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NOTIFICAÇÃO À PARTE
PRESUNÇÃO DE CITAÇÃO/NOTIFICAÇÃO ILIDÍVEL
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE SECUNDÁRIA
ARGUIÇÃO DA NULIDADE
QUESTÕES NOVAS
Sumário
I – Estando em causa uma notificação para comparecer numa diligência judicial, a parte que pretender ilidir a presunção iuris tantum consagrada no artigo 249.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, tem de alegar que não recebeu essa notificação ou que não a recebeu a tempo, por razões que não lhe são imputáveis, e oferecer a respectiva prova, no momento em que pede a justificação da sua falta com esse fundamento. II – A falta de admissão ou rejeição da prova requerida pela parte e a não produção dessa prova não configura uma nulidade da decisão, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, ou uma nulidade processual passível de ser arguida directamente perante o tribunal de recurso, mas antes uma nulidade processual secundária, que tem de ser arguida perante o tribunal que a cometeu, sob pena de não poder ser sindicada em sede de recurso. III – Mas a não produção da prova requerida pela parte pode justificar o uso dos poderes cassatórios previstos no artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC. IV - A nulidade decorrente da prática de um acto inútil não é de conhecimento oficioso (cfr. artigo 196.º do CPC), estando sujeita ao regime de arguição das nulidades secundárias previsto nos artigos 195.º e 199.º do CPC. V – Os recursos destinam-se a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, a não ser que estas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis.
Texto Integral
Proc. n.º 2682/20.8T8STS-D.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No presente processo especial de inventário para partilha dos bens comuns do casal constituído por AA e BB, na sequência da dissolução do seu casamento por divórcio, foi proferido o seguinte despacho na conferência de interessados realizada no dia 01.07.2024: A interessada AA e o cabeça de casal BB encontram-se regularmente notificados para a presente conferência, faltaram, não tendo justificado as suas ausências, nem se fazendo representar por mandatário judicial, ou por alguma das pessoas previstas no art.º 1110º, n.º 6, do CPC, com poderes especiais para intervir no ato, pelo que, antes de mais, face às faltas injustificadas da interessada e do cabeça de casal, condeno-os na multa de 2 UC`s sem prejuízo da justificação das faltas no prazo legalmente previsto (art.º 603.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Por requerimento de 02.07.2024, o cabeça-de-casal BB veio pedir se dê sem efeito a condenação em multa, alegando que apenas recebeu no dia 01.07.2024, pelas 11:38 h, a notificação para a diligência que estava designada para as 11.00 h desse dia. Juntou dois documentos.
Por despacho de 08.07.2024 foi decidido manter a condenação em multa, por se considerar que o cabeça-de-casal não apresentou motivo justificado da sua ausência.
Por requerimento de 08.07.2024, também a interessada AA veio pedir se considere justiçada a sua falta, alegando que não pôde comparecer porque teve de prestar assistência a um familiar idoso, que padece de uma doença do foro oncológico em estado terminal e de quem cuida habitualmente, pois este foi acometido de um súbito agravamento da sua situação e não havia outra pessoa capaz de a substituir nessa tarefa. Arrolou uma testemunha.
Por despacho de 10.07.2024 foi julgada não justificada a falta, “uma vez que a requerente não junta qualquer elemento clínico comprovativo do “agravamento súbito” da situação de saúde do seu tio, nem indicou que tipo de assistência foi requerida da sua parte ou apresentou qualquer documento comprovativo do acompanhamento do mesmo a uma unidade de saúde (v.g. em episódio de urgência)”.
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Inconformado, o cabeça-de-casal apelou dos despachos de 01.07.2024 e 08.07.2024, apresentando a respectiva alegação, que termina com as seguintes conclusões:
«1.ª Vem o presente recurso interposto pelo cabeça de casal ora Recorrente, relativamente, aos doutos despachos proferidos em 01/07/2024 e do dia 08/07/2024, que condenou o Cabeça de Casal, em multa de 2 UC’s, por considerar a sua falta injustificada à conferência de interessados do dia 1 de julho de 2024, pelas 11 horas.
2.ª Discorda o aqui Recorrente, dos despachos recorridos, porquanto, no dia e hora designados para a realização da conferência de interessados, não estava regularmente notificado para comparecer à referida diligência, conforme adiante se demonstrará.
3.ª A notificação ao Recorrente, para comparecer na conferência de interessados do dia 1 de julho de 2024, pelas 11 horas, foi elaborada em 21 de junho de 2024, mas apenas foi registada em 25 de junho de 2024, pelas 16h18m, presumindo-se efectuada nos termos do disposto no artigo 249.º n.º 1 do C.P.C., em 28 de junho de 2024 (sexta-feira). (cfr. Documento n.º1).
4.ª O Recorrente apenas foi regularmente notificado para comparecer na conferência de interessados no dia 1 de julho de 2024, pelas 11h38m, cfr. documento n.º 1, tendo alegado e provado através do seu requerimento datado de 2 de julho de 2024, que a notificação só ocorreu em 1 de julho de 2024, pelas 11h38m, por razões que não lhe podem ser imputadas, ilidindo assim a presunção estabelecida pelo artigo 249.º n.º1 do C.P.C., que sendo uma presunção iuris tantum, pode ser ilidida mediante prova em contrário. (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/06/2019, processo n.º 19449/08.4YYLSB.B.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt).”
5.ª Tendo o Recorrente ilidido a presunção estabelecida no artigo 249.º n.º 1 do C.P.C., tempestivamente, deveria a Meritíssima Juiz ad quo (sic), considerar que o Recorrente apenas foi regularmente notificado em 1 de Julho de 2024, pelas 11h38m e em consequência, considerar justificada a sua falta, dando sem efeito, a condenação do Recorrente em multa de 2 uc’s.
6.ª Em face do exposto, os doutos despachos de 01/07/2024 e 08/07/2024, violam os artigos 247.º n.º 2, 249.º n.º 1 do C.P.C. e artigos 349.º e 350.º do Código Civil, devendo consequentemente serem revogados».
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Igualmente inconformada, a interessada AA apelou dos despachos de 01.07.2024 e 10.07.2024, apresentando a respectiva alegação, que termina com as seguintes conclusões:
«1. As decisões recorridas, por falta de fundamentação de direito, enfermam da nulidade da al. b) do nº 1 do artº 615º do CPC;
2. O motivo invocado pela recorrente para justificar a sua falta à diligência, associado ao facto de esta até então nunca ter faltado às diligências para que foi convocada, é suficientemente razoável para fundamentar um juízo de impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento à diligência;
3. A recorrente, com a invocação do motivo, indicou prova testemunhal, não tendo a mesma sido produzida nem tendo havido, da parte do tribunal, pronúncia sobre a sua admissão ou não, pelo que a decisão que sobre o requerimento recaíu (sic) padece da nulidade da al. da al. d) do nº 1 do artº 615º do CPC;
4. Ao decidir aplicar multa sem se pronunciar sobre a gravidade da omissão do dever de colaboração, as decisões recorridas violaram o disposto na al. c) do nº 2 do artº 242º do CPC e incorreram, também neste ponto, na nulidade da al. d) do nº 1 do artº 615º do CPC.
5. Após a avaliação dos imóveis, deveriam os autos ter prosseguido para a venda judicial dos mesmos, conforme já ordenado a 06/03/2024 e não ter sido convocada a continuação da conferência de interessados, pois que o objecto desta já se encontrava esgotado.
6. Assim, a diligência de 01/07/2024 configura um acto inútil, como tal ilícito e proibido por lei como resulta do disposto no artº 130º do CPC.
7. A falta de comparência a um acto ilícito, ainda que regularmente notificado, não deve ser sancionada com multa por tal ofender o princípio do Estado de Direito Democrático consagrado nos artºs 1º e 2º da Constituição da República Portuguesa».
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Não foi apresentada qualquer resposta a estas alegações.
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A Sra. Juíza a quo omitiu o despacho previsto no artigo 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do CPC.
Contudo, não se afigura indispensável mandar baixar o processo para que esse despacho seja proferido (cfr. artigo 617.º, n.º 5, do CPC).
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II. Fundamentação
A. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
Tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, importa decidir se deve ser considerada justificada a falta do recorrente BB e se a decisão de condenação em multa da interessada AA padece de nulidade.
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B. A factualidade a considerar na apreciação do presente recurso corresponde às ocorrências processuais descritas no relatório deste aresto.
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C. Recurso do despacho de 01.07.2024
De acordo com o disposto no artigo 1110.º, n.º 5, do CPC, com a notificação do despacho que designa o dia para a realização da conferência de interessados, os interessados diretos na partilha são advertidos para a obrigação de comparecerem pessoalmente ou de se fazerem representar, sob cominação de multa.
De harmonia com o disposto no artigo 603.º, n.º 3, aplicável ao processo de inventário por força do disposto no artigo 549.º, n.º 1, ambos do CPC, a falta de qualquer interessado que não se faça representar é justificada na própria conferência ou nos cinco dias imediatos.
Não sendo essa falta justificada na própria conferência, nada obsta a que o tribunal fixe logo a multa aplicável, sem prejuízo da justificação da falta no prazo legalmente previsto, à semelhança do que está expressamente previsto no artigo 508.º, n.º 4, do CPC, para a falta das testemunhas convocadas para comparecer na audiência de julgamento.
Nestes termos, o primeiro dos despachos alvo de ambos os recursos interpostos, proferido na conferência de interessados realizada no dia 01.07.2024, é inatacável, improcedendo nessa parte aqueles recursos.
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D. Recurso do despacho de 08.07.2024
A respeito deste despacho importa, antes de mais, esclarecer que, contrariamente ao que aí se afirma, o cabeça-de-casal, ora recorrente, não veio invocar a irregularidade da sua notificação para a conferência de interessados. O que o cabeça-de-casal veio invocar foi, tão-somente, que aquela notificação apenas chegou ao seu conhecimento no dia 01.07.2024, pelas 11:38 h, quando recebeu a respectiva carta.
Por isso mesmo, afigura-se irrelevante a argumentação desenvolvida no despacho recorrido no sentido de demonstrar que a notificação em causa cumpriu as formalidades previstas no artigo 247.º, n.º 2, do CPC.
Afirma-se no mesmo despacho que, no dia designado para a conferência de interessados, não se encontrava nos autos qualquer carta devolvida. E acrescenta-se que, ainda que a carta por via da qual o cabeça-de-casal foi convocado para comparecer na conferência de interessados tivesse sido devolvida, em virtude de não ter sido entregue por ausência do destinatário, a notificação sempre se consideraria feita no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, por força do disposto nos artigos 247.º, n.º 2, 249.º, n.ºs 1 e 2, e 250.º, do CPC.
Mas também esta argumentação carece de relevância, pois o cabeça-e-casal nunca alegou que a referida carta tenha sido devolvida, nem questionou tê-la recebido, antes tendo confirmado o seu recebimento.
Acrescenta-se ainda no mesmo despacho que, apesar de não ter levantado a missiva que lhe foi tempestivamente remetida, o cabeça-de-casal considera-se regularmente notificado para a conferência realizada nos autos, pois se não chegou a saber efetivamente da data da conferência de interessados deve-o ao seu desinteresse ou negligência e não a erro do tribunal nas notificações que efetuou.
Reitera-se que a questão suscitada pelo cabeça-de-casal não diz respeito à regularidade da sua notificação para a conferência de interessados. Mas diz, efectivamente, respeito à sua tempestividade ou oportunidade, maxime à oportunidade do seu recebimento pelo recorrente e não tanto da sua remessa pelo tribunal.
Detenhamo-nos um pouco nesta questão.
Está documentado nos autos que o cabeça-de-casal BB foi notificado para a conferência de interessados a realizar do dia 01.07.2024 por correio registada de 21.06.2024 (ref. 461456902), nos termos previstos nos artigos 1110.º, n.º 5, e 247.º, n.º 2, do CPC, pelo que tal notificação se presume feita no dia 24.06.2024, nos termos do disposto no artigo 249.º, n.º 1, do CPC.
Não sendo afastada esta presunção, impor-se-á concluir que o cabeça-de-casal tomou conhecimento da data designada para a conferência de interessados e da obrigatoriedade de comparecer pessoalmente ou se fazer representar nessa diligência com a antecedência necessária.
Entende, porém, o recorrente que ilidiu a referida presunção. Vejamos se tem razão.
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o artigo 249.º, n.º 1, do CPC, consagra uma presunção iuris tantum, que pode ser ilidida mediante prova em contrário, nos termos do preceituado no artigo 350.º, n.º 2, do CPC. Neste sentido, afirma-se no ac. do STJ, de 19.06.2019 (proc. n.º 19449/08.4YYLSB-B.L1.S1, rel. Olindo Geraldes), que «para efeitos do afastamento da presunção, o interessado deve efetuar a prova de que não foi notificado ou foi notificado em data posterior, por motivo não imputável a si».
Mas, como também logo se acrescenta no mesmo acórdão, a alegação deve ser apresentada logo que o interessado intervenha em acto processual. Como aí se refere, «face à presunção legal, compete ao interessado, intervindo no processo, alegar e provar a situação de exclusão da presunção que lhe possibilita a prática válida do ato.
Essa alegação tem de ser concretizada logo que o interessado intervém no processo, para o juiz, como lhe compete, poder ajuizar, desde logo, da tempestividade da pretensão jurídica. De outro modo, tal não era possível, podendo perturbar ainda a marcha normal do processo, com os inconvenientes daí decorrentes, o que seria inaceitável.
Podendo ser a situação excludente da presunção da notificação postal apenas do conhecimento do interessado, justifica-se, igualmente, que a sua alegação e prova decorra nos mesmos termos da alegação e prova do justo impedimento (art. 140.º do CPC).
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, aliás, tem seguido no sentido referido, designadamente os acórdãos de 14 de março de 2019 (602/15.0T8AGH.L1.S1), 18 de outubro de 2012 (36044/06.5YYLSB-A.L1.S1) e 21 de fevereiro de 2006 (05B4290), os dois últimos acessíveis em www.dgsi.pt».
Assim, como se afirma no último dos acórdãos citados, a parte que pretender ilidir a presunção, tem de alegar a notificação tardia (ou a falta de notificação) e oferecer a respectiva prova, no momento da prática do acto, se o fizer já fora do prazo fixado pela data da notificação presumida.
Estando em causa uma notificação para comparecer numa diligência judicial, como sucede no caso dos autos, a parte tem de alegar que não recebeu essa notificação ou que não a recebeu a tempo e oferecer a respectiva prova no momento em que pede a justificação da sua falta com esse fundamento.
Foi, precisamente, o que fez o ora recorrente no presente caso: veio justificar a sua falta à conferência de interessados no primeiro dia posterior a essa diligência, alegado que apenas recebeu a respectiva notificação no dia da diligência, já depois da hora designada para o seu início, juntando a prova documental que julgou pertinente.
Alega agora o recorrente que a sua notificação para comparecer na conferência de interessados, apesar de ter sido elaborada em 21 de junho de 2024, apenas foi registada em 25 de junho de 2024, pelas 16h18m, presumindo-se efectuada em 28 de junho de 2024 (sexta-feira), nos termos do disposto no artigo 249.º, n.º 1, do CPC. Mas não tem razão.
Desde logo porque a alegada realização do registo em 25.06.2024 não é demonstrada pela prova documental que o cabeça-de-casal apresentou com o seu pedido de justificação de falta, não podendo o tribunal atender a prova junta posteriormente, conforme já explicitado.
De todo o modo, a única presunção prevista na lei é a que se baseia na data do registo constante da notificação efectuada, a qual não pode ser afastada por via de outra presunção, que a lei nem sequer prevê, mas apenas pela prova de que a carta foi recebida noutra data ou nunca chegou a ser recebida, por razões não imputáveis ao destinatário da notificação.
Em todo o caso, é inegável que a prova documental oportunamente produzida demonstra cabalmente que a notificação em causa não foi feita no dia 24.06.2024, mas sim posteriormente.
O documento n.º 2 junto com o requerimento de justificação de falta atesta o seguinte relativamente ao objecto n.º ...12..., correspondente à carta enviada ao recorrente, datada de 21.06.2024:
- Dia 26.06.2024, 16h28 – «Em trânsito. Saiu do centro operacional»;
- Dia 27.06.2024, 09h40 – «No ponto de entrega. O envio está disponível para levantamento no Ponto de Entrega. Loja CTT ... até 27 de Junho»;
- Dia 01.07.2024, 11h38 – «Entregue. O envio foi entregue. O processo de envio terminou, Loja CTT ...».
Este documento demonstra que o recorrente apenas recebeu a notificação em causa no dia 01.07.2024, pelas 11h38, ou seja, já depois da hora designada para o início da diligência.
Em contrapartida, não demonstra que o facto de apenas ter recebido a carta nesse momento não seja imputável ao recorrente. Pelo contrário, parece poder extrair-se do mesmo que o não recebimento da carta em momento anterior lhe é exclusivamente imputável, pois não só não terá atendido quando os serviços dos correios tentaram entregar a carta na sua morada (não tendo sido apresentada oportunamente prova da data desta tentativa de entrega), como não procedeu ao levantamento da mesma na Loja dos CTT no dia 27 (Quinta-feira) ou no dia 28 de Junho de 2024 (Sexta-feira), apesar de essa carta estar ali disponível para levantamento desde as 09h40 do dia 27. Acresce que o cabeça-de-casal não desconhecia que era parte num processo judicial de inventário e que, por isso, era muito provável que a carta em questão, proveniente do Tribunal, estivesse relacionada com tal processo.
Ora, como já antes referimos, o regime jurídico antes analisado revela que, para se ilidir a presunção de notificação, não basta alegar e provar que a carta não chegou ao destinatário, ou que não chegou na data presumida, exigindo-se ainda que se alegue e demonstre que tal não lhe é imputável, ainda que a título meramente negligente.
Esta conclusão gera consenso na jurisprudência. A título de exemplo vide, a propósito da presunção que vimos analisando e de outras análogas, como a prevista no artigo 113.º do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, os seguintes arestos: acórdãos do TRP, de 08.01.2008 (proc. n.º 0726381, rel. Guerra Banha, proferido à luz dos artigos 254.º, n.ºs 3, 4 e 6, e 255.º, n.º 1, do CPC, na versão anterior à da reforma deste código de 2013), de 13.07.2016 (proc. n.º 1369/13.2TTVNG.P1, rel. Jerónimo Freitas) e de 13.06.2018 (proc. n.º 2302/17.8T8AGD-A.P1, rel. Domingos Morais); acórdão do TRL, de 02.06.2020 (proc. n.º 7060/17.0T8ALM-A.L1-7, rel. Cristina Coelho); acórdãos do TRE, de 22.09.2016 (proc. n.º 571/11.6TBSSB-C.E1, rel. Albertina Pedroso), e de 03.12.2020 (proc. n.º 69/06.4TBAVS-B.E1, rel. Cristina Dá Mesquita).
Mas do exposto também decorre que, ainda que o cabeça-de-casal tivesse apresentado em tempo prova de que o registo da carta apenas foi feito em 25.06.2024, por razões que não lhe são imputáveis, assim ilidindo a presunção de que a notificação foi realizada no dia 24.06.2024, sempre se concluiria que o não recebimento da notificação nos dias 27 ou 28 de Junho sempre seria imputável ao próprio recorrente pelo menos a título de negligência, visto este não ter curado de proceder ao levantamento de uma carta proveniente do tribunal.
Pelo exposto, concordamos com o tribunal a quo quando conclui que, «[s]e o interessado não chegou a saber efetivamente da data da conferência de interessados deve-o ao seu desinteresse ou negligência» e que, por essa razão, a sua falta não pode julgar-se justificada, devendo manter-se a sua condenação em multa.
Em face da total improcedência do recurso interposto por BB, as respectivas custas serão suportadas por si, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC.
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E. Recurso do despacho de 10.07.2024
Como vimos, este despacho julgou não justificada a falta da interessada AA à conferência de interessados realizada no dia 01.07.2024, em virtude de a requerente não ter junto «qualquer elemento clínico comprovativo do “agravamento súbito” da situação de saúde do seu tio», não ter indicado «que tipo de assistência foi requerida da sua parte», nem ter apresentado «qualquer documento comprovativo do acompanhamento do mesmo a uma unidade de saúde (v.g. em episódio de urgência)», razões pelas quais manteve a condenação na multa, numa clara remissão para o despacho de 01.07.2024, que havia fixado a multa aplicável em 2 UC, estribando-se no disposto nos artigos 1106.º, n.º 6, e 603.º, n.º 3, do CPC.
É, assim, manifestamente improcedente a arguição da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação de direito, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
Os tribunais superiores vêm defendendo, de forma uniforme, que só a absoluta falta de fundamentação de facto e/ou de direito – a que se deve equiparar a sua ininteligibilidade – pode gerar este vício de procedimento, o qual não decorre de uma fundamentação insuficiente ou de uma fundamentação errada, sem prejuízo de podermos estar perante um erro de julgamento.
No caso concreto, tendo o tribunal indicado o fundamento legal para a aplicação da multa, bem como o fundamento legal para a possibilidade da sua justificação, concluindo mais tarde pela improcedência da justificação que veio a ser apresentada, é inquestionável que esta decisão não enferma da nulidade de falta de fundamentação de direito.
E não se argumente, como faz o recorrente, que o fundamento legal para a condenação em multa está no n.º 5 e não no n.º 6 do artigo 1110.º do CPC.
Já dissemos que o erro na fundamentação de direito configura um erro de julgamento e não um erro de procedimento, sendo certo que apenas estes podem gerar a nulidade da sentença nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, do CPC. De todo o modo, afigura-se-nos claro que a menção do n.º 6 se terá ficado a dever a um mero lapso de escrita e que, estando o preceito deste n.º 6 directamente conexionado com a previsão daquele n.º 5, a fundamentação da condenação em multa é facilmente apreensível para um destinatário medianamente diligente.
Também não tem razão a recorrente quando conclui que aquela decisão padece da nulidade prevista na al. d), do mesmo artigo 615.º, n.º 1, na medida em que foi proferida sem que tenha sido ouvida a testemunha por si arrolada para prova da justificação que apresentou e sem que o tribunal a quo se tenha, sequer, pronunciado sobre a admissibilidade dessa prova.
Nos termos da referida norma, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Daqui decorre que o juiz não pode deixar de apreciar alguma questão cuja resolução a lei lhe imponha, ou seja, não pode deixar de conhecer as questões, de facto ou de direito, suscitadas pelas partes ou de que deva conhecer oficiosamente, que se mostrem relevantes para o resultado da lide. Esta imposição legal não se reporta a cada um dos argumentos esgrimidos pelas partes, exigindo apenas que o tribunal não deixe de apreciar as questões essenciais. Em consonância com o exposto, escreve-se no ac. do STJ, de 05.05.2021 (proc. n.º 64/19.3T9EVR.S1.E1.S1) que a omissão de pronúncia geradora de nulidade da sentença «[o]corre quando o tribunal deixa de apreciar e julgar questões de facto e/ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos e não argumentos mais ou menos hipotéticos, opinativos ou doutrinários».
Como é de meridiana clareza, a admissão ou rejeição dos meios de prova solicitados pelas partes não é uma questão que deva ser conhecida na decisão que aprecia a pretensão formulada pelas partes, pelo que a omissão daquela admissão ou rejeição, bem como a própria omissão da produção da prova requerida, não são passíveis de configurar uma nulidade da decisão por omissão de pronúncia.
Julgamos ser igualmente claro que a referida falta de apreciação do requerimento probatório e a não produção da prova aí solicitada apenas poderão configurar nulidades processuais secundárias, nos termos previstos no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, na medida em que podem traduzir a omissão de actos que a lei prescreve e que são passíveis de influir no exame ou na decisão da causa.
Em princípio, o regime das nulidades secundárias impõe a sua arguição perante o tribunal onde estas são cometidas, nos prazos previstos no artigo 199.º do CPC (em conjugação com o artigo 149.º do mesmo código), não permitindo que as mesmas sejam atacadas através de recurso, que apenas caberá da decisão que apreciar aquela arguição, tudo de acordo com a máxima «dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se».
Esta solução legal mantém-se mesmo que a nulidade praticada se projecte na decisão/sentença, mas sem se subsumir a qualquer das situações previstas no n.º 1, do artigo 615.º, do CPC. Neste caso, mesmo afectando a decisão, deve ser objecto de prévia arguição, de modo a permitir ao juiz reparar as consequências da nulidade em que tenha incorrido, ainda que com prejuízo da decisão proferida.
Só assim não será quando estiverem em causa nulidades de conhecimento oficioso (pois estas “constituem sempre objecto implícito do recurso”, podendo “ser sempre alegadas no recurso ainda que anteriormente o não tenham sido” – cfr. ac. deste TRP, de 10.10.2023, proferido no proc. 211/22.8T8STS-B.P1, relatado por Ramos Lopes e subscrito pelo ora relator, não publicado), quando estiverem em causa nulidades cujo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal superior (caso previsto no artigo 199.º, n.º 3, do CPC) ou quando a nulidade praticada estiver coberta pela decisão proferida (como sucede quando um despacho judicial se pronuncia no sentido de não dever ser praticado certo acto prescrito por lei), caso em que a questão deixa de ter o tratamento das nulidades processuais, para seguir o regime do erro de julgamento.
Distintos destes são os casos em que o juiz, ao proferir a decisão, omite o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa, que parte da jurisprudência qualifica como uma nulidade processual, em conformidade com o disposto no artigo 195.º do CPC, sujeita ao respectivo regime jurídico, inclusivamente no que respeita à sua arguição perante o tribunal que a cometeu, ao passo que outra parte da jurisprudência a qualifica como uma nulidade da própria decisão, em conformidade com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), susceptível de fundamentar o recurso dessa decisão. Esta divergência jurisprudencial e doutrinal é assinalada no ac. do STJ, de 04.04.2024 (proc. n.º 5223/19.6T6STB.E1.S1, rel. Maria Graça Trigo).
No caso dos autos, não se verifica nenhuma das situações antes referidas, pelo que não estamos perante uma nulidade processual ou da sentença directamente sindicável em sede de recurso, mas perante uma nulidade processual secundária que tem de ser arguida perante o tribunal que a cometeu, sob pena de não poder ser sindicada por um tribunal superior.
Improcede, assim, a arguida nulidade da decisão.
Sem prejuízo do que ficou exposto, entendemos que a não produção da prova requerida pela interessada ora recorrente impõe o uso dos poderes cassatórios previstos no artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.
Como vimos, aquela interessada justificou a sua falta na circunstância de não ter podido comparecer na diligência por ter tido de prestar assistência a um familiar doente. O tribunal a quo indeferiu este pedido de justificação de falta exclusivamente na ausência de prova documental dos factos que o sustentam, sem questionar a relevância desses factos tendo em vista o efeito pretendido pela interessada e sem afirmar que tal justificação não pudesse ser demonstrada pela prova testemunhal arrolada.
À semelhança do que parece estar subjacente na decisão recorrida, temos como certo que os factos alegados pela requerente justificam a sua falta de comparência, desde que sejam demonstrados.
Mas, ao contrário do que também parece estar subjacente naquela decisão, nenhuma norma de direito probatório material prevê que aqueles factos só possam ser provados por documento – como sucede com diversos factos, como o nascimento, a morte, o estado das pessoas, a celebração de uma escritura pública, o registo predial ou comercial, etc. – ou que não possam ser provados por testemunhas – como sucede por exemplo, nas situações previstas nos artigos 358.º, n.º 3, 393.º, n.ºs 1 e 2, 394.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil. A própria assistência hospitalar – a que alude a decisão recorrida, mas que a requerente nunca alegou – não se inclui no elenco dos factos sujeito a prova vinculada.
Nestes termos, o tribunal a quo apenas poderia ter julgado não provados os factos alegados pela requerente se tivesse indeferido fundamentadamente a prova testemunhal requerida ou, depois de produzida essa prova, tivesse concluído que a mesma não demonstra aqueles factos.
O mesmo sucede com este tribunal ad quem, que apenas poderá confirmar a infirmar a decisão recorrida – a qual tem pressuposta a falta de demonstração da justificação invocada pela recorrente – depois de ouvir a prova que foi requerida e que não foi indeferida, nem havia razões para indeferir.
Sucede que, não constando dos autos essa prova, e sendo claramente deficiente a fundamentação da decisão recorrida, pelas razões já expostas, impõe-se anular essa decisão, ordenar a produção da prova testemunhal solicitada pela ora recorrente e a posterior prolação de nova decisão que pondere essa prova.
Esta necessidade de cassação da decisão recorrida estaria prejudicada se julgássemos procedente a argumentação esgrimida pela recorrente nas conclusões 5 a 7, pois tal determinaria, por si só, a revogação da condenação da multa.
Afirma-se ali que a diligência para a qual foi convocada a recorrente é inútil e, como tal, proibida por lei, pelo que a falta de comparência a essa diligência não deve ser sancionada com multa, por tal ofender o princípio do Estado de Direito Democrático consagrado nos artigos 1.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa.
Mas esta argumentação não pode proceder, pois nem sequer pode ser conhecida neste recurso, quer por via do já citado regime legal de arguição das nulidades, quer por via dos limites dos poderes de cognição do tribunal de recurso.
Por um lado, a questão agora colocada pela recorrente é totalmente nova, nunca tendo sido suscitada perante o tribunal a quo que, por isso, nunca tomou qualquer decisão a seu respeito. Por outro lado, a alegada nulidade decorrente da prática de um acto inútil não é de conhecimento oficioso (cfr. artigo 196.º do CPC), estando sujeita ao regime de arguição das nulidades secundárias previsto nos artigos 195.º e 199.º do CPC.
Ora, apesar de a ora recorrente e o seu mandatário terem sido devidamente notificados da marcação desta diligência, não invocaram a sua inutilidade ou, de alguma forma, questionaram a designação de data para a sua realização, dentro do referido prazo, perante o tribunal a quo, o que inviabiliza a sua invocação em sede de recurso, em obediência à já citada máxima segundo a qual “das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se”.
Acresce que, como escreve Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, Almedia, 6.ª ed., pp. 139-140), «os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…) estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame no sentido da repetição da instância no tribunal de recurso».
Nestes termos, mantém-se a necessidade e cassação da decisão recorrida, nos termos já expostos.
Não estando definitivamente apreciado este recurso, as respectivas custas serão as fixadas na decisão final.
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Sumariando (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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III. Decisão
Pelo exposto, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
1.
- Julgam totalmente improcedente o recurso interposto pelo cabeça-de-casal BB e confirmam as decisões proferidas em 01.07.2024 e 08.07.2024 na parte em que o condenaram no pagamento de uma multa de 2 UC;
- Condenam o mesmo cabeça-de-casal nas custas da apelação por si interposta,
2.
- Julgam procedente o recurso interposto pela interessada AA, anulam a decisão proferida em 10.07.2024 e ordenam a produção da prova testemunhal solicitada pela recorrente e a posterior prolação de nova decisão que podere a esta prova;
- As custas desta apelação serão fixadas a final.
Registe e notifique.
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Porto, 19 de Novembro de 2024
Relator: Artur Dionísio Oliveira
Adjuntos: Alberto Taveira
Rodrigues Pires