu direito, para o que não carece de autorização dos outros comproprietários, cfr. art.º 1408.º do C.Civil. E a menos que haja convenção em contrário, “a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito”, cfr. art.º 696.º do C.Civil.
Mais uma vez diremos que desconhecendo o teor da escritura de constituição da hipoteca em referência, admitimos que seja o direito de propriedade de cada um dos comproprietários que está com a mesma onerado, logo, em termos qualitativamente iguais, ou seja, na quota de ½ para cada um, pela referida hipoteca.
Em suma, o credor hipotecário (exequente ou reclamante) goza, efetivamente, da garantia que lhe advém da hipoteca, pois que o direito de propriedade de cada um dos comproprietários está onerado, em termos qualitativamente iguais, assim como também quantitativamente (quota de ½ para cada um), pela hipoteca, ou seja, tal garantia subsiste mesmo que apenas tenha sido apreendido para a massa insolvente metade indivisa do imóvel.
Por outro lado, entende-se que potencialmente seja mais rentável, em sede de venda judicial, em execução ou em liquidação da massa insolvente, proceder-se à venda da propriedade plena em vez de ½ indivisa do respetivo direito de propriedade, mas a lei e o direito dos envolvidos tem de ser respeitado.
Nos presentes autos, estamos em sede de liquidação da massa insolvente. Pois que, por força do disposto no art.º 149.º, n.º1 do CIRE, proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente ainda que hajam sido arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infração, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social ou que hajam sido objeto de cessão aos credores, nos termos dos art.º 831.º e segs do C.Civil.
Ora, no apenso de apreensão de bens consta como apreendido “Metade (1/2) do prédio urbano, composto por casa de habitação de três pisos e logradouro, com a área coberta de 329,80 m2 e área descoberta de 919,20 m2, inscrito na respetiva matriz predial sob o art.º ... da freguesia ..., concelho de Paredes, distrito do Porto, descrito na CRP de Paredes sob a descrição n.º .../...”.
Ou seja, está apreendida metade indivisa do dito imóvel, direito de compropriedade esse da titularidade da insolvente.
Preceitua o n.º1 do art.º 158.º do CIRE que “Transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, independentemente da verificação do passivo, na medida em que a tanto se não oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia, apresentando nos autos, para o efeito, no prazo de 10 dias a contar da data de realização da assembleia de apreciação do relatório, um plano de liquidação de venda dos bens, contendo metas temporalmente definidas e a enunciação das diligências concretas a encetar”.
Resulta do disposto no art.º 17.º do CIRE que no âmbito do processo de insolvência, tudo o que à venda diga respeito será regulado, em primeiro lugar, pelas normas especiais constantes do mesmo CIRE e, não as havendo, pelas normas do C.P.Civil.
Estipula-se no art.º 159.º do CIRE que: “Verificado o direito de restituição ou separação de bens indivisos ou apurada a existência de bens de que o insolvente seja contitular, só se liquida no processo de insolvência o direito que o insolvente tenha sobre esses bens”. Ou seja, e resulta do Ac. do STJ de 22.06.2021, in www.dgsi.pt“independentemente da iniciativa dos interessados, quando o administrador da insolvência detete, ele mesmo, a existência de bens apreendidos que não pertencem, em exclusivo, ao insolvente, deve então promover a separação, obtendo, previamente, o parecer favorável da comissão de credores – se existir –, tudo em conformidade com o n.º 3 do art.º 141.º”(e, acrescentamos, por maioria de razão, de acordo com o art.º 144.º, 1, do CIRE)”, situação sem relevância nos presentes autos.
Ora, “in casu”, o Sr. AI não pode ter dúvidas quanto ao direito que apreendeu para a massa insolvente, ou seja, direito a metade indivisa da propriedade do aludido imóvel pertencente à insolvente, pelo que só este direito pode, por regra, ser vendido no âmbito dos presentes autos.
E mais, não se pode olvidar que o comproprietário do bem, AA, expressamente, opõe-se à venda da totalidade do bem, cfr. art.º 781.º n.ºs 2 e 4 do C.P.Civil “ex vi” do art.º 17.º do CIRE, o que seria relevante se o bem – direito – penhorado a este estivesse totalmente livre, o que não é o caso, uma vez que esse seu direito também se encontra penhorado.
É certo que se preceitua no n.º 2 do art.º 743.º do C.P.Civil que “Quando, em execuções diversas, sejam penhorados todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso, realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que se tenha efetuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido”.
Logo, poder-se-ia pensar que estando a ½ indivisa do dito imóvel pertencente a AA penhorada no âmbito da execução n.º 2316/23.9T8LOU e estando a restante ½ indivisa do mesmo apreendida no âmbito da presente insolvência se poderia e deveria realizar uma única venda judicial da totalidade do bem, por aplicação do supra referido n.º 2 do art.º 743.º do C.P.Civil “ex vi” do art.º 17.º do CIRE, pois a vantagem que decorre de uma venda da propriedade plena do imóvel, em vez da venda de partes indivisas do mesmo, mormente no que respeita ao melhor preço conseguido nessa venda com relevante interesse tanto para as partes no processo executivo como para a massa insolvente e respetivos credores.
Ora, é exatamente esta exceção, de caráter imperativo que decorre da lei, cfr. n.º 2 do art.º 743.º do C.P.Civil “ex vi” do art.º 17.º do CIRE, que se não pode ignorar nos autos. Mas no caso, conforme decorre da lei, realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que se tenha efetuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido. Ou seja, é manifesto que a penhora de ½ indivisa do direito de propriedade relativamente a tal imóvel pertencente a AA foi penhorada, em primeiro lugar, na execução n.º 2316/23.9T8LOU (e uma vez que se trata da penhora de um direito sujeita a registo, presume-se que também o respetivo registo seja anterior) relativamente à apreensão nos presentes autos de insolvência da restante ½ indivisa do direito de propriedade relativamente ao mesmo imóvel pertencente à insolvente e respetivo registo. É certo que a apreensão de realizada nos presentes autos de ½ indivisa do direito de propriedade relativamente ao imóvel em causa pertencente à insolvente, decorreu do preceituado na al. a) do n.º1 da art.º 149.º do CIRE, ou seja, “proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido penhorados seja em que processo for”, ou seja, foi apreendido um direito que já se encontrava anteriormente penhorado em sede de processo executivo. Contudo para os autos de insolvência, o que releva é a data da apreensão de tal direito nos mesmos. Logo a venda única da totalidade do bem tem de ser realizada na execução n.º 2316/23.9T8LOU e não na presente insolvência como pretende o Sr. AI e foi deferido por via do despacho recorrido.
Em suma, há que dar cumprimento ao preceituado no n.º2 do art.º 743.º do do C.P.Civil “ex vi” do art.º 17.º do CIRE, mas tal terá a sua efetiva concretização em sede da supra referida execução e como tal resultará primeiramente da atuação do AE de tal processo, não se descurando assessoria do Sr. AI dos presentes autos e, terá de ser requerido e deferido pelo julgador dos mesmos.
Assim e sem necessidade de outros considerandos, revoga-se o despacho recorrido, devendo o Sr. AI dos presentes autos de insolvência diligenciar junto do AE da execução n.º 2316/23.9T8LOU pelo cumprimento do disposto no n.º 2 do art.º 743.º do C.P. Civil “ex vi” do art.º 17.º do CIRE.
Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………
IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, devendo o Sr. AI dos presentes autos de insolvência diligenciar junto do AE da execução n.º 2316/23.9T8LOU pelo cumprimento do disposto no n.º 2 do art.º 743.º do C.P. Civil “ex vi” do art.º 17.º do CIRE.
Custas pela massa insolvente.
Porto, 2024.11.19
Anabela Dias da Silva
João Ramos Lopes
Artur Dionísio Oliveira