INSTRUÇÃO
REJEIÇÃO DA INSTRUÇÃO
NÃO PRONÚNCIA
ASSISTENTE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Sumário

I- Independentemente da perspetiva do assistente relativamente ao papel do Ministério Público ou do Juiz em fase de inquérito, na verdade, o sistema processual penal português assume estrutura acusatória em respeito ao artigo 32º nº5 da Constituição da República Portuguesa e, também, mercê de consagração constitucional incumbe ao Ministério Público o exercício da ação penal nos termos previstos no artigo 219º da Constituição da República Portuguesa.
II- O despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução é uma alternativa ao despacho que declara aberta a instrução e, assim, apenas pode ter lugar preliminarmente e nunca após o encerramento da fase de instrução.
III- O despacho de não pronúncia não se impõe ao juiz de instrução apenas nas situações em que haja insuficiência de indícios que permitam sustentar a factualidade narrada imputadora a determinado agente da prática de um determinado ilícito criminal.
IV- O despacho de não pronúncia impõe-se, também, ao juiz de instrução no caso em que se verificam razões de ordem processual que impeçam a prossecução dos autos à fase de julgamento sejam, nomeadamente, as genericamente atinentes a inadmissibilidade legal do procedimento criminal ou determinantes da sua extinção, nulidades insanáveis bem como quaisquer razões que contendam com a comprovação típica de indícios da fase de instrução.
V- Nem todo o despacho de não pronúncia conhece do mérito da ação penal circunscrevendo-se tal despacho ao que empreende uma efetivação comprovação de indícios e decide na sequência de tal comprovação não submeter a causa à fase de julgamento.
VI- Não tendo sido empreendida a comprovação de indícios típica de fase de instrução e tendo o despacho de não pronúncia se fundado em razões de ordem processual que obstavam a tal comprovação não era exigível ao Juiz de Instrução que  proferiu tal despacho que selecionasse a matéria de facto suficientemente indiciada e não suficientemente indiciada por ser um exercício manifestamente inútil.
VII- Legalmente constitui ónus do assistente que requer a abertura de instrução alegar expressamente todos os factos concretos suscetíveis de integrar os tipos legais de crimes que entende ter a conduta dos arguidos preenchido, nomeadamente, todos os elementos objetivos e subjetivos dos tipos legais de crime em causa, pois, a liberdade de investigação conferida ao juiz de instrução pelo artigo 289º do Código de Processo Penal (como decorrência do princípio da verdade material que enforma este e que lhe permite levar a cabo, autonomamente, diligências de investigação e recolha de provas) não é absoluta, porque está condicionada pelo objeto da acusação alternativa formulada pelo assistente no seu requerimento de abertura de instrução.
IX- Inexiste qualquer cisão na jurisprudência relativamente à consequência do incumprimento de tal ónus, porquanto é pacífico o entendimento que inobservância do mesmo é cominada com nulidade nos termos previstos no nº 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal ex vi do art.º 287º, n.º 2, parte final, do mesmo diploma a qual é de conhecimento oficioso e que se trata de uma inadmissibilidade legal que quando liminarmente conhecida motiva a prolação de despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução e quando ulteriormente conhecida motiva a prolação de despacho de não pronúncia.
(sumário da responsabilidade da relatora)

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO:
Nos autos de instrução com o nº 5390/17.3T9LSB que correm os seus termos no Tribunal Central de Instrução Criminal- Juiz 1 foi, em 18 de março de 2024, proferida ao que ora nos interessa a seguinte decisão:
Pelo exposto, decido não pronunciar:
- a arguida AA, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, p.p. pelo art.º 205.º, n.º5, de 915 crimes de falsificação de documento, p.p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al. d), de um crime de branqueamento de capitais, p.p. pelo art.º 368.º-A, n.ºs 1, 2 e 6, de três crimes de burla qualificada, p.p. pelos arts. 217.º, n.º1 e 218.º, n.º 2, als. a) e d), de três crimes de corrupção passiva, p.p. pelo art.º 373.º, n.º1, de dois crimes de peculato, p.p. pelo art.º 375.º, n.º1, de um crime de participação económica em negócio na forma consumada, p.p. pelo art.º 377.º, n.º1, de dois crimes de participação económica em negócio, na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, p.p. pelo art.º 257.º, al. a) e de um crime de associação criminosa, p.p. pelo art.º 299.º, n.ºs 1, 3 e 5, falsificação de documento autêntico, p.p. pelo art.º 257.º, al. a) e de um crime de associação criminosa, p.p. pelo art.º 299.º, n.ºs 1,3 e 5, todos do Cód. Penal;
- o arguido BB, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, de 915 crimes de falsificação de documento, de três crimes de burla qualificada, de três crimes de corrupção passiva, de dois crimes de peculato, de um crime de participação em negócio na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico e de um crime de associação criminosa;
- a arguida CC, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, de 885 crimes de falsificação de documento, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa;
- o arguido DD, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, de três crimes de burla qualificada, de sete crimes de falsificação de documento, de um crime de participação em negócio, na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio, na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa;
- a arguida EE, pela prática de três crimes de corrupção passiva, de dois crimes de peculato, de um crime de associação criminosa e de cinco crimes de falsidade informática, p.p. pelo art.º 3º n.º 1 da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro;
- o arguido FF, pela prática de um crime de corrupção passiva, de um crime de abuso de poder, de um crime de participação em negócio na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa;
- o arguido GG, pela prática de um crime de burla qualificada e de um crime de associação criminosa;
- o arguido HH, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa; e
- o arguido II, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa, e determinar o arquivamento dos autos (…)
*
Inconformado com o mesmo veio o assistente JJ interpor o presente recurso extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:
I - Vem o presente interposto da decisão instrutória que proferiu despacho de não pronúncia dos arguidos pelos crimes que o assistente lhes imputou no RAI, bem como do despacho de fls. 10422 que infundadamente abortou toda a instrução e do despacho proferido em sede de debate instrutório que indeferiu o requerimento ali formulado para a realização das diligências de instrução que são necessárias ao cabal esclarecimento da verdade.
II – São várias as questões que se colocam no presente recurso, razão pela qual optamos por as agrupar em forma articulada na numeração romana, densificadas em alíneas, tentando deste modo facultar uma leitura fácil que cumpra as exigências do artigo 412.º/2 do CPP sabido é que são as conclusões que delimitam o thema decidendum.
III – NULIDADE DO INQUÉRITO, POR OMISSÃ0 DE DILIGÊNCIAS NECESSÁRIAS E ESSENCIAIS À DESCOBERTA DA VERDADE – ART.º 120.º N.º 2 AL. D) IN FINE E N.º 3 AL. C) DO MESMO PRECEITO
a) O assistente invocou a nulidade relativa prevista no artigo 120.º n.º 2 al. d) do CPP por omissão da realização de diligências necessárias durante o inquérito, tendo o M.mo JIC a quo indeferido a mesma com o fundamento breve faciam de que o MP enquanto titular do inquérito não pode ser censurado pelo JIC.
b) O que se pode afirmar é que legal e constitucionalmente o MP não é tribunal, os seus magistrados não são juízes e em Portugal existe reserva de juiz, cabendo ao tribunal, a instrução e o julgamento de qualquer causa, o que, desde logo, resulta dos artigos 2.º, 20.º n.º 1 e 4, 110.º n.º 1, 111.º n.º 1, 202.º n.º 1 e 2, da Constituição. Dito isto,
c) A verdade é que, seja no inquérito, na instrução ou no julgamento, a lei comina que a omissão de produção de meio de prova necessário, ou seja, essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, quer a sua produção haja sido ou não requerida, constitui a nulidade relativa prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP.
d) O disposto no artigo 120.º n.º 2 al. d) do CPP, deve ser interpretado e aplicado no sentido de que a referida alínea contempla duas causas de nulidade: (i) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios; (ii) e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
e) Na fase de instrução, a apreciação e declaração de uma nulidade ocorrida na fase de inquérito, não tem como consequência a prolação de despacho de não pronúncia, mas sim o regime dos efeitos da declaração de nulidade previstos no artigo 122.º do Código de Processo Penal.
f) E assim ao declarar uma nulidade, está o juiz obrigado a tomar uma decisão que passa pela identificação dos atos que julga nulos ou afetados pela declaração da nulidade e a ordenar, sempre que necessário e possível, a sua repetição ou realização, aproveitando todos os atos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela. - Ac. da RP de 05.07.2023.
g) No caso dos autos, a referida nulidade está parcialmente debelada pelos actos de instrução já levados a cabo na instrução, misteriosamente abortada a meio do seu percurso rumo ao debate instrutório, havendo que, na procedência do recurso e sem prejuízo da parte deste em que se invoca a nulidade desse despacho, por violação do caso julgado formal, ser ordenada a realização das diligências requeridas e ordenadas e todas aqueloutras mais que se afigurem ex officio necessárias.
IV - NULIDADE DA DECISÃO INSTRUTÓRIA POR FALTA DE ELENCO DOS FACTOS INDICIARIAMENTE PROVADOS E NÃO PROVADOS
a) Olhando para a decisão instrutória que comporta um despacho de mérito pela negativa, i. e., não pronúncia dos arguidos, não vemos que o M.mo JIC a quo tenha elencado um único facto indiciário provado ou não provado.
b) É isento de controvérsia que a decisão instrutória seja em que sentido for tem de fundamentar os factos e o direito, pois, encontra-se consolidado o entendimento de que a decisão instrutória, nomeadamente o despacho de não pronúncia, está sujeita à obrigação legal de fundamentação de facto, abrangendo a discussão da prova indiciária, e de direito, nos termos do artigo 97º, n.º 5, do Código Processo Penal. – Ac. da RP de 19.10.2022.
c) É de aplicar ao despacho de pronúncia a nulidade (não simples irregularidade) decorrente do artigo 283.º, n.º 3, b), do Código de Processo Penal (para que remete o artigo 308.º, n.º 2, do mesmo Código). Por outro lado, a relevância sistémica do princípio do caso julgado material impõe que se considere tal nulidade insanável e de conhecimento oficioso. Uma tão relevante consequência como é a da força de caso julgado material não poderá ficar dependente de arguição.” - Ac. da RP de 22.09.2021.
d) Compulsada a decisão instrutória, vemos que nem um único facto, das centenas constantes no requerimento de abertura de instrução (aliás, a esmagadora maioria deles comprovados pela superabundante prova documental), foi objeto de valoração pelo tribunal, não constando na decisão instrutória de não pronúncia uma única razão para o completo menoscabo a que foi votada a matéria.
e) Naturalmente que para que o tribunal superior possa decidir o recurso tem de conhecer o que é que do requerimento de abertura de instrução o JIC a quo considerou indiciado e não indiciado e respetiva fundamentação.
f) A imposição de fundamentação, de facto e de direito, ao despacho de não pronúncia, por aplicação conjugada dos artigos 283, nº 3, e 308, nº 2, do C. P. Penal, só deve considerar-se cabalmente satisfeita, com a articulação e/ou a enumeração, clara, expressa, discriminada e autónoma, de cada um dos factos que se consideram indiciados e não indiciados. – Ac. da RE de 17.06.2014.
g) A não descrição desses factos acarreta a nulidade da decisão instrutória [art.º 308º, nº 2, com referência ao art.º 283º, nº 3, b), do CPP], nulidade essa que, não fazendo, embora, parte do elenco de nulidades descritas nas alíneas a) a f) do art.119º do CPP, não pode deixar de ter-se como insanável. – Acs. da RE de 01.03.2005 e de 23.02.2010.
h) O art.º 308.º, no seu n.º 2 determina a aplicação ao despacho de não pronúncia o disposto nos números 2, 3 e 4 do artigo 283.º do CPP. O n.º 3 deste normativo comina com a nulidade o despacho de acusação que não contenha “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança”. – Ac. da RL de 22.09.2021
i) Sendo nula a decisão instrutória cabe a este tribunal ad quem, ordenar a respetiva sanação, impondo ao tribunal a quo a prática dos actos de instrução (esgotando o dever investigatório) que lhe permitam cumprir com o dever legal e constitucionalmente imposto de instruir a causa e, subsequentemente, fundamentar a decisão de facto e de direito.
V - NULIDADE DA DECISÃO INSTRUTÓRIA POR TOTAL FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO RELATIVA À DECISÃO DE QUE O REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO É LEGALMENTE INVIÁVEL E POR CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO.
a) Relegando para mais adiante a questão de inadmissibilidade deste despacho, por ter havido um despacho de abertura de instrução que recebeu o RAI in totto, pelos factos e qualificação jurídica efetuada, certo é que a decisão instrutória tem de ser fundamentada, o que resulta do artigo 97.º n.º 5 do CPP, com referência ao artigo 205.º/1 da Constituição. Porém,
b) O M.mo JIC a quo proferiu despacho de não pronúncia afirmando que o assistente não fez uma descrição de todos os factos, ou seja, da conduta dos arguidos (…) que preencha os elementos constitutivos de qualquer um dos crimes que lhes imputa, omitindo, neste particular, em absoluto, a descrição dos factos atinentes quer ao elemento objectivo, quer ao elemento subjectivo de cada um dos crimes imputados.”.
c) O que se alcança da decisão instrutória é que não foi efetuada uma análise crítica dos factos narrados no requerimento de abertura de instrução (e já agora da sua indiciação ou não, com referência à prova já produzida). Ou seja,
d) Não foi concretamente fundamentado que factos ao nível dos elementos objetivos e/ou subjetivos do tipo de cada um dos crimes imputados aos arguidos estão em falta para se verificarem os pressupostos de punição, assumindo-se, assim, como um verdadeiro enigma o porquê do JIC a quo ter concluído daquela forma. e) É uma exigência constitucional (art.º 205.º/1 da Constituição) que as decisões judiciais devem ser sempre fundamentadas e vale por citar o Professor Miguel Teixeira de Sousa, quando lapidarmente doutrinou que com a fundamentação o juiz passa de convencido a convincente.
f) Ademais, a rejeição do RAI por falta de descrição dos elementos do tipo, encerra a falta de um pressuposto processual que não permite um despacho de mérito de não pronúncia, assim devendo ser interpretado e aplicado o artigo 308.º n.º 3 do CPP.
g) Visto numa outra perspetiva constata-se que existe uma contradição entre os fundamentos e a decisão, que se dá quando os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
h) Com efeito, a falta de descrição dos elementos objetivos e subjetivos conduzem a uma rejeição do RAI e não a uma decisão de mérito de não pronúncia. Isto porque
i) A prolação de despacho de não pronúncia, com fundamento na omissão no RAI dos factos relativos à intenção que moveu o arguido, não constituiu um esgotamento do «jus puniendi» do Estado, em relação aos factos aí descritos.” – Ac. da RE de 08.05.2018
j) O que significa que, estando em causa crimes de natureza pública (todos eles) não é lícito ao tribunal a quo arquivar, sem mais, o processo, pois enquanto autoridade judiciária está obrigado a participar os factos ao MP para que quanto a eles proceda, nos termos dos artigos 242.º 1, al. b) e 303.º n.º 4 do CPP que assim devem ser interpretados e aplicados a não proceder o presente recurso o que, porém, não se concede.
VI - DA INADMISSIBILIDADE LEGAL, POR VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO FORMAL DO DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA (OU DE REJEIÇÃO) COM FUNDAMENTO NA FALTA DE DESCRIÇÃO DE ELEMENTOS DO TIPO.
a) Retornando à questão que deixáramos em aberto, verdade é que o despacho recorrido é inadmissível legalmente por ofender caso julgado formal anterior.
b) É consistente a jurisprudência de que o despacho do Juiz de Instrução Criminal que admite o requerimento de abertura da instrução – no caso, apresentado pelo assistente – e declara a abertura da instrução faz caso julgado formal, ficando precludido o poder jurisdicional de rejeição, na decisão instrutória, daquele requerimento, fundada na inadmissibilidade legal da instrução decorrente da falta de descrição do elemento subjetivo do crime imputado ao arguido. – Ac. da RC de 14.10.2020 RG de 22.02.2023 RP de 22.06.2022.
c) Nos autos a fls. 2204/2205 consta o despacho de abertura de instrução que no que aqui interessa declara que “Tomei conhecimento do estado dos autos e, bem assim, do despacho de arquivamento de fls. 1725 a 1737 e do requerimento de abertura de instrução junto a fls. 2049 e segs.” “Declaro aberta a instrução”.
d) Vê-se que foram deferidas todas as diligências de instrução requeridas pelo assistente, embora sem indicar datas da sua realização o que se deve ao facto da necessidade de estabilizar a recolha da prova documental, como, aliás, em vários despachos sustentou o JIC titular à época.
e) O despacho de abertura de instrução foi comunicado ao assistente, ao Ministério Público e aos arguidos e ninguém veio pugnar pela nulidade do requerimento de abertura de instrução por falta de descrição de elementos objetivos e subjetivos do tipo de cada um dos crimes que lhes são imputados pelo que tal questão não podia voltar a ser apreciada.
f) A norma resultante dos artigos 287.º n.º 3, 4 e 5 e 308.º n.º 3 do CPP, deve ser interpretada e aplicada no sentido de que, tendo sido declarada aberta a instrução e notificados os sujeitos processuais e ordenadas e realizadas diligências instrutórias, o JIC não pode proferir despacho de não pronúncia com fundamento na insuficiência de descrição no RAI dos elementos objetivos e subjetivos do tipo.
VII - SUFICIÊNCIA DE DESCRIÇÃO NO RAI DOS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DE CADA UM DOS CRIMES IMPUTADOS AOS ARGUIDOS E SANAÇÃO DE EVENTUAL INSUFICIÊNCIA.
a) Ab ovo, o tribunal a quo interpretou o artigo 308.º n.º 1 in fine do CPP no sentido de que havendo insuficiência de narração fatual em relação a um dos crimes, tal implica a rejeição in totto do RAI, quando o certo é que a eventual deficiência insuprível for por um ou vários crimes, nada impede – bem pelo contrário é obrigatório - o juiz de instrução criminal de pronunciar o arguido por algum deles e de não pronunciar por outro ou outros ou que pronuncie um dos arguidos e não pronuncie outro ou outros.
b) Conquanto não seja sequer esse o caso, verdade é que não deve ser rejeitado o RAI que, embora de forma pouco clara e não sequencial, mencione todos os factos que integram os tipos de crime imputados ao arguido, cabendo ao juiz de instrução, em eventual despacho de pronúncia, ordenar, sintetizar e clarificar os mesmos.” – Ac. da RP de 21.02.2024.
c) Lendo o RAI e s. d. r., não percebemos que lhe falte algum elemento de facto ou disposição legal para a perfectibilização dos crimes imputados aos arguidos recorridos, sendo certo que a ausência de fundamentação da decisão recorrida inviabiliza essa compreensão.
d) Parece-nos que o JIC a quo considerou que o RAI deve ser rejeitado por não cumprir com todos os requisitos que têm de constar na acusação (reza o despacho recorrido que o requerimento de abertura da instrução equivale, em tudo, à acusação, o que se sabe), estando, portanto, em causa uma eventual nulidade cominada no artigo 283.º/3 al. b) do CPP. Ora,
e) Para que o JIC possa rejeitar o RAI é necessário que os factos descritos não constituam inequivocamente crime, ou seja, só e apenas quando de forma inequívoca os factos que constam na acusação não revistam relevância penal é que o Tribunal pode rejeitar o RAI por inadmissibilidade legal e no momento adequado que é quando recebe e declara aberta a instrução
f) S. d. r., pelo senhor JIC a quo, sempre diremos que negar que os factos narrados constituem os crimes que são imputados aos arguidos não é um exercício mental sério, e, por isso,
g) Na esteira da doutrina do acórdão da RL de 09.10.2021 e em todo o caso, o requerimento de abertura de instrução, balizou minimamente o comportamento no tempo e no espaço, bem como a motivação para o mesmo. – Cfr. outrossim o acórdão da RE de 03.06.2014.
h) Ademais, as nulidades da acusação estão previstas no artigo 283º, nº 3 do Código de Processo Penal. Como se sabe e em obediência ao princípio da taxatividade das nulidades processuais, estão construídas como nulidades sanáveis – cfr. artigos 118º a 120º do Código de Processo Penal.
i) Sendo sanáveis, não podem ser oficiosamente conhecidas e in casu tendo os arguidos sido notificados do despacho de abertura de instrução, das várias diligências ordenadas na instrução e tendo constituído defensor não reclamaram nulidade do requerimento de abertura de instrução pelo que não podia o JIC a quo conhecer dessa nulidade oficiosamente, a qual, por quanto mais não seja, está sanada.
j) Seja como for, qualquer omissão no requerimento de abertura de instrução (quando valha como acusação) submete-se à disciplina do artigo 283.º n.º 3 do CPP e, assim sendo: (i) Sendo a nulidade prevista no artigo 283º do Código de Processo Penal uma nulidade sanável, seria sempre prerrogativa do tribunal a quo a promoção da sanação desse vício; e mutatis mutandi (ii) Existindo na acusação uma deficiência formal, é sempre possível corrigi-la sem que esse facto viole o princípio de independência do juiz em relação às partes. - Cfr. Ac. da RL de 11.12.2008 e outrossim acórdão da RL de 26.09.2021.
VIII - NO RAI, AO CONTRÁRIO DO DECIDIDO, ESTÃO NARRADOS FACTOS RELATIVOS AO DOLO DO TIPO E, QUANDO APLICÁVEL, RELATIVOS AO DOLO ESPECÍFICO.
a) Desde logo, no artigo 521.º do RAI vem narrado queSem prejuízo do preenchimento do elemento subjetivo por cada arguido estar mais bem densificado na parte dedicada a cada um e na narração da factualidade que lhes é imputada, certo é ainda dizer que todos os arguidos agiram livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é punida por lei.
b) Por um lado, este enunciado linguístico corresponde, é certo, a uma fórmula genérica e abstrata muito utilizada na prática, para a descrição factual do dolo. – Ac. da RG de 07.01.2016.
c) E por outro lado, “Na generalidade dos casos, porém, o sentido ou significação da ilicitude do facto promana da realização pelo agente da factualidade típica, agindo com o dolo requerido pelo tipo.”
d) Vem ainda dito (art.º 522.º) queOs arguidos não negam os factos – nem têm como, pois, os fatos e os documentos até falam por si – limitando-se a tripudiar o processo com documentos truncados, desviando os olhares inquisitórios para decisões judiciais perfeitamente irrelevantes para a sua responsabilidade penal, chegando a alegar de forma asinina que os fatos já foram investigados quando outrossim sabem que isso não é verdade.Ademais,
e) Repetimos hic et nunc que constando do RAI que «O arguido bem sabia (não podendo igualmente desconhecer) que os seus actos eram ilícitos, pelo que ao atuar da forma descrita, agiu de forma livre e consciente, não ignorando que a sua conduta era punível por lei», do requerimento consta o elemento subjetivo do tipo.” – Ac. da RC de 08.05.2018.
f) O ónus de especificação factual do dolo, que impende sobre o assistente (e o acusador), inclui os factos relativos ao dolo do tipo, mas não impõe a narração dos factos relativos ao dolo da culpa.” – Ac. da RE de 07.01.2016.
g) Embora não se possa impugnar (no sentido de rebater) o que se desconhece, procuraremos sintetizar nestas conclusões o que se motivou acerca da matéria narrada no RAI e que indubitavelmente demonstram que os arguidos incorrem em responsabilidade criminal e, para isso, por cada crime vamos formular uma conclusão e respetivas alíneas.
h) Ainda quanto ao elemento subjetivo para dizer que a formulação utilizada pelo assistente constitui a alegação concreta dos factos psicológicos que integram o dolo relativo a cada um dos crimes que imputa aos arguidos, a partir da definição contida no artigo 14º do Código Penal.
i) Posto isto, para mencionar hic et nunc que, nos termos do artigo 30.º n.º 1 do CP, a mesma conduta naturalística pode preencher mais que um crime ou haver factos que se ligam entre si e deles resulta um cúmulo material de crimes.
j) Não se está em presença do mesmo crime, embora se esteja em presença do mesmo facto ou da mesma acção delituosa, o que vale por dizer de uma mesma conduta naturalística. E isto, porque as sanções, que cada uma das normas penais que se encontram em concurso prevê, se destinam, cada uma delas, a punir a violação de um bem jurídico diferente (Cfr. Decisão sumária do TC 131/2007). Também assim,
k) “Caso haja sucessivas resoluções, estaremos perante uma pluralidade de juízos de censura, e, portanto, de infrações”. E “Havendo violação de vários bens jurídicos pela atividade do agente, haverá sempre pluralidade de crimes, ainda que exista uma só resolução criminosa (a não ser que as normas concorrentes se excluam mutuamente). É este basicamente o critério vertido no nº 1 do art.º 30.º do CP, segundo a lição de Eduardo Correia.” – Ac. do STJ de 24.04.2019, sendo isto assim,
IX - AO CONTRÁRIO DO DECIDIDO ESTÃO NARRADOS FACTOS QUE PREENCHEM OS ELEMENTOS DO TIPO DO CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA QUALIFICADA NA FORMA QUALIFICADA PP PELO ARTIGO 205.º n.º 5 DO CÓDIGO PENAL
a) Deste crime o assistente acusa os arguidos (1) AA, (2) BB (3) CC, (4) DD, (5) HH, 6) II.
b) A apropriação ocorre quando o agente recusa a restituição da coisa ou passa a comportar-se, relativamente a ela, como se fosse seu dono.
c) Para a decisão instrutória de pronúncia, os indícios exigidos de imputação do crime de abuso de confiança bastam-se com a ilegitimidade da apropriação decorrente da circunstância de o agente, contra a vontade do legítimo titular, integrar a coisa entregue no seu património, de forma arbitrária, e com o propósito de não a restituir ou de lhe dar um destino diverso daquele que lhe era destinado, existindo, assim, inversão do título de posse da coisa efectuada pelo agente.
d) Fica preenchido o elemento subjetivo consubstanciado no facto do agente saber que tais coisas ou bens se encontram em seu poder por título que implica a obrigação de restituir e ainda assim querer desencaminhá-lo em prejuízo do seu proprietário.
e) Ou seja, e “Em suma, o dolo, neste particular, consubstancia-se na vontade consciente de apropriação da coisa móvel alheia.” – Ac. do STJ de 11.01.2006
f) Para melhor e mais rápida elucidação dos montantes apropriados e desviados por estes arguidos, ousamos reproduzir o quadro-resumo que apresentamos na motivação.


g) É muito, mesmo muito dinheiro, quedando acrescentar que, por muito menos, neste amado Portugal, o que não faltam é condenados a pesadas penas de prisão, sendo incompreensível porque é que, neste processo, ainda aqui estamos.
h) A matéria narrada no RAI é suficientemente esclarecedora que a arguida AA, é irmã do assistente e com o decesso da mãe de ambos no já longínquo ano de 2003, tirando partido do cargo ope legis deferido de cabeça-de-casal, apropriou-se de toda a fortuna da mãe (dinheiro – por lapso faltou indicar as joias e as pratas) e de todas as disponibilidades que o famoso restaurante … no Chiado proporciona:
Aliás, a fls. 7467 e segs., consta uma ficha de informação do Banco Edmond de Rothschild, na qual, a próprio punho, a arguida AA, no dia 29.05.2018, no Luxemburgo, declarou os fartos proveitos da longa atividade criminosa, fruto dos quais é titular de: (i) liquidez e ativos no valor de 2 M (dois milhões de euros); (ii) Imobiliário/residência no valor de 4 M (quatro milhões de euros); (iii) outros no valor de 2 M (dois milhões de euros); (iv) que detém 100% da sociedade AA & Filhos, Lda.; que os (v) rendimentos anuais criados pela atividade profissional são de 80 K (oitenta mil euros) e que possui (vi) outras receitas (rendas de imóveis) 20 K (vinte mil euros).
i) Nesse empreendimento criminoso, a arguida contou com a comparticipação do seu marido, o arguido BB, da sobrinha CC (filha do assistente), do seu advogado, o arguido DD e dos seus dois filhos HH e II.
j) No RAI foi corretamente identificada a origem dos dinheiros desviados (herança e sociedade), o respetivo modus operandi, as intenções conseguidas em pleno de não entregar e de fazer suas as quantias que pertenciam ao assistente.
k) Lançando, alias, o irmão (que era suposto ser milionário) na mais iniqua miséria.
l) As diligências de instrução até agora realizadas, na vertente de recolha da prova documental, veio consolidar aquilo que, em parte, se conhecia e que, aliás, resultava sintomatizado pelo inquérito de que os arguidos desviaram da herança e da sociedade e ao fisco uma (bem ocultada) fortuna colossal ao nível das maiores fortunas do país.
m) Convirá afirmar que a quantia de 14.554.531,86€ é uma fortuna considerável, sendo acessível a um muito restrito número de famílias em Portugal, com o absurdo de que a senhora AA não trabalha desde 2002 e se dedica ao crime desde então e que o seu marido, sendo advogado, não tem rendimentos dignos desse nome como atestam as suas declarações de IRS, o que também se percebe na medida em que é, digamos, o braço direito ou o braço jurídico da fundadora da associação.
n) Nem se mostra necessário recorrer ao aforismo muitas vezes utilizado nos tribunais de que “quem cabritos vende e cabras não tem de algures lhe vem”, pois, a prova incorporada nos autos demonstra bem a origem criminosa dos dinheiros que foram objeto da ação desvaliosa dos arguidos.
o) O produto das apropriações foi dissimulado em várias contas bancárias tituladas até por terceiros, revelando já os autos que a arguida AA, em contas de que era única titular, depositou e branqueou no BCP a quantia de 5.426.113,26€, no BPI a quantia de 325.394,68€, no Banco Edmond a quantia de 395.000,00€ e no Banco Best a quantia de 363.250,00€, no elevadíssimo total de 6.509.758,30€.
p) Resulta ainda que em conta conjunta com o arguido BB, este e a dita arguida AA, apropriaram-se e branquearam no BPI a elevadíssima quantia de 5.425.427,95€ e no BCP a outrossim elevadíssima quantia de 642.322,29 € no absurdo total de 6.067.750,24€.
q) A líder da associação criminosa, AA, era ainda titular de contas em conjunto com a arguida CC, tendo ambas branqueado em duas contas do BPI a elevadíssima quantia de 311.726,14€.
r) Deste crime vem acusada a arguida CC, relevando (a) quanto aos elementos objetivos 121.º 127.º, 128.º, 129.º, 130.º, 132.º, 133.º, 134.º, 139.º e 141.º; e (b) quanto aos elementos subjetivos 135.º, 136.º, 138.º, 140.º e 143.º.
s) Na verdade, vemos que a arguida CC, sendo coautora, apropriou-se e branqueou nas contas de que era única titular ao longo destes anos a absurdamente elevada quantia de 1.598.867,18€ e nas contas conjuntas com a arguida AA branqueou a elevadíssima quantia de 311.726,14€, num total branqueado de 1 910.593,35€.
t) Também acusado deste crime vem o arguido II, relevando a factualidade (a) quanto aos elementos objetivos 462.º, 463.º, 464.º, 465.º, 467.º, 468.º, e (b) quanto aos elementos subjetivos 460.º, 461.º, 469.º, 470.º, 471.º e 472.º.
u) Com o mesmo m. o., este arguido depositou e branqueou nas suas contas a quantia de, pelo menos 437.194,74€, desviados por sua mãe, levantando-se dúvidas, ainda não esclarecidas a esta data, relativas às quantias de 76.540,75€, 63.416,30€ e 44.841,18€, no total de 184.798,23€.
v) O precoce aborto da instrução e a falta de informação bancária impediu o exame das contas relativas aos arguidos DD e HH.
X – O RAI NARRA MATÉRIA SUFICIENTE QUE PREENCHE OS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJECTIVOS DO CRIME DE FALISIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS PP PELO ARTIGO 256.º N.º 1 AL. D) DO CÓDIGO PENAL.
a) Deste crime estão acusados os arguidos AA, BB, CC e DD.
b) No crime de falsificação de documentos, o bem jurídico protegido é a verdade intrínseca, segurança e inerente credibilidade documental e a acção desvaliosa desenha-se sempre que o facto inserto no documento produza uma alteração no mundo do Direito, isto é que abra ensejo à obtenção de um benefício. – Ac. da RC de 28.03.2012.
c) Comete o crime de falsificação de documento aquele que detém o poder de emitir, elaborar ou determinar a emissão do documento com informação sobre factos juridicamente relevantes, cujo relevo se apresenta reforçado pelo próprio documento.
d) No RAI é descrita factualidade suficiente de que os arguidos AA, BB e CC, falsificaram as contas da sociedade AA & Filhos, Lda., logo a partir do ano de 2003 omitindo, por um lado, que retiraram das suas disponibilidades as avultadas verbas descritas no RAI; e,
e) Por outro lado, para ocultar a atividade criminosa e sustentarem em tribunal uma alegada dívida – são pessoas de sorte – do assistente criaram um conta-corrente (em sentido técnico e não jurídico) em nome do assistente onde lançaram falsas dívidas em nome deste.
f) Entre 2003 e a esta data abril de 2024 (por surreal que pareça a atividade criminosa não foi feita cessar), os referidos arguidos alteraram os escritos nos verbetes de lançamento (documento escrito, em princípio interno, mas com eficácia externa e com menção das características fundamentais da operação), os balancetes mensais, trimestrais, semestrais e anuais assim como as declarações anuais, todo com as referidas intenções.
g) Igualmente, está suficientemente narrada facticidade de que com o mesmo intuito a arguida AA, na qualidade de cabeça-de-casal, elaborava as contas da herança omitindo as rendas e os lucros da sociedade (que como atrás dito, os ocultou rectius branqueou), pelo que e uma vez que as elaborava semestralmente incorre na prática do crime de falsificação de documento.
h) Veja-se que o conteúdo probatório dos elementos falsificados foi bastante relevante para e. g., os arguidos enganarem o tribunal nos processos 960/05 e 14650/14, pois juntaram como prova os extratos de lançamento de supostas dívidas em nome do assistente (minúscula parte dinheiro que eles arguidos se haviam apropriado) o que conjugado com a inexplicável falta de contestação da segunda levou o tribunal a julgar tão absurdas ações procedentes.
i) Assim como as contas da herança forjadas pelos arguidos AA e BB, enganaram o tribunal no processo de inventário 5477/04 ao ponto do tribunal se convencer de que o assistente litigava de má-fé ao alegar que estava a ser roubado, embora por via de locução mais erudita como a sonegação de bens. - e por isso foi condenado.
j) Vem narrado factualidade que o arguido DD, a mando dos arguidos AA e BB, nas ocasiões ali referidas, utilizou nos processos judiciais, o documento intitulado cessão de créditos que sabia ser falso;
k) bem como juntou na ação 14650/14 o extrato de conta contendo falsas dívidas do assistente para a sociedade, que igualmente sabia ser falso, tudo com o intuito conseguido de obter benefícios ilegítimos para os mandantes embora tenha comungado desses proveitos, pelo que a imputação ao mesmo da prática de 7 crimes de falsificação cumpre as exigências legais para que o mesmo seja submetido a julgamento pelo feito ilícito-penal.
l) Pese embora, por manifesto lapso, não se tenha imputado no RAI a respetiva qualificação jurídica, certo é que vem narrado que a arguida EE incorre na prática de 6 crimes de falsificação, perpetrados a mando e a benefício dos arguidos AA e BB, estando os documentos que falsificou melhor indicados no ponto 268 da motivação.
m) Se em sede de decisão instrutória se concluir pela impossibilidade de pronúncia da arguida, nem por isso deve a mesma sair impune, pois haverá de se cumprir com o disposto no artigo 303.º n.º 3 e 4 do CPP.
XI – O RAI NARRA MATÉRIA SUFICIENTE QUE PREENCHE OS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJECTIVOS DO CRIME DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS PP PELO ARTIGO 368.º - A, N.º 1, 2 E 6 DO CÓDIGO PENAL.
a) Deste crime estão acusados os arguidos AA, BB, CC, DD, FF, HH e II.
b) A análise aos documentos bancários permite confirmar o narrado no RAI de que os arguidos AA, BB e CC, em especial os primeiros, com o intuito de esconderem o rasto do dinheiro que subtraíram ao assistente, espalharam as quantias de que se apropriaram por várias instituições bancárias.
c) E que não depositavam diretamente nas suas contas pessoais os cheques que desviavam da sociedade, mas sim através de outras contas bancárias mesmo de terceiros. Ora,
d) Basta o simples depósito de quantias de origem ilícita em contas bancárias, desde que, com aquela intenção de dissimulação, para integrar o crime de branqueamento e a verdade é que os depósitos em numerário continuam a ser uma das formas mais detetadas no branqueamento”, e a fase deste habitualmente designada por colocação (placement) pode ser constituída por simples depósitos bancários. Ac. da RG de 27.05.2019.
e) A materialidade narrada e sobejamente documentada demonstra que os referidos arguidos AA e BB, se apropriaram efetivamente de avultadas verbas (que se vem apurar serem a esta data superiores a 14.000.000€).
f) E que, para dissimular a sua origem criminosa, branquearam as mesmas em várias contas bancárias, fazendo circular parte em numerário, parte em cheques e transferências bancárias, em várias contas bancária e recorrendo a contas bancárias de terceiros e no estrangeiro, cujos circuitos e valores estão mais bem sintetizados no quadro na alínea b) da conclusão IX deste recurso.
g) O assistente foi vítima e bastante lesado pela actividade de branqueamento levada a cabo pelos arguidos, posto que dificultou a descoberta dos ilícitos criminais precedentes e, aliás, coloca em causa de forma de forma gravosa a possibilidade de recuperar o seu património rectius ser ressarcido de todos os extremamente elevados prejuízos que a atividade criminosa (elogiada pelo PJ e agraciada pelo MP) lhe causaram.
h) A análise às contas bancárias dos arguidos, demonstram que:
1. A arguida AA em contas singulares branqueou a descomunal quantia de 6.509.758,30€.
2. A mesmas arguida AA numa outra conta conjunta com o arguido BB, branqueou a astronómica quantia de 6.067.750,24€
3. Ainda a mesma arguida, numa outra conta conjunta com a arguida CC branqueou a elevada quantia de 311.726,14€. Por outro lado,
4. A arguida CC, em conta singular branqueou a gigantesca quantia de 1.910.593,35€. Também,
5. Se apurou que o arguido II branqueou nas suas contas a quantia de, pelo menos 437.194,74€, levantando-se dúvidas, ainda não esclarecidas a esta data, relativas às quantias de 76.540,75€, 63.416,30€ e 44.841,18€, no total de 184.798,23€.
i) Releva ainda e alerta-se que no dia 02.08.2017, portanto depois da queixa nestes autos a arguida (autora e cabecilha da associação) AA da sua conta ... no BCP efetuou 2 transferências bancárias para o estrangeiro (beneficiário incerto) no valor de 400.039€ cada perfazendo o total de 800.078,00€.
j) Ao passo que a arguida CC, após a notificação do despacho de abertura de instrução nestes autos transferiu para a conta da sua filha menor a quantia de 120.000,00€.
k) A participação dos arguidos DD, FF, resulta já não do branqueamento do capital criminoso através de contas bancárias, mas, sim, pelo “sofisticado” esquema urdido de branqueamento de capitais, relevando através de processos (ações e vendas) judicias, relevando as execuções.
XII - O RAI NARRA MATÉRIA SUFICIENTE QUE PREENCHE OS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJECTIVOS DOS 3 CRIMES DE BURLA QUALIFICADA PP PELOS ARTIGOS 217.º N.º 1 E 218.º N.º 2 ALÍNEAS A) E D) DO CÓDIGO PENAL.
a) Cometer uma burla é crime e cometer uma burla enquanto se zomba dos administradores da justiça, é abstratamente muito mais grave.
b) Ao lado do património, a burla protege também os valores da lealdade, transparência e boa-fé das transações, por um lado e por outro, a capacidade de cada pessoa se determinar de forma livre e correta nas suas disposições de carácter patrimonial. – Ac. da RL de 16.10.2018 c) Ao nível objetivo, basta, pois, que se observe o empobrecimento (dano) da vítima, dado se configurar como um crime de resultado parcial ou cortado, pela descontinuidade ou falta de congruência entre os correspondentes tipos (subjetivo e objetivo). – Ac. da RE de 20.01.2015.
d) O dolo genérico traduz-se no conhecimento e vontade do agente, em atuar de forma fraudulenta, com conhecimento da sua censurabilidade; enquanto o dolo específico constitui a intenção de o agente obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo, o animus lucri faciendi.” – Ac. da RP de 07.03.2018 e) Seguindo a cronologia do RAI temos os factos ocorridos no processo judicial 14650/14 para a qual relevam os seguintes artigos do RAI: (a) quanto aos elementos objetivos 100.º, 101.º, 102.º, 103.º, 104.º, (b) quanto aos elementos subjetivos 8.º, 72.º a 79.º, 106.º.
f) No âmbito deste processo os arguidos AA, BB, e DD, cometeram a chamada burla triangular na medida em que para enriquecerem à custo do empobrecimento do assistente enganaram o juiz.
g) Como decorre do RAI, após várias derrotas processuais, tirando partido da situação fragilizada do assistente, abusando da personalidade jurídica da sociedade AA & Filhos, Lda., intentaram a referida ação pedindo ao tribunal que condenasse o assistente no pagamento de uma quantia 951 796,74€, sendo 774 975,87€ de capital e o restante referente a juros, quantia que sabiam ser falsa e por isso indevida. h) Não sendo claro se os arguidos sabiam que a referida ação ia ser contestada fora de prazo, verdade é que foi isso mesmo que acabou por acontecer, logrando os arguidos alcançar o objetivo que era de obter uma sentença condenatória com a qual, como melhor resulta do RAI alcançaram o património do assistente que não fazia parte da herança. – É obra.
i) Vamos agora à burla cometida no processo 960/05 para a qual relevam os seguintes artigos do RAI: (a) quanto aos elementos objetivos 108.º, 109.º 110.º, 111.º, 112.º; e b) quanto aos elementos subjetivos 107.º e 113.º. 114.º e 115.º no qual, aliás participaram os arguidos AA, BB e DD.
j) O arguido DD foi o advogado contratado pelos arguidos AA e BB, para exercer o patrocínio após o abandono do Dr. KK que se apercebeu dos desígnios criminosos dos arguidos.
k) Conforme decorre da narração efetuada no RAI e respetiva cópia do processo apensa a estes autos, nesta ação o assistente foi destituído do cargo de gerente da sociedade, o que, como é natural lhe causou a perda da remuneração mensal fixa de 3.000,00€ + remuneração variável no valor médio de 1.200,00€.
l) O objetivo dos arguidos com o afastamento do assiste era e foi duplo: permitir, por um lado, a consumação da actividade criminosa de abuso de confiança, falsificação de documentos, branqueamento de capitais (e a fraude fiscal que tantos tem levado à cadeia, mas que aqui passou impune) sem qualquer possibilidade de escrutínio por parte do assistente; e, por outro lado, retirar a capacidade económica e financeira ao assistente para se poder defender em tribunal nos vários processos que lhe moviam.
m) Os arguidos AA e BB, assim como as testemunhas ouvidas no processo em causa, alteraram ali conscientemente a verdade, pois sabiam que as alegadas dívidas do assistente que alegavam eram falsas, pois, como demonstra estes autos quem se apropriou até fartar vilanagem (e tudo com o beneplácito e elogio do MP) foram os arguidos.
n) Assim, como sabiam aqueles arguidos serem falsas ou exasperadas as situações de discórdia que logo descrevem como sendo agressões violentas, enganando os julgadores com notória facilidade dado os seus dotes oratórios.
o) Vejamos agora a burla praticada no processo 175/12 para a qual relevam os seguintes artigos do RAI: (a) quanto aos elementos objetivos 145.º, 149.º, 150.º, 151.º, 152.º, 153.º, 157.º, 158.º, 159.º, 160.º, 169.º, 172.º, 173.º, 174.º, 175.º, 176.º, 177.º, 181.º, 182.º, 184.º, e b) quanto aos elementos subjetivos 146.º, 147.º, 148.º, 154.º, 155.º, 156.º, 161.º, 215.º, 216.º, na qual participaram os arguidos AA, BB e DD.
p) Está em causa a celebração da transação que, para pôr termo à referida ação, as partes celebraram um contrato promessa de compra e venda mediante o qual o assistente se comprometeu a comprar o prédio da herança.
q) Como narrado vem, os referidos arguidos, a mando da arguida AA, nunca tiveram ab initio intenção de cumprir com tal contrato-promessa, pois bem sabiam que o que estava ali em causa era a partilha/adjudicação a um herdeiro de um bem integrante na herança e que tem um regime substantivo próprio.
r) Na verdade, ao contrário do declarado, a intenção dos arguidos AA e BB foi a de obterem uma sentença que lhes servisse de título executivo para, por via dela, alcançarem, sem nada pagar, o quinhão hereditário do assistente, o que quiseram e conseguiram.
s) Finalmente vem o episódio passado no processo de inventário 5477/04, para o qual Relevam os factos 210.º, 211.º, 212.º, 213.º, 214.º, 215.º, 216.º, 217.º, 218.º, 219.º e 220.º.
t) Neste crime, a mando da arguida AA, participaram os arguidos BB, DD, GG e EE e fácil é de perceber a burla cometida pelos arguidos, ao convencerem a juiz que presidia ao referido processo de inventário a suspender o processo, face ao “acordo” para realização de uma avaliação dos prédios que nunca tiveram intenção de cumprir, pois o que quiserem e conseguiram foi obter o levamento da suspensão da arlequinesca execução 175/12 para desse modo licitarem (sem concorrência) o quinhão hereditário.
u) Relativamente à coautoria do arguido DD relevam ainda (a) quanto aos elementos objetivos 400.º, 401.º, 404.º, 417.º, 418.º, 419.º, 420.º, e b) quanto aos elementos subjetivos 405.º, 414.º, 415
v) Ao passo que para a arguida EE relevam e ainda os seguintes artigos do RAI: (a) quanto aos elementos objetivos 185.º, 199.º, 202.º, 203.º, 204.º, 208.º, 210.º, 211.º, 212.º, 213.º, 214.º, 217.º, 219.º; e b) quanto aos elementos subjetivos 198.º, 200.º, 201.º, 209.º,
XIII - O RAI NARRA MATÉRIA SUFICIENTE QUE PREENCHE OS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJECTIVOS DOS 4 CRIMES DE CORRUPÇÃO PP PELO ARTIGO 373.º 1 DO CÓDIGO PENAL.
a) No crime de corrupção, em qualquer uma das suas modalidades, o bem jurídico protegido é a autonomia intencional do Estado. Proíbe-se o mercadejar do cargo.
b) O tipo objetivo da corrupção passiva para acto ilícito compreende os seguintes elementos: (i) Relativamente ao círculo de autores, exige que o agente seja funcionário, no sentido definido pelo artigo 386.º do Código Penal; (ii) No que concerne à acção, impõe que ela se traduza num acto de solicitação ou de aceitação; (iii) Quanto ao objeto da acção, requer que se trate de uma vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da sua promessa indevidas; e
c) (iv) O tipo subjectivo pressupõe a existência, para além do dolo, que tem por referência todos os elementos do tipo objectivo, de um elemento subjectivo especial que se traduz numa determinada conexão do comportamento objectivo do agente com a prática de um acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, compreendidos na sua competência funcional ou nos poderes de facto dela decorrentes.
d) É jurisprudência pacífica que o agente de execução é considerado funcionário, por desempenhar uma função pública compreendida na função pública jurisdicional, estando aqui em causa o comportamento dos agentes de execução EE e FF, tendo na tela como corruptores ativos os arguidos AA e BB, e corruptos passivos aqueles.
e) No que concerne à conduta da arguida EE, vemos que no processo 175/12 cometeu o crime de corrupção que lhe é imputado, na medida em que pela contrapartida de 49 733,45€ praticou e omitiu actos contrários aos seus deveres funcionais, relevando os seguintes artigos do RAI: (a) quanto aos elementos objetivos 183.º, 184.º, 185.º, 186.º 188.º, 189.º, 190.º, 191.º, 192.º, 195.º, 196.º, 197.º, 199.º, 202.º, 203.º, 204.º, 208.º, 219.º, 221.º, 222.º; (b) quanto aos elementos subjetivos 163.º, 164.º, 165.º, 166.º, 193.º, 198.º, 200.º, 201.º, 209.º, 223.º.
f) Lobriga-se também que no processo 9505/12 a arguida EE, cometeu o crime de corrupção que lhe é imputado, na medida em que pela mesma contrapartida de 49 733,45€ praticou e omitiu actos contrários aos seus deveres funcionais, relevando os seguintes artigos do RAI 227.º, 229.º, 232.º, 233.º, 235.º, 236.º, 237.º, 238.º, 239.º, 241.º, 242.º, 243.º, 244.º, 245.º, 246.º, 247.º, 248.º, 250.º, 251.º, 252.º, 254.º, 255.º,256.º, 260.º, 261.º, 262.º, 263.º, 264.º, 265.º, 266.º, 269.º, 270.º, 271.º, 272.º, 273.º, 274.º, 275.º, 276.º, 287.º, 288.º, 289.º, 302.º, 303.º, 305.º, 306.º, 307.º, 308.º, 309.º, 310.º, 311.º, 312.º e 316.º, 360.º, e (b) quanto aos elementos subjetivos 240.º, 249.º, 257.º, 258.º, 268.º, 277.º, 280.º, 290.º, 291.º, 292.º, 293.º, 294.º, 295.º, 296.º, 297.º, 298.º, 299.º, 300.º, 301.º, 317.º, 318.º e 319.º.
g) Veja-se ainda que esta arguida EE, no dia 16.03.2017, efetuou uma transferência bancária a favor da arguida AA sacada sobre a sua conta de agente de execução, no valor de 18 883,03€, referindo o processo 9372/13.1YYLSB, quando é certo que neste processo nenhuma quantia havia sido arrecada até então.
h) E obiter dictum para informar que este processo executivo ressuscitou agora em 2022 para penhora 1/3 da reforma do assistente, sendo que a quantia exequenda tem por base uma sentença condenatória a repor uma porta ou parede do seu prédio e que lhe foi subtraído pelos aqui arguidos.
i)No que diz respeito à corrupta conduta do arguido FF no processo 9505/12, não estando ainda determinado valor exato porque se deixou corromper, relevam os seguintes artigos do RAI: (a) quanto aos elementos objetivos 334.º, 335.º, 336.º, 337.º, 338.º, 339.º, 340.º, 341.º, 342.º, 343.º, 344.º, 345.º,346.º, 346.º, 351.º, 357.º, 366.º, 367.º, 368.º, 369.º, 370.º, 371.º, 375.º, 376.º, 377.º, 378.º, 379.º, 380.º, 381.º, 382.º, 383.º, 384.º, 385.º, 386.º, 393.º, e (b) quanto aos elementos subjetivos 333.º, 350.º, 352.º, 353.º, 354.º e 355.º, 356.º, 363.º, 364.º, 365.º, 372.º, 373.º, 374.º, 387.º, 388.º, 389.º, 390.º, 391.º e 395.º.
j) Já relativamente à corrupta conduta do arguido FF no processo 14650/14 relevam os seguintes artigos do RAI: (a) quanto aos elementos objetivos 366.º, 367.º, 368.º, 369.º, 370.º, 371.º, 375.º, 376.º, 377.º, 378.º, 379.º, 380.º, 381.º, 382.º, 383.º, 384.º, 385.º, 386.º, 393.º, e (b) quanto aos elementos subjetivos 363.º, 364.º, 365.º, 372.º, 373.º, 374.º, 387.º, 388.º, 389.º, 390.º, 391.º, 392.º, e 395.º
k) Há que conceder que a matéria comporta em relação aos arguidos AA e BB a prática de 3 crimes de corrupção ativa, a prática pela arguida EE de 2 crimes de corrupção passiva e a prática pelo arguido FF a prática de 1 crime de corrupção.
XIV - O RAI NARRA MATÉRIA SUFICIENTE QUE PREENCHE OS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJECTIVOS DOS 2 CRIME DE PECULATO PP PELO ARTIGO 375.º 1 DO CÓDIGO PENAL.
a) Em relação à qualidade de funcionário da arguida EE a mesma ressalta à saciedade e que os dinheiros que dispõe na conta de agente de execução são dinheiros de privados que lhe foram confiados em função do exercício dessa função e só por isso lhe estão acessíveis.
b) A ação não deixa de ser típica se o bem for acessível ao agente em resultado de subterfúgios ou de atos ilícitos instrumentais praticados no âmbito dessas mesmas funções, uma vez que desse modo se mostra igualmente violado o bem jurídico primacialmente protegido pela incriminação, ou seja, a integridade (probidade) no exercício de funções. – Ac. da RE de 07.03.2017. Ora,
c) Compulsado o processo 175/12 cuja cópia foi, entretanto, apensada a este processo-crime constata-se que efetivamente a arguida EE, no dia 14.11.2014 efetuou a benefício da arguida AA uma transferência bancária no valor de 49 733,54€ sem que no referido processo existisse qualquer quantia arrecadada o que preenche todos os elementos objetivos e subjetivos do crime. Cfr. Artigos 190.º, 191.º, 192.º, 193.º, 194.º, 195.º e 196.º 1 197.º. do RAI.
d) Mas, constatou-se no exame, ainda não concluído, à conta da arguida AA, provado que a corrompida agente de execução EE efetuou não uma, mas duas transferências a crédito da referida arguida sem que no processo executivo houvesse saldo algum. Com efeito,
e) Essas criminosas transferências foram creditadas na dita conta do BCP uma no dia 16.09.2014 no valor de 49.733,45€ e outra no dia 17.11.2014 no valor de 49.733,45€, perfazendo o total de 99.466,90€, salientando que, em ambas as transferências, consta a referência do processo 175/12 de Vieira do Minho.
f) Também decorre dos artigos 220.º a 224.º que a arguida EE, nos dias 05/03/2017, 17/03/2017, 23/03/2017 e 26/03/2017, procedeu ao pagamento à arguida AA de uma elevada quantia de 403.252,98€ quando certo é que não havia sido depositado qualquer valor no processo judicial.
g) Como antes referido, em sede do crime de branqueamento, do decorrer da instrução resulta ainda que a arguida EE, no dia 16.03.2017, efetuou uma transferência bancária a favor da arguida AA sacada sobre a sua conta de agente de execução, no valor de 18.883,03€, referindo o processo 9372/13.1YYLSB, quando é certo que neste processo nenhuma quantia havia sido arrecada até então.
XV - O RAI NARRA MATÉRIA SUFICIENTE QUE PREENCHE OS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJECTIVOS DO CRIME DE PARTICIPAÇÃO EM NEGÓCIO EM COAUTORIA MATERIAL, NA FORMA CONSUMADA PP PELO ARTIGO 377.º/ 1 DO CÓDIGO PENAL.
a) O bem jurídico protegido pela incriminação é o património alheio (público ou particular) e, acessoriamente, a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário.
b) O tipo subjetivo admite qualquer modalidade de dolo. Não é necessário que o funcionário ou o terceiro obtenham efetivamente uma vantagem patrimonial ou não patrimonial, sendo suficiente que ele a tenha querido obter. – Ac. da RL de 25.06.2015.
c) O arguido FF, ao desempenhar as funções de agente de execução num processo judicial tem a qualidade de funcionário, nos termos do artigo 386.º n.º 1 al. c) do Código Penal. Destarte,
d) A qualidade de funcionário é comunicável, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, aos comparticipantes que a não possuam. O crime de participação económica tem a natureza de um crime de comparticipação necessária imprópria (ver sobre este conceito a anotação ao artigo 10.º), não sendo punível a contraparte no negócio ou acto jurídico realizado pelo funcionário. – Ac. da RL de 25.06.2015
e) O negócio concluído, de forma criminosa pelos arguidos, foi, pois, a venda judicial pelo arguido FF à arguida AA da quota do assistente na sociedade AA & Filhos, Lda., pelo valor nominal de 277,80€, quando sabiam e tinham obrigação de saber que o valor é sempre superior a 125.000,00, daí que não tenham procedido a qualquer diligência de avaliação.
f) Relevam os seguintes artigos do RAI: (a) quanto aos elementos objetivos 368.º, 375.º e (b) quanto aos elementos subjetivos 365.º e 376.º, concretizando que no artigo 376.º está descrita a facticidade relativa ao dolo do tipo e no artigo 365.º está descrita a relativa ao dolo específico (intenção conseguida de obter para a arguida AA vantagem patrimonial indevida).
XVI - O RAI NARRA MATÉRIA SUFICIENTE QUE PREENCHE OS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJECTIVOS DOS CRIMES DE PARTICIPAÇÃO EM NEGÓCIO EM COAUTORIA MATERIAL, NA FORMA TENTADA PP PELO ARTIGO 377.º/ 1 DO CÓDIGO PENAL
a) Valem mutatis mutandi todos os fundamentos axiológicos normativos relativos ao crime na forma consumada, admitindo, no entanto, após melhor estudo acerca do tipo, que os arguidos devem ser pronunciados pela comissão do crime na forma consumada.
b) Está em causa o negócio da venda dos prédios penhorados ao assistente no processo 14650/14, vendo-se da facticidade narrada que adrede o arguido FF, a mando e benefício dos arguidos AA e BB, atribuiu aos prédios de Vieira do Minho o valor de 26.080,00€ e que tomou a decisão de vender à (forjada) exequente pela miserável quantia de 22.000,00€ um bem que ressalta à vista de qualquer cidadão que era de valor muito, mesmo muito superior.
c) Face à reclamação do ali executado aqui assistente, o tribunal determinou a avaliação dos prédios a qual veio a atribuir o valor de 433.000,00€ muito superior aos 344.000,00€ e de longe os 22.000,00€, pelo que ao ter pretendido vender os prédios por, numa primeira resolução, por 22.000,00€ e depois por 344.000,00€ não há a menor dúvida que o arguido FF quis obter uma vantagem patrimonial ilegítima para os arguidos AA e BB, pelo que incurso está nestes crimes.
XVII - O RAI NARRA MATÉRIA SUFICIENTE QUE PREENCHE OS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJECTIVOS DOS CRIMES DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO AUTÊNTICO PP PELO ARTIGO 257.º AL. A) DO CÓDIGO PENAL
a) É o conceito civilístico de documento autêntico - «autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, por autoridades públicas, nos limites da sua competência – que é objeto da tutela penal.
b) Os documentos emitidos e emanados pelos agentes de execução são documentos judiciais que fazem fé pública do acto documentado, porquanto os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora.
c) Assim, ao elaborar edital de citação da de cujus fazendo constar “…uma vez que não foi possível apurar o paradeiro de V. Ex.a”, o arguido, a mando dos arguidos AA, BB e DD, inscreveu num documento autêntico um facto relevante que sabia ser falso, pois não olvidava que a citanda havia falecido no ano de 2003 e que com tal declaração visou converter em definito a penhora o que, aliás, quiseram e conseguiram.
d) Pelo que em relação aos 2 crimes de falsificação de documento autêntico, na forma consumada, da autoria do arguido FF, a mando e benefício dos arguidos AA e BB, relevam os seguintes artigos do RAI: (a) quanto aos elementos objetivos 385.º, 386.º e 387.º, e (b) quanto aos elementos subjetivos 388.º e 389.º.
XVIII - O RAI NARRA MATÉRIA SUFICIENTE QUE PREENCHE OS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJECTIVOS DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA 299.º N.º 1, 3 E 5 DO CÓDIGO PENAL.
a) Deste crime estão acusados todos os arguidos, ou seja, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II.
b) O bem jurídico protegido pelo crime de associação criminosa é a paz pública.
c) Resulta narrada factualidade suficiente que no ano de 2002 os arguidos AA, BB e CC, sob a liderança da primeira, se associaram, fundando a competente associação que a PJ insolitamente classificou de “família bem estruturada” para a prática do crime de abuso de confiança e branqueamento de capitais contra o assistente, a sociedade e a fazendo tributária.
d) Os restantes crimes são acidentais de necessidade, mas nem por isso deixam de relevar para o elemento caraterística da associação – intenção da prática de crimes de forma duradora e estável.
e) Os arguidos HH e II aderiram à associação criminosa por força da sua relação familiar e com o objetivo alcança de comungar dos fartos proveitos de tão intensa actividade criminosa agraciada até com a impunidade ou isenção fiscal dada pelo MP. - será sério negar isto e que as responsabilidades não devem ser apuradas?
f) Por seu turno, os arguidos DD e GG, assim como EE e FF, aderiram à associação praticando os factos criminosos à sombra do seu estatuto profissional, os primeiros de advogados e os segundos enquanto agentes de execução.
g) A associação ainda existe e funciona sob a mesma liderança da arguida AA, coadjuvada pelo arguido BB, que se assume com o estratega operacional no foro e onde mais que seja necessário, associação que continua impune e alegremente fruindo, com o beneplácito do MP e dos tribunais, dos fartos proveitos de tão intensa actividade criminal mesmo debaixo do olhar das autoridades jurisdicionais – parece surreal, mas não é!
h) Para este crime de associação criminosa, relevam os seguintes artigos do RAI: (a) quanto aos elementos objetivos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 13.º, 14.º, 15.º a 19.º, 20.º, 21.º a 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 36.º, 40.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 54.º, 57.º, 58.º a 69º, 70.º, 72.º a 80.º, 94.º, 106.º, 116.º, 117.º, 118.º, 119.º, 120.º, 121.º, 122.º, 127.º, 128.º, 129.º, 131.º, 132.º, 134.º, 135.º, 136.º, 137.º, 138.º, 140.º, 169.º, 170.º, 172.º, 175.º, 177.º, 181.º, 182.º, 183.º, 184.º, 185.º, 187.º, 188.º, 189.º, 190.º, 191.º, 192.º, 193.º, 195.º, 197.º, 202.º, 206.º, 222.º, 226.º, 227.º, 261.º, 271.º, 294.º, 295.º,296.º, 299.º, 307.º, 319.º, 333.º, 334.º, 335.º, 338.º, 339.º, 354.º, 360.º, 361.º, 362.º, 363.º, 365.º, 373.º, 375.º, 383.º, 385.º, 387.º, 390.º, 400.º, 401.º, 407.º, 408.º, 409.º, 410.º, 411.º, 416.º, 423.º, 424.º, 427.º, 429.º, 435.º, 439.º, 446.º, 447.º, 453.º, 455.º, 456.º, 457.º, 459.º, 464.º, 465.º, 466.º, 467.º, 468.º, 471.º, 504.º, 505.º, 506.º, 507.º, 508.º, 509.º, 510.º a 512.º, 513.º a 517.º, 518.º, 519.º, 520.º, e (b) quanto aos elementos subjetivos 194.º, 198.º, 200.º, 201.º, 203.º, 272.º, 298.º, 371.º, 374.º, 376.º, 386.º, 391.º, 392.º, 393.º, 405.º, 406.º, 422.º, 425.º, 426.º, 428.º, 430.º, 431.º, 433.º, 438.º, 441.º, 442.º, 443.º, 444.º, 445.º, 448.º, 449.º, 452.º, 458.º, 460.º, 461.º, 463.º, 469.º, 470.º, 472.º, 521.º..
XIX - O RAI NARRA MATÉRIA SUFICIENTE QUE PREENCHE OS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJECTIVOS DOS CRIMES DE FALSIDADE INFORMÁTICA PELO ARTIGO 3.º N.º 1 DA LEI N.º 109/2009, DE 15 DE SETEMBRO.
a) O bem jurídico tutelado pelo crime de falsidade informática é a integridade dos sistemas de informação (…) O tipo objetivo do crime preenche-se com a introdução, modificação, apagamento ou supressão de dados informáticos ou por qualquer outra forma de interferência num tratamento informático de dados, de que resulte a produção de dados ou documentos não genuínos, consumando-se o crime apenas com a produção deste resultado.” – Ac. da RC de 11.10.2023
b) Nestes crimes que se imputam à arguida EE, está em causa a manipulação do sistema informático de apoio à atividade dos agentes de execução pela arguida EE, a mando e no interesse dos arguidos AA e BB, quando para ocultar a existência de prédios e respetivas rendas, como resultava do teor da informação da Autoridade Tributária, de valor mais que suficiente para pagamento da quantia exequenda no processo 9505/12 fez constar, por cinco vezes, que não existiam prédios ou rendas suscetíveis de penhora e inclusive juntou aos autos prints da suposta consulta.
c) Relevam, para estes crimes, os seguintes artigos do RAI: (a) quanto aos elementos objetivos; 227.º, 232.º, 233.º, 235.º, 239.º, e (b) quanto aos elementos subjetivos 240.º.
XX - O RAI NARRA MATÉRIA SUFICIENTE QUE PREENCHE OS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJECTIVOS DOS CRIMES DE ABUSO PODER PELO ARTIGO 382.º DO CÓDIGO PENAL.
a) Abusa dos poderes que lhe são conferidos, o agente que desrespeita formalidades impostas por lei, ou actua fora dos casos estabelecidos na lei, (em violação da lei).
b) Está em causa o despojo do assistente do prédio de Campo de Ourique, onde, aliás, tinha a sua habitação desde décadas.
c) O arguido FF, ao abrigo de uma delegação de poderes, eivada de vícios que a tornavam ineficaz ou até inexistente, com o intuito alcançado de evitar que o tribunal autorizasse o fracionamento do prédio, desrespeitando as formalidades legais apressou-se, em substituição da coarguida EE, a proceder à entrega do bem, em face do que o tribunal considerou prejudicado o requerimento do assistente ali executado.
d) Há factos que falam por si. Não são necessárias grandes justificações.
e) O crime foi, pois, cometido pelo arguido FF, a mando e a benefício dos arguidos AA e BB, relevam os seguintes artigos do RAI: (a) quanto aos elementos objetivos 330.º, 331.º, 332.º, 333.º, 334.º, 335.º, 336.º, 338.º, 339.º, 341.º, 342.º, 343.º, 344.º, 345.º a 349.º, 353.º, e (b) quanto aos elementos subjetivos 350.º, 351.º, 352.º, 354.º, 355.º, 356.º, 357.º, 358.º, 359.º, 361.º e 362.º.
XXI - RECURSO DO DESPACHO QUE ABORTOU A INSTRUÇÃO E DO PROFERIDO NO DEBATE INSTRUTÓRIO QUE INDEFERIU O REQUERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA SUPLEMENTAR
a) Este recurso abrange outrossim o enigmático (porque não fundamentado) despacho de fls. 10422 bem como do despacho proferido no início do debate instrutório que inferiu o requerimento do assistente para que fosse proferida a prova em falta bem como outra que se afigurava como suplementar.
b) Repetimos as conclusões apresentadas no anterior recurso, rejeitado por irrecorribilidade do primeiro despacho.
c) O referido despacho de fls. 10422, refere “...não vislumbrando outros atos instrutórios a realizar...” e com referência “...atentas às finalidades da instrução...”.
d) Antes de todo o mais, porque o despacho sub judice se refere aos prazos de realização da instrução, invocamos que não só se trata de um prazo meramente indicador que não tem in casu cominado qualquer efeito preclusivo de actos processuais praticados, nem pode servir de pretexto rectius de fundamento para a não realização de diligências obrigatórias e essenciais e que, aliás, já haviam sido ordenadas no processo.
e) Aliás, o assistente tem pugnado pela aceleração do processo e só não lançou mão do respetivo expediente porque, ainda assim, considera que os atrasos verificados têm justificação quer pela suspensão dos prazos devido à pandemia quer à própria morosidade de aquisição do tipo de prova.
f) Que, aliás, consiste na recolha de prova documental em instituições bancárias e outras, lembrando que o processo, além dos seus apensos, já tem mais de 10 000 páginas e delas resulta exuberante prova da matéria criminosa e mais bem descrita no nosso libelo.
g) O assistente foi vítima e lesado em vários milhões de euros pela conduta criminosa que imputa aos arguidos (a cabecilha da associação é sua irmã), conduta que de resto se tem indiciado cada vez mais.
h) Sendo certo que os crimes em causa são em concurso real de abuso de confiança qualificada, falsificação de documentos, branqueamentos de capitais, burla agravada, falsificação de documentos, corrupção de agente de execução, peculato, participação em negócio e de falsificação de documentos autêntico e de associação criminosa.
i) O tribunal a quo no despacho de 22.02.2021, a fls. 2205, declarou – e com total acerto - aberta a fase de instrução e ordenou a realização das diligências requeridas, estando parte delas em curso não se tendo ainda estabilizado a produção da prova documental.
j) No que toca à produção de prova, a instrução requerida pelo assistente, em caso de arquivamento pelo MP, funciona como que um prolongamento da atividade instrutória da causa, em razão de apreciar a sua submissão ou não a julgamento valendo e cabendo todas as provas admissíveis, i. e., que não sejam proibidas e que não constem já do processo.
k) Faz-se ou ordena-se tudo o que for necessário à instrução da causa, só mudando o órgão e fase em que os actos se praticam, ou no melhor dizer de Germano Marques da Silva, “No requerimento da instrução o assistente tem de indicar os factos, mas a indiciação desses factos pode resultar dos actos de instrução requeridos.” - in Curso de Processo Penal, III, Verbo 2000, pág. 140.
l) Ao contrário do que sucede com o juiz de julgamento, o juiz de instrução não é passivo, pois, face ao requerimento do assistente e limitado pela matéria, vai promover o processo (verdadeiro significado ou desígnio do artigo 32.º/4 da Constituição) substituindo-se ao Ministério Público que nas vistas pode/deve corrigir os seus erros pugnando pela aplicação do Direito e da Justiça ao caso concreto o que ainda não sucedeu.
m) Este modelo processual, na verdade, assenta na garantia constitucional da reserva de juiz em sede de “instrução” e é uma manifestação do princípio da separação e interdependência de órgãos e funções do poder público, funcionando em si mesmo como uma poderosa garantia (de tipo organizatório) da boa administração da justiça penal.
n) Nomeadamente permite a reparação de prévias decisões incorretas ou ilegais do MP, em detrimento do arguido ou do assistente, os quais são assim postos em paridade e gozam dos mesmos recursos processuais, no caso o poder de desencadear a comprovação judicial da acusação ou do arquivamento [Constituição, arts. 32.º, n.º 4, e 111.º, n.º 1, e Código de Processo Penal, art.º 287.º, n.º 1, als. a) e b). – Cfr. citação do DMMP no Tribunal Constitucional.
o) A prova a considerar para a decisão instrutória, não depende da qualidade dos intervenientes processuais que a requereram, nem tem de ser apenas a recolhida na fase de inquérito, mas, sim, o resultado do somatório da prova recolhida neste com a prova a produzir na fase de instrução.
p) O despacho recorrido é ilegal, aliás, inexistente, porquanto “Admitida a abertura de instrução, ficou esgotado o poder jurisdicional quanto a tal questão, pelo que não pode o juiz, posteriormente e por ter estudado a matéria mais profundamente, considerar que aquela é inadmissível. Estes normativos visam assegurar a estabilidade da decisão judicial, tutelando a segurança jurídica e acautelando a arbitrariedade decisória, em homenagem aos princípios da boa-fé e lealdade processual que também aos magistrados se impõem.”
q) A lei estabelece que durante a instrução podem/devem ser produzidas provas e recolhidos indícios que não resultassem já do inquérito, cfr. art.º 308.º/1 do CPP.”.
r) O juiz de instrução não pode, nem na abertura da instrução nem no seu decurso analisar a suficiência das provas constantes do inquérito e decidir-se pela rejeição das diligências de prova que havia ordenado, ainda que posteriormente conclua pela suficiência ou insuficiência da mesma para a decisão instrutória.
s) “Esse entendimento, violando o caso julgado formal, redundaria, afinal, em privar o assistente do direito constitucional à prova essencial à sustentação da sua posição no debate instrutório, o ato nuclear da instrução, que se destina a habilitar o juiz de instrução, mediante o contraditório oral das partes, a decidir sobre a existência de “indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento” (art.º 298.º do CPP).
t) Sem a prova e inerente debate contraditório perante o juiz, o assistente veria, afinal, desproporcionadamente reduzido o seu direito de acesso ao direito e à justiça.
u) Tendo o Tribunal proferido despacho, que admitiu a abertura da instrução e agendou data para a realização de determinadas diligências, criou-se a legítima expectativa de que iria praticar todos os actos atinentes a essa fase processual, não podendo, por despacho posterior, reponderar a sua decisão sem que qualquer alteração de circunstâncias tivesse sobrevindo, e decidir não admitir o que já se mostrava admitido, pois que sobre tal matéria se encontrava esgotado o seu poder jurisdicional.
v) Na instrução a requerimento do assistente, o juiz investigará os factos descritos no requerimento instrutório e se os julgar indiciados e nada mais obstar ao recebimento da acusação pronunciará o arguido por esses factos (artigos 308º e 309º)»; «Não há lugar a uma nova acusação, o requerimento do assistente funcionou como acusação e, assim, se respeita, formal e materialmente a acusatoriedade do processo. Por outro lado,
w) Nos termos do artigo 120, nº 2, alª d), do Código de Processo Penal, constituem nulidades dependentes de arguição, além das que foram cominadas noutras disposições legais, a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
x) Prova é o pressuposto da decisão jurisdicional.
y) Destarte, e insistindo: A omissão de produção de meio de prova necessário, ou seja, essencial para a descoberta da verdade e, consequente, boa decisão da causa, quer a sua produção haja sido ou não requerida, constitui a nulidade relativa prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP.
z) Nos autos mostram-se por praticar actos obrigatórios e actos absolutamente necessários à finalidade da instrução, aliás, já ordenados, mas aparentemente prejudicados pelo despacho recorrido.
aa) Como atos obrigatórios em falta, temos; a) Constituição formal dos arguidos; b) Inquirição dos arguidos; c) Realização da perícia económica e financeira; d) Levantamento do sigilo profissional dos advogados arrolados como testemunhas.
bb) Como atos absolutamente necessários omitidos, temos: a) Recolha da informação do Banco de Portugal das contas bancárias existentes em nome da de cujus à data do decesso; b) Posterior intimação às respetivas instituições bancarias a fornecerem os extratos e demais documentação das consta que se vierem a localizar em nome da de cujus; c) Inquirição das testemunhas; d) Recolha, mediante apreensão dos elementos de contabilidade da sociedade AA & Filhos, Lda. na medida em que a “vista” da PJ às instalações da sociedade no CHIADO não só não cumpriu o que havia doutamente sido determinado, como se revela absolutamente necessário para melhor indiciar o destino dos milhões de euros já detetados como desviados; e) Avaliação do prédio de Campo de Ourique já ordenada, mas não efetuada não obstante a nomeação de perito, havendo rumores que à semelhança do passado recente os arguidos o terão abordado, razão pela qual nada foi feito.
cc) A estas diligências, previamente ordenadas no despacho de abertura de instrução, admitidas, melhor se referem os nossos requerimentos de 03/06/2021, 17/06/2021, 02.07.2021, 05.07.2021, 11.07.2021, 01/09/2021, 18/11/2021, 18/08/2022
dd) Atenta a materialidade subjacente à prática dos crimes imputados aos arguidos, a aquisição da prova documental é dinâmica e em face de uma que se passa a conhecer torna-se necessário conhecer de outra, ou seja, trata-se de uma atividade probatória dinâmica e que carece de estabilização quando se apresenta isenta de lacunas que possam ser suprimidas.
ee) Por isso, não pode o juiz de instrução, contrariando o anterior despacho de abertura de instrução, antecipar o debate instrutório, sem que a aquisição da prova documental esteja estabilizada, assim como realizadas as demais diligências e necessárias, ainda que estejam ultrapassados os prazos indicadores da lei para a realização da instrução.
ff) É inconstitucional, por violar o artigo 20.º/4 e 32.º/7 da Constituição, a norma extraída dos artigos 286.º/1, 289.º/1, 292.º/1, 291.º/1, 297.º todos do Cód. Proc. Penal, na interpretação de que, na fase de instrução, a requerimento do assistente/ofendido, o juiz de instrução pode no decurso desta designar a data para o debate instrutório, sem que estejam praticados os actos de recolha de prova (obrigatórios e necessários) que haviam sido requeridos, admitidos e ordenados, ainda que naquele momento posterior não vislumbre outros atos instrutórios a realizar.
gg) O recorrente, logo no início do debate instrutório, renovou o requerimento de produção de prova omitida o que foi indeferido pelo tribunal a quo, por não se conter dentro dos temas enunciados, tendo à cautela apresentado reclamação que a esta data não foi decidida.
NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS E SENTIDO EM QUE DEVEM SER APLICADAS
A) Os despachos recorridos, violaram as normas constantes nos artigos 286.º/1, 289.º/1, 292.º/1, 291.º/1, 297.º, todos do Cód. Proc. Penal e artigos 97.º/1 al b) conjugado com os artigos 613.º/3 e 620.º/1 do Cód. Proc. Civil ex vi artigo 4.º do Cód. Proc. Penal, devendo estas normas serem interpretadas e aplicadas no sentido expresso nas conclusões deste recurso.
B) Já a decisão instrutória, de não pronúncia, violou as normas constantes no disposto nos artigos 286.º/1, 289.º/1, 292.º/1, 291.º/1, 297.º, todos do Cód. Proc. Penal e artigos 97.º/1 al b) conjugado com os artigos 613.º/3 e 620.º/1 do Cód. Proc. Civil ex vi artigo 4.º do Cód. Proc. Penal, devendo estas normas serem interpretadas e aplicadas no sentido expresso nas conclusões deste recurso.
C) Assim como as normas dos artigos 205.º n.º 5, 217.º n.º 1, 218.º n.º 2, als. a) e d), 256.º n.º 1 al. d), 257.º al. a), 299.º n.º 1, 3 e 5, 368.º - A n.º 1, 2 e 6, 373.º n.º 1, 375.º n. º1, 377.º n.º 1, 382.º, todos do Código Penal e artigo 3.º n.º 1 da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, devendo estas normas serem interpretadas e aplicadas no sentido expresso nas conclusões deste recurso
Termina requerendo que sejam revogadas as decisões recorridas, ordenando-se ao tribunal a quo que realize as diligências de instrução em falta e, a final, pronuncie os arguidos pelos factos e qualificação jurídica constante no requerimento de abertura de instrução, fixando-se o prazo imediato para a constituição formal dos arguidos e eventual aplicação de medidas de coação, assim como fixado o prazo máximo para conclusão da instrução.
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Admitido o recurso no Tribunal a quo o Ministério Público respondeu ao mesmo nos seguintes termos:
Inconformado com a decisão instrutória de não pronúncia proferida nos autos, o assistente JJ interpôs o recurso a que ora se responde, alegando, em suma, que o requerimento de abertura de instrução obedece aos requisitos que constam dos art.º 287º nº2 e 283º do C.P. Penal, contendo a descrição da matéria factual e elementos probatórios que indiciam a prática pelos arguidos dos crimes de abuso de confiança qualificado, de falsificação de documento, de branqueamento de capitais, de burla qualificada, de corrupção passiva de peculato, de participação económica em negócio, de associação criminosa de abuso do poder e de falsidade informática.
Invoca, igualmente, o assistente, ora recorrente, a inadmissibilidade legal da decisão instrutória por violação do caso julgado formal com fundamento na falta de descrição de elementos dos tipos de ilícitos criminais imputados, a nulidade da decisão instrutória por falta de elenco dos factos indiciariamente provados e não provados e a nulidade da mesma por falta de fundamentação e a nulidade do inquérito, por omissão de diligências necessárias e essenciais à descoberta da verdade.
Contudo, não parece assistir razão ao recorrente.
Senão vejamos:
Desde logo, cumpre referir que a decisão instrutória, no nosso entender, não violou o princípio do caso julgado, por a instrução já ter sido anteriormente admitida por despacho proferido nos autos.
Com efeito, o despacho que declarou aberta a fase de instrução é um mero despacho tabular, que não se debruçou sobre o objecto do processo, nem do requerido pelo assistente, sendo um despacho que nada decidiu para além de admitir a instrução, tanto mais que não é passível de recurso por parte do assistente nem dos arguidos, por estes não terem interesse em agir - art.º 401º nº 1 al. b) e 2 do C.P. Penal.
O assistente alega que a decisão instrutória padece do vício da nulidade prevista nos art.º 308º n.º e 283º, 3 al. b) do C.P. Penal, por não especificar os factos que considera indiciados e os não indiciados, existindo uma ausência da fundamentação de facto.
Desde logo, cumpre referir que a decisão instrutória não pronuncia os arguidos pela prática dos crimes que o assistente lhes imputa no requerimento de abertura de instrução, por considerar que a factologia alegada em tal requerimento é manifestamente insuficiente relativamente à descrição de factos que a indiciarem-se, permitissem concluir pela prática de qualquer um dos crimes aí constantes, o que torna a instrução requerida pelo assistente legalmente inviável, na justa medida em que qualquer despacho de pronúncia que fosse eventualmente proferido nestes autos seria nulo, por força do disposto nos art.º 308º nº 1, 309º nº 1 e 303º n.º 3, todos do C.P.Penal.
Acresce que nunca se verificaria tal nulidade, porquanto a discussão dos indícios no despacho instrutório não está incluída no art.º 308º n.º 2 conjugado com o art.º 283º, n.º 3, ambos do C.P. Penal.
Inexiste qualquer especial regime normativo - disciplinante quer da forma quer do conteúdo justificativo da decisão instrutória de não pronúncia, similar ao que o legislador reservou para as sentenças/acórdãos estabelecidas pelos art.º 374º, 375º nº 1 e 379º nº 1 al. a), todos do C.P.Penal.
Seguimos o entendimento de que a falta de fundamentação constitui uma irregularidade processual (art.º 97º nº 5 e 12º do C.P.Penal) que no caso afecta o valor do acto e poderá ser suprida a todo o tempo, pelo que, ainda que não seja arguida, pode ser reparada oficiosamente ou mandada reparar pela autoridade judiciária competente (neste sentido, vd. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-1-2024, Proc. 2446/20.9T9CBR).
No caso concreto, entende-se não se encontrar verificada a irregularidade abrangida pela estatuição do art.º 123º do C.P.Penal, uma vez que não se verifica omissão dos reais fundamentos da decisão de não pronunciar os arguidos pelos factos referenciados no requerimento de abertura de instrução.
A decisão de não pronúncia dos arguidos pelos crimes que o assistente lhes imputa no requerimento de abertura de instrução explicita e exterioriza, no respectivo texto, os fundamentos de facto e de direito que a sustentam, encontrando-se suficientemente fundamentada, pois assenta na insuficiência da alegação de factos que integram os elementos objectivos dos crimes imputados, concluindo pela inviabilidade legal da instrução.
Assim, o despacho de não pronúncia, está formal e suficientemente escorreito, não padecendo de falta de fundamentação, nem se encontra ferido de qualquer irregularidade ou nulidade.
Por outro lado, e no que concerne à invocada nulidade de inquérito por terem sido omitidas diligências necessárias e essenciais à descoberta da verdade dos factos (art.º 120º nº 2 al. d) do C.P.Penal), cumpre referir que a mesma apenas tem lugar quando não tenham sido realizadas diligências de investigação legalmente obrigatórias.
Assim, a omissão de diligências não obrigatórias, apesar de requeridas pelo assistente, não determina a nulidade do inquérito, pois é ao Ministério Público, como titular de tal fase processual, e a quem cabe a direção do inquérito que cabe apreciar e decidir da realização das diligências a levar a cabo nessa fase, com base na sua necessidade e pertinência para a descoberta da verdade material (art.º 262º, 263º e 267º, todos do C.P.Penal).
Se é verdade, que, nos termos previstos no art.º 272 nº 2 do C.P.Penal, «Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la», a constituição de um denunciado como arguido pressupõe «uma suspeita fundada da prática de crime», pelo que, tendo o Ministério Público concluído não ter recolhido indícios da prática de qualquer crime, não estava obrigado a constituir qualquer dos denunciados nessa qualidade.
Assim, tem-se como não verificada qualquer nulidade do inquérito, nos termos previstos no art.º 120º nº 2 al. d) do C.P.Penal.
Em face da prova colhida na fase de inquérito, o Ministério Público concluiu que o acervo probatório recolhido não permite extrair indícios suficientes da verificação de qualquer ilícito criminal, designadamente os de abuso de confiança qualificado, de falsificação de documento, de branqueamento, de burla qualificada, de participação económica em negócio, de branqueamento, e, em consequência, determinou o arquivamento dos autos ao abrigo do disposto no art.º 277 nº 2 do C. P. Penal.
O assistente recorrente pretendia comprovar em sede de instrução a indiciação suficiente dos factos objecto da sua denúncia, indicando factos e meios de prova que conduzissem à comprovação jurisdicional dos pressupostos para ser proferido despacho de pronúncia contra os arguidos.
Como doutamente se refere no despacho recorrido, não é por acaso que nas exigências formais do requerimento de abertura de instrução do assistente se faz referência às formalidades da acusação previstas nas alíneas b) e c) do nº 3 do art.º 283º do C. P. Penal, pois pretende-se que o requerimento de abertura de instrução constitua uma verdadeira acusação, que permitindo aferir-se além das razões de discordância, dos meios de prova e da identidade dos agentes do crime, dos factos devidamente circunstanciados que servem de imputação a concretos tipos criminais.
Tal sentido foi sufragado no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Setembro de 2011 relatado pelo Juiz Desembargador Almeida Cabral, do qual se transcreve o respectivo sumário (in dgsi.pt - proc. 93/09.5PEPDL.Ll-9):
«I- O requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, haverá de assemelhar-se em tudo a uma verdadeira acusação, de tal modo que, no âmbito da instrução, seja possível discutirem-se, de forma inequívoca e exaustiva, quer os factos, quer o direito;
II- Aquele requerimento terá de conter a descrição dos factos, ainda que sintética, e a indicação das disposições legais aplicáveis, desse modo delimitando o objecto do processo e assegurando o princípio do acusatório, assim se respeitando direitos de defesa do arguido;
III- É a própria lei (art.º 309º do C. P. Penal), que considera ferida de nulidade, a decisão instrutória que pronunciar o arguido por factos que constituem alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público, do assistente, ou no requerimento para abertura da instrução.»
Contudo, o assistente recorrente no seu requerimento de abertura de instrução, conforme bem se ilustrou no douto despacho recorrido, não articulou a factualidade de modo encadeado, lógico e coerente, e de modo assertivo quanto à delimitação espácio-temporal e do agente, de modo a poder subsumi-la aos elementos objectivos e subjectivos dos tipos criminais imputados.
Com efeito, da leitura do requerimento de abertura de instrução, desde logo, ressalta que não é descrita a concreta actuação dos agentes, donde resulte a sua responsabilidade jurídico-penal pelos factos denunciados e o elemento subjectivo dos ilícitos criminais imputados.
Por outro lado, o assistente, ora recorrente, limita-se a invocar as razões da sua discordância relativamente aos fundamentos do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, sem descrever a concreta e individual conduta dos arguidos que preencha os elementos constitutivos dos crimes por que pretende que os mesmos sejam pronunciados, o grau de participação de cada um nos factos, omitindo igualmente o elemento subjectivo que presidiu ao cometimento dos mesmos.
Mantendo o assistente a perseverança de factos penalmente relevantes e requerendo a instrução para comprovação de factos donde retira esse juízo de culpabilidade dos arguidos, não pode deixar de descrever factos (concretos) que imputa aos mesmos, de modo a que estes tenham possibilidade de organizar a sua defesa e contraditar, pontual e especificadamente, cada um dos factos que lhes hajam sido assacados no requerimento de abertura da instrução.
Assim, quando o requerente da instrução é o assistente, o limite tem de ser definido pelos termos em que, segundo o próprio, deveria ter sido deduzida acusação e, consequentemente, não deveria ter sido proferido despacho de arquivamento.
Em rigor, por um modelo de requerimento que deve ter o conteúdo de uma acusação alternativa, ou, materialmente, da acusação que o assistente entende que deveria ter sido produzida, fundada nos elementos de prova recolhidos no inquérito, de onde constem os factos que considerar indiciados e que integrem o crime, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o princípio do contraditório, de acordo com o disposto nos art.º 308º e 309º do C. P. Penal.
Conforme ensina o Prof. Germano Marques da Silva (in «Do Processo Penal Preliminar», pág. 254), «o Juiz está substancial e formalmente limitado na pronúncia aos factos pelos quais tenha sido deduzida acusação formal, ou tenham sido descritos no requerimento do assistente e que este considera que deveriam ser o objecto da acusação do M.P.. O requerimento para a abertura da instrução formulado pelo assistente constitui substancialmente uma acusação alternativa (ao arquivamento ou à acusação deduzida pelo M.P.), que dada a divergência assumida pelo M.P. vai necessariamente ser sujeita a comprovação judicial».
Resulta, assim, que o requerimento para abertura da instrução formulado pelo assistente, na sequência do despacho de arquivamento do M.P. equivale a uma acusação e, tal como esta, define e delimita o objecto do processo, que deve manter-se o mesmo até ao trânsito em julgado da decisão.
Não descrevendo suficientemente os factos que permitam sustentar a imputação objectiva dos crimes aos arguidos, pelos quais supostamente requer a pronúncia, e não podendo o Tribunal ultrapassar tal omissão (art.º 309º nº 1 do C.P.Penal), o objecto do processo sobre o qual este Tribunal se podia debruçar mostra-se inútil, porque nunca dele derivaria a pronúncia de qualquer pessoa, tornando inadmissível o procedimento, pelo que mais não restaria ao Mmo. Juiz «a quo» do que decidir ser a instrução inviável, nos termos do disposto no art.º 2872 n.º 3 do C.P. Penal, tanto mais que, conforme Ac. de fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2005, publicado no D.R., Série I-A, de 4-11-2005, é legalmente inadmissível a prolação de despacho de aperfeiçoamento.
Termina pugnando pela não verificação de qualquer das nulidades invocadas e por a instrução ser legalmente inviável devendo ser negado provimento ao recurso interposto pelo assistente e confirmada a decisão instrutória de não pronúncia recorrida.
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Apenas o arguido BB apresentou resposta ao recurso interposto pelo assistente extraindo da motivação as seguintes conclusões:
A) O inquérito dos presentes autos teve início em denúncia apresentada por JJ e culminou com despacho de arquivamento proferido no dia 26-05-2020.
B) Na sequência daquele despacho, o denunciante constituiu-se Assistente, requereu abertura de instrução (cf. 68.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, alínea b) e 287.º, n.º 1, alínea b) do CPP) pretendendo imputar ao Arguido 932 crimes.
C) Aberta a fase de instrução e realizadas diversas diligências de prova requeridas pelo Assistente, bem como o debate instrutório, o Mm.º Juiz de Instrução proferiu despacho de não pronúncia, por considerar:
a. não se verificar a exceção dilatória de caso julgado;
b. não existir violação do princípio do Juiz natural;
c. não existir nulidade por insuficiência de inquérito porquanto o Ministério Público no decurso do inquérito, levou a cabo todas as diligências de investigação que reputou necessárias, e, após, por despacho que integra fls. 1725 a 1737, procedeu ao arquivamento do inquérito”',
d. não se verificar a nulidade decorrente da não constituição dos Denunciados (à exceção de HH) como Arguidos, uma vez que “(...)a dedução de acusação (leia-se, a dedução de requerimento de abertura de instrução), contra alguém determinado, importa a constituição do visado ope legis como arguido (...)
que a instrução requerida é legalmente inviável porque “(...) a factologia alegada no requerimento de abertura de instrução é insuficiente para permitir a imputação a qualquer um dos arguidos (...), de qualquer um dos crimes que lhes são assacados naquele requerimento, em virtude de tal requerimento ser manifestamente insuficiente relativamente à descrição de factos que, a indiciarem-se, permitissem concluir pela prática de qualquer um dos crimes em causa, pelo que qualquer despacho de pronúncia que fosse proferido seria nulo, nos termos do disposto nos artigos 308.º, n.º 1, 309.º,n.º 1 e 303.º, n.º 3 todos do Cód. Processo Penal” (negrito nosso).
D) Após indeferimento do requerimento de arguição de nulidades da decisão instrutória, o Assistente interpôs o presente recurso em 26/04/2024 que mereceu despacho de admissão em 25/06/2024.
E) Nas alegações de recurso o Recorrente refere não se conformar com o despacho de não pronúncia alegando em síntese que:
a) o Mmº Juiz de Instrução não reconheceu a alegada nulidade de inquérito por omissão de diligências necessárias e essenciais à descoberta da verdade (artigo 120º nº 2 al. d) e nº 3 al. c).
b) a decisão recorrida enferma de nulidade por “falta de elenco dos factos indiciariamente provados e não provados”.
c) a decisão recorrida sofre de nulidade por total falta de fundamentação relativa à decisão de que o requerimento de abertura de instrução é legalmente inviável e por “contradição entre os fundamentos e a decisão”.
d) existe inadmissibilidade legal da decisão recorrida por “violação do caso julgado formal do despacho de não pronúncia (ou de rejeição) com fundamento na falta de descrição dos elementos do tipo
e) existe “suficiência de descrição no RAI dos elementos objetivos e subjetivos de cada um dos crimes imputados aos arguidos”.
F) Decorre, ainda, das conclusões de recurso (página 138) que o Recorrente, também, não se conforma com o i) despacho de 8 de julho de 2022 (fls. 10422) bem como ii) despacho proferido no início do debate instrutório (em 12-01-2024) que indeferiu o requerimento do Assistente para que fosse proferida a putativa prova em falta, bem como outra que este afigurava como suplementar (sic).
G) O Recorrente, sob pretexto de apresentar recurso da decisão instrutória, apresentou ainda recurso de outros dois despachos: despacho com data de 08 de julho de 2022 (fls. 10422); ii) despacho proferido no início do debate instrutório (em 12-01-2024) que indeferiu o requerimento do Assistente para que fosse proferida a putativa prova em falta, bem como outra que este afigurava como suplementar (cf. página 138 das conclusões de recurso).
H) O segmento do recurso referente ao despacho de 08 de julho de 2022 deve ser rejeitado por irrecorribilidade nos termos do artigo 620º, n.º 1 e 628º do CPC ex artigo 4º do CPP porquanto:
a) o Recorrente já tinha exercido o direito ao recurso daquele despacho (fls. 10422) em 30-09-2022 (fls. 10535 a 10550).
b) recurso esse que foi admitido em 11-10-2022 e rejeitado por irrecorribilidade em decisão sumária de 11-05-2023, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-06-2023.
c) o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-06-2023 formou caso julgado formal.
I) O conhecimento deste segmento recursivo pelo Tribunal ad quem violaria o princípio do caso julgado formal.
J) O segmento do recurso relativo ao despacho proferido no início do debate instrutório (em 12-01-2024), também deve ser rejeitado por extemporaneidade, uma vez que:
a) o despacho foi proferido oralmente no início do debate instrutório realizado no dia 12-01-2024;
quando o Assistente interpôs recurso desse despacho, em 26-05-2024, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo de 30 dias a que se refere o artigo 411º, nº 1 alínea c) do CPP.
K) O conhecimento deste segmento recursivo pelo Tribunal ad quem violaria o princípio da preclusão do direito ao recurso.
L) O Recorrente invoca nas alíneas a) a g) do ponto III das conclusões de recurso a nulidade do inquérito por omissão de diligências necessárias e essenciais à descoberta da verdade material por referência à alínea d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP. Entende o Recorrente que:
a) o Ministério Público omitiu a realização de diligências que eram necessárias para a investigação da verdade;
b) a nulidade do inquérito pode verificar-se sempre que existe omissão de atos legalmente obrigatórios e ainda quando existe omissão de outros atos de interpôs o presente recurso em 26-04-2024, que mereceu despacho de admissão em 25-06-2024.
M) A interpretação do Recorrente não procede porque:
a) a segunda parte da alínea d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP que prevê a “omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade material” (negrito e sublinhado nosso) alude não à fase de inquérito e de instrução a que faz referência a primeira parte da alínea, mas antes às fases posteriores do processo, i.e., à fase de julgamento e recurso;
b) a interpretação seguida pelo Recorrente, que pretende aplicar a segunda parte da alínea d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP à fase de Inquérito, é inconstitucional por violar o princípio do acusatório previsto no artigo 32.º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.
N) Ao Juiz de Instrução cabe, quando arguida a nulidade do inquérito nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 120º do CPP, sindicar apenas se o Ministério Público omitiu atos legalmente obrigatórios.
O) Foi precisamente nesse exercício que o Mm.º Juiz de Instrução decidiu não existir omissão de atos legalmente obrigatórios, pelo que deve improceder a nulidade invocada pelo Recorrente nas alíneas a) a g) do ponto III das conclusões de recurso e, em consequência, deve manter-se a douta decisão recorrida.
P) O Recorrente invoca em todas alíneas dos pontos VII a XX que existe “suficiente descrição no RAI dos elementos objetivos e subjetivos dos crimes”. Porém, não lhe assiste razão.
Q) As 120 páginas do requerimento de abertura de instrução não narram os concretos comportamentos do Arguido impostos pelo artigo 287.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPP conjugado com o artigo 283.º, n.º3, alínea b) e d) do CPP e necessários para a sua defesa pela prática de 932 crimes, apenas constituem a pretensão do Assistente em sindicar, de novo, factos que já foram apreciados por decisões proferidas por Tribunais de juízo cível, de execução e de comércio já transitadas em julgado.
R) O que o Recorrente pretende é revisitar de novo esses factos e questões jurídicas sob a perspetiva de ter existido um conluio entre a sua filha, a sua irmã, o seu cunhado, os seus sobrinhos, os agentes de execução e advogados que patrocinaram esses processos para se apropriarem da totalidade da herança aberta por óbito da sua mãe em 19-11-2003.
S) O requerimento de abertura de instrução apresentado pretende demonstrar que na sequência desse conluio, os referidos processos improcederam e, em consequência:
a) o Assistente foi destituído do cargo de gerente da sociedade AA & Filhos, Lda.;
b) foi realizada venda executiva do seu quinhão hereditário;
c) foi realizada penhora e venda executiva do seu direito de propriedade de prédio sito em Campo de Ourique;
d) foram ocultados bens da herança, nomeadamente rendas provenientes de arrendamento de imóveis e proveitos da sociedade AA & Filhos, Lda., decorrentes da exploração da pastelaria …, bem como de uma indemnização paga pelo Metropolitano de Lisboa àquela sociedade na sequência de obras de construção da estação de metro no Chiado.
T) O Recorrente pretende revisitar, a final, esses factos e questões jurídicas que já foram apreciadas por decisões já transitadas em julgado.
U) No requerimento de abertura de instrução o Assistente não narrou os concretos factos que originaram a lesão dos putativos bens jurídicos, nem no tempo, nem no espaço (elemento objetivo); não descreveu a factualidade que, a indiciar-se, permitiria concluir que o Arguido atuou, para cada um dos 932 crimes, com culpa (elemento subjetivo); não identificou o prejuízo ilícito causado pelos denunciados.
V) Aquele requerimento também é omisso quanto ao elemento subjetivo. Não basta a enunciação genérica e tabelar de que todos os arguidos agiram livremente e conscientemente, hem sabendo que a sua conduta é punida por lei, conforme invocado pelo Recorrente na alínea a) do ponto VIII das conclusões de recurso por referência ao artigo 521 do requerimento de abertura de instrução, para que se preencha o elemento subjetivo, é necessária a descrição dos concretos factos que o suportam.
W) A falta de descrição do elemento objetivo e subjetivo dos crimes imputados ao Arguido:
a) implica a nulidade do requerimento de abertura de instrução nos termos conjugados dos artigos 283º n.º 3, alínea b) e d) com referência ao artigo 287º, nº 1, alínea b) e n.º 2 do CPP;
b) não permitem ao Juiz de Instrução devolver os autos ao Ministério Público ou convidar o Assistente para aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução (cf. acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2005 de 4/11);
c) também não permitem ao Mm.0 Juiz a quo aditar pela sua pena factos diversos daqueles que constam naquele requerimento, sob pena de nulidade (cf. artigo 309.º do CPP).
X) Termos em que deve improceder todo o argumentário constante de todas as alíneas dos pontos VII a XX das conclusões de recurso e, em consequência, deve manter-se a douta decisão instrutória recorrida.
Y) Apesar do alegado pelo Recorrente nas alíneas a) a i) do ponto IV das conclusões de recurso, não existe qualquer “nulidade total falta de fundamentação relativa à decisão de que o requerimento de abertura de instrução é legalmente inviável”, uma vez que constam da decisão recorrida os fundamentos de facto e de direito que sustentaram o despacho de não pronúncia dos Arguidos por omissão dos elementos impostos pelo artigo 283.º, n.º 3, alínea b) e d) e artigo 287.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPP.
Z) Também não existe qualquer “contradição entre a decisão de que o requerimento de abertura de instrução é legalmente inviável” nem entre a fundamentação da decisão” como alega o Recorrente nas alíneas a) a j) do ponto V das conclusões de recurso, porquanto:
a) o Mm. 0 Juiz de Instrução analisou as nulidades e questões prévias ou incidentais que possa e/ou deva conhecer conforme dispõe o artigo 308º, n.º 3 do CPP;
b) nesse exercício constatou uma total ausência da descrição das concretas condutas dos Arguidos que podiam permitir a verificação do nexo de causalidade entre esses factos e os crimes imputados;
c) atenta a ausência total desses factos decidiu proferir despacho de não pronúncia.
AA) O Mm.º Juiz de Instrução decidiu em conformidade com a lei, proferindo despacho de não pronúncia, atenta a falta de narração dos concretos comportamentos dos Arguidos, pois:
a) não podia alterar ou completar o requerimento de abertura de instrução, sob pena de nulidade por pronunciar os arguidos por factos diversos daqueles que constam naquele requerimento (cf. artigo 309.º do CPP);
b) não podia convidar o Assistente a aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução conforme acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2005 de 04 de novembro;
c) não podia efetuar uma análise crítica dos factos narrados porque o requerimento de abertura de instrução é omisso relativamente às concretas condutas que permitem a imputação dos 932 crimes ao ora Arguido;
d) não podia proceder à fase subsequente de elencar factos indiciados e não indiciados porque tal decisão seria igualmente inválida por se basear em invalidade anterior, além de constituir a prática de um ato inútil expressamente proibido por lei nos termos do artigo 130º do CPC ex artigo 4.º do CPP.
BB) Deste modo, também não se verifica a nulidade por “falta de elenco dos factos indiciariamente provados e não provados”.
CC) Termos em que deve improceder a nulidade invocada pelo Recorrente nas alíneas a) a i) do ponto IV das conclusões de recurso, bem como a nulidade invocada nas alíneas a) a j) do ponto V das conclusões de recurso e, em consequência, deve manter-se a douta decisão instrutória recorrida.
DD) A violação de caso julgado formal do despacho de não pronúncia (ou de rejeição) com fundamento na falta de descrição dos elementos do tipo invocada pelo Recorrente nas alíneas a) a f) do ponto VI das conclusões de recurso não procede, desde logo porque o despacho que se limita a admitir liminarmente o requerimento de abertura de instrução é meramente genérico e tabelar e não forma caso julgado formal.
EE) Tal entendimento é o único que se compatibiliza com a letra do artigo 308.º, n.º 3 do CPP que dispõe o seguinte: "no despacho referido no n.º1 [pronúncia ou não pronúncia] o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer”.
FF) É na decisão instrutória que o Juiz tem de decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais que tenha de conhecer - questões essas essenciais para o andamento do processo para a fase de julgamento - sem ficar vinculado àqueloutro despacho genérico, anterior, que se limitou a admitir liminarmente o requerimento de abertura de instrução.
GG) Não podendo o processo “fazer marcha ”, o Mm.º Juiz de Instrução estava obrigado a realizar debate instrutório, mas não se encontrava impedido de analisar qualquer pressuposto indispensável à realização da instrução que anteriormente apenas tenha sido enunciado de forma tabelar, liminar e genérica (cfr. Tribunal da Relação de Guimarães de 26-03-2023, proferida no processo n.º 300/21.6GBVNF.G1).
HH) Após prolação do despacho de abertura de instrução e da realização do debate instrutório, impunha-se ao Mm. º Juiz a quo proferir decisão instrutória, através da qual tinha de conhecer nos termos do artigo 308º, n.º 3 do CPP as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que pudesse conhecer e que fossem essenciais para o andamento do processo para a fase de julgamento.
II) Foi precisamente em obediência àquele normativo que o Mm.ºJuiz de Instrução analisou o requerimento de abertura de instrução e concluiu que a instrução requerida é legalmente inviável.
JJ) Termos em que deve improceder a nulidade invocada pelo Recorrente nas alíneas a) a f) do ponto VI das conclusões de recurso e, em consequência, deve manter-se a douta decisão instrutória recorrida.
Termina pugnando que pela rejeição por irrecorribilidade dos segmentos de recurso que pretendem apreciar de novo o despacho de 8 de julho de 2022 e relativo ao despacho proferido no início do debate instrutório em 12 de janeiro de 2024, que indeferiu o requerimento do Assistente para que fosse proferida a putativa prova em falta, bem como outra que este afigurava como suplementar e pela improcedência da nulidade do inquérito “ por omissão de diligências necessárias e essenciais à descoberta da verdade (art.º 120.º, n.º 2, al. d), da nulidade da decisão instrutória ''por falta de elenco dos factos indiciariamente provados e não provados, da nulidade da decisão instrutória “total falta de fundamentação relativa à decisão de que o requerimento de abertura de instrução é legalmente inviável e por contradição entre os fundamentos e a decisão e a inadmissibilidade legal da decisão instrutória “ por violação de caso julgado formal do despacho de não pronúncia (ou de rejeição) com fundamento na falta de descrição dos elementos do tipo” e pela manutenção do despacho de não pronúncia do arguido BB.
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Remetido o processo a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido da rejeição parcial e improcedência do recurso do assistente ancorando-se na posição do Ministério Público em 1ª. Instância, e na expressa pelo arguido BB na resposta a recurso apresentada, e consequentemente pela rejeição por irrecorribilidade dos segmentos de recurso e improcedência das questões nos mesmos termos.
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Tendo sido observado o disposto no artigo 417º nº2 do Código de Processo Penal a recorrida CC e Outros deduziram resposta subscrevendo na íntegra o parecer do Ministério Público e o recorrente assistente apresentou também a sua resposta mantendo o alegado na motivação e conclusões do recurso e aduzindo o seguinte:
Acrescentamos apenas que no caso da instrução requerida pelo assistente, em face da abstenção do MP, tratando-se, como se trata, de crimes públicos, o que vai constituir a temática vinculativa no processo é a decisão instrutória, que não tem de constituir réplica copy/paste do requerimento de abertura de instrução, podendo/devendo na decisão instrutória serem corrigidas ou supridas eventuais deficiências ou insuficiências daquele que – insista-se - nem sequer existem.
E com isto não há violação de quaisquer direitos processuais do arguido, mormente o direito ao contraditório, precisamente, porque, ao contrário do inquérito, que é uma fase unilateral do MP, enquanto titular da ação penal, a instrução é uma fase materialmente jurisdicional prenhe ab ovo pelo princípio do contraditório e, portanto, qualquer que seja o sentido da decisão instrutória o arguido não será surpreendido precisamente porque teve oportunidade de discretear as provas e as demais questões, havendo inclusive lugar ao contraditório em todas as diligências efetuadas no decurso da instrução.
Proferida decisão instrutória o RAI é subalternizado passando a ser aquela que delimita o objeto do processo, aquilo a que se chama a vinculação temática do tribunal de julgamento.
O debate instrutório, dirigido pelo juiz de instrução e na qual podem participar o MP, o arguido (e o seu defensor, o assistente (e o seu advogado), “visa permitir uma discussão perante o juiz, por forma oral e contraditória, sobre se do decurso do inquérito e da instrução, resultam indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento.
Não obstante a inadmissibilidade de poder haver um despacho de não pronúncia (mérito), verdade é que in casu a decisão recorrida apenas assenta numa questão que curiosamente o MP nada refere quanto a ela, que é uma alegada falta de discrição de elementos do dolo, não concretizando, porém, se dolo do tipo se dolo da culpa.
Naturalmente que do decurso da instrução surgirão provas que não constavam dos autos e sobre elas o arguido, por si ou pelo seu defensor, tem oportunidade de exercer o contraditório até ao encerramento do debate.
É que a fase processual da instrução compreende a prática dos actos necessários à recolha dos indícios suficientes da prática, pelo agente, de factos geradores da aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança e culmina com a decisão instrutória. - Ac. da RC de 28 01 2015
No caso, estão recolhidos fortes indícios da vasta e grave actividade criminosa perpetrada pelos arguido, não sendo conforme à ideia do um estado de Direito que perante tamanha prova o juiz de instrução, que nem sequer é o juiz de julgamento, seja cerceado na possibilidade de corrigir ou suprir eventuais deficiências ou insuficiências do requerimento de abertura de instrução que, em bom rigor, não é uma acusação e não poder ser assim considerada, pela simples razão, de que a prova de que foi cometido um crime há-de resultar da que existia no processo em resultado inquérito ao momento em que é requerida a abertura de instrução juntamente com aquela que é produzida na instrução.
Veja-se que o dolo não é um facto que possa ser percecionado diretamente por quem quer que seja (a menos que possua poderes mais que transcendentais) mas antes se trata de um elemento interno do agente e, como tal, tem de ser afirmado por inferência a partir dos factos que se vierem a conhecer.
O dolo é sempre um facto da vida interior do agente, um facto subjectivo, não directamente apreensível por terceiro. A sua demonstração probatória, sobretudo, quando não existe confissão, não pode ser feita directamente, designadamente, através de prova testemunhal. Nestes casos, a prova do dolo tem que ser feita por inferência, terá que resultar da conjugação da prova de factos objectivos – particularmente, dos que integram o tipo objectivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum [onde a premissa maior é composta pela ou pelas regras da experiência comum convocadas e a premissa menor é composta pelo facto ou pelos factos objectivos provados]. – Ac. da RC de 08.11.2017
A prova do dolo faz-se, normalmente, de forma indirecta, com recurso a inferências lógicas e presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às chamadas máximas da vida e regras da experiência, pelo que, na ausência de confissão, em que o arguido reconhece ter sabido e querido os factos que realizam um tipo objectivo de crime e ter consciência do seu carácter ilícito, a prova terá de fazer-se por ilações, a partir de indícios, através de uma leitura do comportamento exterior e visível do agente. – Ac. da RL de 15.12.2015.
Sendo isto assim, não se vê como é que se pode dizer que neste aspecto o juiz de instrução, que vai investigar autonomamente o facto, pode rejeitar o requerimento de abertura de instrução, por não conter aquilo que em bom rigor ainda não se conhece e que só a final se vai saber se existiu ou não.
Repetimos que o RAI não só contém narrada factualidade que, se provada, como está, faz legitimamente inferior o dolo nas respetivas modalidades e em relação a cada um dos crimes e arguidos, como descreve o dolo nas diversas modalidades.
O surreal kafkiano deste processo é que o MP e o JIC estão confrontados com abundante prova dos crimes que são imputados aos arguidos, mas para enjeitarem o dever que constitucional e legalmente lhes cabe de o perseguirem, optam por agraciar os criminosos com total impunidade dos seus actos que além do assistente lesaram o Estado em vários milhões de euros, mais chocante se tornando tal abstémia quando se sabe que dezenas de milhares de portugueses se vêm atormentados com perseguição penal para pagarem alguns euros e. g. à Segurança Social.
Note-se que os próprios arguidos não negam a autoria da vasta atividade criminosa limitando-se a tripudiar o processo com questões formais, mas manifestamente infundadas.
Já escrevia o legislador em 1961 que só se prestigia a justiça que corrige os seus erros, devendo abandonarem-se práticas que tornem o processo lento, anacrónico, dispendioso, como evitar ardis e subtilezas que são fonte permanente de injustiças e inerente inquietude social.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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Nada obstando ao conhecimento de mérito cumpre apreciar e decidir.
2- FUNDAMENTAÇÃO:
2.1- DO OBJETO DO RECURSO:
É consabido, em face do preceituado nos artigos 402º, 403º e 412º nº 1 todos do Código de Processo Penal, que o objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase e previstas no Código de Processo Penal, vícios previstos nos artigos 379º e 410º nº 2 ambos do referido diploma legal e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito1.
Destarte e com a ressalva das questões adjetivas referidas são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar2.
A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva3: “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
Em face do exposto impõe-se esclarecer à luz do que o assistente recorrente invoca nas suas conclusões as questões a apreciar neste recurso são:
1- Se devem ser revogados os despachos proferidos a fls. 10422 e no início do debate instrutório.
2- Se a decisão instrutória deveria ter declarado a nulidade do inquérito por omissão de diligências necessárias e essenciais à descoberta da verdade - artigo 120º nº 2 al. d) in fine e nº 3 al. c) do CPP.
3- Se a decisão instrutória é nula por falta de elenco dos factos indiciariamente provados e não provados.
4- Se a decisão instrutória é nula por total falta de fundamentação relativa à decisão de que o requerimento de abertura de instrução é legalmente inviável e por contradição entre os fundamentos e a decisão.
5- Se ocorre uma inadmissibilidade legal por violação do caso julgado formal do despacho de não pronúncia (ou de rejeição) com fundamento na falta de descrição de elementos do tipo.
6- Se ocorre suficiência de descrição no requerimento de abertura de instrução dos elementos objetivos e subjetivos de cada um dos crimes imputados e aos arguidos e possibilidade de sanação de eventual insuficiência.
7- Se no requerimento de abertura de instrução estão narrados os factos relativos ao dolo do tipo e quando aplicável relativos ao dolo específico.
8- Se no requerimento de abertura de instrução estão narrados os factos que preenchem os elementos do tipo de crime de abuso de confiança qualificada previsto e punido pelo artigo 205º nº 5 do Código Penal.
9- Se o requerimento de abertura de instrução narra matéria suficiente que preenche os elementos objetivos e subjetivos do crime de falsificação de documentos previsto e punido pelo artigo 256º nº 1 al. d) do Código Penal.
10- Se o requerimento de abertura de instrução narra matéria suficiente que preenche os elementos objetivos e subjetivos do crime de branqueamento previsto e punido pelo artigo 368º-A nº1, 2 e 6 do Código Penal.
11- Se o requerimento de abertura de instrução narra matéria suficiente que preenche os elementos objetivos e subjetivos dos três crimes de burla qualificada previstos e punidos pelos artigos 217º nº 1 e 218º nº 2 alíneas a) e d) do Código Penal.
12- Se o requerimento de abertura de instrução narra matéria suficiente que preenche os elementos objetivos e subjetivos dos quatro crimes de corrupção previstos e punidos pelo artigo 373º nº 1 do Código Penal.
13- Se o requerimento de abertura de instrução narra matéria suficiente que preenche os elementos objetivos e subjetivos dos dois crimes de peculato previstos e punidos pelo artigo 375º nº1 do Código Penal.
14- Se o requerimento de abertura de instrução narra matéria suficiente que preenche os elementos objetivos e subjetivos do crime de participação em negócio em coautoria material e na forma consumada previsto e punido pelo artigo 377º nº1 do Código Penal.
15- Se o requerimento de abertura de instrução narra matéria suficiente que preenche os elementos objetivos e subjetivos dos crimes de falsificação de documento autêntico previsto e punido pelo artigo 257º al. a) do Código Penal.
16- Se o requerimento de abertura de instrução narra matéria suficiente que preenche os elementos objetivos e subjetivos do crime de associação criminosa previsto e punido pelo artigo 299º nºs 1, 3 e 5 do Código Penal.
17- Se o requerimento de abertura de instrução narra matéria suficiente que preenche os elementos objetivos e subjetivos dos crimes de falsidade informática previstos e punidos pelo artigo 3º nº1 da Lei nº109/2009 de 15 de setembro.
18- Se o requerimento de abertura de instrução narra matéria suficiente que preenche os elementos objetivos e subjetivos dos crimes de abuso de poder previstos e punidos pelo artigo 382º do Código Penal.
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2.2- DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO:
Exara, com relevo, a decisão instrutória recorrida o que a seguir se transcreve:
DECISÃO INSTRUTÓRIA
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Declaro encerrada a instrução.
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O Tribunal é competente.
O processo é próprio.
O assistente JJ tem legitimidade para requerer a abertura da instrução.
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I- Da excepção dilatória de caso julgado
Em sede de debate instrutório foi alegado, pela Defesa da arguida AA, e pela Defesa dos arguidos CC, EE, II, GG e DD, a excepção dilatória de caso julgado, por entenderem já terem parte dos factos que lhes são imputados no âmbito dos presentes autos sido alvo de apreciação judicial no âmbito dos autos de instrução n.º 1656/08.1TDLSB, que correram os seus termos no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, 1.º Juízo, cuja certidão integra fls. 844 a 1009 dos presentes autos.
Neste particular, importa ponderar que o alcance do caso julgado é definido pelo art.º 621.º do Código de Processo Civil, ex vi art.º 4.º do Código de Processo Penal: a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que se julga.
A Constituição da República estabelece, no seu art.º 29º, n.º 5, que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, decorrendo daqui um princípio constitucional da proibição da repetição do julgado já transitado e vulgarmente conhecido por non bis in idem.
O citado normativo, dando dignidade constitucional ao clássico princípio ne bis in idem, vem consagrar o caso julgado penal.
Princípio que, no ensinamento dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada. Vol. I. pp. 497), comporta duas dimensões:
a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra os actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo);
b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e á definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto.
Tem, assim, o princípio non bis in idem o seu campo de aplicação preferencial na existência de sentença transitada em julgado. Sendo que os efeitos positivos da sentença transitada determinam o carácter negativo do aludido princípio, na medida em que este impede um novo processo sobre os mesmos factos.
Depois, importa partir á procura do que se deva entender por mesmo crime, referido no citado inciso normativo.
Como refere Frederico Isasca, “crime significa, aqui, um comportamento de um agente espácio-temporalmente delimitado e que foi objecto de uma decisão judicial, melhor, de uma sentença ou decisão que se lhe equipare (...) a expressão “crime” não pode ser tomada ao pé da letra, mas antes entendida como uma certa conduta ou comportamento, melhor como um dado facto ou acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui crime. É a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado caso já julgado - e não tanto de um crime - que se quer evitar. O que o n.º 5 do art.º 29.º da Constituição da República Portuguesa proíbe é, no fundo, que um mesmo concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penar - Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português. Livraria Almedina, 2.ª ed.ª, 1995, pp. 220 e 221.
Assim, definido o conceito de crime, há que partir para a análise dos limites objectivos do caso julgado, o mesmo é dizer, concretizar o sentido e o alcance do (concreto) objecto do processo penal.
Socorrendo-nos das palavras de Frederico Isasca, diremos que o objecto do processo penal “só pode ser (...) o acontecimento histórico, o assunto ou pedaço unitário de vida vertido na acusação e imputado, como crime, a um determinado sujeito e que durante a tramitação processual se pretende reconstituir o mais fielmente possível (...). Nestes termos, o que transita em julgado é o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação de um tribunal. Isto significa que todos os factos praticados pelo arguido até à decisão final que directamente se relacionem com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam a aludida unidade de sentido, ainda que efectivamente não tenham sido conhecidos ou tomados em consideração pelo tribunal, não podem ser posteriormente apreciados- Ob. Cit. pp. 242 e 229.
Em suma, o objecto processual não pode deixar de ser o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação e julgamento de um tribunal. Daqui resulta que todos os factos praticados pelo arguido até à decisão final e que directamente se relacionem com o pedaço da vida apreciado e que com ele formam uma unidade de sentido haverão de ser considerados como fazendo parte do “objecto do processo”.
Munidos destes ensinamentos, e fazendo incidir a nossa objectiva sobre o caso sub judice, impõe-se referir ser patente que no caso em apreço não se mostra violado o princípio do ne bis in idem, porquanto, no que tange aos factos que foram já alvo de apreciação judicial no âmbito dos autos de instrução n.º 1656/08.1TDLSB, que correram os seus termos no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, 1.º Juízo, cuja certidão integra fls. 844 a 1009 dos presentes autos, constata-se que no requerimento de abertura de instrução aí intentado pelo ora assistente JJ, que integra fls. 588 a 603 da certidão (constituindo fls. 958 a 972 dos presentes autos), este pugnava pela pronúncia:
- da aí arguida AA, pela prática de 8 crimes de abuso de confiança, de 4 crimes de falsificação de documentos, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de fraude fiscal, p.p. pelos arts. 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), 256.º n.º 1, al. a) e 368.º-A, n.º 1, todos do Cód. Penal, e art.º 103.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias
- do aí arguido BB pela prática, em co-autoria, de 4 crimes de abuso de confiança, de 4 crimes de falsificação de documentos e de um crime de branqueamento de capitais, p.p. pelos arts. 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), 256.º, n.º 1, al. a) e 368.º-A, n.º 1, todos do Cód. Penal; e
- da aí arguida CC pela prática de 5 crimes de abuso de confiança, p.p. pelo art.º 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b) do Cód. Penal.
No que respeita ao objecto da mencionada instrução, na parte que não foi considerada inadmissível, foi proferida decisão instrutória de não pronúncia, relativamente às arguidas CC e AA, pela prática de um crime de abuso de confiança, p.p. pelo art.º 205.º, ns.º 1 e 4, al. b) do Cód. Penal, por factos que se relacionavam com o levantamento, imputado a ambas as arguidas, de dois cheques, nas datas de 01/09/2003 e de 15/09/2003, respectivamente, nos montantes de € 55.000,00, o primeiro, e de € 25.000,00, o segundo, e por factos que se relacionavam com o levantamento, imputado à arguida CC, da quantia de € 22.500,00, ocorrido no dia 24/11/2003, de uma conta bancária domiciliada no BES, após o falecimento de AA.
Como resulta do requerimento de abertura de instrução apresentado no referido processo de instrução n.º 1656/08.1TDLSB, e daquele que foi apresentado pelo assistente JJ, no âmbito dos presentes autos, que integra fls. 2049 a 2107, os acontecimentos da vida que, como e enquanto unidade, foram submetidos à apreciação do tribunal naquele processo, relativamente aos aí arguidos AA, BB e CC e os acontecimentos da vida que, como e enquanto unidade, estiveram na génese dos presentes autos, de instrução n.º5390/17.3T9LSB, relativamente a estes mesmos arguidos (AA, BB e CC) são diferentes, pelo que, e sem necessidade de outras considerações, se conclui não assistir razão aos arguidos ao invocarem a violação de caso julgado, o mesmo é dizer, violação do princípio do ne bis in idem.
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II- Da violação do princípio do juiz natural
Na diligência de debate instrutório, pelo Ilustre Mandatário do assistente JJ foi arguida a violação do princípio do juiz natural com o fundamento de juiz de instrução criminal que presidiu ao debate instrutório não ser o mesmo que, num primeiro momento, acompanhou o processo durante esta fase de instrução, e por, no seu entender, ter ocorrido uma violação da disciplina enunciada no art.º 302.º, n.º 1 do Cód. Processo Penal.
Apreciando e decidindo, importa salientar que a Constituição da República Portuguesa consagra no seu art.º 32.º, n.º 9, como uma das garantias do processo penal, o princípio do juiz natural, cujo alcance é o de proibir a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso submetido a juízo, em ordem a assegurar uma decisão imparcial e isenta, sendo o juiz que irá intervir em determinado processo penal aquele que resultar da aplicação de normas gerais e abstractas contidas nas leis processuais e de organização judiciária sobre a repartição da competência entre os diversos tribunais e a respectiva composição.
No âmbito dos presentes autos, não tendo, ainda, sido iniciado o debate instrutório, quando o actual juiz de instrução criminal, titular do processo, foi colocado neste Tribunal e, em consequência, prosseguiu os ulteriores termos da instrução, não existe qualquer impedimento do actual juiz de instrução criminal, titular do processo, o fazer, nem de presidir ao debate instrutório, não tendo ocorrido qualquer violação do disposto no apontado art.º 302.º, n.º1 do Cód. Processo Penal, porquanto a diligência de debate instrutório apenas teve o seu início no dia 12 de Janeiro de 2024 (a este respeito, cfr. ata de debate instrutório de fls. 11764 a 11769), não assistindo, neste particular, razão ao assistente, que aparenta incorrer num equívoco, parecendo olvidar que os presentes autos não se encontram na fase processual de julgamento, mas antes na fase processual de instrução, não tendo o princípio da plenitude da assistência dos juízes, plasmado no art.º 328.º-A do Cód. Processo Penal, aplicação à presente fase processual.
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III- Da insuficiência do inquérito:
No requerimento de abertura da instrução, a fls. 2102v. a 2107, foi arguida, pelo assistente JJ, a nulidade por insuficiência do inquérito, a que alude o art.º 120.º, n.º 2, al. d) do Cód. Processo Penal, invocando para o efeito, em síntese, que, por várias vezes, a Polícia Judiciária, que não detém autonomia funcional, incumpriu com os despachos do Ministério Público que determinavam a realização de diligências indispensáveis ao apuramento da verdade e consequente exercício da acção penal.
O Ministério Público pronunciou-se, por despacho que integra fls. 2122 a 2124, concluindo no sentido de não subsistir qualquer nulidade de inquérito.
Cumpre apreciar e decidir.
O art.º 120.º do Cód. Processo Penal prevê, de forma taxativa, o elenco das “nulidades dependentes de arguição”, também denominadas de nulidades sanáveis, sendo uma das nulidades dependentes de arguição a contemplada no n.º 2, al. d) desta disposição legal, a saber “a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”.
Como salienta João Conde Correia, a insuficiência do inquérito apenas tem lugar quando não tenham sido praticados actos legalmente obrigatórios. A omissão de diligências de investigação não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, porquanto a apreciação da necessidade de actos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público que «é livre, salvaguardados os atos de prática obrigatória e as exigências decorrentes do princípio da legalidade, de levar a cabo ou promover as diligências que entender necessárias, com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou de arquivar o inquérito» (ac. TC 395/2004), isto por competir ao Ministério Público, enquanto dominus do inquérito, determinar quais os actos de investigação (que não sejam obrigatórios) que cumpre realizar em ordem a legitimar a decisão de submeter ou não os factos a julgamento - Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I. Livraria Almedina, 2021, pp. 1251 a 1253; no mesmo sentido, cif., com interesse, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Universidade Católica Editora, 2007, pp. 313; e António Henriques Gaspar, Código de Processo Penal Comentado, Livraria Almedina, 2021, 3.ª ed.ª, pp. 343.
No caso vertente tal não se verifica, porquanto o Ministério Público, no decurso do inquérito, levou a cabo todas as diligências de investigação que reputou necessárias, e, após, por despacho que integra fls. 1725 a 1737, procedeu ao arquivamento do inquérito, por considerar queDa análise da prova produzida neste inquérito, nomeadamente testemunhal e documental e do que atrás se deixou exposto, concluiu-se não subsistirem indícios credíveis, ainda que de natureza puramente instrumental que permitam imputar aos denunciados os factos cuja prática lhes é assacada e, dessa forma, deduzir uma acusação que, em juízo, venha a culminar com a condenação daquele numa pena”, acrescentando, ainda,não se vislumbrar a realização de outras diligências que se afigurem úteis e necessárias à descoberta da verdade material.
Importando, ainda, salientar, e porque tal questão foi aflorada pelo assistente no requerimento que integra fls. 10496 a 10506, que a constituição de um qualquer denunciado na qualidade processual de arguido integra o núcleo da competência própria do Ministério Público quanto à avaliação de pressupostos (art.º 58.º, n.º1, al. a) do Cód. Processo Penal), pelo que, considerando o Ministério Público, como no caso vertente se verificou, não terem sido recolhidos, no decurso do inquérito, indícios da prática de um qualquer crime, não existia fundamento para constituir qualquer um dos denunciados nessa qualidade processual.
Em suma, neste particular é manifesta a sem razão do assistente.
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IV- Da nulidade decorrente da não constituição dos denunciados AA, BB, CC, EE, FF, DD. GG e II na qualidade processual de arguido
No decurso do debate instrutório, pelo Ilustre Mandatário do assistente foi arguida a nulidade decorrente da não constituição dos denunciados AA, BB, CC, EE, FF, DD, GG e II na qualidade processual de arguido.
No âmbito dos presentes autos, de todos os denunciados elencados no requerimento de abertura da instrução, apenas o denunciado HH foi formalmente constituído na qualidade processual de arguido, aliás, em conformidade com o determinado no despacho judicial datado de 21/07/2021, que integra fls. 7594 a 7596 dos autos (a este respeito, cfr. termo de constituição de arguido de fls. 8650 e 8650v. e termo de identidade e residência de fls. 8651 e 865 lv.).
No entanto, e como anteriormente já fora decidido, por despacho judicial datado de 16/09/2022, que integra fls. 10525 e 10525v., a dedução de acusação (leia-se, a dedução de requerimento de abertura de instrução), contra alguém determinado, importa a constituição do visado ope legis como arguido, porquanto quando a instrução é requerida contra pessoas concretas e pelos factos que constituírem objecto da investigação, essa pessoas assumem automaticamente a qualidade de arguidas nos autos, sem dependência do acto formal de termo de constituição como arguido, como resulta do disposto no art.º 57.º, n.º 1 do Cód. Processo Penal, que dispõe assumir “a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal.
Pelo que, também neste particular, não existe qualquer nulidade, não assistindo razão ao assistente, o que se consigna, sendo, ainda, de concretizar que todos os arguidos foram validamente notificados do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente na pessoa dos respectivos Mandatários, em conformidade com o disposto no art.º 113.º, n.º 10 do Cód. Processo Penal.
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Inexistem quaisquer outras questões prévias ou incidentais ou nulidades de que cumpra conhecer.
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A fls. 1725 a 1737 dos autos, o Ministério Público procedeu ao arquivamento do inquérito, ao abrigo do disposto no art.º 211º, n.º 2 do Cód. Processo Penal, por considerar, no que concerne a factos passíveis de, no entender do denunciante JJ, integrar a previsão dos ilícitos penais de abuso de confiança qualificada, p.p. pelo art.º 205.º, n.º5, de burla qualificada, p.p. pelos arts. 217.º, n.º1 e 218.º, n.º 2, al. a), de falsificação de documentos, p.p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al. a), de branqueamento, p.p. pelo art.º 368.º-A, n.ºs 1 e 2, de participação económica em negócio, p.p. pelo art.º 311º, n.º 1, todos do Cód. Penal, e de fraude fiscal, p.p. pelo art.º 104.º, n.º 2, als. a) e b) do RGIT, não terem sido recolhidos elementos de prova que confirmem a versão do denunciante e que indiciem a prática dos ilícitos denunciados.
Inconformado com o teor do arquivamento deduzido pelo Ministério Público, JJ constituiu-se na qualidade de assistente (cfr. requerimento de fls. 2049 e despacho judicial de fls. 2153) e requereu, a fls. 2049 a 2107 dos autos, a abertura da presente instrução, em relação a factos susceptíveis de, em seu entendimento, configurarem a prática:
- pela arguida AA, de um crime de abuso de confiança qualificado, p.p. pelo art.º 205.º, n.º 5, de 915 crimes de falsificação de documento, p.p. pelo art.º 256.º, n.º1, al. d), de um crime de branqueamento de capitais, p.p. pelo art.º 368.º-A, n.ºs 1, 2 e 6, de três crimes de burla qualificada, p.p. pelos arts. 217.º, n.º1 e 218.º, nº 2, als. a) e d), de três crimes de corrupção passiva, p.p. pelo art.º 373.º, n.º 1, de dois crimes de peculato, p.p. pelo art.º 375.º, n.º1, de um crime de participação económica em negócio na forma consumada, p.p. pelo art.º 377.º, n.º 1, de dois crimes de participação económica em negócio, na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, p.p. pelo art.º 257.º, al. a) e de um crime de associação criminosa, p.p. pelo art.º 299.º, n.ºs 1, 3 e 5, todos do Cód. Penal;
- pelo arguido BB, de um crime de abuso de confiança qualificado, de 915 crimes de falsificação de documento, de três crimes de burla qualificada, de três crimes de corrupção passiva, de dois crimes de peculato, de um crime de participação em negócio na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico e de um crime de associação criminosa;
- pela arguida CC, de um crime de abuso de confiança qualificado, de 885 crimes de falsificação de documento, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa;
- pelo arguido DD, de um crime de abuso de confiança qualificado, de três crimes de burla qualificada, de sete crimes de falsificação de documento, de um crime de participação em negócio, na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio, na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa;
- pela arguida EE, de três crimes de corrupção passiva, de dois crimes de peculato, de um crime de associação criminosa e de cinco crimes de falsidade informática, p.p. pelo art.º 3.º n.º1 da Lei n.º109/2009, de 15 de Setembro;
- pelo arguido FF, de um crime de corrupção passiva, de um crime de abuso de poder, de um crime de participação em negócio na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa;
- pelo arguido GG, de um crime de burla qualificada e de um crime de associação criminosa;
- pelo arguido HH, de um crime de abuso de confiança qualificado, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa; e
- pelo arguido II, de um crime de abuso de confiança qualificado, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa.
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Foi admitido o requerimento de abertura de instrução e, a título de diligências de prova, foi determinado o envio aos presentes autos das certidões requeridas a fls. 2101 do RAI, e foi solicitado o envio aos presentes autos de diversa documentação bancária, designadamente da requerida a fls. 2101 v. dos autos.
Por despacho datado de 08/07/2022, que integra fls. 10422, foi decidido que, atentos os elementos probatórios já coligidos para os autos, não se justificava a realização de outras diligências de prova (a saber, da prova testemunhal, o levantamento do sigilo profissional dos Senhores Advogados e a perícia financeira requerida) e foi agendada data para realização do debate instrutório.
Procedeu-se a debate instrutório, cuja acta integra fls. 11764 a 11769, no decurso do qual foi requerida pelo assistente a produção de prova indiciária suplementar, o que foi indeferido pelos fundamentos enunciados no despacho de fls. 11766 e 11767. O assistente formulou conclusões no sentido da pronúncia dos arguidos, defendendo o Ministério Público e os arguidos uma posição oposta.
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O objecto da presente instrução é o de determinar se existem indícios suficientes da prática, por parte dos arguidos AA, BB, CC, EE, FF, DD, GG, HH e II dos crimes que lhes são imputados no requerimento de abertura da instrução, e que acima se fez menção.
A instrução é uma fase de carácter facultativo que visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (cfr. art.º 286.º, n.º 1 do Cód. Processo Penal).
A fase de instrução permite que a actividade levada a cabo pelo Ministério Público, durante a fase do inquérito, possa ser controlada através de uma comprovação, por via judicial, traduzindo-se essa possibilidade na consagração, no nosso sistema, da estrutura acusatória do processo penal, a qual encontra assento legal no art.º 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.
Estatui o art.º 287.º, n.º 2 do Cód. Processo Penal, referindo-se ao requerimento de abertura de instrução, que o mesmo deve conter “em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar”, sendo certo que a tal requerimento, quando formulado pelo assistente, é aplicável “o art.º 283. º, n. º 3, als. b) e c)”.
Quer isto dizer que o requerimento de abertura da instrução do assistente está sujeito ao formalismo da acusação, isto é, equipara-se-lhe - neste sentido, cfr. Ac. RL, 09/02/2000, CJ, XXIII, t. 1, pp. 153.
No requerimento para abertura da instrução, o assistente tem de indicar os factos concretos que, ao contrário do Ministério Público, considera indiciados ou que pretende vir a fazer indiciar no decurso da investigação requerida. O juiz, por seu turno, irá apurar se esses factos se indiciam ou não, proferindo ou não, em consonância, despacho de pronúncia - neste sentido, cfr. Acs. RP, 05/05/1993, CJ, XXVIII, t. 3, pp. 243 e RC, 24/11/1993, CJ, XXVIII, t. 5, pp. 61.
Isto significa, portanto, que o requerimento de abertura da instrução equivale, em tudo, à acusação, definindo e delimitando o objecto do processo a partir da sua apresentação e traçando os limites dentro dos quais se há-de desenvolver a actividade investigatória e cognitória do juiz de instrução, sendo certo que na decisão instrutória a proferir, apenas poderão ser apreciados os factos descritos no requerimento para abertura de instrução, sob pena de nulidade - art.º 309.º do Cód. Processo Penal.
Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito, o seu objecto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso, em ordem a permitir a organização da defesa.
Esta definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.
No requerimento para abertura de instrução, o assistente JJ imputa a cada um dos arguidos a prática dos seguintes crimes:
(i.) - à arguida AA, de um crime de abuso de confiança qualificado, p.p. pelo art.º 205.º, n.º 5, de 915 crimes de falsificação de documento, p.p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al. d), de um crime de branqueamento de capitais, p.p. pelo art.º 368.º-A, n.ºs 1, 2 e 6, de três crimes de burla qualificada, p.p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, als. a) e d), de três crimes de corrupção passiva, p.p. pelo art.º 373.º, n.º1, de dois crimes de peculato, p.p. pelo art.º 375.º, n.º1, de um crime de participação económica em negócio na forma consumada, p.p. pelo art.º 377.º, n.º1, de dois crimes de participação económica em negócio, na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, p.p. pelo art.º 257.º, al. a) e de um crime de associação criminosa, p.p. pelo art.º 299.º, n.ºs 1, 3 e 5, todos do Cód. Penal;
(ii.) - ao arguido BB, de um crime de abuso de confiança qualificado, de 915 crimes de falsificação de documento, de três crimes de burla qualificada, de três crimes de corrupção passiva, de dois crimes de peculato, de um crime de participação em negócio na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico e de um crime de associação criminosa;
(iii.) - à arguida CC, de um crime de abuso de confiança qualificado, de 885 crimes de falsificação de documento, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa;
(iv.) - ao arguido DD, de um crime de abuso de confiança qualificado, de três crimes de burla qualificada, de sete crimes de falsificação de documento, de um crime de participação em negócio, na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio, na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa;
(v.) - à arguida EE, de três crimes de corrupção passiva, de dois crimes de peculato, de um crime de associação criminosa e de cinco crimes de falsidade informática, p.p. pelo art.º 3.º, n.º 1 da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro;
(vi.) - ao arguido FF, de um crime de corrupção passiva, de um crime de abuso de poder, de um crime de participação em negócio na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa;
(vii.) - ao arguido GG, de um crime de burla qualificada e de um crime de associação criminosa;
(viii.) - ao arguido HH, de um crime de abuso de confiança qualificado, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa; e
(ix.) - ao arguido II, de um crime de abuso de confiança qualificado, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa.
Conforme se infere do art.º 205.º, n.º 1 do Cód. Penal, incorre na prática de crime de abuso de confiança quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe foi entregue por título não translativo de propriedade, dependendo a circunstância qualificativa prevista no n.º 5 desta disposição legal, convocada pelo assistente no requerimento de abertura da instrução, da confiança da coisa ao agente com base num depósito imposto pela lei.
O tipo objectivo consiste na apropriação de coisa móvel que tenha sido entregue ao agente por título não translativo da propriedade, admitindo o tipo subjectivo qualquer
modalidade de dolo, directo, necessário ou eventual.
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Resulta do disposto no art.º 256.º, n.º1 do Cód. Penal, que incorre na prática de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, o agente que, “com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: (...); d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante (…)”.
Neste tipo legal, o tipo objectivo pode assumir, designadamente, as seguintes modalidades: a fabricação ex novo do documento; a utilização do documento falso; e a circulação do documento falso. O tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo, directo, necessário ou eventual.
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O crime de branqueamento encontra-se previsto no art.º 368.º-A do Cód. Penal, que dispõe:
“1 - Para efeito do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, de factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos ou, independentemente das penas aplicáveis, de factos ilícitos típicos de:
a) Lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, ou pornografia de menores;
b) Burla informática e nas comunicações, extorsão, abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, contrafação de moeda ou de títulos equiparados, depreciação do valor de moeda metálica ou de títulos equiparados, passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador ou de títulos equiparados, passagem de moeda falsa ou de títulos equiparados, ou de aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação ou de títulos equiparados;
c) Falsidade informática, contrafação de cartões ou outros dispositivos de pagamento, uso de cartões ou outros dispositivos de pagamento contrafeitos, aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento contrafeitos, atos preparatórios da contrafação, aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento obtidos mediante crime informático, dano relativo a programas ou outros dados informáticos, sabotagem informática, acesso ilegítimo, intercepção ilegítima ou reprodução ilegítima de programa protegido;
d) Associação criminosa;
e) Infrações terroristas, infrações relacionadas com um grupo terrorista, infrações relacionadas com atividades terroristas e financiamento do terrorismo;
f) Tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas;
g) Tráfico de armas;
h) Tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal ou tráfico de órgãos ou tecidos humanos;
i)Danos contra a natureza, poluição, atividades perigosas para o ambiente, ou perigo relativo a animais ou vegetais;
j) Contrabando, contrabando de circulação, contrabando de mercadorias de circulação condicionada em embarcações, fraude fiscal ou fraude contra a segurança social;
k) Tráfico de influência, recebimento indevido de vantagem, corrupção, peculato, participação económica em negócio, administração danosa em unidade económica do setor público, fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito, ou corrupção com prejuízo do comércio internacional ou no setor privado;
l) Abuso de informação privilegiada ou manipulação de mercado;
m) Violação do exclusivo da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores, violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, contrafação, imitação e uso ilegal de marca, venda ou ocultação de produtos ou fraude sobre mercadorias.
2 - Consideram-se igualmente vantagens os bens obtidos através dos bens referidos no número anterior.
(...)
6-A punição pelos crimes previstos nos n.ºs 3 a 5 tem lugar ainda que se ignore o local da prática dos factos ilícitos típicos de onde provenham as vantagens ou a identidade dos seus autores, ou ainda que tais factos tenham sido praticados fora do território nacional, salvo se se tratar de factos ilícitos perante a lei do local onde foram praticados e aos quais não seja aplicável a lei portuguesa nos termos do artigo 5. º (...)”.
O tipo objectivo consiste na dissimulação, transferência ou conclusão de uma operação destinada a dissimular a identificação da proveniência ilícita, ou seja, na eliminação - como que de forma técnica, de toda a possibilidade de conexão da riqueza ao crime base.
No que se reporta ao elemento subjectivo, o crime de branqueamento é um crime de intenção que exige o dolo específico, traduzido no propósito, ou melhor, dois propósitos, os quais podem ser cumulativos ou alternativos, que acrescem à consciência e vontade relativa aos elementos objectivos do crime - o agente tem de actuar com o fim de dissimular a origem ilícita das vantagens em causa, ou com o fim de evitar que o autor ou participante das infracções subjacentes seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal.
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Resulta do disposto no art.º 218.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e d) do Cód. Penal que incorre na prática de um crime de burla qualificada, designadamente, o agente que, com a intenção de conseguir um enriquecimento ilegítimo (próprio ou alheio), induz outra pessoa em erro, fazendo com que a última, por esse motivo, pratique actos que causam a si mesma (ou a terceiro) prejuízos de carácter patrimonial de valor consideravelmente elevado (al. a) ou deixando a pessoa prejudicada em difícil situação económica (al. d)).
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O tipo objectivo consiste na determinação de uma pessoa, por meio de erro ou engano sobre factos que o agente astuciosamente provocou, à prática de actos que causem prejuízo patrimonial de valor consideravelmente elevado a essa pessoa ou a um terceiro, ou deixando a pessoa prejudicada em difícil situação económica. O tipo subjectivo admite as formas de dolo directo e necessário, uma vez que a astúcia é incompatível com o dolo eventual, tendo a circunstância qualificativa de ser abrangida pelo dolo do agente.
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Já de acordo com o estatuído no art.º 373.º do Cód. Penal, que prevê o crime de corrupção passiva:
“ 1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer acto ou omissão contrário aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 — Se o acto ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos”.
O tipo objectivo do crime de corrupção passiva para acto ilícito, previsto no n.º 1 desta disposição legal, consiste na solicitação ou aceitação pelo funcionário ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação de uma vantagem indevida ou a promessa dessa vantagem, para si ou para terceiro, para que o funcionário pratique um ato ou omita um ato em violação dos deveres do seu cargo (corrupção passiva própria antecedente) ou porque o funcionário praticou um acto ou omitiu um acto em violação daqueles deveres (corrupção passiva própria subsequente). O tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo, directo, necessário ou eventual.
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Dispõe o art.º 375.º, n.º 1 do Cód. Penal, na definição tipológica do ilícito-penal de “peculato”, queO funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer outra coisa móvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com pena de prisão de um a oito anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal’.
O tipo objectivo consiste na apropriação ilegítima pelo funcionário, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou coisa móvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções; ou na oneração dos referidos bens (dinheiro e coisas móveis), por exemplo, dando de empréstimo ou empenhando. O tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo, directo, necessário ou eventual.
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O crime de participação económica em negócio encontra-se previsto no art.º 377.º do Cód. Penal, cujo n.º1 dispõe queO funcionário que, com intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita, lesar em negócios jurídicos os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar, é punido com pena de prisão até cinco anos".
O tipo objectivo, a que respeita a conduta tipificada neste n.º 1, consiste em lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, cumpre ao funcionário, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar. O tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo, directo, necessário ou eventual, incluindo a modalidade de crime prevista neste n.º 1 também um elemento subjectivo adicional: a intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita.
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Resulta, por seu turno, do disposto no art.º 257.º do Cód. Penal, que incorre na prática de um crime de falsificação praticada por funcionário, “o funcionário que, no exercício das suas funções: a) omitir em documento, a que a lei atribui fé pública, factos que esse documento se destina a certificar ou autenticar; (...) com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo”.
O tipo objectivo consiste na omissão de uma atestação em documento a que a lei atribui fé pública, destinado a certificar ou autenticar um facto, admitindo o tipo subjectivo qualquer modalidade de dolo, directo, necessário ou eventual, incluindo um elemento subjectivo típico: a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao estado ou de obter para o funcionário ou para outra pessoa benefício ilegítimo.
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O crime de associação criminosa encontra-se previsto no art.º 299.º do Cód. Penal, que dispõe:
“1 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
(...)
3 - Quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações referidas nos números anteriores é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
(...)
5 - Para os efeitos do presente artigo, considera-se que existe grupo, organização ou associação quando esteja em causa um conjunto de, pelo menos, três pessoas, actuando concertadamente durante um certo período de tempo”.
O tipo objectivo consiste na (1) promoção ou fundação da associação criminosa; (2) participação como membro ou apoiante na actividade da associação criminosa e (3) chefia ou direcção da associação criminosa. O tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo, directo, necessário ou eventual.
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O crime de falsidade informática encontra-se previsto no art.º 3.º, n.º1 da Lei n.º109/2009, de 15 de Setembro, que prevê que é punido quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem.
O tipo objectivo pode, assim, assumir as seguintes modalidades: a introdução, modificação, eliminação ou supressão de dados informáticos, ou a interferência num tratamento informático de dados, mediante a produção de dados ou documentos não genuínos.
O tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo, directo, necessário ou eventual.
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Feitas estas considerações atinentes ao tipo objectivo e subjectivo de cada um dos crimes imputados aos arguidos no requerimento de abertura da instrução, importa salientar, resultar da leitura do requerimento de abertura da instrução que, ao contrário daquilo a que estava obrigado, nesta peça processual o assistente JJ não fez uma descrição dos factos, ou seja, da conduta dos arguidos AA, BB, CC, EE, FF, DD, GG, HH e II que preencha os elementos constitutivos dos crimes imputados, não descrevendo os factos integradores de nenhum dos crimes, pelo qual pretende a pronúncia dos arguidos, omitindo, em absoluto, a descrição dos factos atinentes quer ao elemento objectivo, quer ao elemento subjectivo, de um qualquer crime.
Resulta do disposto no art.º 287.º, n.º2 do Cód. Processo Penal, que a acusação contém, sob pena de nulidade, “A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”, o que, como resulta do disposto no art.º 287.º, n.º 2 do Cód. Processo Penal, se aplica ao requerimento de abertura da instrução deduzido pelo assistente.
Como referem Leal-Henriques e Simas Santos, “No que se reporta à elaboração da acusação interessa também chamar a atenção para a necessidade de se conferir o máximo cuidado à sua feitura, não apenas no aspecto de explanação geral, como sobretudo na vertente da descrição fáctica, que deve ser suficientemente pormenorizada e precisa, até porque, como se sabe, está legalmente vedada uma alteração substancial dos factos transportados para a acusação, limitativa dos poderes do J.I.C. (quanto à amplitude da instrução e da decisão instrutória - arts. 303. º e 309. º) e dos poderes do juiz de julgamento (arts. 358. º e 359. º)"Código de Processo Penal Anotado. II Vol. Editora Rei dos Livros, 2a ed.a, 2000, pp. 140.
O fundamento da inexistência de factos na acusação que constituam crime, só pode ser aferido diante do texto da acusação, quando faltem os elementos constitutivos - objectivo e subjectivo - de qualquer ilícito criminal ou quando se trate de conduta penalmente irrelevante (neste sentido, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Universidade Católica Editora, 2007, pp. 779), sendo o crime, na noção contida na alínea a) do art.º 1.º do Cód. Processo Penal, é oconjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais'’'.
No requerimento para abertura da instrução, o assistente tem de indicar os factos concretos que, ao contrário do Ministério Público, considera indiciados ou que pretende vir a fazer indiciar no decurso da investigação requerida. O juiz, por seu turno, irá apurar se esses factos se indiciam ou não, proferindo ou não, em consonância, despacho de pronúncia.
Isto significa, portanto, que o requerimento de abertura da instrução equivale, em tudo, à acusação, definindo e delimitando o objecto do processo a partir da sua apresentação e traçando os limites dentro dos quais se há-de desenvolver a actividade investigatória e cognitória do juiz de instrução, sendo certo que na decisão instrutória a proferir, apenas poderão ser apreciados os factos descritos no requerimento para abertura de instrução, sob pena de nulidade - art.º 309.º do Cód. Processo Penal.
Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito, o seu objecto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso, em ordem a permitir a organização da defesa.
Esta definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.
No caso vertente, conclui-se que, ao contrário daquilo a que estava obrigado, no requerimento de abertura da instrução, o assistente não fez uma descrição de todos os factos, ou seja, da conduta dos arguidos AA, BB, CC, EE, FF, DD, GG, HH e/ou II que preencha os elementos constitutivos de qualquer um dos crimes que lhes imputa, omitindo, neste particular, em absoluto, a descrição dos factos atinentes quer ao elemento objectivo, quer ao elemento subjectivo de cada um dos crimes imputados.
É assim evidente que a factologia alegada no requerimento para abertura da instrução é insuficiente para permitir a imputação a qualquer um dos arguidos, AA, BB, CC, EE, FF, DD, GG, HH e II, de qualquer um dos crimes que lhes são assacados naquele requerimento, em virtude de tal requerimento ser manifestamente insuficiente relativamente à descrição de factos que, a indiciarem-se, permitissem concluir pela prática de qualquer um dos crimes em causa, pelo que qualquer despacho de pronúncia que fosse proferido na sua sequência seria nulo, nos termos do disposto nos artigos 308.º, n.º1, 309.º, n.º1 e 303.º, n.º 3, todos do Cód. Processo Penal.
Por estas razões, a instrução requerida pelo assistente JJ, nas condições em que se apresenta, é legalmente inviável, por votada necessariamente ao fracasso, impondo-se, pois, no caso vertente, a prolação de um despacho de não pronúncia.
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Pelo exposto, decido não pronunciar:
- a arguida AA, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, p.p. pelo art.º 205.º, n.º5, de 915 crimes de falsificação de documento, p.p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al. d), de um crime de branqueamento de capitais, p.p. pelo art.º 368.º-A, n.ºs 1, 2 e 6, de três crimes de burla qualificada, p.p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, ais. a) e d), de três crimes de corrupção passiva, p.p. pelo art.º 373.º, n.º 1, de dois crimes de peculato, p.p. pelo art.º 375.º, n.º 1, de um crime de participação económica em negócio na forma consumada, p.p. pelo art.º 377.º, n.º1, de dois crimes de participação económica em negócio, na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, p.p. pelo art.º 257.º, al. a) e de um crime de associação criminosa, p.p. pelo art.º 299.º, n.ºs 1,3 e 5, todos do Cód. Penal;
- o arguido BB, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, de 915 crimes de falsificação de documento, de três crimes de burla qualificada, de três crimes de corrupção passiva, de dois crimes de peculato, de um crime de participação em negócio na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico e de um crime de associação criminosa;
- a arguida CC, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, de 885 crimes de falsificação de documento, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa;
- o arguido DD, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, de três crimes de burla qualificada, de sete crimes de falsificação de documento, de um crime de participação em negócio, na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio, na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa;
- a arguida EE, pela prática de três crimes de corrupção passiva, de dois crimes de peculato, de um crime de associação criminosa e de cinco crimes de falsidade informática, p.p. pelo art.º 3.º n.º 1 da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro;
- o arguido FF, pela prática de um crime de corrupção passiva, de um crime de abuso de poder, de um crime de participação em negócio na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, de um crime de branqueamento de capitais e de associação criminosa;
O arguido GG pela prática de um crime de burla qualificada e de associação criminosa;
o arguido HH, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa; e o arguido II, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa, e determinar o arquivamento dos autos.
Nos termos do disposto no art.º 515.º n.º 1, al. a) do Cód. Processo Penal, impõe-se a condenação do assistente JJ nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 U.C.’s.
Notifique.
*
A decisão instrutória recorrida incide sobre o requerimento de abertura de instrução apresentado nos autos pelo assistente, ora recorrente, sendo que a seguir se transcrevem os factos aí narrados por tal ser relevante para a decisão a proferir:
1- Antes do mais, não podemos deixar de referir hic et nunc que soe dizer-se que o crime não compensa.
2- Não é bem assim, pois depende do laxismo penal rectius da denegação de justiça do Ministério Público e da Polícia Judiciária como demonstram bem estes autos.
3- Posto isto, a arguida AA é irmã do assistente e ambos são únicos herdeiros na herança aberta por óbito de AA ocorrido no dia 19/11/2003.
4- Na herança, além de bens móveis bem como joias e ouro e uma significativa quantia em dinheiro, está incluída a sociedade AA & Filhos, Lda., pessoa coletiva n.º … e proprietária da conhecida Pastelaria … no Chiado em Lisboa.
5- Também fazem parte da herança 3 lojas situadas no …, também no Chiado e que se identificam:
Fração autónoma designada pela letra C, correspondente à loja de rés- do-chão do prédio urbano sito na Rua … n.º .., freguesia do …, Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo … e descrito sob o número … do livro … da 5.a Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
Fração autónoma designada pela letra D, correspondente à sobreloja do prédio urbano sito na Rua … n.º .., freguesia do …, Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo … e descrito sob o número … do livro … da 5.a Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
Fração autónoma designada pela letra A, correspondente à cave do prédio urbano sito na Rua …  n.º .., freguesia do …, Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo … e descrito sob o número … do livro … da 5.a Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
6- Assim como também vários prédios situados em Vieira do Minho e que se relacionam:
Prédio urbano composto de casa sobradada, de r/c e 1º andar, com a área de 63 m2, sito no …, descrito na CRP de Vieira do Minho sob o nº … da freguesia de … e inscrito na matriz sob o art.º … da União de freguesias de … e ….
Prédio urbano composto de casa sobradada, com 2 pisos, com a área de 95 m2, sito no …, descrito na CRP de Vieira do Minho sob o nº … da freguesia … e inscrito na matriz sob o art.º .. da União de freguesias de … e ….
Prédio rústico, sito no …, freguesia …, concelho de Vieira do Minho inscrito na respetiva matriz sob o artigo ….
Prédio rústico, sito no …, freguesia …, concelho de Vieira do Minho inscrito na respetiva matriz sob o artigo ….
Prédio rústico, sito no …, freguesia …, concelho de Vieira do Minho inscrito na respetiva matriz sob o artigo ….
Prédio rústico, sito no …, freguesia …, concelho de Vieira do Minho inscrito na respetiva matriz sob o artigo ….
7- A arguida AA, por ser a mais velha, exerce o cabeçalato ope legis.
8- E é casada com o arguido BB e ambos, logo em meados do já distante ano de 2003, traçaram um plano visando se apropriarem da totalidade dos bens da herança sem que o assistente recebesse a parte a que tem direito, bem como o alcançar o seu património o que quiseram e conseguiram.
9- Entre 1995 e 2001 a arguida AA, trabalhou, mas por um período não superior a 5 anos, no departamento da contabilidade da companhia de aviação Portugália, onde auferiu um salário de cerca 1.000,00€ brutos, não tendo até e de então qualquer outro trabalho ou fonte de rendimentos.
10- Ao passo que o arguido BB, é advogado, não sendo conhecido por obras científicas ou grandes casos, e, aliás, foi sempre conhecido por viver nos limites pois frequentemente pedia dinheiro emprestado a familiares, como o mesmo admitiu numa audiência de julgamento.
11- O casal, teve a seu cargo três filhos, sendo que um deles diz respeito ao primeiro casamento da arguida AA.
12- Os rendimentos brutos i. e., antes do IRS e da Segurança Social, declarados pelo casal tiveram a seguinte evolução:

AnoArguida AAArguido BB
Conta outremPrediaisConta outremServiços
2002154 298,37 €2 156,64 € 32 960,66 €
200316 250,00 €2 156,64 €5 886,56 €25 952,65 €
200437 420,80 €21 371,72 €399,00 €25 999,00 €
200534 916,00 €20 253,77 € 15 440,00 €
200643 595,00 €17 675,09 € 7 699,00 €
200734 916,00 €17 973,93 € 58 484,00 €
200834 916,00 €5 762,00 € 32 470,96 €
200934 916,00 €21 742,50 €4 800,00 €14 300,00 €
201034 916,00 €23 145,00 €22 400,00 €17 301,28 €
201134 916,00 €23 725,00 €22 400,00 €
201234 916,00 €18 473,50 €20 933,33 €18 126,68 €
201334 916,00 €8 090,50 €22 667,37 €500,00 €
201434 916,00 €17 037,00 €23 000,00 €1 000,00 €
201534 916,00 €25 812,00 €22 400,00 €2 500,00 €
201634 916,00 €33 762,00 €22 400,00 €3 500,00 €
201749 391,73 €30 274,00 €27 418,34 €

13- O assistente cediço, e por várias vezes, solicitou, por escrito, a entrega dos rendimentos da herança o que sempre lhe foi negado pela arguida AA, conforme cartas juntas com a denúncia.
14- No âmbito da resolução tomada, entre o período desde meados 2003 (ainda a mãe estava em coma) à presente data os arguidos AA e BB, tirando partido rectius abusando do exercício do cargo de cabeça-de-casal, apropriaram-se de elevadas quantias em dinheiro pertencente à herança, aliás, superior a 4.000.000,00€.
15- Com efeito, entre finais de 2003 e a presente data, a herança gerou as receitas líquidas que a seguir se vão concretizar.
16- Em primeiro lugar, a quantia de 150.000,00€ existente nas contas bancárias da de cujus à data do óbito.
17- Em segundo lugar, a quantia de 578.822,58€ provenientes de rendas recebidas pelos prédios (lojas no …, em Lisboa), computadas até 31.12.2017 e que fazem parte da herança e atrás mais bem identificadas.
18- Esta quantia é, aliás, apurada com facilidade, pois vendo as declarações de IRS dos arguidos AA e BB, aqueles rendimentos prediais, no total de 289 411,29€, dizendo respeito a prédios da herança, correspondem a 50% da parte em que é herdeira.
19-Como as rendas foram percebidas na totalidade pela arguida AA, em grave abuso do cargo cabeça-de-casal, pois ocultou-as, enquanto proveito da herança, omitindo-as, aliás, das respetivas contas, fácil é de concluir que a quantia efetivamente apropriada é de 578.822,58€.
20- Os arguidos AA e BB, lesaram duplamente o assistente, pois não só não recebeu a parte que lhe é devida, enquanto herdeiro dos rendimentos da herança, como suportou IRS por um rendimento que não lhe foi entregue.
21- Em terceiro lugar, a quantia de 645.283,99€ referente a uma indemnização paga pelo Metropolitano de Lisboa à sociedade AA & Filhos, Lda..
22- Em quarto lugar, a quantia de 300.000,00€, respeitante à remuneração do i assistente entre meados de 2014 e esta data e que a sociedade AA & Filhos, Lda., deixou de lhe pagar em virtude da destituição do mesmo num processo judicial movido pelos arguidos.
23- Em quinto lugar a quantia de 2.400.000,00€, correspondente ao lucro da sociedade AA & Filhos, Lda., entre 2003 e 2019 (média anual de 150.000,00€) e que nunca foram distribuídos aos legítimos titulares, posto que os arguidos AA e BB deles se apropriaram e falsificaram, como se vai demonstrar, a contabilidade de modo a ocultar a sua existência.
24- Em sexto lugar a quantia de 202.344,26€, desviada da sociedade AA & Filhos, Lda., para pagamentos ilícitos a agentes de execução.
25- O total destas quantias ascende a 4.276.450,83€.
26- Há ainda a considerar como efetiva apropriação as quantias despendidas pelos arguidos AA e BB ao longo dos anos com honorários de advogados, taxas de justiça, impostos e outras em valor superior a 500.000,00€.
27- Estes valores, em dinheiro vivo, foram - e são - entregues diretamente à arguida AA de que deposita (ou manda depositar) parte em variadas contas bancárias, como paga em numerário várias e exuberantes despesas que desde que acedeu ao cargo de cabeça-de-casal passou a fazer.
28- Também a arguida AA entrega várias quantias em numerário aos arguidos BB, CC, HH e II que gastaram e gastam no seu dia-a-dia.
29- Ainda no âmbito da resolução de apropriação, para poder movimentar livremente a conta bancária da sociedade AA & Filhos, Lda., os arguidos AA e BB, no dia 01.09.2004 nomearam na ausência do assistente, a arguida CC para gerente da dita sociedade, com a remuneração mensal de 2.000,00€.
30- Bem como assim decidiram ainda os arguidos, com a oposição do assistente, atribuir à arguida AA uma remuneração base de 2.494,00€, rendimentos que constituem os declarados em sede de IRS.
31- A arguida CC, passou a participar diretamente nos desvios que a arguida AA efetuou - e efetua - quer assinado documentos de instrução bancárias, como e. g. ordens de transferência, de constituição de aplicações financeiras, quer validando as transferências bancárias online.
32- De acordo com a informação do Banco de Portugal, a arguida CC, além de titular em várias contas, é também interveniente noutras várias contas bancárias da titularidade doutros arguidos figurando como autorizada ou procuradora.
33- A arguida AA, até ter acesso aos valores da herança, em 2003, dispunha de uma única bancária.
34- Porém, com o dinheiro da herança de que se apropriou passou a ser titular de dezenas de contas bancárias espalhadas por várias instituições bancárias, como BCP, CGD, Edmond, BPI, Novo Banco, Banco Best, Santander (cfr. fls. 718 e ss), contendo os mais variados produtos financeiros.
35- Na sequência da notificação, o Banco de Portugal veio informar que a arguida AA é titular ou autorizada em várias contas bancárias espalhadas pelos seguintes bancos
BCP - Banco Comercial, Português, SA
BPI - Banco Português de Investimentos, SA
CGD - Caixa Geral de Depósitos, SA
Banco Santander Totta, SA
Banco Novobanco, SA
Banco Best, SA
Banco Edmond Rothschild, Portugal, SA.
36- Para dissimular a proveniência do dinheiro que se apropriou a arguida AA abriu várias contas em nome de terceiros, seus familiares, embora conste como autorizada a movimentar tais contas.
37- Os arguidos AA e BB concederam autorização de movimento em várias contas à arguida CC.
38- Os arguidos AA e BB, aplicaram rectius dissiparam e dissimularam o dinheiro proveniente da atividade criminosa nas mais variadas formas.
39- Conforme resulta de um extrato bancário de uma conta existente no BANCO EDMOND DE ROTHSCHILD, a arguida AA, detinha em 31.03.2012 um saldo bancário de 403 558,35€, verba que, além de se mostrar incompatível com os rendimentos legítimos que, aliás, não tem desde finais de 2001, não só resultou das apropriações que efetuou como não a declarou ao fisco.
40- A sociedade AA & Filhos, Lda., recebeu entre 2008/2010 uma indemnização do Metropolitano de Lisboa no valor de 645.283,99€, verba esta que posteriormente os arguidos AA e BB se apropriaram, transferindo-a para as suas contas pessoais.
41- Assim como defraudaram o fisco por duas vezes (i) a primeira em sede de IRC na sociedade, pois, para evitar pagar este imposto, criaram na contabilidade da sociedade falsas provisões para créditos de cobrança duvidosa inexistentes e nunca previamente declarados como proveitos, como também (ii) não pagaram IRS quando passaram a usufruir do dinheiro uti dominus.
42- Os arguidos AA e BB, apropriaram-se do dinheiro da indemnização do Metropolitano de Lisboa, no total de 645.283,99€, assim como outros provindos das elevadas disponibilidades da sociedade AA & Filhos, Lda., num total, mínimo, de um milhão de euros e transferiram tal quantia para dois países estrangeiros e que, salvo erro manifesto, pelos códigos constantes na declaração de IRS terão sido a Holanda e os Estados Unidos.
43- Daí que justamente tenham incluídos nas declarações de IRS os rendimentos (juros) obtidos no estrangeiro de acordo com o seguinte mapa:

AnoValorAcumulado
20121 812,53 €1 812,53 €
201211 535,00 €13 347,53 €
201311 500,00 €24 847,53 €
20144 375,00 €29 222,53 €
29 222,53 €

44- Quando verificaram que o assistente estava no seu encalce, já em 014, ao alegar tais desvios baseado num extrato que acidentalmente veio para as suas mãos, os arguidos AA e BB deixaram de declarar tais quantias ao fisco e transferiram a quantia para o nome dos seus filhos.
45- Os arguidos AA e BB utilizaram dinheiro de proveniência criminosa, i. e., proveniente das apropriações que efetuaram no montante de 175.809,84€, na compra em 11.03.2016 do quinhão hereditário da vítima e no âmbito da execução 175/12 que agora corre termos no Juízo de Execução de Guimarães - Juiz 2.
46- Sem que tal quantia tenha antes sido objeto de declaração à AT para efeitos de tributação em IRS, pelo que também se verificou o crime de fraude fiscal.
47- Os arguidos AA e BB utilizaram dinheiro de proveniência criminosa, i. e., proveniente das apropriações que efetuaram no montante de 455.005,00€, na compra em 26.06.2017 da metade do prédio da vítima e no âmbito da execução 9505/12 que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa - JL Criminal - Juiz 12.
48- Sem que igualmente tal quantia tenha antes sido objeto de declaração à AT para efeitos de tributação em IRS, pelo que também se verificou o crime de fraude fiscal.
49- Os arguidos AA e BB, através da SEEDRS com sede em Portugal e com produto da atividade criminosa de apropriações financiou o arguido seu filho II na operação de crowdfunding no valor de 450.000,00€ na Wine With Spirit, pessoa coletiva n.º …, empresa de que o denunciado II se assume como CEO, assim branqueando outrossim o dinheiro sujo.
50- Sem que igualmente tal quantia tenha antes sido objeto de declaração à AT para efeitos de tributação em IRS, pelo que também se verificou o crime de fraude fiscal.
51-Os arguidos AA e BB, apropriaram-se, ainda, da quantia de 202.344,26€ retirando-a da sociedade AA & Filhos, Lda., com o que efetuaram um pagamento ilícito a uma agente de execução.
52- Porém, é certo que a sociedade não só não tinha qualquer dívida como dispunha - e dispõe - de abundante liquidez, i. e., dinheiro vivo (só a esplanada … do Chiado fatura em dinheiro vivo mais de 5.000,00€ por dia).
53- Tal pagamento é a contrapartida para o mercadejar do cargo pelos arguidos agentes de execução, nos termos melhor concretizados infra.
54- Com dinheiro que antes se haviam apropriado, os arguidos AA e BB compraram, por valor ainda não concretamente apurado, no ano de 2013, um iate de luxo da marca CRANCHI YATCH, cujo valor comercial é superior 400 000,00€, a que deram o nome de AGOSTINHOS e que costuma estar ancorado em Setúbal.
55- Sem que igualmente tal quantia tenha antes sido objeto de declaração à AT para efeitos de tributação em IRS, pelo que também se verificou o crime de fraude fiscal.
56-Ainda, para dissimular a origem criminosa do dinheiro e ocultar os sinais exteriores de riqueza injustificada, os arguidos AA e BB têm o barco registado em praça offshore não concretamente apurada.
57-Os arguidos AA e BB, com o dinheiro proveniente da atividade criminosa, financiaram estudos ao mais alto nível para os seus filhos, HH, BB e MM.
58- Com efeito, o arguido HH nos anos de 2003/2004 esteve nos Estados Unidos onde terá obtido o grau de LL.M. pela Columbia University, em Nova Iorque, com especialização em direito das sociedades comerciais, direito dos valores mobiliários e direito bancário. A tese terá sido preparada sob orientação da Prof. Doutora Katharina Pistor.
59- Ainda com dinheiro proveniente das apropriações, o arguido HH, entre 2005 e 2007, realizou a parte escolar do doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.
60- Por seu turno, o filho BB, frequentou entre 2013/2015 a prestigiada Columbia University - Columbia Business School onde terá obtido um MBA.
61- Não sem antes ter frequentado a Universidade de Lisboa entre 2003/2008 onde terá obtido o Master - Business and Administration.
62- Também em 2006 esteve um ano nos Países Baixos a frequentar a Tilburg University no âmbito do Erasmus.
63- Ao passo que o arguido II esteve também a estudar nos Estados Unidos, tendo alegadamente obtido um MBA na Darden Graduate School of Business Admnistration.
64-Também terá obtido um Certificate Degree in Business Management - General Management na University of Lisbon.
65- Ainda terá obtido um PAGE - Pharmaceutical Marketing na Universidade Católica Portuguesa.
66- A analise às contas bancárias dos arguidos e respetivos cartões de débito e de crédito, demonstram que nos estudos atrás referidos os arguidos gastaram uma quantia superior a um milhão de euros que se foram apropriando à herança ao longo do tempo, i. e., desde 2003.
67- Os arguidos AA e BB, viajam com frequência para os Estados Unidos pagando os respetivos custos com dinheiros provenientes das apropriações que efetuaram e efetuam.
68- Até há bem muito pouco tempo, os arguidos AA e BB dispunham de motorista pessoal deslocando-se em viatura Mercedes de alta cilindrada.
69- Os arguidos AA e BB gastam o dinheiro que se apropriam em festas de fim de semana numa casa na Arrábida e passeios marítimos no iate Agostinhos, conforme fotos que faziam questão de publicar nas redes sociais.
70- Após as buscas da PJ, no âmbito deste processo, os arguidos não só deixaram de publicitar nas redes sociais os seus exuberantes gastos como retiraram todo o conteúdo que os pudesse denunciar.
71- Os proprietários da casa da Arrábida afirmam terem sido burlados pelos arguidos AA e BB por através de expedientes judiciais se terem apropriado da casa da Arrábida sem pagarem o respetivo valor.
72- Os arguidos AA e BB são pessoas inteligentes com notória periculosidade ao nível económico e financeiro e bem preparadas tecnicamente quer ao nível de contabilidade quer ao nível de práticas forenses.
73- Uma observação comportamental evidencia desde logo que os arguidos AA e BB sofrem de transtorno de personalidade, pois demonstram serem pessoas manipuladores - quer no dom da palavra quer no manuseamento dos instrumentos -, egocêntricas, vaidosos, com mania das grandezas quer materiais quer pessoais.
74- A atuação dos arguidos AA e BB demonstra serem os mesmos portadores do “nó central da personalidade criminal que engloba o egocentrismo, a labilidade, a agressividade, a indiferença afetiva” (Pinatel, 1975, p. 666), sendo responsável pela passagem ao ato, dando a fórmula da temibilidade ou capacidade criminal.” (cfr. Filipa Rua in A Avaliação da Personalidade em Contexto Penal, pág. 51)
75- Os arguidos AA e BB sempre viveram e vivem obcecados pela necessidade de sucesso de riqueza e as suas fantasias de omnipotência e riqueza, ultrapassam seu juízo de viver conforme a norma.
76- Os arguidos AA e BB evidenciam no seu dia-a-dia preencherem perfil de criminoso de colarinho branco, de acordo com o Psicograma de Mergen, pois, como demonstra a factualidade carreada aos autos, são egocêntricos, narcisistas, materialistas, dinâmicos, audazes, inteligentes e demonstram ainda periculosidade significativa na medida em que ignoram todo o limite ético.
77- Por força da ausência de sentido de limite ético, os arguidos AA e BB são pessoas que na sua personalidade conjugam a hipocrisia e neurose, das quais resulta ainda carência de sentimento de culpabilidade, ou seja, têm sentimento de impunidade.
78- No quadro das relações familiares e sociais os arguidos AA e BB são pessoas que dominam o grupo e as relações, assumindo-se como competitivos, dominantes e autoritários, muito mais que os seus interlocutores.
79- Os arguidos AA e BB são astutos e cautelosos, mas com menos autodisciplina e autocontrolo e, por isso, não admitem serem contrariados nem confrontados com a verdade dos seus atos e quando o são reagem com rancor, cólera e violência imputando aos outros as culpas de tudo o que de mau acontece.
80- É neste contexto que os arguidos AA e BB sempre exerceram um ascendente sobre o assistente, tirando partido de uma menor capacidade e intelecto-cognitiva deste assim como de uma muito menor preparação técnica-jurídica para se defender.
81- Os arguidos AA e BB desprezam o assistente, manifestando profundos sentimentos de ódio e rancor para com o mesmo, como, de resto, já comprovado no processo judicial criminal n.º 385/05.
82- Para, por um lado, dissimularem a sua intensa atividade criminosa de apropriações e, por outro lado, prejudicarem o assistente e desgastá-lo, os arguidos AA e BB, intentaram contra o assistente uma série de processos judiciais civis e criminais nos quais assumiam-se alternadamente ora como vítima ora como testemunha.
83- No que assume particular relevo para este processo, os arguidos BB e AA, aproveitando-se de o fato da remuneração do assistente ter sido fixada décadas antes por sua mãe numa parte fixa e outra variável forjaram uma alegada dívida deste para com a sociedade.
84- Na concretização desse plano criminoso, os arguidos AA e BB, logo no ano de 2004 e após se apropriarem de avultadas quantias em dinheiro que existiam quer na sociedade quer nas contas da de cujus, falsificaram a contabilidade da sociedade no ano de 2003, substituindo, para o efeito, as declarações fiscais.
85- Conforme o quadro que se segue, os arguidos AA e BB falsificaram, em 09/2004, 16 declarações periódicas de IVA e uma declaração anual referente ao exercício de 2003/2004:

PeríodoDeclaradaBasetributável Alterada Diferença
2003/0133 526,78 €69 610,31 €36 083,53 €
2003/0239 714,57 €63 652,36 €23 937,79 €
2003/0350 697,25 €74 371,64 €23 674,39 €
2003/0457 635,81 €83 962,28 €26 326,47 €
2003/0555 956,93 €80 847,29 €24 890,36 €
2003/0644 559,43 €66 259,03 €21 699,60 €
2003/0779 093,85 €79 009,81 €84,04 €
2003/0856 601,87 €74 063,85 €17 461,98 €
2003/0963 107,94 €81 402,07 €18 294,13 €
2003/1062 915,99 €80 432,09 €17 516,10 €
2003/1169 216,69 €69 150,49 €66,20 €
2003/1293 192,71 €93 153,68 €39,03 €
2004/0159 004,24 €75 330,20 €16 325,96 €
2004/0250 845,18 €65 834,62 €14 989,44 €
2004/0366 904,87 €79 680,66 €12 775,79 €
2004/0482 136,04 €82 136,04 €- €
2004/0574 589,70 €74 589,71 €0,01 €
2004/0677 620,17 €77 620,17 €- €
Totais1 117 320,02 €1 371 106,30 €253 786,28 €


86- Os arguidos AA e BB apropriaram-se da quantia de, pelo menos 253.786,18€ retirando-a das disponibilidades da sociedade sem o conhecimento e consentimento do assistente.
87- Para ocultarem o verdadeiro destino deste dinheiro de que se haviam apropriado os arguidos AA e BB decidiram declará-lo no IRS de 2002, ajustando o respetivo montante de modo a poderem suportar o respetivo IRS.
88- Assim, em declaração enviada no dia 07/06/2004, portanto já muito além do prazo legalmente estabelecido, os arguidos AA e BB declararam, no ano de 2002, um rendimento daquela no montante de 154.298,37€.
89- Mais fizeram constar uma alegada retenção de IRS na fonte no valor de 48.602,81€ e que a entidade pagadora de tal montante foi a identificada pelo NIPC 502030879 (Portugália, SA).
90- Mas, àquela data, a arguida AA não tinha qualquer relação de trabalho com a Portugália, SA nem muito menos tinha remuneração de tal valor.
91- Posteriormente, e ainda para ocultarem e/ou dissimularem a apropriação, os arguidos AA e BB decidiram imputar parte daquele valor à de cujus (depois de morta!) no montante de 77.875,76€, alterando, para tanto, a contabilidade da sociedade e declarando-a inclusive como passivo da herança no respetivo inventário.
92- No mesmo passo e no mesmo documento, lançaram na referida contabilidade da sociedade uma outra parte do valor que antes se haviam apropriado no montante de 80.568,13€ como dívida do assistente e assim dissimularam as apropriações que efetuaram.
93- Porém, do confronto da declaração anual de 2002 com a de 2003, a primeira elaborada sem a intervenção dos arguidos AA e BB e a segunda já por eles elaborada verifica-se que no lado do Ativo as dívidas de terceiros de curto prazo em 2002 eram de 4.311,93€ ao passo que no ano de 2003 passou a figurar um valor de 174.657,76€.
94- Não obstante a sociedade possuir um TOC externo, certo é que foram - e são - os arguidos AA e BB quem executaram e executam a contabilidade da sociedade limitando-se o idoso TOC a assinar o que a arguida AA, amiga e colega de longa data lhe ordenava.
95- Os arguidos AA e BB, naquele ano de 2004 criaram na contabilidade da sociedade uma falsa conta de lançamentos onde lançaram ad nutum, i. e., sem qualquer suporte fático ou documental alegadas retiradas de dinheiro efetuadas pelo assistente.
96- De modo a dissimularem as apropriações que efetuaram - efetuam os arguidos AA e BB, falsificam mensalmente os documentos de contabilidade da sociedade AA & Filhos, Lda., nomeadamente o balancete, pois inscreveram falsas dívidas em nome do assistente assim como ocultaram as suas apropriações.
97- E também, por estas razões falsificaram em cada ano as declarações patrimoniais/fiscais - balanço, demonstração de resultados e demais anexos.
98- E é neste contexto que burlam os tribunais. Na verdade,
99- Importa lembrar obiter dictum que cometer uma burla é crime. Cometer uma burla enquanto se zomba dos administradores da justiça, é abstratamente muito mais grave.
100- Dito isto, no âmbito dessa sua resolução - apropriação in totto das receitas da … e afastamento do assistente - os arguidos AA e BB, alegando desvios de dinheiro por parte do assistente intentaram uma providência cautelar n.º 1057/04 visando a suspensão do mesmo das funções de gerente, providência que foi indeferida na primeira instância (2005) por não se verificar o periculum in mora e na segunda instância foi acrescentado (2005) que outrossim não se verificava o fumus boni juris.
101- De igual modo, os arguidos AA e BB, embora em nome daquela, apresentaram uma queixa-crime contra o assistente, tendo o mesmo sido submetido a julgamento no processo n.º 7146/05 por um alegado abuso de confiança contra a sociedade, no qual foi proferida douta sentença absolutória (2010) confirmada por não menos douto acórdão (2011) do Tribunal da Relação de Lisboa.
102- Intentaram, ainda, um segundo processo criminal que igualmente foi arquivado no dia 27.08.2010 e que, aliás, correu termos com o número 636/08.1TDLSB (0202) do DIAP de Lisboa.
103- Conhecendo as decisões judiciais atrás referidas e a falsidade de tudo que alegaram, ainda assim os arguidos AA e BB, intentaram (2006) contra o assistente uma outra ação de responsabilidade civil conexa com o alegado crime de abuso de confiança, peticionando a quantia de 242 324,33€ que correu termos com o n.º 5733/06.5TYLSB, nas Varas Cíveis de Lisboa, tendo sido proferida sentença (2014) que julgou o tribunal incompetente em razão da matéria, decisão confirmada (2014) pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
104- Não obstante a “derrota” processual os arguidos AA e BB, com o seu vasto arsenal forense, depressa transformaram tal derrota em janela de oportunidade, intentando (2014) uma outra ação (14650/14) agora na jurisdição competente (Comércio) na qual altearam astronomicamente o valor peticionado para 951.796,74€, sendo 774.975,87€ de capital e o restante referente a juros.
105- Tal ação, por motivos que não se conseguem explicar, foi contestada fora de prazo e, como tal, foi o aqui assistente e ali réu condenado de preceito (2014), sentença que foi confirmada por acórdão da Relação de Lisboa (2016) havendo, portanto, dupla conforme.
106- Ora, ao intentarem tal ação, os arguidos AA e BB assim o como o arguido DD, sabiam a falta de fundamento da mesma, porque baseada em fatos falsos e documentos falsificados pelos primeiros e assim para enganarem o juiz, como enganaram, omitiram a existência das duplas conformes criminais e cíveis atrás referidas.
107- Ainda antes de instaurarem a execução para pagamento de tão absurda e indevida quantia de 951.796,74€, os arguidos AA e BB, agora representados pelo arguido DD requereram arresto dos bens do assistente em que a única testemunha foi o já sinalizado BB e que mereceu credibilidade…
108- Entretanto, os arguidos AA e BB haviam intentado o processo principal de destituição do assistente do cargo de gerente que, desde sempre, exerceu na sociedade AA & Filhos, Lda. e a que corresponde o processo 960/05.5TTLSB do Tribunal da Comarca de Lisboa - Secção do Comércio de Lisboa - Juiz 1.
109- Sendo certo que neste foi proferida sentença (2013) que o destituiu daquele cargo (com fundamento determinante numas alegadas agressões testemunhadas pelas habituais testemunhas, ou sejam os arguidos BB e CC e que veio a ser confirmada por acórdão da Relação de Lisboa (2016).
110- Desde a destituição do cargo de gerente, o assistente deixou de ter salário ou qualquer meio de subsistência, após mais de 30 anos dedicados em exclusivo à sociedade, vivendo na mais completa miséria.
111- Os arguidos AA e BB, assim como as testemunhas ouvidas no processo em causa, alteraram ali conscientemente a verdade, pois sabiam que as alegadas dívidas do assistente que alegavam eram falsas.
112- Assim, como sabiam serem falsas ou exasperadas as situações de discórdia que logo descrevem como sendo agressões violentas, enganando os julgadores com notória facilidade dado os seus dotes oratórios.
113- Isto apesar de viverem num limbo, pois provocam o assistente e quem quer que lhe questione e quando confrontados com os seus atos ou simplesmente desatam aos gritos alegando estarem a ser vítimas de agressões, quando também sabem que tal é mentira.
114- Em linha com o perfil atrás traçado na simbiose hipocrisia/neurose, também facilmente se alcança que os arguidos AA e BB são exímios na representação da enganosa figura vitima-provocadora.
115- Com efeito, como resulta à saciedade, os arguidos AA e BB, agiram - e agem - motivados pela cobiça, vaidade e pela ânsia de enriquecer rapidamente - e sem causa ou à custa dos outros - em especial à custa do assistente ao que acrescentaram rancor, ódio ou desprezo pela verdadeira vítima.
116- A arguida CC é filha do assistente.
117- Tal como os arguidos AA e BB (tios), revela desprezo e desconsideração para com o assistente.
118- Refere-se sempre ao assistente (pai) comoele para mim não é nada”, conforme, aliás, documento junto com a denúncia e usa frases como em “...relação ao senhor Montes é-me completamente indiferente ele existir ou não, não me diz nada, e cada vez menos...
119- Os arguidos AA e BB, convidaram a arguida CC a associar-se ao plano de apropriações do património do assistente.
120- Desde meados de 2003 que a arguida CC participa ativamente na atividade criminosa.
121- Ainda a de cujus estava em coma, em meados de 2003, os arguidos CC, AA e BB, em comunhão de esforços, procederam ao levantamento em numerário de avultadas quantias existentes nas contas bancárias da de cujus.
122- Como forma de afastar o assistente da gerência da sociedade, os arguidos AA e BB nomearam no dia 01/09/2004 a arguida CC como terceira gerente da sociedade AA & Filhos, Lda.
123- Fizeram-no mediante uma falsa deliberação, para a qual o assistente enquanto sócio e herdeiro não foi convocado, na que a arguida AA, por ser cabeça-de-casal, representava a quota da herança numa fração de 90% do capital social e o arguido BB a representava como marido e titular de uma quota equivalente a 5% do capital social.
124- Foi atribuída à arguida CC já naquela altura uma remuneração de 2.000,00€ mensais, mais ajudas de custo como estacionamento e outros.
125- A arguida CC não tem especial formação nem conhecimentos de gestão ou de economia.
126-A arguida CC até então trabalhava na sociedade desempenhando funções de escriturária e conforme instruções do assistente e da avó.
127- Desde que foi nomeada gerente, a arguida CC assina toda a documentação bancária necessária às apropriações realizadas pelos arguidos AA e BB, assim como é procuradora autorizada em várias contas bancárias em nome de terceiros.
128- A arguida CC deu os seus códigos de assinatura digital nas contas bancárias à arguida AA para que esta movimentasse livremente as contas.
129- A arguida CC elabora diariamente uma folha de caixa informal onde descreve as receitas efetivas da sociedade, para posteriormente a arguida AA lançar na contabilidade não as receitas reais, mas apenas as subtraídas das apropriações que efetua.
130- A arguida CC, enquanto gerente, assina as contas da sociedade sabendo bem que as mesmas estão falsificadas na medida em que omitem parte importantes das receitas como também as apropriações.
131- A arguida CC, é testemunha regular dos arguidos AA e BB em todos os processos que estes movem contra o assistente, depondo invariavelmente contra este.
132- A arguida CC comunga das apropriações efetuadas pelos arguidos AA e BB, pois, além do salário declarado são lhe dadas várias importâncias em dinheiro que as gastas em proveito próprio.
133- A arguida CC pauta a sua vida social acima das reais possibilidades, pois sempre se relacionou com as elites e quando não tem dinheiro para as acompanhar descarrega as suas frustrações no assistente por não lhe ter dado aquilo que sempre quis.
134- A atividade da arguida CC na sociedade limita-se a estar algumas horas na caixa principal e a recolher os respetivos saldos para posteriormente decidir em conformidade com as instruções da arguida AA o que vai para o banco e o que lhe é entregue.
135- A arguida CC sabia - e sabe - que o assistente (seu pai) é legítimo titular quer da herança quer da sociedade e que ao agir em concertação com os arguidos AA e BB estava a causar graves e irreparáveis prejuízos.
136- A arguida CC sabe que o total das apropriações efetuada em conjunto com os arguidos AA e BB é superior a 4.000.000,00€.
137- A arguida CC sabe que faltou conscientemente à verdade, quando, para isentar a responsabilidade criminal dos arguidos AA e BB, testemunhou no processo 1656/08.1TDLSB que os valores referentes aos levantamentos efetuados por estes em 2003 lhe tinham sido dados pela avó.
138- Pois, como demonstra a informação do Banco de Portugal e necessários extratos bancários quer da sua conta quer da conta da arguida AA é nesta que aparecem depositados aqueles valores. 139- A arguida CC assinou os documentos de transferências bancárias com que os arguidos AA e BB desviaram da sociedade a quantia recebida pela indemnização do Metro de Lisboa no montante de 645.283,99€ para contas bancárias que possuem no estrangeiro no estrangeiro.
140- Ao assinar tais documentos a arguida CC está consciente que tais atos constituíam o crime de apropriação e de dissimulação do produto do crime pelo que incorre no crime de branqueamento de capitais.
141- A arguida CC participou (assinando) na elaboração dos documentos de suporte da contabilidade que ocultam ou dissimulam as apropriações que efetuam.
142- A arguida CC sabe que, fruto da coletiva atividade criminosa, seu pai é hoje indigente e vive na mais completa miséria.
143- A arguida CC, agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida por lei e que com a mesma lesava o património do assistente que quis e conseguiu.
144-No âmbito da litigância hereditária, o assistente intentou (2005) uma ação no Tribunal Judicial de Vieira do Minho, visando a aquisição dos prédios incluídos na herança e ali situados, posto que sendo a sua residência habitual de férias e do seu agregado familiar e de sua mãe, havia procedido a significativos investimentos o que no seu entender legitimava a acessão imobiliária industrial.
145- Dado o grande afeto que o assistente tinha por tais prédios, tal ação terminou com uma transação (06/2011) que se consubstanciou num contrato de promessa de compra e venda e mediante o qual o assistente se comprometeu a adquirir, por adjudicação, os referidos prédios no âmbito da partilha em inventário por um valor futuro com um máximo de 250.000,00€ e que para em caso de incumprimento do acordado foi fixada uma cláusula penal, nos termos da sentença homologatória que aqui se dá por integralmente reproduzida.
146- Porém os arguidos AA e BB nunca tiveram ab initio intenção de cumprir com tal contrato-promessa, pois bem sabiam que o que estava ali em causa era a partilha/adjudicação a um herdeiro de um bem integrante na herança e que tem um regime substantivo próprio.
147- Agiram os arguidos AA e BB e desde sempre com o intuito ' de burlarem, como burlaram, o tribunal e o assistente, o que quiseram e conseguiram.
148- Na verdade, ao contrário do declarado, a intenção dos arguidos AA e BB foi a de obterem uma sentença que lhes servisse de título executivo para, por via dela, alcançarem, sem nada pagar, o quinhão hereditário do assistente, o que quiseram e conseguiram.
149- Embora não conste da transação, os arguidos AA e BB sabiam, desde logo, que o seu eventual crédito é sempre a título de tornas e, portanto, sujeito ao respetivo regime substantivo.
150- Também sabiam os arguidos AA e BB que o assistente, para pagar o valor que ali aceitara, em caso de insuficiência de saldo de tornas, por compensação, necessitava de receber a sua parte dos rendimentos da herança e que na altura eram já na ordem de mais de 1.000.000,00€ (um milhão de euros).
151- Nas negociações que antecederam a redação do termo de transação, os arguidos AA e BB, embora com a consciência de que não iam adrede cumprir - porque os seus propósitos eram o de ficarem na posse de um título executivo, ainda que falso no seu conteúdo -, comprometeram-se a apurar as contas da herança e a entregar a parte que cabia ao assistente.
152- Foi precisamente porque os arguidos AA e BB se comprometeram a entregar ao assistente o dinheiro que, por lei, é seu que o mesmo aceitou os termos da transação.
153- No entanto, os arguidos AA, e em especial o arguido BB que, segundo o que consta, o seu ramo de especialidade é do direito tabular, sabiam, de antemão, que a partilha de um bem da herança (ainda para mais quando aberto o processo de inventário) está disciplinada por lei, da qual resulta que o crédito daí emergente entra em regra de tornas.
154- Na verdade, sabiam os arguidos AA e BB que a obrigação do pagamento de tornas apenas nasce com a licitação e consolida-se com a sentença homologatória da partilha constante do mapa (de partilha) que adjudica aos interessados os respetivos quinhões, reafirmando a obrigação de serem pagas as tornas aí consagradas (no mapa), condenando, implicitamente, o devedor a pagar tais quantias.
155- Bem como sabiam os arguidos AA e BB que se o assistente não procedesse ao pagamento depois de ter sido reclamado, ainda assim a execução estava, como está, limitada à venda dos bens que eventualmente
tivessem sido adjudicados ao assistente e até onde seja - i. e., limite - necessário para o pagamento do crédito em dívida.
156- Os arguidos AA e BB, aproveitaram-se da pouca experiência da ali mandatária do assistente, ainda muito jovem, para redigir a transação de acordo com os desígnios criminosos previamente delineados.
157-O tribunal onde decorria o referido processo limitou-se a uma homologação tabelar já muito próximo das 17H00, dado se tratar de direitos disponíveis cuja legalidade ou modo de exequibilidade não cabia ali apreciar.
158- A transação prevê que o incumprimento (sem distinção) do acordado pelo assistente importa o pagamento, a título de cláusula penal, da quantia de 25.000,00€.
159- Após a outorga da referida transação, os arguidos AA e BB não mais procuraram ou sequer interpelaram o assistente para a conclusão do referido contrato-promessa.
160- Ao invés, não só fustigaram o assistente com vários processos civis e criminais, como instauram uma execução dando como título a sentença homologatória do contrato-promessa.
161- Os arguidos AA e em especial o arguido BB agindo com particular astúcia, sabia bem que a execução era ilegítima, na medida em que a sentença era inexequível dado que se tratando da homologação de um contrato-promessa previamente havia que instaurar a ação de modo a definir o eventual inadimplemento e inerente direito.
162- A execução corre agora termos com o número 175/12.6TBVRM Tribunal Judicial da Comarca de Braga Juízo de Execução de Guimarães - Juiz 2.
163- “O agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutórios.” - Art.º 162.º/1 do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.
164- E “O agente de execução, ainda que nomeado por uma das partes processuais, não é mandatário desta nem a representa.” - Art.º 162.º/2 do EOSAE
165- “O agente de execução estabelecido em território nacional só pode iniciar Junções após (...) “A prestação de juramento solene perante o presidente do tribunal da Relação e o representante do conselho profissional de agentes de execução, em que assuma o compromisso de cumprir as funções de agente de execução nos termos da lei e do presente Estatuto” - Art.º 108.º/ 1 al. b) do EOSAE.
166- O agente de execução, desempenha, pois, uma função pública administrativa, sendo, nessa medida, considerado funcionário para efeitos penais, nos termos do artigo 386.º al. d) do Código Penal.
167- Conforme indicação feita no requerimento executivo pela arguida AA foi indicado para agente de execução NN que foi notificado da sua nomeação no dia 11.05.2012.
168- Posteriormente, o agente de execução NN recebeu e avaliou o requerimento executivo nos termos dos artigos 811.º/1 al. b) in fine, 812.º al. f) do Cód. Proc. Civil antes da reforma de 2013.
169- Não obstante ser manifesta a falta de título, o agente de execução NN, por indicações dos arguidos AA e BB, não remeteu o processo ao juiz de execução para decisão liminar.
170- Ao ler o título executivo, o agente de execução NN ficou ciente de que estava em causa um contrato promessa de compra e venda, homologado por sentença.
171-Mediante o qual o assistente se comprometeu a adquirir, por adjudicação no processo de inventário, dois prédios incluídos na herança e relacionados no processo de inventário e que e em caso de incumprimento se obrigou no pagamento de uma cláusula penal de 25.000,00€.
172- Intencionalmente os arguidos AA e BB, no requerimento executivo, não indicaram à penhora quaisquer bens, quando bem sabiam a falta de título e que, ainda assim, caso tivesse havido efetivamente qualquer adjudicação dos prédios incluídos na herança eram estes - e só estes - que podiam ser penhorados.
173- No desempenho das suas funções, o agente de execução NN procedeu à consulta das bases públicas e por essa via pôde compulsar o património que o assistente possuía avultando vários prédios, rendimentos prediais e veículos automóveis.
174- Assim como era herdeiro de AA e que decorria o respetivo processo de inventário.
175- Em cumprimento das instruções que lhe eram impostas pelos arguidos AA e BB, o agente de execução NN no dia 22.05.2012 solicitou ao tribunal a penhora os saldos das contas bancárias do assistente.
176- Aliás, já com o intuito de dissimular a atividade criminosa, os arguidos AA e BB, solicitam ao seu mandatário GG que substabelecesse com reserva no Dr. OO que assim efetuou intervenções pontuais no processo.
177- E uma delas foi precisamente para solicitar por requerimento de 09.07.2012 que o agente de execução NN penhorasse os saldos das contas bancárias, o que, porém, sabia já ter sido efetuado.
178- Do que resultou a penhora de saldos da conta do assistente no BPI no dia 13.07.2012 da quantia de 5.502.14€ e no dia 22.01.2014 a quantia de 3.420,60€, no total de 8.922,74€.
179- Não se mostra efetuada a aplicação no processo desta quantia que assim desapareceu...
180- Para evitar a deserção da instância, o agente de execução NN, voltou a repetir várias diligências incluindo a consultas às bases de dados públicas.
181- Os arguidos AA e BB, por várias vezes, pressionaram o agente de execução NN para que este penhorasse o quinhão hereditário e lhes adjudicasse o mesmo por conta do crédito exequendo.
182- O agente de execução NN não cedeu às intenções dos arguidos AA e BB, quanto à adjudicação, mas, satisfazendo os desígnios criminosos daqueles, penhorou no dia 06.02.2014 o quinhão hereditário do assistente ao qual não atribuiu qualquer valor.
183- O agente de execução NN recusou-se a praticar os atos criminosos solicitados pelos arguidos AA e BB de venda direta do quinhão hereditário sem avaliação e pelo preço da quantia exequenda.
184- Face à recusa do agente de execução NN os arguidos AA e BB pediram-lhe que delegasse as competências na arguida EE.
185- Assim, no dia 26.06.2014 o agente de execução NN envia à arguida a delegação de poderes com a seguinte mensagem: “Tendo V/Exa. sido o Agente de Execução indicado pela Exequente para o efeito, junto envio os originais de todo o processo para a colega proceder a toda a tramitação até final.” (Doc...).
186- Os últimos atos praticados no processo pelo agente de execução NN são as notificações entre 25.06.2014 e 28.06.2014 aos mandatários e partes para se pronunciarem quanto à modalidade da venda.
187- A arguida EE iniciou funções de imediato, i. e., no dia 26.06.2014.
188- Como contrapartida por ir satisfazer os desígnios criminosos dos arguidos AA e BB, deixou-se corromper pela quantia de cerca de 50.000,00€.
189- Os arguidos AA, BB e EE combinaram que o pagamento de tal quantia iria ser dissimulado para evitar deixar rasto.
190- Para tanto, combinaram aqueles arguidos entre si que a arguida EE transferiria uma quantia de 49.733,45€ para a conta da arguida AA para posteriormente esta lhe entregar faseadamente.
191- Assim, no dia 14.11.2014 a arguida EE declara no processo ir proceder ao pagamento da referida quantia de 49.733,45 €, como “Entrega de resultados ao Exequente/Requerente”, mais declarando que “EE, Agente de Execução no processo supra identificado, declara que vai proceder-se à transferência/pagamento do valor supra indicado, mais declarando que se encontram reunidos os pressupostos processuais e legais para que este pagamento seja realizado.”
192- Com data de 17.11.2014, a arguida EE envia comunicação ao mandatário acidental da arguida AA, Dr. OO, dando conta de que “Serve o presente para informar V. Exa. que em 17/11/2014 foi efetuada a transferência de 49.733,45 Euros para o NIB da exequente, à penhora crédito do quinhão hereditário.”.
193- A arguida EE tinha perfeito conhecimento de qual tal pagamento era indevido porque, quanto mais não fosse, não havia sido arrecadada, nem estava disponível no processo, semelhante verba de 49.733,45€.
194- A arguida EE, sabia que tal quantia que tinha na conta clientes só lhe estava acessível em virtude do exercício das funções de agente de execução.
195- Os arguidos AA e BB entregaram posteriormente à arguida EE e por várias vezes aquela quantia de 49 733,45€ que para o efeito se deslocava ao escritório do arguido BB.
196- Posteriormente, para reposição de tal verba na conta clientes, a arguida EE providenciou aos arguidos AA e BB, referência de pagamentos multibanco tendo estes procedido ao pagamento a partir da conta da sociedade AA & Filhos, Lda., e/ou da arguida AA.
197- Deste modo os arguidos AA, BB e EE fecharam o circuito de dissimulação do dinheiro usado para corromper a arguida EE.
198- A arguida EE, no exercício das suas funções de agente de execução, sabia - e sabe - que tem o dever de aferir oficiosamente, e a todo o tempo, a suficiência do título, recusando-o, nos termos do artigo 855.º/2 al. a) do CPC ou, em caso de dúvida, submetendo a questão ao tribunal, cfr. al. b) do mesmo inciso.
199- Mas adrede e com o intuito de beneficiar, como beneficiou, os arguidos AA e BB, prejudicando gravemente o assistente, não o fez.
200- A arguida EE, como profissional do foro especialmente qualificado, também sabia - e sabe - que na execução de bens por dívidas emergentes da partilha de bens é seu dever penhorar os bens que em primeiro lugar respondam pela dívida.
201- E mais sabia - e sabe - que nesse caso, a haver título, que - insista-se - não havia, sempre os bens a serem penhorados só podiam ser os prédios que foram objeto da transação e nada mais, conforme o artigo 1378.º/3 do Cód. Proc. Civil/61 (atual art.º 1122.º/2).
202- A arguida EE foi contratada pelos arguidos AA e BB com o intuito de, mediante a ilegal contrapartida de 50.000,00€ rectius 49 733,45€, os favorecer na execução de modo a que estes ficassem donos do quinhão hereditário sem pagarem qualquer justa contrapartida.
203- Daí que, justamente, a arguida EE não tratasse de corrigir oficiosamente a penhora ilegalmente efetuada, substituindo a penhora do quinhão hereditário pelos prédios supostamente “adjudicados” ou “comprados”.
204- Ao invés, a arguida EE, tal como acordado com os arguidos AA, BB e GG dá continuidade às diligências de venda do quinhão hereditário.
205- Não obstante invocar não ter sido regularmente notificada, a mandatária do ali executado aqui assistente no dia 02.07.2014 atravessou requerimento pugnando que a venda fosse efetuada por hasta pública e pelo valor mínimo de 1.600.000,00€.
206- Por seu turno, o arguido GG, na qualidade de mandatário da arguida AA, pugnou a 08.07.2014 que a venda devia ser efetuada por carta fechada pelo irrisório valor de 344.250,00€.
207- Por despacho de 21.05.2015 foi a arguida EE notificada para juntar aos autos a decisão sobre a modalidade da venda.
208- A arguida EE comunica aos intervenientes e ao tribunal a decisão da modalidade de 01.06.2015 da venda por carta fechada fazendo constar: “Considerando o valor patrimonial dos imóveis e o valor da quota social resultante da avaliação efetuada, considerando ainda, os bens móveis constante da relação bens, irá ser efectuada a venda do quinhão hereditário que o executado JJ tenha direito na Herança Aberta por óbito de AA, mediante proposta em carta fechada pelo VALOR BASE DE 473.359,77 € (quatrocentos e setenta e três mil trezentos e cinquenta e nove euros e setenta e sete cêntimos), sendo a mesma anunciada pelo valor de 402.355,80 € correspondente a 85% do valor base.”
209- A arguida EE, num documento dotado de fé pública, fez constar um fato que sabia ser falso, pois refere “avaliação efetuada”, quando certo é que não foi efetuada nenhuma avaliação quer aos bens imóveis quer aos bens móveis e ainda aos rendimentos gerados pela herança em dinheiro vivo que já naquela data eram superiores a 2.000.000,00€, conforme melhor descriminado no intróito deste libelo.
210- Da tramitação posterior do processo de execução releva o despacho de 03.12.2015, mediante o qual foi suspenso por 45 dias, dada a pendência do processo de inventário no qual, aliás, estava agendada para 14.01.2016 a conferência de interessados.
211- Como aquele despacho não servia os interesses dos arguidos AA e BB estes depressa trataram de uma vez mais, burlarem o tribunal e o mandatário do assistente.
212- Assim, na diligência do dia 14.01.2016 lograram convencer a meritíssima juiz de direito de queNão existe qualquer hipótese de acordo, nesta fase, entre as partes quanto à composição dos quinhões hereditários e consequente partilha dos bens, mas existe probabilidade de tal vir a ocorrer na sequência de avaliação extra judicial que as partes, neste acto, aceitaram levar a cargo, apenas quanto aos bens imóveis, exceptuando-se os prédios rústicos e o jazigo.”.
213- Mais ali consta “Assim, requerem a suspensão da instância pelo prazo de 60 dias, com vista à realização da aludida avaliação extra judicial, por acordo, requerendo o Interessado JJ, desde já, e à cautela, para a hipótese de se frustrar o acordo quanto à avaliação extra judicial, a avaliação judicial dos supra mencionados imóveis.”
214- Face ao que foi proferido o seguinte despacho: “Considerando os motivos invocados pelas partes, defiro a requerida suspensão da instância, pelo período de 60 dias, devendo as partes, a frustrar-se as diligências extra judiciais, ora previstas, comunicá-lo ao Tribunal, de modo a que, nessa eventualidade, se dê de imediato início às diligências de avaliação dos imóveis em termos judiciais, nos termos do artigo 1362.º e seguintes do C.P.C., na redação anterior à Lei n.º 23/2013, de 05/03.”
215- Os arguidos AA e BB, nunca tiveram intenção de cumprir com o acordo de realização das avaliações, tanto assim que não só as não realizaram como nunca mais procuraram o assistente ou seu mandatário com tal finalidade.
216- Quiseram apenas os arguidos AA e BB ganhar tempo para que o tribunal onde decorria a execução 175/12 indeferisse a suspensão da mesma e designasse dia para a abertura de propostas, conforme requerimento que o seu mandatário o arguido GG, ali já havia apresentado a 19.11.2015.
217- E, de facto, por despacho do dia 19/02/2016, contrariando o anterior despacho, o tribunal decidiu prosseguir com a execução ali designando logo dia para a abertura das propostas.
218- E compulsado tal despacho vemos que o tribunal não se pronunciou sobre as questões concretamente apresentadas pelo mandatário do executado, nomeadamente no requerimento de 02.07.2014 e na reclamação de 15.06.2015.
219-O tribunal lavrou no erro que lhe foi provocado pela arguida EE de que tinha havido avaliação dos bens englobados no inventário, o que se alcança do referido despacho de 19.02.2016 que refereAtento o teor do disposto no artigo 812.º, do C.P.C., é nosso entendimento que a modalidade de venda do direito penhorado nos autos e o valor a anunciar enquadra-se nos pressupostos legais do citado preceito legal, nomeadamente, o critério do valor a anunciar previsto no n. º 3, al. a), do preceito legal.”
220- Ainda sem que tivesse havido sentença de graduação de créditos, transitada em julgado, a arguida EE, a “título de pagamento ao credor”, emitiu e juntou ao processo os seguintes IUP de pagamento a ...:
Data             IUP                                    Montante        Acumulado
05/03/20 17179300245520410312      177.126,49€     177.126,49€
17/03/20 171758002868640570324     49.000,00€      226.126,49€
17/03/20 171742002868520190324     49.000,00€     275.126,49€
17/03/20 171702002888220250324     49.000,00€     324.126,49€
23/03/20 171762003098250690330     30.126,49€     354.252,98€
26/03/20 171707003194010270402     49.000,00€    403.252,98€
                                                             403.252,98€
221- Porém a única quantia que alegadamente terá sido depositada à ordem dos referidos autos de execução foi o “pagamento” efetuado pela arguida AA que atenta a notificação de 14.03.2016 emitida pela arguida EE é do valor de 175.809,84€.
222- Pelo que a arguida EE, a benefício dos arguidos AA e BB, efetuou vários pagamentos indevidos sacados sobre a conta clientes.
223- A arguida EE, estava consciente de que tais pagamentos não eram devidos e que as verbas só lhe estavam acessíveis em virtude do exercício das funções de agente de execução.
224- Acresce outrossim que a arguida EE, no dia 05.03.2017 pagou da conta cliente a quantia de 23.667,36€ para liquidação dos juros compulsórios, valor que sabia que obrigatoriamente tem de sair do produto da venda e, portanto, a deduzir nos pagamentos ao credor.
225- Mas a conduta criminosa da arguida EE não se fica por este processo. Na verdade,
226- O arguido BB, instaurou contra o assistente uma execução para pagamento da quantia de 2 605,03€. crédito que obteve pela circunstância de o assistente ter sido condenado no pagamento de uma indemnização àquele no âmbito de um dos vários processos-crime que instaurou.
227- O arguido BB então ali exequente designou a arguida EE para exercer as funções de agente de execução.
228- No que aqui interessa, importa, desde logo, sublinhar que, sem prejuízo do que o seu estatuto impõe, a atividade da arguida EE é ainda balizada, no que aqui interessa, pelo disposto nos artigos 719.º nº 1, 735.º n.ºs 1 e 3, 749.º n.º 1, 751.º nº 1 773.º n.º1 e 6, 776.º n.ºs 1 e 2, 779.º n.º1, 796.º n.º1, 803.º nº1, 804.º n.º1, 805.º n.º 1 do Cód. Proc. Civil.
229- Neste conspecto, refira-se que a arguida EE, agente de execução, tinha, como de facto teve, acesso às rendas e direitos de crédito que o assistente detinha e que à data satisfaziam de forma célere, justa, proporcional, transparente e legal o minúsculo crédito do exequente.
230- O requerimento executivo do processo 9505/12 foi apresentado no dia 28.04.2014.
231- A quantia exequenda é de 2.605,03€, sendo 2.584,00€ de capital e 9,34€ a título de juros.
232- A consulta à base de dados da Autoridade Tributária pela arguida EE foi efetuada no dia 06.06.2014, i. e., um mês depois do início do processo.
233- E na informação da Autoridade Tributária, galga à vista, a titularidade pelo assistente de 14 prédios, um veículo, que tem rendimento dependentes e prediais, participações sociais e que consta como herdeiro na herança ali mais bem referenciada, mais constando de tal informação que as cadernetas prediais podem ser obtidas no site das Finanças.
234- No dia 23.06.2014 a arguida EE, agente de execução, elaborou ato de penhora de saldo de conta bancária no BPI da quantia de 60,20€.
235- Bom: depois vemos que no dia 07.08.2015, i. e., mais de um ano depois, a arguida EE elabora uma informação ao tribunal não para dar conta de alguma dificuldade em penhorar um de qualquer dos bens constantes na base de dados da Autoridade Tributária penhorável de acordo com a ordem sequencial prevista na lei, mas, note-se, para informar no que aqui interessa que “...A penhora de saldos resultado positiva no valor de 60,20€...” e que “Foi posteriormente localizado um bem imóvel, sob o qual foi registada a penhora...”.
236- Com a informação anterior, a arguida EE prestou falsas declarações ao tribunal, enganando-o adrede, pois omitiu a existência de rendas e créditos, o que fez com o intuito de prejudicar, como prejudicou, o assistente em benefícios dos arguidos AA e BB.
237- A arguida EE, não informou o tribunal das abundantes informações da Autoridade Tributária relativas a outros bens (créditos e bens móveis) que de acordo com a lei deviam ter sido penhorados em primeiro lugar, ignorando-as adrede.
238- A arguida EE tampouco efetuou diligências para localizar os referidos bens e tudo adrede omitiu ao tribunal de modo a dissimular a sua ilícita conduta e assim pudesse dar satisfação aos desígnios dos arguidos AA e BB.
239- Com o intuito de ocultar a falsidade da informação que ia prestar ao tribunal, como prestou, a arguida EE, por meios não concretamente identificados, falsificou, por 5 vezes, os resultados das pesquisas informáticas de consultas à base de dados do registo predial que efetuou provocando o surgimento uma mensagem de erro comum.
240- A arguida EE, ciente da falsidade praticada e dos resultados obtidos, não procurou justificar/esclarecer nos autos por correio eletrónico ou pessoalmente a razão de surgimento da mensagem de erro.
241- Entretanto, pela arguida EE foi penhorado no dia 27/09/2014 o bem, entretanto, vendido, e que corresponde a 1/2 indivisa do Prédio Urbano composto por 5 (e não quatro) andares, sito na Rua … n.º .. a ..B, descrito na CRP sob o número … e inscrito na matriz sob o artigo ….
242- Ao penhorar a metade do prédio atrás identificado, a arguida EE, violou adrede as normas do seu estatuto profissional de agente de execução e as normas do processo civil, pois adrede não respeitou a ordem de penhora legalmente instituída.
243- Ao se deixar corromper, como de fato aconteceu, além de grave violação dos seus deveres profissionais, a arguida EE, no uso dos poderes de autoridade violou a autonomia intencional do Estado, demonstrando, aliás, a sua conduta a existência de uma grave concertação desta com os arguidos AA e BB, com o propósito de prejudicar, como prejudicou gravemente o assistente.
244- Conduta, de resto, alinhada ou concertada com a “liquidação” do quinhão hereditário do assistente na herança em que outrossim também desempenhou o papel de agente de execução no já mencionado processo n.º 175/12.6TBVRM e que corre termos com Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Guimarães - Juízo Execução - Juiz 2.
245- A arguida EE, por via das consultas a que ex vi legis está obrigada efetuar, como efetuou, teve conhecimento que o ali executado aqui assistente recebia uma renda de um prédio situado na Ramada no valor de 557,00€ e que para satisfação da quantia exequenda e demais custas do processo era suficiente, portanto, a penhora por seis meses no máximo.
246- Mas a arguida EE, no âmbito da resolução que havia tomado com os arguidos AA e BB, preferiu ignorar tal renda e, mais grave, omitir a sua existência no processo, i. e., ao tribunal.
247- Como outrossim a arguida EE teve acesso à informação de que o citado prédio é propriedade do autor e cujo valor era - é -, mais que suficiente para pagar a quantia exequenda e demais custas.
248- Mas, mais uma vez a arguida EE optou não só por não penhorar tal prédio, como outrossim omitiu a sua existência no processo, i. e., e literalmente, enganou o tribunal.
249- Posto, e disto não se duvida que, se em tempo, fosse dado conhecimento ao juiz da existência de tais bens este não deixaria de determinar a penhora dos mesmos de modo a cumprir com o dever oficioso de respeitar e fazer respeitar o princípio da proporcionalidade que até tem resguardo constitucional.
250- Por outro lado, a arguida EE, no exercício das suas desejadas “nobres” funções, no já mencionado processo em que foi liquidado o quinhão hereditário do assistente, teve oportunidade de confirmar que este era, é, credor do cabeça-de-casal (a arguida AA) quer por quantias existentes na herança quer por rendas da mesma, que nunca lhe foram entregues.
251- Aliás, conforme se alcança da prestação de contas da arguida AA (na qualidade de cabeça-de-casal) que, falsas, por pecarem por defeito, e muito, não se aceitam como boas, vemos que as contas bancárias acusavam em 31.07.2014 um saldo estático de 105.216,19€.
252- Ora, e desde logo, metade desse dinheiro, ou seja, a quantia de 52 608,02€ era na altura, e ainda é, propriedade do assistente (ali executado) enquanto herdeiro meeiro e, portanto, podia, devia ter sido penhorado para satisfação da quantia exequenda.
253- Até porque esse dinheiro e o muito outro que falta, já há muito que devia ter sido entregue ao assistente, nos termos dos artigos 2092.º e 2093.º n.º 3 do Código Civil, posto que para isso e em devido tempo, interpelou a arguida AA.
254- Mas, mais uma vez, a ré EE, na persecução dos seus ilícitos desígnios, não penhorou tal quantia...
255- Ainda e também, por via das suas funções no sobredito processo 175/ 12 (venda do quinhão hereditário), a arguida EE tomou conhecimento de antemão, e em primeiro lugar, i. e., antes dos demais, que naquele processo executivo iria sobrar um saldo a favor do ali executado (o aqui assistente) - devido à diferença entre o derisório valor mínimo para a venda e a quantia exequenda - pelo que, na falta de outros, podia e devia logo ter penhorado a parte do crédito suficiente para pagamento da quantia aqui exequenda.
256- Ao invés, nada disso fez, aguardando que o seu colega o arguido FF, entrasse em cena, a impulso dos arguidos AA e BB, para penhorar tais sobras à ordem de um outro processo executivo - execução da já referida sentença revel 14650/ 14.
257- Esta relação triangular entre os primeiros arguidos, a arguida EE e o arguido FF, demonstram claramente todo um iter coberto por uma resolução criminosa meticulosamente preparada e executada, quer quanto ao tempo dos atos praticados, pois,
258- A arguida EE retardou propositadamente a execução 175/12 de modo a que os arguidos AA e BB ganhassem o outro título, obtido de forma revel (14650/14), como acima referido, e, assim, pudessem penhorar a “sobra” daqueloutra execução.
259- O arguido FF, citou ainda o assistente, em 21.03.2017, para os seguintes processos de execução por custas de parte (embora na sua maioria tenham sido extintos por falta de título):

ProcessoTribunalExe quenteValor
14650/14.4T8LSB.1Lisboa - Juiz Comercio - J3AA & Filhos, Lda5.736,00€
656/08.6TYLSB. 1Lisboa - Juiz Comércio - J4AA & Filhos, Lda1.342,08€
1364/05.5TYLSB.1Lisboa - Juiz Comércio - J3AA & Filhos, Lda   755,22€
784/ 13.6TYLSB. 1Lisboa - Juiz Comércio - J5AA & Filhos, Lda1.090,96€
1384/04.7TYLSB.1Lisboa - Juiz Comércio - J1AA & Filhos, Lda1.006.28€
649/11.6TYLSB.1Lisboa - Juiz Comércio - J4AA & Filhos, Lda1.227,96€
4179/13.3TDLSB.1Lisboa - JL Criminal - J6AA & Filhos, Lda4.300,60€


260- Retornando ao ato de penhora nesta execução, a arguida EE teve oportunidade de verificar que o prédio do qual foi penhorada ½ pertencente ao assistente tem os andares 3.º Esquerdo e 3.º Direito, arrendados e que a penhora de ½ dessas rendas era, é, suficiente para a satisfação da quantia exequenda em menos de 12 meses.
261- Porém, por instruções dos arguidos AA e BB, a arguida EE não penhorou tais bens.
262- Certo é que nada obstava, como não obsta, à penhora das rendas em causa, mas, e de acordo com as instruções previamente recebidas, a arguida EE optou por não penhorar nem reportar ao tribunal a sua existência no processo.
263- Também a arguida EE, sempre no exercício das suas funções, no já mencionado processo 175/12 em que foi liquidado o quinhão hereditário do ali executado e aqui assistente, teve oportunidade de confirmar que este era, é, titular de um direito de crédito (lucros não distribuídos) sobre a sociedade AA & Filhos, Lda.
264- Com efeito, como se vê da “prestação” de contas da dita sociedade do ano de 2015, embora falseados pelas elevadas apropriações efetuadas pelos arguidos AA e BB, os resultados líquidos (lucros que estão disponíveis para os sócios e que in casu estão vencidos) ascendem a 257.340,94€ sendo que metade desta quantia pertence ao assistente.
265- Assim, metade desta quantia equivale a 128.670,47€ pelo que a arguida EE podia/devia ter penhorado tal quantia.
266- Mas, uma vez mais e sempre de acordo com o plano previamente traçado, a arguida EE não o fez e não reportou, i. e., ao tribunal as razões por que não o fez.
267- Aqueles lucros “declarados” são uma ínfima parte dos que efetivamente deviam constar, posto que, como antes referido, os arguidos AA, BB e CC adulteraram de forma grave a contabilidade de modo a ocultar as muito elevadas apropriações que efetuaram e efetuam.
268- Ainda: a arguida EE sabia e sabe - não tem como negar toda esta realidade - que a razão de ser da execução do referido processo 175/12 foi a alegada “compra” à herança pelo aqui assistente e ali executado de dois prédios em Vieira do Minho, pelo que ainda sempre podia penhorar um de tais prédios...
269- A arguida EE teve oportunidade de verificar que o prédio do qual foi penhorada a 1/2 do assistente, é divisível e a Autoridade Tributária, conforme decorre da caderneta predial considerou - e bem -, o mesmo como um conjunto de frações autónomas suscetíveis de se constituírem em propriedade horizontal.
270- Assim nada obstava, como não obsta, que a penhora incidisse sobre uma das frações.
271- Mas, na execução do plano previamente delineado, a arguida EE, após a ilegal penhora, e “ancorada” numa avaliação viciada promoveu a venda de 1/2 de um prédio composto por 6 pisos (e não 5) pelo singelo valor de 540.000,00€.
272- A arguida EE, sabia obrigatoriamente que o valor de mercado deste imóvel é superior, seguramente, a 4.000.000,00€, pois sabe que o preço mínimo por m2 em Campo de Ourique (umas das melhores zonas da cidade de Lisboa) é, no mínimo, de 3.500,00€, por muito má que seja a construção.
273- No caso do prédio em questão temos que ao 4.º andar foi acrescentado um 5.º andar formando, assim, um duplex com acabamentos de luxo e que seu preço dispara para 7.000,00€ m2 o que perfaz só para aquelas duas frações um preço de mercado no valor de 2.100.000,00€.
274- E a arguida EE, enquanto pessoa com especial formação para o efeito, como, de resto, qualquer outro cidadão, sabe que em Campo de Ourique não se compram habitações do tipo que compõem o prédio sub judice pelos valores constantes na insólita avaliação, posto que um prédio com cerca de 1.000 m2 em Campo de Ourique vale, no mínimo dos mínimos, 4.000.000,00€.
275- Note-se que àquela avaliação falta o necessário rigor, pois (i) não refere a existência do duplex; (ii) não refere a existência do arrendamento do 3.º andar esquerdo e direito; (iii) lavra num erro que se trata de má construção (iu) não é referido a qualidade dos acabamentos do 1.º andar da habitação do assistente e do já mencionado duplex habitação dos arguidos AA e BB.
276- Sublinhe-se, aliás, que a falta de rigor da avaliação foi, pelo menos, em parte induzida adrede pela arguida EE, na medida em que condicionou gravemente o resultado da avaliação, pois, nas “informações” que transmitiu ao perito sonegou a informação que o prédio era composto por 6 pisos e não 5, sendo os dois últimos referentes a um duplex de luxo, conforme supra referido.
277- Movida pelo desiderato de evitar uma justa e correta avaliação a arguida EE decidiu fazer tábua rasa do requerimento do ali executado aqui assistente para que a avaliação fosse efetuada por um órgão colegial.
278- Note-se que embora se tenha pronunciado quanto à modalidade da venda e forma de avaliação, tal não significa que o ali executado aqui assistente tenha concordado com a penhora do prédio e inerentes graves ilegalidades cometidas. Aliás,
279- O assistente só tomou conhecimento de que a sua metade do prédio havia sido penhorado quando foi notificado para se pronunciar quanto à modalidade da venda.
280- Na verdade, arguida EE como dolo intenso, ao notificar o executado da penhora do prédio no dia 28.01.2015, ou seja, 4 meses após a mesma, e ao contrário do que adrede fez constar ao tribunal, não juntou o respetivo auto de penhora, nem na notificação fez qualquer alusão ao bem penhorado, como melhor se alcança dos documentos extraídos da plataforma.
281- Daí que justamente o assistente, no meio da grave depressão que atravessava e atravessa, julgou que tal notificação se referia à anterior penhora do saldo bancário.
282- Tendo sido notificado no dia 25.01.2016 para se pronunciar quanto à modalidade da venda o assistente constituiu mandatário o signatário no dia 26.02.2016 e nesta altura já tinha passado o prazo de oposição à penhora, pelo que, sem prejuízo da concentração da impugnação dos vícios procedimentais no ato final (venda), pugnou pela referida avaliação ao prédio, mas que pela arguida EE foi desconsiderada.
283- Note-se, por um lado, que, àquela data, desconhecia o signatário de que o assistente não havia sido notificado da penhora da 1/2 do prédio, nos termos e com as formalidades legais, e, na sua boa-fé, não representou que a arguida EE fosse atuar como atuou.
284- E, por outro lado, porque tal e qual como está estruturada hodiernamente a ação executiva, o momento próprio e adequado para arguir nulidades processuais é na venda, nos termos do artigo 195.º ex vi art.º 839.º n.º 1 al. c), ambos do CPC - assemelha-se a um procedimento administrativo, visto que em bom rigor se trata de uma concatenação de atos preparatórios do ato final (venda) e só este é que atacável e o não uso de determinadas faculdades pelo executado em fases anteriores não faz precludir esse direito de impugnar a venda, como melhor vamos concretizar nas razões de direito.
285- Justifique-se que o assistente não constituiu ali advogado mais cedo, devido à sua precária situação económica e financeira, pois nem dinheiro para a alimentação tinha, em virtude da sua ilegal destituição do cargo de gerente da sociedade, com a consequente perda da remuneração, assim como privação das receitas da herança a que tinha - e tem - direito.
286- Ora, toda esta situação, colocou o assistente num estado de grande depressão, até com tendência suicidas, tendo atravessado, e ainda atravessa, uma grave crise de ansiedade que não lhe permitia ter noção da gravidade da conduta dos arguidos, o que naturalmente se refletiu na sua capacidade beligerante, pois falar de litigância processual nesta situação é puro farisaísmo.
287- Voltando à avaliação, mais escandalosa se torna a mesma quando se vê atribuído a cada fração tipo T2, um valor após obras de 123.264,00€, quando todos sabemos que o valor de mercado de um T2 (recuperado), naquela zona de Campo de Ourique é sempre superior a 300.000,00€, bastando, para o efeito, consultar os sites especializados, i. e., de mediadores autorizadas.
288- Algo não está, não pode estar, bem em tal avaliação, percebendo-se que os senhores avaliadores não só não tiveram em consideração o real valor de mercado, como outrossim não visitaram o prédio e/em cada uma das suas frações, ressaltando, ainda, que foram induzidos em erro pela arguida EE.
289- Na verdade, a atuação dolosa da arguida EE é tão ou mais percetível quando se constata que na informação e no anúncio de venda, em obediência às instruções dadas pelos arguidos AA e BB, fez constarEstado de conservação médio e ilegal, com obras não licenciadas a nível do r/c e 1o andar’.
290- Não concretizou, porém, em que é que consistem essas obras ilegais e como é que assim concluiu, ou seja, que obras são e porque é que são ilegais, tanto mais que não as descreve nem nunca esteve no prédio para as poder descrever, sendo certo que não sendo versada na matéria, i. e., não é arquiteta nem engenheira, não podia, pois, produzir tal informação que se revela condicionadora da atividade dos alegados peritos.´
291- E certo é que anteriormente a tal “declaração”, num documento que ex vi legis é dotado de fé pública, a arguida EE e como atrás referido, não visitou o prédio nem esteve no interior de nenhumas daquelas frações (r/c e 1.º andar), sendo sintomático que o relatório da “avaliação” nada refira quanto a essas supostas obras ilegais.
292- E o dolo da arguida EE sobressai quando se constata que da descrição do prédio não consta o 5.º andar, que com o 4.º andar forma o já mencionado duplex.
293- Ao omitir a existência de tal duplex a arguida EE em obediência às instruções que lhe foram dadas pelos arguidos AA e BB, pretendeu, por um lado, afastar potenciais interessados, e, por outro lado, manter o valor do prédio muito abaixo do seu real valor de modo a que a quantia a branquear não fosse muito elevada e assim evitar despertar alarmes.
294- A arguida EE foi ajustando a condução dos timings do processo executivo aos desígnios criminosos dos arguidos AA e BB, pois tendo a execução se iniciado no dia 05.05.2014, o processo só se “concluiu” em agosto de 2017, sem que qualquer incidência processual assim o justificasse.
295- Mais evidente resulta essa adequação da marcha do processo aos desígnios criminosos dos arguidos AA e BB, quando se vê que a ilegal penhora de metade do prédio foi efetuada no dia 27.09.2014 e a sua venda só se concretizou em Junho de 2017, quando nenhuma incidência processual ou de que natureza for obstaculizou a sua concretização em momento precoce.
296- Com a falsa informação de 15.11.2015 ao tribunal “Diligência de penhora em curso”, a arguida EE visou preencher desideratos ilícitos: (i) atrasar a execução, por razões que já vamos concretizar; (ii) evitar a caducidade da penhora, nos termos do artigo 763.º, n.º 1 do CPC; e (iii) ocultar as ilicitudes que vinha praticando e que necessariamente teria de praticar no processo para satisfazer a resolução dos arguidos AA e BB à qual livre e conscientemente aderiu.
297- Igual comportamento repetiu a arguida EE no dia 23.01.2016, fazendo constar em informação dirigida ao tribunal:Diligência de venda em curso.” e “Estão em curso as diligências para a venda de bens penhorados.”
298- A arguida EE tinha consciência das falsas informações que prestava ao tribunal, bastando, para assim concluir, consultar a plataforma informática e ver que nenhuma diligência estava ou foi efetuada nos hiatos de tempo em causa.
299- Concretizando a necessidade dos arguidos AA e BB atrasarem o curso da execução, reitera-se que a mesma radicou, desde logo, no desígnio de ocultarem, ou seja, branquearem a proveniência ilícita do dinheiro.
300- É o que se pode alcançar v. g., da circunstância de no dia 16.12.2016, a arguida EE ter notificado o mandatário do assistente da decisão sobre a modalidade de venda e só no dia 19/05/2017, ou seja seis meses depois, ter notificado de forma “acelerada” o mesmo mandatário de que a venda estava a decorrer na plataforma, com data limite para 14.06.2017 às 10H00.
301- Isto porque, por um lado, se tornou necessário que a sentença revel no processo 14650/14 transitasse e, reclamada, pudesse ser paga na execução sub judice, sendo certo que foi alegadamente proferida em 30.06.2017 sentença de verificação de tal crédito, mas que o assistente não foi ainda hoje notificado.
302- E, por outro lado, os arguidos AA e BB, sempre com o mesmo desígnio de ocultar a proveniência dos fundos, forjaram, ou simularam rectius falsificaram um alegado contrato de cessão de créditos em que a arguida AA adquiriu os também forjados créditos da sociedade naquela ação, em face do que sendo a natural licitante na venda do prédio ficava dispensada do pagamento.
303- Chegou mesmo a ser deduzido o incidente de habilitação de cessão de créditos, sem que, e porém, que fosse justificado o negócio causal de tal inusitada cessão de créditos.
304- O referido incidente de habilitação foi contestado não se sabendo a esta data que destino teve o mesmo.
305- Daí que justamente a arguida EE, com grave violação dos seus deveres funcionais (inter alia de isenção, imparcialidade e de probidade), exercesse pressão sobre o tribunal para este proferisse sentença de verificação e créditos, conforme se colhe, além do mais, das comunicações 10.03.2017 e 19.05.2017.
306- Pressão, ilegítima, assinale-se, que foi outrossim exercida pelo arguido BB, quer por requerimento quer pessoalmente através de inúmeras idas à secretaria do tribunal.
307- Ao se aperceberem, por um lado, que o assistente havia pedido, em tempo, o fracionamento do prédio e, por outro lado, que se preparava para pedir a anulação da venda os arguidos AA, BB e EE aceleraram o seu comportamento delitual contra tudo o que até então tinham feito.
308-Para evitar questões sobre o procedimento da venda a arguida, EE, volta a prestar falsas informações no processo ao efetuar um relatório de uma suposta vista acompanhada de interessados no prédio referindo que a mesma se realizou 05.06.2017, fazendo constar que “O edifício foi exibido, parcialmente, nesta data aos interessados.” “Após a conclusão da presente diligência, o teor deste documento foi lido e o seu conteúdo explicado aos seus intervenientes.”.
309- Desde logo, vemos que a falsificação do documento é evidente, pois tem a data certificada do sistema de 04.06.2017 (não é possível alterar), e na sua redação refere uma visita pretérita, mas efetuada no dia 05.06.2017, ou seja, na data em que o documento é forjado ainda não tinha, nem podia ter ocorrido, o suposto evento, o que, aliás, fisicamente é impossível.
310- Destaque-se ainda que o documento sub judice foi produzido e junto ao processo sem qualquer assinatura, restando saber se tais “intervenientes” são reais e/ou dos habituais licitadores, embora legítimos, e que, assim, são conhecidos de uma larga maioria dos agentes de execução.
311- Por outro lado, desde que foi anunciada a venda do prédio, o assistente permaneceu sempre todo o dia na sua residência (r/c e 1.º andar) e teve o cuidado de ir controlando a entrada de qualquer pessoa no prédio e tem a certeza absoluta que a arguida EE nunca lá esteve, muito menos, nas datas de 04 ou 05 de Junho de 2017, sendo de referir ainda que a hora mencionada coincide com a chegada do carteiro, razão pela qual a atenção do assistente é maior.
312- E maior é a certeza de que se tratou de uma falsa visita, quando se vê do iter do leilão que, além da arguida AA, não existiram lances dignos desse nome...
313- Com data de 30.05.2017, o assistente apresentou requerimento de reclamação de nulidades dos atos praticados pela senhora agente de execução e pedido de substituição de penhora e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
314- No dia 06.06.2017, o tribunal onde decorreu o processo de execução sub judice, acabou por indeferir a reclamação de nulidade, quer atribuindo efeito preclusivo aos atos do agente de execução que - adiante-se - não tem, não pode ter, quer por desconhecer normas legais que o habilitassem ao ali requerido.
315- E quanto ao pedido de fracionamento decidiu aquele Tribunal relegar para momento posterior após audição do exequente o aqui arguido BB.
316-A arguida EE, em face do despacho atrás referido, não deu, como devia, sem efeito a data do fecho do leilão, que, aliás, se mostrava pouco ou nada concorrido, sendo até fácil de perceber pelos lanços oferecidos que se tratava do mesmo «apostador», ou seja, a arguida AA.
317- Ao invés, e perante este novo quadro e momento processual, os arguidos imprimiram um novo vigor à execução, tendo a arguida AA, licitado pelo valor mínimo, acrescido da quantia de 5,00€, pelo que lhe foi adjudicado.
318-A arguida AA, efetuou o «depósito» com dinheiro proveniente das apropriações que foi e vem efetuando quer na sociedade AA & Filhos, Lda., quer na herança e que ocultou com falsificação de documentos, circulação em contas bancárias de terceiros e no estrangeiro.
319- E sempre com o desígnio de ocultar a origem ilícita do dinheiro e, assim, evitar o seu confisco pelas entidades estaduais quer para a sua tributação quer para ressarcimento à vítima (o assistente), os arguidos AA e BB convenceram a ré EE a devolver-lhes o dinheiro poucos dias depois, com base na sentença de verificação de créditos que o assistente não foi notificado, i. e., não transitou, pelo que tais devoluções são outrossim ilícitas.
320- O assistente reclamou para o tribunal nulidade da venda, nos termos do artigo 195.º ex ui artigo 839.º n.º 1 al. c), ambos do CPC, reclamação que foi indeferida e que quanto ao pedido de fracionamento do prédio, considerou o tribunal ter ficado prejudicado o seu conhecimento uma vez que a venda do prédio se havia concretizado...
321- O assistente interpões recurso da decisão que indeferiu a reclamação da nulidade da venda atrás referida, bem como do anterior despacho de 06.06.2017.
322- O Tribunal admitiu o recurso quanto à parte da reclamação da nulidade da venda, mas já não quanto ao despacho de 06.06.2017, por decidir que o mesmo havia transitado.
323- Porque não concordou com tal decisão, o assistente apresentou reclamação contra a não admissão do recurso nessa parte, tendo a senhora juíza desembargadora e vice-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, proferindo decisão singular em 28.12.2017 determinado ser o recurso admissível.
324- Entretanto, a secretaria sem aguardar pela decisão do tribunal superior quanto à reclamação de não admissão do recurso, como, no nosso entender, devia ter feito, fez subir o recurso admitido ao Tribunal da Relação de Lisboa.
325- Que por acórdão de 30.11.2017, negou provimento ao recurso, fundamentando a decisão, por um lado, na limitação cognitiva imposta pelos artigos 363.º, 410.º e 428.º do Código do Processo Penal, e, por outro lado, atribuiu efeitos preclusivos aos atos do agente de execução no processo executivo.
326- Mas, como atrás referido, por decisão de 28.12.2018, foi proferida a decisão de admissão do recurso que havia sido recusada.
327- Daí que justamente o tribunal de primeira instância perante tais decisões tenha decidido devolver o processo in totto ao tribunal superior para que ali seja resolvida a situação, mantendo o indeferimento dos insistentes requerimentos da ré EE para requisição do auxílio da força pública para entrega do local à adjudicante com o consequente despejo do assistente que não tem para onde ir.
328- Entretanto, a 06.04.2018, foi preferido o despacho de referência 375155186, que não foi notificado ao assistente, como não havia o sido o acórdão, concedendo autorização à arguida EE para requisitar o auxílio da força pública e assim despejar o assistente da sua habitação e - insista-se - propriedade.
329- O assistente interpões recurso a 19.04.2018, pedindo a atribuição de efeito suspensivo e de deferimento de desocupação.
330-Também no dia 09.05.2018, o assistente apresentou um requerimento diretamente ao arguido FF, requerendo que se abstivesse de desapropriar o assistente até que o tribunal apreciasse o recurso interposto da decisão que havia deferido o pedido de assistência policial.
331- E no mesmo intervalo de tempo, o assistente deduziu a 10.05.2018 um incidente de suspeição contra os arguidos EE e FF, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, salientando hic et nunc a parte em que a delegação de poderes enferma de nulidade absoluta por violação do disposto no artigo 177.º/4 da Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro.
332- Os quais apenas vieram a ser objeto de apreciação jurisdicional a 19/06/2018, pelo despacho de referência 377622446, mas que o tribunal considerou os requerimentos prejudicados porque, entretanto, havia decorrido a entrega.
333- A arguida EE ciente de que a sua conduta era criminosa e que estava descoberta, recusou-se a proceder à entrega do local aos arguidos AA e BB sem que o tribunal se pronunciasse sobre os requerimentos e/ou reclamações.
334- Pelo que estes arguidos ordenaram à arguida EE que delegasse, sem reserva, as suas competências no arguido FF e forçaram-na a acompanhar este nas diligências.
335-No dia 15.05.2018, pelas 9:00 um grupo de indivíduos, do sexo masculino, em número que não se consegue determinar, sem se identificar, bateram à porta da habitação do ora assistente sita no mesmo prédio da Rua …, .., 1.º, Lisboa e ainda entreaberta forçaram a entrada determinando que o ora assistente ia ser levado para a rua.
336- Esse mesmo grupo de indivíduos fez-se acompanhar de outras pessoas do sexo feminino que outrossim não se identificaram.
337- Estavam presentes alguns agentes de autoridade policial que quando questionados sobre a identidade daqueles indivíduos e legalidade daqueles atos informaram que nada podiam fazer, pois apenas ali se encontravam para evitar agressões e que se o assistente tivesse alguma razão de queixa que o fizesse.
338- Certo é que, de entre aquela multidão, o ora assistente apenas reconheceu o arguido DD que se apresentou como mandatário da demandada AA e que, adiante-se, em resposta ao incidente de suspeição naquele processo de execução, ainda que subscrita pelo seu marido, acabou por confessar quer a proveniência criminosa do dinheiro quer a lavagem do mesmo naquele e noutros processos judiciais.
339- Quanto aos demais que invadiram o domicílio e propriedade do assistente não os conhecendo pessoalmente veio a apurar que se tratava dos arguidos FF, EE e PP.
340- Ninguém se identificou, sendo que momentos depois se juntou o arguido HH.
341- Nem tampouco foram entregues ao assistente quaisquer mandados, ordens, ou autos judiciais que legitimassem tal invasão.
342- Após concretizarem a introdução na habitação do assistente, os tais indivíduos cumprindo as ordens dos arguidos, DD e HH, ordenaram a funcionários da empresa Urbanos que removessem os haveres do assistente.
343- Dito isto e retornando ao episódio em tela, o assistente solicitou que aguardassem pela chegada do seu advogado e/ou procurador ao que os indivíduos responderam que não e estes não entravam mais no local que - insista-se - é propriedade do assistente e é a sua habitação.
344- Alegando urgência, os arguidos FF e EE, invocando a qualidade agentes de execução, disseram que às 12:30 tinham de ir embora e, no entretanto, as fechaduras foram mudadas.
345- Certo é que, chegada àquela hora, após o assistente ter sido coagido a assistir a tamanha devassa da sua habitação e a serem subtraídos os seus bens e haveres pessoais foi colocado no meio da rua.
346- Não foram entregues quaisquer documentos ao assistente.
347- Não foi entregue, nem o assistente confirmou, qualquer inventário.
348- O arguido FF afirmou-se que ia ele próprio ficar fiel depositário do local.
349- Tendo o mandatário do assistente consultado o CITIUS no dia 25/05/2018, nenhum expediente relacionado com tais atos foi junto aos autos.
350- Por outro lado, sabiam outrossim os referidos arguidos que a delegação de poderes da EE para o FF carece de fundamento legal, tratando-se, aliás, de mais um expediente para encobrir o rasto probatório da conduta criminosa daquela no processo.
351- Justamente por isso não notificaram o ali executado aqui assistente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 177.º 4 als. a) e b) do Estatuto dos Agentes de Execução, o que significa que até que fosse cumprido este normativo e decidida jurisdicionalmente a reclamação qualquer dos agentes de execução carece de competências.
352- Também sabiam tais arguidos, agentes de execução, que contra os mesmos estava, está, pendente um incidente de suspeição, nos termos do artigo 166.º/1 do seu estatuto, pelo que até à respetiva decisão não podiam praticar atos, com referência aos artigos 119.º/2 e 125.º n.º1 do Cód. Proc. Civil.
353- Aliás, foi por estarem cientes de que agiam contra o Direito que no dia 11.5.2018 os referidos agentes de execução não efetuaram qualquer diligência e informaram que iam aguardar pelas decisões dos tribunais.
354- Os arguidos FF e EE, atuaram livre e conscientemente, com o intuito alcançado de, por um lado, branquearem o f dinheiro aplicado pela arguida AA, e, por outro lado, obstarem à realização da justiça, nomeadamente do exercício de direitos do assistente no respetivo processo de execução, e da perseguição criminal aos seus mandantes os arguidos BB e AA.
355- Bem sabendo que a sua conduta é proibida por lei, já que sendo funcionários, nos termos e para os efeitos do artigo 386.º al. d) do Código Penal, tinham a I consciência que violavam os deveres funcionais, enquanto agentes de execução, de probidade administrativa, de imparcialidade, da legalidade, da autonomia intencional do Estado.
356- Os arguidos FF e EE, tinham plena consciência de que tendo havido delegação de competências o despacho que havia conferido autorização à EE caducou, na medida em que só após decidida a reclamação contra a citada delegação de competências é que podia executar o referido despacho.
357- Ou seja, à data em que se apresentaram para realizar a diligência careciam qualquer dos arguidos de habilitação legal para o fazerem, a arguida EE que havia delegado, sem reserva, as competências que possuía ab initio e o arguido FF porque não só não tinha sido cumprido o disposto no artigo 177.º n.º 4 alíneas a) e d) da Lei 154/2015 de 14 de Setembro.
358- Não estando habilitados legalmente, praticaram os arguidos os ilícitos penais que lhes são imputados na denúncia, até porqueDeve, de resto, precisar-se que o abuso de poder tanto pode concretizar-se pela violação dos pressupostos materiais, como pela ultrapassagem dos requisitos formais essenciais.” - Professor Manuel da Costa Andrade, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, pág. 741.
359- Neste caso está outrossim preenchido o dolo sendo, até, suficiente que “O agente tem concretamente de representar que atua com abusa dos seus poderes, por incumprimento dos pressupostos materiais ou formais (essenciais) do “direito no exercício das suas funções”. Autor in ob. loc. cit. pág. 744.
360- Os arguidos BB e AA, quando se aperceberam que a partir de meados de maio de 2017 o assistente passou a estar mais bem assistido, aceleraram a execução e coagiram a arguida EE a fazer em 15 dias o que não havia feito em 4 anos!
361- O arguido FF conheceu o arguido BB em virtude das funções que exerce de agente de execução.
362- Foi o arguido FF quem mediou o negócio de compra pelos arguidos do iate Agostinhos.
363- O arguido FF conhecia a falsidade ideológica do título dado à execução no processo 14650/14.
364- Assim como sabia - e sabe - que à execução se opunha a decisão judicial do processo 7146/05 anteriormente transitada em julgado.
365- Não obstante isso, praticou graves ilegalidades no processo com o claro intuído criminoso de favorecer os arguidos AA e BB com grave prejuízo do assistente.
366- Na verdade, o arguido FF penhorou, de acordo com as instruções dos arguidos AA e BB, o quinhão hereditário do assistente, mas que sabiam não só estar já penhorado no processo 175/12 como sabia que o seu valor era superior a 8.000.000,00€ (aqui considerados os rendimentos não distribuídos, ou seja, ao valor de mercados dos bens adiciona- se o valor do dinheiro gerado pela herança).
367- Posteriormente, o arguido FF penhorou a metade pertencente ao demandante do prédio urbano sito na Rua … n.º .. e ..-A, em Lisboa, inscrito na matriz da freguesia de Campo de Ourique sob o art.º …, e descrito sob o nº … da freguesia de Santa Isabel na Conservatória do Registo Predial de Lisboa na sequência da comunicação de 29 de março de 2016 dos arguidos AA e BB que indicaram à penhora tal bem.
368- O arguido FF penhorou outrossim a quota do demandante no valor nominal de 277,80€ no capital social de 5.000,00 € da Sociedade Comercial denominada..., com sede na Rua … nºs ..-.., em Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa com o nº único de matrícula e pessoa coletiva ….
369- Ainda em dezembro de 2016 os arguidos AA e BB requereram a penhora de dois imóveis denominados como casa da sobradada, situado em …, freguesia …, fundamentando o pedido no facto de já existir outra penhora sobre a Vá do direito indiviso sobre o imóvel de Lisboa.
370- O arguido FF penhorou os referidos prédios, elaborando auto de penhora que foi realizada no dia 11 de janeiro de 2017, tendo-lhes atribuído o valor patrimonial tributário de €26.080,00.
371- O arguido FF, assim como os arguidos AA e BB, sabia que o prédio de Campo de Ourique tinha, já naquela data, um valor de mercado superior a 4.500.000,00€.
372-Porém, com o intuito de favorecer, como favoreceu, os arguidos AA e BB não determinou a realização de uma avaliação antes ou concomitantemente com a penhora e decisão de venda.
373- Isto de modo a permitir que os arguidos AA e BB, pudessem alegar, como alegaram, insuficiência de bens e assim penhorar os restantes bens que alegadamente eram do demandante.
374- Aliás, o arguido FF sabia que a avaliação determinada pela arguida EE estava viciada já com tal finalidade de permitir o enriquecimento dos arguidos AA e BB.
375- O arguido FF vendou à arguida AA a quota que o executado detém na sociedade AA & Filhos, Lda.. pelo valor nominal, 277,80€.
376- O arguido FF sabe, obrigatoriamente, que o valor da sociedade nem que fosse por trespasse é, no mínimo, de 2.500.000,00€ e que, portanto, 5% desse valor é 125.000,00€ assim enriquecendo os arguidos AA e BB simetricamente com o prejuízo do assistente.
377- O arguido FF tomou a decisão da venda dos dois prédios pertencentes à herança pelo valor de 22.000,00€.
378- Porém, já muito antes, o arguido FF tinha tido acesso à execução 175 / 12 e por ela pôde constatar que os prédios em causa tinham sido avaliados em 2011 pelo valor de 344.000,00€.
379- Aliás, o arguido FF, até pela experiência enquanto agente de execução, tinha perfeita consciência de que tais prédios tinham um valor muito superior aos 22.000,00€ com que contava vender os prédios aos arguidos AA e BB.
380- Na sequência da reclamação do assistente, em que pugnou quer pela ilegalidade da penhora que, por se tratar da venda de bens alheios, é invocável a todo o tempo e que ainda assim o valor era criminosamente baixo, o arguido FF tenta uma vez mais enganar o tribunal e o assistente.
381- No dia 14.02.2019 decide então o arguido FF, sempre sem determinar a realização de uma avaliação independente, proceder à venda por 34.000,00€.
382- Na sequência da reclamação efetuada pelo assistente, na qual voltou a pugnar pela ilegalidade tout court da penhora, mas que não foi atendida por se entender estar ultrapassado o prazo para isso, determinou o tribunal a efetivação de uma avaliação.
383- A qual veio concluir por um valor 433.000,00€ e, portanto, muito, mesmo muito superior, aos 344.000,00€ e, por maioria de razão aos 22.000,00€ com que inicialmente pretendia vender os prédios aos arguidos AA e BB.
384- Não há assim dúvida que o arguido FF pretendeu obter para os arguidos AA e BB um benefício ilegítimo causando um grave prejuízo ao assistente, sendo a sua tentativa punível.
385- Também ciente de que os prédios não pertencem ao ali executado, aqui assistente, o arguido FF, no dia 14.06.2017, procedeu à citação edital nos prédios e na junta de freguesia da definada AA constando do edital “Uma vez que não foi possível apurar o paradeiro de V. Ex.ª, leva-se a efeito a presente citação por via edital, através de afixação na última morada conhecida (identificada no final) e ainda publicando anúncio eletrónico que pode ser consultado no sitio de internet http://www.citius.mj.pt.”.
386- O arguido FF estava ciente dessa falsidade, pois sabia que a citanda havia falecido no dia 19/12/2003 e que a citação, a se fazer, teria de ser na pessoa dos respetivos herdeiros em conformidade com a informação que constava do registo predial.
387- Mas, ao invés, o arguido FF, atuando de acordo com as instruções dos arguidos BB, AA e DD, preferiu citar a morta com a certeza de que ela não prestava declarações contrárias aos desígnios criminosos dos arguidos.
388- E o objetivo desse estratagema foi o de converter a penhora em definitivo, nos termos do artigo 119.º do Código do Registo Predial e assim evitar qualquer oposição à penhora por parte do assistente.
389- O arguido FF agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e que com a mesma beneficiava os arguidos AA e BB com o correlativo prejuízo do assistente.
390- Foi o arguido DD quem formalmente transmitiu as instruções ao arguido FF, ciente das graves ilicitudes que cometiam a benefício principal dos arguidos BB e AA.
391- O arguido FF sabia que os arguidos AA e BB não tinham rendimentos legítimos que permitissem o nível de vida por estes ostentado e muito menos para as compras judiciais que efetuaram.
392- O arguido FF é astuto o suficiente para se aperceber, como se apercebeu, que o circuito das simuladas compras, aliados aos vícios de que padecem os títulos dados à execução é um modo de dissimulação dos produtos da atividade criminosa de atentados contra o património e defraudação do erário público.
393- O arguido FF recebeu contrapartidas para a sua atuação que não se limitaram aos honorários.
394- A informação do Banco de Portugal evidencia que o mesmo arguido FF é titular de várias contas bancárias de aplicações financeiras assim como autorizado revelando a data de abertura coincidência com a sua intervenção a mando dos arguidos AA e BB.
395- O arguido FF notificado pelo tribunal onde decorre o processo 14650/14 para informar que diligências efetuou para evitar o branqueamento de capitais nada disse e o assunto esfumou-se no esvoaçar do tempo, pois até à presente data não foi retirada nenhuma consequência dessa omissão.
396- As intervenções dos advogados
397-O advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.” Art.º 88.º/ 1 do EOA.
398- Art.º 90.º/2 do EOA:Em especial, constituem deveres do advogado para com a comunidade: a) Não advogar contra o direito, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação de lei ou a descoberta da verdade; (...) d) Recusar a prestação de serviços quando suspeitar seriamente que a operação ou atuação jurídica em causa visa a obtenção de resultados ilícitos e que o interessado não pretende abster-se de tal operação; ...”
399- Por seu turno determina o artigo 4.º / 1 alínea f) da Lei 83/2017 de 18 de agosto (assim como a anterior lei 25/2008) “Estão sujeitas às disposições da presente lei, nos termos constantes do presente artigo, com exceção do disposto no capítulo XI, as seguintes entidades que exerçam atividade em território nacional: (...) j) Advogados, solicitadores, notários e outros profissionais independentes da área jurídica, constituídos em sociedade ou em prática individual...”.
400- O arguido DD interveio no exercício da profissão de advogado.
401- O arguido DD foi segunda escolha dos arguidos AA e BB para ser um dos seus homens da frente na concretização dos desígnios criminosos.
402- Na verdade, os arguidos AA e BB, previamente ao arguido DD, haviam contratado o Dr. KK para os patrocinar contra o assistente.
403- O que, na verdade, aconteceu durante cerca de dois anos.
404- Porém quando se apercebeu dos reais propósitos dos arguidos AA e BB, o Dr. KK renunciou ao patrocínio e de acordo as instruções daqueles substabeleceu no arguido DD.
405- O arguido DD no exercício da sua profissão de advogado é conhecido por ser inteligente e acutilante o que, de resto, é evidenciado nos autos.
406- Com o desenrolar do tempo o arguido DD apercebeu-se que os arguidos AA e BB não só se apropriavam do dinheiro da herança e da sociedade como falsificavam os documentos necessários à dissimulação da atividade criminosa.
407- O arguido DD aderiu à resolução criminosa dos arguidos AA e BB, tendo representado estes nos processos-crime que inter alia se identificam:

TribunalJuízoProcessoEspécie
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaPequena Criminalidade de Lisboa - Juiz 54009/15.1TDLSBCrime
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuizo Local Criminal de Lisboa- Juiz 64179/13.3TDLSBCrime
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuizo Local Criminal de Lisboa- Juiz 6169/16.2SDLSBCrime
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaTribunal de Instrução Criminal de Lisboa - Juiz 11656/08.1TDLSBCrime
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuizo Local Criminal de Lisboa- Juiz 85735/13.5TDLSBCrime
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuizo Local Criminal de Lisboa-Juiz 211489/12.5TDLSBCrime
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuízo de Instrução Criminal de Lisboa - Juiz 67745/17.4T9LSBCrime

408- O arguido DD apercebeu-se que a nomeação da CC, havia sido efetuada contra a vontade do assistente e com o propósito de viabilizar a atividade criminosa das apropriações efetuadas pelos arguidos AA e BB.
409- Mais sabia o arguido DD que, ainda antes do decesso da de cujus, esta havia atribuído ao assistente um direito especial à gerência e que, por esse fato, a nomeação da CC era um ato contra legem.
410- Não obstante conhecer a forma fraudulenta e, portanto, ilegal da nomeação da arguida CC, o arguido DD não se coibiu de aceitar as procurações outorgadas pela sociedade AA & Filhos, Lda., assinadas pelas arguidas AA e CC, tendo exercido o patrocínio, entre outros nos seguintes processos:


TribunalJuizoProcessoEspécie
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuizo de Comércio de Lisboa - Juiz 4649/11.6TYLSBCível
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuízo de Comércio de Lisboa - Juiz 4656/08.6TYLSBCível
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuízo de Comércio de Lisboa - Juiz 5784/13.6TYLSBCível
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuizo de Comércio de Lisboa - Juiz 4785/09.9TYLSBCível
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuízo de Comércio de Lisboa - Juiz 11085/06.1TYLSBCível
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuízo de Comércio de Lisboa - Juiz 31364/05.5TYLSBCível
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuízo de Comércio de Lisboa - Juiz 11384/04.7TYLSBCível
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuízo de Execução de Lisboa - Juiz 49372/13 6YYLSBExecução
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuízo de Comércio de Lisboa - Juiz 314650/14.4T8LSB.1Cível
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuízo Local Cível de Lisboa - Juiz 2420710/17.2T8LSBCível
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuízo Local Cível de Lisboa - Juiz 1820714/17.5T8LSBCível
Tribunal Judicial da Comarca de LisboaJuízo Central Cível de Lisboa - Juiz 3S243/18.8T8LSBCível
Tribunal Judicial da Comarca de BragaJuízo de Execução de Guimarães - Juiz 2175/12 6TBVRMExecução


411- O arguido DD, aquando das denúncias efetuadas nos processos judiciais em que representava a sociedade ou a arguida AA de que esta se havia apropriado dos elevados montantes da herança, respondia, em obediência ao que lhe haviam mandado dizer, que se tratava de fortuna pessoal daquela, quando estava bem ciente de que tal não era verdade e que o dinheiro tinha efetivamente proveniência criminosa.
412- O arguido DD sabia e. g., que a cessão de créditos que juntou em vários processos judiciais era falsa, pois ciente estava que não só o crédito era falso como a arguida AA não tinha rendimentos legítimos que lhe permitissem comprar ou adquirir tal crédito.
413- O arguido DD, sabia ainda e. g., que eram, como são, ostensivamente falsos os valores que lhe foram transmitidos pelos arguidos BB e AA para as ações que instaurou contra o assistente e que se referem os artigos 100.º a 114.º deste requerimento.
414-Quando instaurou a ação 14650/14 o arguido DD tinha perfeito conhecimento da dupla conforme proferida no processo 7146/05 que absolveu o assistente do crime que lhe foi imputado, bem como do despacho de arquivamento, pelas mesmas razões proferida no processo 636/08.1TDLSB (0202) do DIAP de Lisboa.
415- Não obstante esse conhecimento o arguido DD participou activa e empenhadamente na concretização das condutas dos demais arguidos.
416- Sabia outrossim o arguido DD do acordo celebrado pelos arguidos AA e BB com a arguida EE mediante o qual esta, corrompida, se comprometeu a dirigir as execuções 175/ 12 e 9505/ 12 de modo a favorecer, como favoreceu, os arguidos AA e BB.
417-Ademais, o arguido DD interveio naqueles, como mandatário quer dos arguidos AA e BB quer da sociedade AA & Filhos, Lda., para formalmente dar instruções à arguida EE à medida em que se concatenavam os atos nos referidos processos.
418-Conhecendo a falsidade e inexequibilidade do título, o arguido DD, em cumprimento das instruções dos arguidos AA e BB instaurou o processo de execução 14650/ 14 no qual dirigiu ativamente a atuação do agente de execução FF.
419- Relevante da consciência da ilicitude da conduta do arguido DD, é a sua intervenção de 21.12.2017, no processo atrás referido, quando refere que a exequente se havia apresentado a reclamar crédito no âmbito da execução 175/ 12 e que por essa via havia recuperado a quantia de 171.078,30€.
420- Ora, esqueceu-se o arguido DD que havia desistido da reclamação de créditos e que, portanto, a sua cliente não havia sido admitida ao concurso.
421- Assim, sem dúvida que a entrega daquele dinheiro pela arguida EE diretamente à sociedade representada pelo arguido DD naqueloutro processo 175/12 é um ato ilícito-penal e os arguidos têm perfeita noção disso.
422- O arguido DD é visita frequente dos arguidos AA e BB na casa da Arrábida assim como participa nos passeios no iate AGOSTINHOS, pelo que não desconhecia a proveniência criminosa do dinheiro por estes usados.
423- O arguido GG interveio na execução 175/12 como mandatário da arguida AA ali exequente.
424- O arguido GG é um advogado bastante experiente.
425- Assim, sabia desde logo que a sentença que dava à execução não incorporava a condenação do ali executado aqui assistente no pagamento de qualquer quantia, mas, ao invés, que homologara um contrato-promessa e que, portanto, qualquer inadimplemento ao mesmo precisa de ser judicialmente declarado.
426- Bem como sabia que acaso tivesse havido a adjudicação de qualquer bem integrado na herança ao assistente (para a qual o tribunal nem sequer era competente) sempre o bem a penhorar na execução seria o bem que viesse a ser efetivamente adjudicado que, aliás, não só nunca foram adjudicados como não foram penhorados.
427- Ao invés, o arguido GG, concertou a sua atividade processual de modo a satisfazer os desígnios criminosos dos demais arguidos.
428- O arguido GG participou no mercadejar do cargo pela arguida EE, pois verificando que a mesma sem que houvesse dinheiro no processo retirou da conta de agente de execução a quantia de 49.733,45€ nada disse.
429- O arguido GG participou na burla ao tribunal onde decorria o inventário, pois sabia que havia insistido ou pressionado no processo de execução pela venda do bem penhorado.
430- O arguido GG sabia bem que a penhora do quinhão hereditário não respeitava os limites da proporcionalidade.
431- O arguido GG sabia bem que o quinhão hereditário não havia sido devidamente avaliado, chegando mesmo a adiantar um valor ridiculamente baixo para, desse modo induzir, como induziu, em erro o tribunal.
432- O arguido GG, sabia - e tinha obrigação disso - que os arguidos AA e BB não dispunham de rendimentos legítimos e que os mesmos, em virtude de aquela ser cabeça-de-casal, se apropriavam dos dinheiros da herança.
433- Sabia o arguido GG que a quantia de 175.809,84€ depositada pela arguida AA é produto do crime de apropriação e que o próprio ato configurava uma operação de branqueamento de capitais a qual, estava
obrigado por lei a não só participar ao Ministério Público como evitar a sua consumação.
434- Daí que justamente tivesse empurrado a arguida EE a proceder à entrega do dinheiro à sociedade AA & Filhos, Lda., que nem sequer era credora admitida para que o rasto do dinheiro se perdesse no caminho.
435- Mesmo verificando que a arguida EE terá entregado dinheiro a mais do que o existente no processo, nem por isso o arguido GG se mexeu no sentido de corrigir tais atos, nem se opôs à extinção da instância executiva atabalhoadamente decretada pela arguida EE.
436- Mesmo em sede de resposta à reclamação de nulidade o arguido GG insiste de que se ninguém reclamou - o que também sabe não ser verdade - então precludiu o direito do assistente.
437- O arguido GG, agiu com a consciência de que nas intervenções que fez no processo enganou o tribunal por várias vezes assim como viabilizou o branqueamento de capitais pelos arguidos BB e AA.
438-Sabia que com a sua conduta, além de proibida por lei, lesava, como lesou, seriamente o património do assistente o que quis e conseguiu em comunhão de esforços com os demais arguidos.
439- O arguido HH é filho dos arguidos BB e AA.
440- O arguido HH é professor universitário na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
441- Uma análise comportamental, ainda que superficial, demonstra que o arguido HH partilha do mesmo perfil dos pais.
442- O arguido HH não só tem perfeito conhecimento das atividades ilícitas dos pais, como participa na respetiva consumação.
443- Desde logo, sabe que os pais AA e BB não tinham rendimentos legítimos para o nível de vida que ostentaram, e ostentam, no qual, aliás, comungou, e que o mesmo só foi realizado com o produto da atividade criminosa.
444-Sabe o arguido HH que o dinheiro que os seus pais, os arguidos AA e BB, lhe deram para financiar os seus estudos provinha das apropriações que efetuaram e não se coibiu de o utilizar.
445- Também sabia o arguido HH que o dinheiro que os arguidos AA e BB amiúde lhe davam era proveniente da prática do crime de abuso de confiança agravado.
446- O arguido HH, por várias vezes, testemunhou em tribunal para asseverar que a sua mãe arguida AA era muito rigorosa com as contas e que era o assistente quem desviava o dinheiro da sociedade, quando tinha a perfeita noção de que tal não correspondia à verdade.
447- O arguido HH participou ativamente nos processos 9505/ 12 e 14650/ 14, elaborando várias peças processuais, posteriormente apresentadas pelo punho do arguido BB o que por si só não significa qualquer ilícito.
448- Porém o arguido HH tinha perfeita consciência de que o que alegava, além de falso, visava um fim ilícito com claros contornos criminais.
449- Aliás, o arguido HH sabia que a arguida EE havia sido corrompida, assim como o arguido FF e que estes executavam fielmente as instruções que lhe eram dadas.
450- O arguido HH, participou na elaboração e consumação do plano traçado de mediante a apresentação de documentos e testemunhos falsos obter a condenação do assistente nos vários processos judiciais que os arguidos AA e BB lhe moveram.
451- O arguido HH, participou na concretização do plano de desapropriação do prédio do assistente, tendo inclusive representado, de facto, os arguidos AA e BB que não compareceram na diligência de desocupação do assistente da sua habitação realizada no dia 11.05.2019.
452- O arguido HH participa na resolução criminosa, pois não só beneficiou com a mesma, na medida em que sem o dinheiro proveniente dos crimes os arguidos AA e BB não dispunham de meios legítimos para lhe financiar o doutoramento e os estudos no estrangeiro.
453- O arguido HH participa nas festas que os arguidos BB e AA dão e nos passeios no iate Agostinhos, assim como realiza várias deslocações ao estrangeiro tudo financiado pelos arguidos AA e BB.
454- O arguido HH, viveu entre 2003 e 2019 no prédio que é propriedade meias do assistente sem nunca lhe pagar a respetiva renda.
455- Com a sua conduta quis o arguido HH permitir o enriquecimento ilegítimo, por locupletamento, dos pais os arguidos AA e BB, de que beneficia imediatamente pois também frui do dinheiro apropriado.
456- Além de que colhe, ainda que de forma mediata, também um benefício, simétrico com o empobrecimento do assistente, pois é um natural herdeiro da fortuna que os seus pais acumularem com a prática da atividade criminosa.
457- O arguido HH sabe que isto é tanto assim, pois ao olhar para o IRS de sua mãe a arguida AA cedo percebeu que os rendimentos por ela declarados são produto da atividade criminosa na medida em que:
i)Os rendimentos declarados desde 2002 como trabalho dependente são exclusivamente respeitantes ao salário que, sem o acordo e consentimento do assistente, retira da sociedade AA & Filhos, Lda., e que a ele não tem direito, pois que instrumento fundamental para a prática do crime de abuso de confiança qualificado e branqueamento de capitais;
ii) Os rendimentos prediais declarados são outrossim única e exclusivamente rendimentos da herança dos quais, para não variar, os arguidos AA e BB deles se apropriaram.
iii) E que, por seu turno, os rendimentos declarados pelo seu pai o arguido BB são bastante baixos e não permitem qualquer veleidade de afirmar que se tratou de fortuna e/ou herança deste, como de resto sua mãe a arguida AA Gomes ensaiou já em tribunal.
458- O arguido HH, manifesta desprezo e ódio para com o assistente, agindo sempre livre e conscientemente com o intuito de facilitar, fruir e dissimular a atividade criminosa desenvolvida pelos arguidos AA e BB.
459- O arguido II é filho da arguida AA e filho de QQ.
460- O arguido II partilha do gene fantasioso da sua mãe da mania das grandezas e do elitismo.
461- O arguido II sabe que o dinheiro que os arguidos AA e BB lhes deram para financiar os estudos era da proveniência criminosa.
462- Tal como o irmão uterino, o arguido HH, sabia e sabe que desde 2002 os rendimentos da arguida AA são unicamente os provenientes da atividade criminosa, posto que nenhum outro trabalho legítimo exerce.
463- O arguido II sabe que o seu pai “afetivo”, o arguido BB, não tem qualquer fortuna nem teve rendimentos legítimos que lhe permitissem financiar os estudos e as viagens que efetuou.
464- O arguido II recebe e utilizou dinheiro, em montantes superiores a 400.000,00, que os arguidos BB e AA lhe deram para financiar a sua empresa Wine With Spirit, pessoa coletiva n.º …, empresa de que se assume como CEO.
465- Por várias vezes o arguido II organiza festas usando fundos da AA & Filhos, Lda. e desviados pelos arguidos BB e AA, para promover o seu vinho da marca Bastardo.
466- Até às diligências de busca da Polícia Judiciária na sede da sociedade (Pastelaria … no Chiado) o arguido II anunciava-se nas redes sociais como CEO da mesma, estando por isso a par da atividade delitual dos restantes arguidos.
467- O arguido II, por várias vezes e ao longo dos anos usufrui de dinheiros que os arguidos BB e AA desviaram da sociedade e da herança.
468- O arguido II, além do reforço de capital, pela ronda da SEEDERS, beneficiou de várias transferências quer das contas bancárias dos arguidos AA, BB quer das contas bancárias da sociedade AA & Filhos, Lda..
469- Bem sabendo o arguido II que o dinheiro não pertencia àqueles arguidos BB e AA, mas sim à herança, e que dele se apropriavam lesando o património do assistente.
470- Com a sua conduta quis também o arguido II permitir o enriquecimento ilegítimo, por locupletamento, dos pais os arguidos AA e BB, de que beneficia imediatamente pois também frui do dinheiro apropriado.
471- Além de que o arguido II colhe, ainda que de forma mediata, também um benefício, simétrico com o empobrecimento do assistente, pois é um natural herdeiro da fortuna que os seus pais acumularem com a prática da atividade criminosa.
472- Igualmente, o arguido II, manifesta desprezo e ódio para com o assistente, agindo sempre livre e conscientemente com o intuito de facilitar, fruir e dissimular a atividade criminosa desenvolvida pelos arguidos AA e BB.
473- A escrita da contabilidade da sociedade implica a organização regular e mensal e anual dos papéis de forma concatenada e ordenada sequencialmente de modo a constituir e dar fé pública da situação patrimonial e fiscal da empresa.
474- Na adulteração dos documentos referidos nos artigos 83.º a 94.º deste requerimento, os arguidos falsificaram 19 declarações periódicas do IVA, 2 declarações anuais de 2003 e 2004, assim como 2 extratos de movimentos da conta sócios, num total de 23 documentos falsificados.
475- Posteriormente e sempre para ocultar e/ou dissimular as apropriações os arguidos AA, BB e CC falsificaram entre 2005 e maio de 2020, os extratos mensais da contabilidade num total de 210 (15 anos X 12 meses + encerramento e abertura) documentos falsificados.
476- Também, com a mesma frequência, os arguidos AA, BB, falsificaram as notas de lançamento que suportam os movimentos, num total de 5 (banco + conta do assistente + conta da arguida AA) o que perfaz o total de 630 documentos falsificados.
477- Os arguidos AA, BB e CC, apresentaram as declarações fiscais anuais falsificadas, pois não só omitiram as apropriações por eles efetuadas como outrossim incluíram uma dívida do assistente que sabiam ser falsa pelo que o total é de mais 15 documentos falsificados.
478- Semestralmente a arguida AA, elaborava as contas da herança nas quais omitia os reais rendimentos ou proveitos (prediais e de capitais) de modo a deles se apropriar, pelo que procedeu à falsificação de mais 30 documentos.
479- Também para iludir a atividade probatória dos tribunais e, portanto, com o intuito de ocultar e/ou dissimular a proveniência criminosa dos dinheiros utilizados nas compras judiciais, os arguidos AA e BB, forjaram uma falsa cessão de créditos, mediante a qual a sociedade AA & Filhos, Lda., cedeu àquela o falso crédito que detinha sobre o assistente, pelo que falsificaram mais 1 documento.
480- O arguido DD, juntou tal documento falsificado (falsidade ideológica) em vários processos judiciais, deduzindo, aliás, um incidente de habilitação nomeadamente nos processos 9505/12, 14650/14 e 9372/13, e mais bem identificados no quadro de processos em que interveio.
481- Também, conhecendo a falsidade dos documentos, o arguido DD, para fundamentar o pedido na ação 14650/14 juntou um extrato de conta elaborado a punho da arguida AA no qual evidenciou uma falsa dívida do assistente para com a sociedade no montante de 951.976,54€ juros incluídos.
482- O arguido DD estava bem ciente da falsidade dos valores ali descritos, até porque 6 anos antes havia intentado uma ação referindo o valor de 242.324,33€ ao passo que nesta passou a pedir um valor quatro vezes superiores.
483- O arguido, DD, sabia que era impossível o assistente se apropriar de tais verbas porque, quanto mais não fosse, desde 2004 deixou de ter acesso às contas da sociedade e quem recebia e fruíam rectius se apropriavam do dinheiro foram - e são - os arguidos AA e BB.
484- O arguido DD, usou desse modo e por 5 ocasiões documentos que sabia serem falsos.
485- As faturas emitidas pelas sociedades JGMAGM no valor total de 86.645,99€, são falsas, por não corresponderem a trabalhos efetivamente prestados, servindo apenas para os arguidos AA e BB se apropriarem da respetiva quantia, sendo sintomático que aquela arguida só saiba que o representante de tal empresa seja um arquiteto YY que convenientemente vive no Luxemburgo.
486- As faturas dos Ultra Galácticos no valor total de 45.588,12€, são falsas por não corresponderem efetivamente a fornecimentos prestados à sociedade AA & Filhos, Lda., servindo igualmente e apenas para os arguidos AA e BB se apropriarem da respetiva quantia.
487- Também as faturas da Alcafer no valor total de 40.545,29€ são falsas por não corresponderem efetivamente a fornecimentos prestados à sociedade AA & Filhos, Lda., servindo outrossim e apenas para os arguidos AA e BB se apropriarem da respetiva quantia.
488- Também as faturas da Air-flow no valor total de 47.303,10€ são falsas por não corresponderem qualquer tipo de fornecimento ou serviço efetivamente prestado, até porque o ar condicionado que o restaurante possui não só não foi substituído como o respetivo valor é inferior a 5 000,00€ (são dois aparelhos de ar condicionado de parede) servindo outrossim e apenas para os arguidos AA e BB se apropriarem da respetiva quantia.
489- Desde logo, as faturas que foram apresentadas nestes autos denunciam a sua falsidade formal, posto que não foram emitidas por software autorizado rectius licenciados pela Autoridade Tributária, tratando-se de desenhos de faturas em folha de Excel.
490- Por outro lado, os arguidos AA e BB, com o intuito de impedir, entorpecer e retardar a aquisição e conservação da prova nestes autos, juntaram dois documentos intitulado um parecer e outro due diligence cuja falsidade ideológica bem conheciam.
491- Com efeito, sabiam que formalmente o documento até pode ser verdadeiro, mas o seu conteúdo é falso.
492- Para o efeito, enganaram, com particular astúcia, os autores dos referidos trabalhos que partiram de premissas erradas, nomeadamente que o assistente efetuava desvios, quando o que resulta à saciedade é que são os arguidos BB e AA quem praticaram os crimes.
493- Ademais, em relação ao parecer do Professor José Luís Saldanha Sanches sempre os arguidos BB e AA sabiam que aquele ilustre autor não certifica nem atesta qualquer ato lícito ou ilícito por parte de quem quer que seja limitando-se a opinar o enquadramento fiscal na eventualidade de serem verdade os fatos.
494- Mais, os arguidos AA e BB estão perfeitamente cientes da falsidade ideológica do documento, pois o ilustre e saudoso professor, ressalva no ponto vii das suas conclusões que “Feita a prova que este rendimento existe”.
495- Os arguidos AA e BB, sabiam nem precisar do parecer do ilustre professor que, seguramente, desconhecia ir ser pago com dinheiro de proveniência criminosa, pois sabem aqueles que em Portugal vigora o princípio de peculia non olet, mas que contornam com notável habilidade, como demonstram estes autos.
496- Por isso mesmo, os arguidos não acataram a sugestão/recomendação do ilustre professor de participarem à Administração Tributária eventuais ilícitos tributários, pois estavam cientes que se o fizessem quem ia preso eram eles próprios posto que são os autores das apropriações, fraudes e branqueamento.
497- Ainda de referir que os arguidos AA e BB encomendaram o parecer já com o intuito de dissimular as apropriações que efetuaram até porque está datado de 13.05.2009 que coincide precisamente com o pagamento da primeira tranche do Metropolitano de Lisboa, SA.
498- No que concerne à due diligence, datada de 20.10.2011, e subscrita pelo ROC João Rodrigues Palma, os arguidos conhecem a sua falsidade ideológica, posto que o mesmo assenta em cenários falsos, na medida em que a sociedade não se endividou e que o dinheiro recebido do Metropolitano de Lisboa não foi utilizado para pagar dívidas ou passivo da sociedade mas, ao invés, foi, após apropriação, desviado para contas bancárias dos arguidos AA e BB no estrangeiro.
499- Ainda os arguidos AA, BB e DD, fazem uso de um documento emitido pela Autoridade Tributária alegando uma eventual inspeção tributária à sociedade em 2010 e que nada de irregular foi encontrado, quando sabem que isso é mentira.
500- Com efeito, de forma manhosa, i. e., com particular astúcia e notória temeridade os arguidos AA e BB solicitaram à AT uma análise ao exercício de 2010 para determinar o valor da sociedade real da sociedade e qual a qualificação dos movimentos de levantamentos efetuados pelo sócio-gerente.
501- E o que concluiu a AT, obviamente apenas para efeitos de relações fiscais, é que o valor da sociedade é que resulta da análise do balanço aprovado pela sociedade e que não lhe cabe proceder à qualificação do quer que seja nas relações entre sócios-gerentes e as sociedades.
502- Os arguidos AA e BB, que sabiam de antemão conteúdo da resposta da AT em face do que lhe haviam requerido, ao solicitarem tal avaliação sabiam ainda que os documentos (balanços e extratos de contas) que apresentavam estavam falsificados porque omitiam os reais rendimentos da sociedade e que quem se apropriou de elevadas verbas foram eles.
503- Os arguidos AA e BB falsificaram assim o conteúdo de 915 documentos.
504- Da matéria carreada não existe a menor dúvida de que em meados do ano de 2003, os arguidos AA, BB e CC, decidiram fundar uma associação criminosa para a prática de crimes contra o património do assistente, contra a Fazenda Nacional e contra a administração da justiça.
505- Também não há menor dúvida de que sucessivamente aderiram a tal associação os arguidos DD, HH, II, EE e FF.
506- Também não se afigura questionável que a associação mantém estabilidade no tempo, quer quanto aos membros quer quanto ao móbil, pois subiste vão decorridos 17 anos.
507- A chefe da associação é a arguida AA que planeou e determinou os papéis e tarefas de cada um dentro da organização criminosa.
508- A arguida AA e seu marido o arguido BB são os principais beneficiados com a atividade criminosa dos restantes membros, assim como os filhos daqueles já que não só comungaram e comungam os proveitos como são os herdeiros de uma fortuna obtida unicamente por via de um longo excurso criminoso.
509- O arguido BB, participou ativamente na execução do plano tendo como tarefas assegurar as formas e os meios processuais judiciais adequados à consumação dos delitos, intervindo ora como parte ora com testemunha ora contratando advogados ora contratando os agentes de execução, com a consciência de que alterava a verdade e pervertia o curso da justiça.
510- Como fez questão de lembrar na audiência de julgamento no processo 454/18, em tom manifestamente irritado, comunga com a arguida AA em igual parte do produto da atividade criminosa, pois é com ela casado em comunhão de bens adquiridos.
511- A arguida CC teve o papel de integrar a gerência da sociedade AA & Filhos, Lda. e dessa forma viabilizou a consumação das apropriações efetuadas, falsificando e assinando os documentos necessários quer a concretizar quer a ocultar e/ou dissimular as mesmas.
512- À arguida CC coube ainda o papel de ser a principal testemunha nos vários processos em que os intervenientes fossem o assistente e os arguidos AA e BB.
513- Ao arguido DD, que veio substituir o Dr. KK, coube o papel de representação forense da associação apresentando e desempenhando em tribunal os papéis necessários à concretização dos desígnios criminosos assim como os adequados à ocultação e dissimulação da precedente atividade criminosa.
514- O arguido DD, sabia - e por várias vezes foi alertado para isso - que os arguidos AA e BB não tinham qualquer fortuna e que se apropriavam dos rendimentos da herança e da sociedade defraudando o assistente e a Fazenda Nacional.
515- A troco dos rendimentos forenses, que assim se tornam ilegítimos, o arguido DD aderiu à associação criminosa nos idos de 2006, apresentando em tribunal “provas” que sabia terem sido previamente manipulados e/ou adulteradas.
516- O arguido DD, no seio da associação criminosa, tinha, pois, o papel de criar em tribunal as condições processuais adequadas à ocultação da proveniência criminosa do dinheiro assim como atingir o restante património do assistente.
517- Não obstante conhecer a verdade, o arguido DD, por várias vezes, e para dissimular a atividade criminosa, declarou verbal e por escrito que a sua cliente AA tinha fortuna pessoal, sem concretizar, porém, a sua proveniência, quando sabia que isso não corresponde à realidade.
518- Os arguidos HH e II participaram e comungaram dos proveitos criminosos da associação e, por serem herdeiros dos arguidos AA e BB, são beneficiários mediatos dos proveitos mais duradouros.
519-Daí que tenham participado ativamente na realização da atividade criminosa executando os atos que acima melhor se descreveu.
520- E os arguidos DD, EE e FF também se associaram ao iter criminoso traçado pelos arguidos AA e BB praticando nos processos executivos atrás identificados os atos criminosos com grave violação dos deveres funcionais e profissionais.
521- Sem prejuízo do preenchimento do elemento subjetivo por cada arguido estar mais bem densificado na parte dedicada a cada um e na narração da factualidade que lhes é imputada, certo é ainda dizer que todos os arguidos agiram livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é punida por lei.
522- Os arguidos não negam os factos - nem têm como, pois, os fatos e os documentos até falam por si - limitando-se a tripudiar o processo com documentos truncados, desviando os olhares inquisitórios para decisões judiciais perfeitamente irrelevantes para a sua responsabilidade penal, chegando a alegar de forma asinina que os fatos já foram investigados quando outrossim sabem que isso não é verdade.
Aqui chegados impõe-se proceder à concreta apreciação das questões suscitadas pelo assistente recorrente.
1- Se devem ser revogados os despachos proferidos a fls. 10422 e no início do debate instrutório.
Apesar de ter sido invocado na parte final do recurso trata-se de uma questão a apreciar antes das demais.
Com efeito o recorrente refere neste recurso que não se conforma com o despacho abortou a instrução e que resulta dos autos ter sido proferido em 8 de julho de 2022 bem como o despacho proferido no início do debate instrutório que também decorre dos autos ter sido realizado em 12 de janeiro de 2024, despacho esse que indeferiu o requerimento do assistente e ora recorrente para que fosse produzida a prova em falta bem como prova suplementar.
No que respeita ao despacho de 8 de julho verifica-se irrecorribilidade do mesmo porquanto relativamente a tal despacho já o ora recorrente exerceu previamente o seu direito ao recurso tendo-se formado relativamente à questão aí apreciada caso julgado formal.
Decorre dos autos que exerceu tal direito em 30 de setembro de 2022 (fls.10535 a 10550 dos autos) tendo tal recurso sido admitido em 11 de outubro de 2022 e rejeitado por irrecorribilidade em decisão sumária proferida de 11 de maio de 2023 confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de junho de 2023.
Ademais e relativamente ao despacho proferido no início do debate instrutório uma vez que tal ocorreu em 12 de janeiro de 2024 e o assistente apenas do mesmo recorreu em 26 de maio de 2024 nesta última data já tinha decorrido o prazo legal de 30 dias a que se refere o artigo 411º nº1 al. c) do Código de Processo Penal pelo que o direito ao recurso do assistente se precludiu sendo o recurso neste segmento manifestamente extemporâneo.
Destarte rejeita-se o recurso do assistente relativamente a tais despachos por irrecorribilidade.
2- Se a decisão instrutória deveria ter declarado a nulidade do inquérito por omissão de diligências necessárias e essenciais à descoberta da verdade-artigo 120º nº 2 al. d) in fine e nº 3 al. c) do CPP.
Insurge-se o recorrente relativamente à decisão recorrida por entender que a mesma devia ter declarado a supra aludida nulidade.
Refere o assistente recorrente, em abono da sua pretensão, que o que se pode afirmar é que legal e constitucionalmente o MP não é tribunal, os seus magistrados não são juízes e em Portugal existe reserva de juiz, cabendo ao tribunal, a instrução e o julgamento de qualquer causa, o que, desde logo, resulta dos artigos 2.º, 20.º n.º 1 e 4, 110.º n.º 1, 111.º n.º 1, 202.º n.º 1 e 2, da Constituição. Dito isto,
A verdade é que, seja no inquérito, na instrução ou no julgamento, a lei comina que a omissão de produção de meio de prova necessário, ou seja, essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, quer a sua produção haja sido ou não requerida, constitui a nulidade relativa prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP.
O disposto no artigo 120.º n.º 2 al. d) do CPP, deve ser interpretado e aplicado no sentido de que a referida alínea contempla duas causas de nulidade: (i) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios; (ii) e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
Na fase de instrução, a apreciação e declaração de uma nulidade ocorrida na fase de inquérito, não tem como consequência a prolação de despacho de não pronúncia, mas sim o regime dos efeitos da declaração de nulidade previstos no artigo 122.º do Código de Processo Penal.
E assim ao declarar uma nulidade, está o juiz obrigado a tomar uma decisão que passa pela identificação dos atos que julga nulos ou afetados pela declaração da nulidade e a ordenar, sempre que necessário e possível, a sua repetição ou realização, aproveitando todos os atos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela. - Ac. da RP de 05.07.2023.
No caso dos autos, a referida nulidade está parcialmente debelada pelos actos de instrução já levados a cabo na instrução, misteriosamente abortada a meio do seu percurso rumo ao debate instrutório, havendo que, na procedência do recurso e sem prejuízo da parte deste em que se invoca a nulidade desse despacho, por violação do caso julgado formal, ser ordenada a realização das diligências requeridas e ordenadas e todas aqueloutras mais que se afigurem ex officio necessárias.
A decisão recorrida pronunciou-se nos seguintes termos relativamente a tal nulidade invocada no requerimento de abertura de instrução pelo assistente e ora recorrente:
No requerimento de abertura da instrução, a fls. 2102v. a 2107, foi arguida, pelo assistente JJ, a nulidade por insuficiência do inquérito, a que alude o art.º 120.º, n.º 2, al. d) do Cód. Processo Penal, invocando para o efeito, em síntese, que, por várias vezes, a Polícia Judiciária, que não detém autonomia funcional, incumpriu com os despachos do Ministério Público que determinavam a realização de diligências indispensáveis ao apuramento da verdade e consequente exercício da acção penal.
O Ministério Público pronunciou-se, por despacho que integra fls. 2122 a 2124, concluindo no sentido de não subsistir qualquer nulidade de inquérito.
Cumpre apreciar e decidir.
O art.º 120.º do Cód. Processo Penal prevê, de forma taxativa, o elenco das “nulidades dependentes de arguição”, também denominadas de nulidades sanáveis, sendo uma das nulidades dependentes de arguição a contemplada no n.º 2, al. d) desta disposição legal, a saber “a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”.
Como salienta João Conde Correia, a insuficiência do inquérito apenas tem lugar quando não tenham sido praticados actos legalmente obrigatórios. A omissão de diligências de investigação não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, porquanto a apreciação da necessidade de actos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público que «é livre, salvaguardados os atos de prática obrigatória e as exigências decorrentes do princípio da legalidade, de levar a cabo ou promover as diligências que entender necessárias, com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou de arquivar o inquérito» (ac. TC 395/2004), isto por competir ao Ministério Público, enquanto dominus do inquérito, determinar quais os actos de investigação (que não sejam obrigatórios) que cumpre realizar em ordem a legitimar a decisão de submeter ou não os factos a julgamento - Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I. Livraria Almedina, 2021, pp. 1251 a 1253; no mesmo sentido, cif., com interesse, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Universidade Católica Editora, 2007, pp. 313; e António Henriques Gaspar, Código de Processo Penal Comentado, Livraria Almedina, 2021, 3.a ed.a, pp. 343.
No caso vertente tal não se verifica, porquanto o Ministério Público, no decurso do inquérito, levou a cabo todas as diligências de investigação que reputou necessárias, e, após, por despacho que integra fls. 1725 a 1737, procedeu ao arquivamento do inquérito, por considerar queDa análise da prova produzida neste inquérito, nomeadamente testemunhal e documental e do que atrás se deixou exposto, concluiu-se não subsistirem indícios credíveis, ainda que de natureza puramente instrumental que permitam imputar aos denunciados os factos cuja prática lhes é assacada e, dessa forma, deduzir uma acusação que, em juízo, venha a culminar com a condenação daquele numa pena”, acrescentando, ainda,não se vislumbrar a realização de outras diligências que se afigurem úteis e necessárias à descoberta da verdade material.
Importando, ainda, salientar, e porque tal questão foi aflorada pelo assistente no requerimento que integra fls. 10496 a 10506, que a constituição de um qualquer denunciado na qualidade processual de arguido integra o núcleo da competência própria do Ministério Público quanto à avaliação de pressupostos (art.º 58.º, n.º 1, al. a) do Cód. Processo Penal), pelo que, considerando o Ministério Público, como no caso vertente se verificou, não terem sido recolhidos, no decurso do inquérito, indícios da prática de um qualquer crime, não existia fundamento para constituir qualquer um dos denunciados nessa qualidade processual.
Em suma, neste particular é manifesta a sem razão do assistente.
Cumpre apreciar e decidir:
O artigo 120º nº 2 al. d) do Código de Processo Penal convocado pelo recorrente estabelece que: constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
A insuficiência de inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.”
Como decorre da sua leitura a norma em questão tem dois segmentos sendo que primeiro refere-se a “insuficiência do inquérito ou da instrução” e, o segundo, a “omissão posterior de diligências que pudessem reportar-se essenciais para a descoberta da verdade”.
Por conseguinte, a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade só pode constituir nulidade se for posterior ao inquérito ou à instrução, pois, de acordo com o citado preceito, nas fases de inquérito e instrução apenas a insuficiência traduzida na omissão de atos legalmente obrigatórios é cominada de nulidade.
Dito isto, como ensina Germano Marques da Silva, a insuficiência do inquérito ou da instrução “é uma nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de um ato que a lei prescreve. Assim, só se verifica esta nulidade quando se omita um ato que a lei prescreve como obrigatório e desde que, para essa omissão, a lei não disponha de forma diversa4”.
Assim, só a ausência absoluta de inquérito ou a omissão de diligências impostas por lei determinam, pois, nulidade do inquérito.
Destarte, a omissão de diligências não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência dado que a apreciação da necessidade dos atos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público.
Tal como refere a decisão recorrida citando o Acórdão do Tribunal Constitucional 395/045 o Ministério Público é livre, salvaguardados os atos de prática obrigatória e as exigências decorrentes do princípio da legalidade, de levar a cabo ou de promover as diligências que entender necessárias, com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou de arquivar o inquérito e não determina a nulidade do inquérito por insuficiência a omissão de diligências de investigação não impostas por lei.
Independentemente da perspetiva do assistente relativamente ao papel do Ministério Público ou do Juiz em fase de inquérito na verdade o sistema processual penal português assume estrutura acusatória em respeito ao artigo 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa e também mercê de consagração constitucional incumbe ao Ministério Público o exercício da ação penal nos termos previstos no artigo 219º da Constituição da República Portuguesa.
Ademais o Código de Processo Penal em conformidade nos termos dos artigos 262º e 263º estabelece que a fase de inquérito é dirigida pelo Ministério Público a quem cabe nos termos do artigo 267º do mesmo diploma legal praticar os atos e assegurar os meios de prova necessários à realização das finalidades referidas no citado artigo 262º, ou seja, empreender as diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação.
No caso vertente a decisão recorrida no segmento em que apreciar a invocada nulidade fez uma correta apreciação do caso e das normas legais aplicáveis não merecendo qualquer censura.
Assim improcede neste segmento o recurso do assistente e ora recorrente.
3- Se a decisão instrutória é nula por falta de elenco dos factos indiciariamente provados e não provados.
Insurge-se, ainda, o referido recorrente relativamente à decisão instrutória que qualifica de nula por falta de elenco dos factos indiciariamente provados e não provados.
Refere o recorrente, mais concretamente, que olhando para a decisão instrutória que comporta um despacho de mérito pela negativa, i. e., não pronúncia dos arguidos, não vemos que o M.mo JIC a quo tenha elencado um único facto indiciário provado ou não provado.
É isento de controvérsia que a decisão instrutória seja em que sentido for tem de fundamentar os factos e o direito, pois, encontra-se consolidado o entendimento de que a decisão instrutória, nomeadamente o despacho de não pronúncia, está sujeita à obrigação legal de fundamentação de facto, abrangendo a discussão da prova indiciária, e de direito, nos termos do artigo 97º, n.º 5, do Código Processo Penal. – Ac. da RP de 19.10.2022.
É de aplicar ao despacho de pronúncia a nulidade (não simples irregularidade) decorrente do artigo 283.º, n.º 3, b), do Código de Processo Penal (para que remete o artigo 308.º, n.º 2, do mesmo Código). Por outro lado, a relevância sistémica do princípio do caso julgado material impõe que se considere tal nulidade insanável e de conhecimento oficioso. Uma tão relevante consequência como é a da força de caso julgado material não poderá ficar dependente de arguição.” -Ac. da RP de 22.09.2021.
Compulsada a decisão instrutória, vemos que nem um único facto, das centenas constantes no requerimento de abertura de instrução (aliás, a esmagadora maioria deles comprovados pela superabundante prova documental), foi objeto de valoração pelo tribunal, não constando na decisão instrutória de não pronúncia uma única razão para o completo menoscabo a que foi votada a matéria.
Naturalmente que para que o tribunal superior possa decidir o recurso tem de conhecer o que é que do requerimento de abertura de instrução o JIC a quo considerou indiciado e não indiciado e respetiva fundamentação.
A imposição de fundamentação, de facto e de direito, ao despacho de não pronúncia, por aplicação conjugada dos artigos 283, nº 3, e 308, nº 2, do C. P. Penal, só deve considerar-se cabalmente satisfeita, com a articulação e/ou a enumeração, clara, expressa, discriminada e autónoma, de cada um dos factos que se consideram indiciados e não indiciados. – Ac. da RE de 17.06.2014.
A não descrição desses factos acarreta a nulidade da decisão instrutória [art.º 308º, nº 2, com referência ao art.º 283º, nº 3, b), do CPP], nulidade essa que, não fazendo, embora, parte do elenco de nulidades descritas nas alíneas a) a f) do art.119º do CPP, não pode deixar de ter-se como insanável. – Acs. da RE de 01.03.2005 e de 23.02.2010.
O art.º 308.º, no seu n.º 2 determina a aplicação ao despacho de não pronúncia o disposto nos números 2, 3 e 4 do artigo 283.º do CPP. O n.º 3 deste normativo comina com a nulidade o despacho de acusação que não contenha “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança”. – Ac. da RL de 22.09.2021
Sendo nula a decisão instrutória cabe a este tribunal ad quem, ordenar a respetiva sanação, impondo ao tribunal a quo a prática dos actos de instrução (esgotando o dever investigatório) que lhe permitam cumprir com o dever legal e constitucionalmente imposto de instruir a causa e, subsequentemente, fundamentar a decisão de facto e de direito.
Revertendo à decisão instrutória recorrida consigna a mesma com relevo para a questão que ora apreciamos o seguinte:
(…)
Feitas estas considerações atinentes ao tipo objectivo e subjectivo de cada um dos crimes imputados aos arguidos no requerimento de abertura da instrução, importa salientar, resultar da leitura do requerimento de abertura da instrução que, ao contrário daquilo a que estava obrigado, nesta peça processual o assistente JJ não fez uma descrição dos factos, ou seja, da conduta dos arguidos AA, BB, CC, EE, FF, DD, GG, HH e II que preencha os elementos constitutivos dos crimes imputados, não descrevendo os factos integradores de nenhum dos crimes, pelo qual pretende a pronúncia dos arguidos, omitindo, em absoluto, a descrição dos factos atinentes quer ao elemento objectivo, quer ao elemento subjectivo, de um qualquer crime.
Resulta do disposto no art.º 287.º, n.º 2 do Cód. Processo Penal, que a acusação contém, sob pena de nulidade, “A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”, o que, como resulta do disposto no art.º 287.º, n.º 2 do Cód. Processo Penal, se aplica ao requerimento de abertura da instrução deduzido pelo assistente.
Como referem Leal-Henriques e Simas Santos, “No que se reporta à elaboração da acusação interessa também chamar a atenção para a necessidade de se conferir o máximo cuidado à sua feitura, não apenas no aspecto de explanação geral, como sobretudo na vertente da descrição fáctica, que deve ser suficientemente pormenorizada e precisa, até porque, como se sabe, está legalmente vedada uma alteração substancial dos factos transportados para a acusação, limitativa dos poderes do J.I.C. (quanto à amplitude da instrução e da decisão instrutória - arts. 303. º e 309. º) e dos poderes do juiz de julgamento (arts. 358. º e 359. º)"Código de Processo Penal Anotado. II Vol. Editora Rei dos Livros, 2a ed.a, 2000, pp. 140.
O fundamento da inexistência de factos na acusação que constituam crime, só pode ser aferido diante do texto da acusação, quando faltem os elementos constitutivos - objectivo e subjectivo - de qualquer ilícito criminal ou quando se trate de conduta penalmente irrelevante (neste sentido, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Universidade Católica Editora, 2007, pp. 779), sendo o crime, na noção contida na alínea a) do art.º 1.º do Cód. Processo Penal, é oconjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais'’'.
No requerimento para abertura da instrução, o assistente tem de indicar os factos concretos que, ao contrário do Ministério Público, considera indiciados ou que pretende vir a fazer indiciar no decurso da investigação requerida. O juiz, por seu turno, irá apurar se esses factos se indiciam ou não, proferindo ou não, em consonância, despacho de pronúncia.
Isto significa, portanto, que o requerimento de abertura da instrução equivale, em tudo, à acusação, definindo e delimitando o objecto do processo a partir da sua apresentação e traçando os limites dentro dos quais se há-de desenvolver a actividade investigatória e cognitória do juiz de instrução, sendo certo que na decisão instrutória a proferir, apenas poderão ser apreciados os factos descritos no requerimento para abertura de instrução, sob pena de nulidade - art.º 309.º do Cód. Processo Penal.
Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito, o seu objecto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso, em ordem a permitir a organização da defesa.
Esta definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.
No caso vertente, conclui-se que, ao contrário daquilo a que estava obrigado, no requerimento de abertura da instrução, o assistente não fez uma descrição de todos os factos, ou seja, da conduta dos arguidos AA, BB, CC, EE, FF, DD, GG, HH e/ou II que preencha os elementos constitutivos de qualquer um dos crimes que lhes imputa, omitindo, neste particular, em absoluto, a descrição dos factos atinentes quer ao elemento objectivo, quer ao elemento subjectivo de cada um dos crimes imputados.
É assim evidente que a factologia alegada no requerimento para abertura da instrução é insuficiente para permitir a imputação a qualquer um dos arguidos, AA, BB, CC, EE, FF, DD, GG, HH e II, de qualquer um dos crimes que lhes são assacados naquele requerimento, em virtude de tal requerimento ser manifestamente insuficiente relativamente à descrição de factos que, a indiciarem-se, permitissem concluir pela prática de qualquer um dos crimes em causa, pelo que qualquer despacho de pronúncia que fosse proferido na sua sequência seria nulo, nos termos do disposto nos artigos 308.º, n.º 1, 309.º, n.º 1 e 303.º, n.º3, todos do Cód. Processo Penal.
Por estas razões, a instrução requerida pelo assistente JJ, nas condições em que se apresenta, é legalmente inviável, por votada necessariamente ao fracasso, impondo-se, pois, no caso vertente, a prolação de um despacho de não pronúncia (…).
Preceitua o artigo 286.º, nº 1 do Código de Processo Penal, que a instrução visa a comprovação judicial da decisão final proferida em sede de inquérito (acusação ou arquivamento do inquérito), em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Nos termos do nº 1 do artigo 308º do Código de Processo Penal se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.
Aduz o nº 2 do artigo 308º do Código de Processo Penal que é correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto nos artigos nºs 2, 3 e 4 do artigo 283º sem prejuízo do disposto na segunda parte do nº 1 do artigo anterior.
O artigo anterior é, naturalmente, o artigo 307º de que decorre que o juiz que profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia pode fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução.
Por seu turno o artigo 283º nº 2, nº 3 e nº 4 do Código de Processo Penal para que remete o referido artigo 308º nº2 do mesmo diploma legal preceitua que:
2 - Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
3- A acusação contém, sob pena de nulidade:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A narração ainda que sintética dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) As circunstâncias relevantes para a atenuação especial da pena que deve ser aplicada ao arguido ou para a dispensa de pena em que este deve ser condenado;
d) A indicação das disposições legais aplicáveis;
e) O rol com o máximo de 20 testemunhas com a respetiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspectos referidos no nº 2 do artigo 128º, as quais não podem exceder o número de cinco;
f) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer;
h) A indicação do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social quando o arguido seja menor, salvo quando não se mostre ainda junto e seja prescindível em função do interesse superior do menor;
i) A data e assinatura.
4- Em caso de conexão de processos é deduzida uma só acusação.
É atento o teor da alínea c) do supracitado artigo que se defende maioritariamente na jurisprudência como refere o recorrente que o despacho seja de pronúncia ou de não pronúncia deve incluir a especificação dos factos suficientemente indiciados e não suficientemente indiciados, especificação que pode ser feita por remissão à luz do já indicado artigo 307º nº 1 in fine do Código de Processo Penal quer para a acusação quer para o requerimento de abertura de instrução no caso de instrução requerida pelo assistente, como é o caso sob apreciação.
É também entendimento pacífico que tal exigência assenta na imposição de fundamentação que decorre do teor do artigo 97º nº 1 al. b) e nº 5 do Código de Processo Penal em consagração do teor do artigo 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem6 e do artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, imposição que demanda uma descrição clara dos factos suficientemente indiciados e não suficientemente indiciados, sob pena de se comprometer o exercício das prerrogativas processuais por parte dos sujeitos afetados pelo despacho bem como um controlo efetivo de tal despacho por parte do tribunal de recurso.
Porém, já no que respeita à natureza da invalidade emergente da inobservância de tal exigência legal a jurisprudência divide-se entre a nulidade7 e a irregularidade8 e na primeira entre a insanável e de conhecimento oficioso e a nulidade sanável e, assim dependente de arguição e na segunda entre a irregularidade dependente de arguição e a irregularidade que influi no conhecimento da causa e, por isso, de conhecimento oficioso nos termos do artigo 123º nº 2 do Código de Processo Penal.
E ainda uma corrente que distingue a invalidade em função da natureza do despacho e assim considera que a omissão de descrição dos factos gera nulidade insanável no caso do despacho de pronúncia e mera irregularidade no caso do despacho de não pronúncia e apenas no que respeita à não descrição dos factos não suficientemente indiciados9.
Todavia, importa frisar que tal jurisprudência se refere aos despachos de pronúncia ou não pronúncia que conhecem do mérito, ou seja, que empreendem o exercício de comprovação de indícios típico da fase de instrução.
Porém, o despacho de não pronúncia não se impõe ao juiz de instrução apenas nas situações em que haja insuficiência de indícios que permitam sustentar a factualidade narrada imputadora a determinado agente da prática de um determinado ilícito criminal.
Com efeito, o despacho de não pronúncia impõe-se também ao juiz de instrução no caso em que se verificam razões de ordem processual que impeçam a prossecução dos autos à fase de julgamento sejam, nomeadamente, as genericamente atinentes a inadmissibilidade legal do procedimento criminal ou determinantes da sua extinção, nulidades insanáveis bem como quaisquer razões que contendam com a comprovação típica de indícios da fase de instrução.
Assim, nem todo o despacho de não pronúncia conhece do mérito da ação penal circunscrevendo-se tal despacho ao que empreende uma efetivação comprovação de indícios e decide na sequência de tal comprovação não submeter a causa à fase de julgamento.
No caso vertente o despacho de não pronúncia proferido não conheceu do mérito da ação penal, não se pronunciou relativamente à suficiência ou insuficiência dos indícios, mas sim relativamente à insuficiência da descrição da matéria de facto, por inobservância por parte do assistente e ora recorrente do ónus processual previsto no artigo 287º nº2 do CPP que também remete para o artigo 283º nº 3 als. b) e d) do mesmo diploma legal.
O Juiz de instrução que proferiu o despacho detetou no requerimento de abertura de instrução do assistente uma insuficiência da descrição de factos quer atinente aos elementos objetivos quer aos elementos subjetivos dos tipos de crimes imputados aos arguidos, tendo concluído que em face de tal insuficiência manifesta se impunha proferir despacho de não pronúncia.
Ora, não tendo sido empreendida a comprovação de indícios típica de fase de instrução e tendo o despacho de não pronúncia se fundado em razões de ordem processual que obstavam a tal comprovação não era exigível ao Juiz de Instrução que proferiu tal despacho que selecionasse a matéria de facto suficientemente indiciada e não suficientemente indiciada por ser um exercício manifestamente inútil.
Assim, considera-se inexistir qualquer invalidade do despacho de não pronúncia recorrido, mormente a invocada pelo recorrente assistente, improcedendo também neste segmento o recurso.
4- Se a decisão instrutória é nula por total falta de fundamentação relativa à decisão de que o requerimento de abertura de instrução é legalmente inviável e por contradição entre os fundamentos e a decisão.
Invoca, também, o recorrente que a decisão instrutória é nula por total falta de fundamentação relativa à decisão de que o requerimento de abertura de instrução é legalmente inviável e por contradição entre os fundamentos e a decisão.
E, para tanto, refere o recorrente, em síntese, que o que se alcança da decisão instrutória é que não foi efetuada uma análise crítica dos factos narrados no requerimento de abertura de instrução (e já agora da sua indiciação ou não, com referência à prova já produzida). Ou seja, não foi concretamente fundamentado que factos ao nível dos elementos objetivos e/ou subjetivos do tipo de cada um dos crimes imputados aos arguidos estão em falta para se verificarem os pressupostos de punição, assumindo-se, assim, como um verdadeiro enigma o porquê do JIC a quo ter concluído daquela forma.
E noutra perspetiva constata-se que existe uma contradição entre os fundamentos e a decisão, que se dá quando os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
Com efeito, a falta de descrição dos elementos objetivos e subjetivos conduzem a uma rejeição do RAI e não a uma decisão de mérito de não pronúncia.
Ora, neste particular, importa salientar, por um lado, que inexiste decisão de mérito de não pronúncia pelos motivos já anteriormente aduzidos e, por outro lado, que depois de declarada aberta a instrução, como ocorreu neste caso, o Juiz de Instrução vier a constatar o incumprimento do ónus processual de narração factual imposto pelos artigos 287º nº 2 e 283º nº 3 als. b) e d) ambos do Código de Processo Penal a única decisão que pode proferir é um despacho de não pronúncia nos termos também já anteriormente indicados.
Com efeito o despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução é uma alternativa ao despacho que declara aberta a instrução e, assim, apenas pode ter lugar preliminarmente e nunca após o encerramento da fase de instrução.
Ademais no que tange à fundamentação a mera leitura da decisão recorrida permite concluir que na mesma constam os fundamentos de facto e de direito que sustentam o despacho de não pronúncia.
Tal despacho emerge da ausência de descrição no requerimento de abertura de instrução dos factos integradores dos elementos típicos objetivos e subjetivos de cada um dos crimes imputados aos arguidos por omissão do disposto no artigo 283º n.º 3, alínea b) e d) e artigo 287º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código de Processo Penal.
O que se retira do despacho não é a ausência de narração de quaisquer factos, mas sim a ausência de descrição de factos da conduta dos arguidos que preencha os elementos constitutivos dos crimes imputados, não descrevendo os factos integradores de nenhum dos crimes, pelo qual pretende a pronúncia dos arguidos, omitindo, em absoluto, a descrição dos factos atinentes quer ao elemento objectivo, quer ao elemento subjectivo, de um qualquer crime.
O despacho por referência a cada tipo penal imputado descreve os elementos típicos previstos na lei e conclui que após análise do requerimento de abertura de instrução que existe omissão genérica para cada um dos crimes da narração dos elementos típicos objetivos e subjetivos.
Perante uma omissão absoluta não se vislumbra qual a análise crítica de factos que se impunha sendo que também não se impunha qualquer decisão sobre a sua indiciação ou não uma vez que na decisão não se procede a uma comprovação de indícios por se ter constatado incumprimento do ónus processual por parte do assistente no requerimento de abertura de instrução nos termos já indicados.
A fundamentação é clara, cabal e congruente e, sobretudo existente, sendo este recurso uma evidência da sua existência posto que o recorrente se insurge contra tal despacho pugnando pela suficiência da narração, o que faz de modo exaustivo e para cada um dos crimes imputados.
Não se verifica, pois, falta de fundamentação no despacho recorrido nem contradição entre a fundamentação e a decisão, posto que depois de aberta a instrução e realizado o debate instrutório o Juiz de Instrução não podia proferir qualquer despacho de rejeição da instrução.
Assim improcede também neste segmento o recurso do assistente.
5- Se ocorre uma inadmissibilidade legal por violação do caso julgado formal do despacho de não pronúncia (ou de rejeição) com fundamento na falta de descrição de elementos do tipo.
Pugna, também, o recorrente pela verificação de uma inadmissibilidade legal por violação do caso julgado formal do despacho de não pronúncia (ou de rejeição) com fundamento na falta de descrição de elementos do tipo.
Entende o recorrente que o despacho recorrido é inadmissível legalmente por ofender caso julgado formal anterior, que é consistente a jurisprudência de que o despacho do Juiz de Instrução Criminal que admite o requerimento de abertura da instrução – no caso, apresentado pelo assistente – e declara a abertura da instrução faz caso julgado formal, ficando precludido o poder jurisdicional de rejeição, na decisão instrutória, daquele requerimento, fundada na inadmissibilidade legal da instrução decorrente da falta de descrição do elemento subjetivo do crime imputado ao arguido. – Ac. da RC de 14.10.2020 RG de 22.02.2023 RP de 22.06.2022 que nos autos consta o despacho de abertura de instrução que foi comunicado ao assistente, ao Ministério Público e aos arguidos e ninguém veio pugnar pela nulidade do requerimento de abertura de instrução por falta de descrição de elementos objetivos e subjetivos do tipo de cada um dos crimes que lhes são imputados pelo que tal questão não podia voltar a ser apreciada e ainda que a norma resultante dos artigos 287.º n.ºs 3, 4 e 5 e 308.º n.º 3 do CPP, deve ser interpretada e aplicada no sentido de que, tendo sido declarada aberta a instrução e notificados os sujeitos processuais e ordenadas e realizadas diligências instrutórias, o JIC não pode proferir despacho de não pronúncia com fundamento na insuficiência de descrição no RAI dos elementos objetivos e subjetivos do tipo.
Em suma, o recorrente entende que tendo sido declarada aberta a instrução não pode ulteriormente ser proferido despacho de não pronúncia com fundamento na insuficiência de descrição no requerimento de abertura de instrução dos elementos objetivos e subjetivos de cada crime sob pena de violação do caso julgado formal.
É consabido que o caso julgado pode ser formal ou material sendo que o primeiro forma-se se a sentença ou o despacho incidirem, apenas, sobre a relação processual, circunscrevendo-se a sua força obrigatória à questão processual concreta apreciada no processo e o segundo respeita ao mérito da causa subjacente à relação material controvertida e depois de formado tem força obrigatória dentro do processo e fora dele.
No caso vertente o despacho em causa é o que singelamente refere “Declaro aberta a instrução”. Ora, o referido despacho é tabelar e genérico e a admitir-se que se forma partir dele um caso julgado formal tal traduz-se apenas na impossibilidade de no processo ser proferido despacho que declare o inverso, ou seja, que a instrução não foi aberta.
Se é certo que podia e devia ter sido conhecido liminarmente o incumprimento do ónus processual previsto nos artigos 287º nº 2 e 283º nº 3 als. b) e d) ambos do Código de Processo Penal e proferido despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução é também certo que tal não tendo ocorrido e tendo sido declarada e aberta a instrução e se formado caso julgado formal relativamente a tal abertura o juiz de instrução tinha de obrigatoriamente realizar debate instrutório e decidir sobre a ausência de um pressuposto para proceder à comprovação típica dessa fase processual e que se traduz no suprarreferido incumprimento do ónus de narração dos factos integradores dos tipos de ilícitos criminais imputados.
Assim, considera-se que não há qualquer violação de caso julgado formal improcedendo também, neste particular, o recurso do assistente.
6-Se ocorre suficiência de descrição no requerimento de abertura de instrução dos elementos objetivos e subjetivos de cada um dos crimes imputados e aos arguidos e possibilidade de sanação de eventual insuficiência.
Insurge-se, ainda o recorrente relativamente ao despacho de não pronúncia por considerar que se verifica uma suficiência de descrição no requerimento de abertura de instrução dos elementos objetivos e subjetivos de cada um dos crimes imputados e aos arguidos e possibilidade de sanação de eventual insuficiência.
E quanto a esta questão alega o recorrente que lendo o RAI não percebemos que lhe falte algum elemento de facto ou disposição legal para a perfectibilização dos crimes imputados aos arguidos recorridos, que o JIC a quo considerou que o RAI deve ser rejeitado por não cumprir com todos os requisitos que têm de constar na acusação (reza o despacho recorrido que o requerimento de abertura da instrução equivale, em tudo, à acusação, o que se sabe), estando, portanto, em causa uma eventual nulidade cominada no artigo 283.º/3 al. b) do CPP.
E ainda que para que o JIC possa rejeitar o RAI é necessário que os factos descritos não constituam inequivocamente crime, ou seja, só e apenas quando de forma inequívoca os factos que constam na acusação não revistam relevância penal é que o Tribunal pode rejeitar o RAI por inadmissibilidade legal e no momento adequado que é quando recebe e declara aberta a instrução.
E também que as nulidades da acusação estão previstas no artigo 283º, nº 3 do Código de Processo Penal. Como se sabe e em obediência ao princípio da taxatividade das nulidades processuais, estão construídas como nulidades sanáveis – cfr. artigos 118º a 120º do Código de Processo Penal e sendo sanáveis, não podem ser oficiosamente conhecidas e in casu tendo os arguidos sido notificados do despacho de abertura de instrução, das várias diligências ordenadas na instrução e tendo constituído defensor não reclamaram nulidade do requerimento de abertura de instrução pelo que não podia o JIC a quo conhecer dessa nulidade oficiosamente, a qual, por quanto mais não seja, está sanada.
Concluindo que que qualquer omissão no requerimento de abertura de instrução (quando valha como acusação) submete-se à disciplina do artigo 283.º n.º 3 do CPP e, assim sendo: (i) Sendo a nulidade prevista no artigo 283º do Código de Processo Penal uma nulidade sanável, seria sempre prerrogativa do tribunal a quo a promoção da sanação desse vício; e mutatis mutandi (ii) Existindo na acusação uma deficiência formal, é sempre possível corrigi-la sem que esse facto viole o princípio de independência do juiz em relação às partes. - Cfr. Ac. da RL de 11.12.2008 e outrossim acórdão da RL de 26.09.2021.
Impõe-se salientar antes de mais que a decisão recorrida se traduz num despacho de não pronúncia que reconhece o incumprimento por parte do assistente do ónus processual previsto nos artigos 287º nº 2 e 283º nº 3 als. b) e d) ambos do Código de Processo Penal e não num despacho que liminarmente rejeita o requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal.
Ademais o recorrente limita-se a afirmar a suficiência do requerimento de abertura de instrução por mera discordância relativamente à decisão não indicando neste segmento de recurso em que é que a mesma se traduz. Todavia, e uma vez que o recorrente especifica as razões de tal suficiência do requerimento de abertura de instrução noutras questões ainda por abordar relega-se para tal momento a sua concreta apreciação.
Por outro lado, a jurisprudência e a argumentação invocada pelo recorrente não tem aplicação a este caso posto que não está em causa uma nulidade de acusação. O que está em causa é o incumprimento do referido ónus.
Com efeito, decorre do estatuído no nº 1 al. b) do art.º 287º do Código de Processo Penal que a instrução só pode ser requerida pelo assistente se o procedimento não depender de acusação particular e relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação e, pese embora, o nº2 do citado preceito indique no seu início que o requerimento de abertura da instrução não está sujeito a formalidades especiais, tal não significa que tal requerimento seja isento de requisitos, pois, que também se estipula que aquele deve conter em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que for caso disso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, os meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar e, ainda, se impõe a aplicação a tal requerimento do disposto nas alíneas b) e d) do nº 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal.
Mercê de tal imposição, não tendo sido proferido despacho de acusação pelo Ministério Público, o requerimento de instrução está sujeito ao formalismo da acusação, designadamente, além do mais, terá do mesmo constar a identificação do arguido, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o tempo, o lugar, a motivação da prática e grau de participação e a indicação das disposições legais aplicáveis.
Esta exigência encontra fundamento na estrutura acusatória do processo penal, devido à qual a atividade do tribunal se encontra delimitada pelo objeto fixado na acusação, em consonância com as garantias de defesa do arguido (art.º 32º nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa), que, deste modo, fica salvaguardado contra qualquer arbitrário alargamento do objeto do processo e tem a possibilidade de exercer relativamente a tal objeto o contraditório, ou seja, a sua defesa.
Com efeito, “(…) Integrando o requerimento de instrução razões de perseguibilidade penal, aquele requerimento contém um a verdadeira acusação; não há lugar a uma nova acusação; o requerimento funciona como acusação em alternativa, respeitando-se, assim, «formal e materialmente a acusatoriedade do processo», delimitando e condicionado a atividade de investigação do juiz e a decisão de pronúncia ou não pronúncia. (…)10”.
Por outro lado, a jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de o objeto da instrução ser rigorosamente fixado pelo requerimento de abertura de instrução, não podendo ser considerados quaisquer outros factos para efeitos de juízo de indiciação:
I – O requerimento para abertura da instrução equivalerá em tudo a uma acusação, condicionando e limitando, nos mesmos termos que a acusação formal, seja pública, seja particular, a actividade de investigação do juiz e a própria decisão final, instrutória. É que, tal como acontece na acusação, também, no caso, o requerimento de abertura de instrução tem em vista delimitar o thema probandum da actividade desta fase processual. (…)
II – O objecto da instrução tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa e essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis, dito de uma forma simplista, os factos narrados como integrantes da conduta ilícita do agente têm de “caber” nos elementos objectivos e nos elementos subjectivos do tipo legal em causa (do respectivo preceito).11
Também o Tribunal Constitucional igualmente já anteriormente se tinha pronunciado no sentido de “A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia um a concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objeto do processo seja fixado com rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução.”12
Assim, na sequência de um despacho de arquivamento impõe-se ao assistente o cumprimento de um ónus traduzido na formulação de uma acusação alternativa pois que tal como nos ensina o Supremo Tribunal de Justiça13 “… O requerimento do assistente deve, em termos materiais e funcionais, revestir o conteúdo de uma acusação alternativa, de onde constem os factos que considerar indiciados e que integrem o crime, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do contraditório”.
Assim, legalmente constitui ónus do assistente que requer a abertura de instrução alegar expressamente todos os factos concretos suscetíveis de integrar os tipos legais de crimes que entende ter a conduta dos arguidos preenchido, nomeadamente, todos os elementos objetivos e subjetivos dos tipos legais de crime em causa, pois, a liberdade de investigação conferida ao juiz de instrução pelo art.º 289º do Código de Processo Penal (como decorrência do princípio da verdade material que enforma este e que lhe permite levar a cabo, autonomamente, diligências de investigação e recolha de provas) não é absoluta, porque está condicionada pelo objeto de tal acusação alternativa formulada pelo assistente no seu requerimento de abertura de instrução.
Inexiste qualquer cisão na jurisprudência relativamente à consequência do incumprimento de tal ónus, porquanto é pacífico o entendimento que inobservância de tal ónus processual é cominada com nulidade nos termos previstos no nº 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal ex vi do art.º 287º, n.º 2, parte final, do mesmo diploma a qual é de conhecimento oficioso14 que se trata de uma inadmissibilidade legal que quando liminarmente conhecida motiva o despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução e quando ulteriormente conhecida motiva despacho de não pronúncia.
Por outro lado é unânime o entendimento por parte dos tribunais superiores de que não é sanável nem há lugar ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento apresentado pelo assistente15 pois que, a existir, este convite colocaria em causa o carácter perentório do prazo referido no art.º 287, n.º 1 do Código de Processo Penal e a apresentação de novo requerimento de abertura de instrução, por parte do assistente, para além daquele prazo, violaria as garantias de defesa do arguido16 .
Em face de todo o exposto não assiste razão ao recorrente neste segmento de recurso que, por isso, soçobra.
7- Se no requerimento de abertura de instrução estão narrados os factos relativos ao dolo do tipo e quando aplicável relativos ao dolo específico.
Alega o recorrente que no requerimento de abertura de instrução estão narrados os factos relativos ao dolo do tipo e quando aplicável relativos ao dolo específico e mais concretamente e, em síntese, que desde logo, no artigo 521.º do RAI vem narrado queSem prejuízo do preenchimento do elemento subjetivo por cada arguido estar mais bem densificado na parte dedicada a cada um e na narração da factualidade que lhes é imputada, certo é ainda dizer que todos os arguidos agiram livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é punida por lei.
Vem ainda dito (art.º 522.º) queOs arguidos não negam os factos – nem têm como, pois, os fatos e os documentos até falam por si – limitando-se a tripudiar o processo com documentos truncados, desviando os olhares inquisitórios para decisões judiciais perfeitamente irrelevantes para a sua responsabilidade penal, chegando a alegar de forma asinina que os fatos já foram investigados quando outrossim sabem que isso não é verdade.
Ainda quanto ao elemento subjetivo para dizer que a formulação utilizada pelo assistente constitui a alegação concreta dos factos psicológicos que integram o dolo relativo a cada um dos crimes que imputa aos arguidos, a partir da definição contida no artigo 14º do Código Penal.
Conforme decorre do teor do despacho de não pronúncia recorrido: Inconformado com o teor do arquivamento deduzido pelo Ministério Público, JJ constituiu-se na qualidade de assistente (cfr. requerimento de fls. 2049 e despacho judicial de fls. 2153) e requereu, a fls. 2049 a 2107 dos autos, a abertura da presente instrução, em relação a factos susceptíveis de, em seu entendimento, configurarem a prática:
- pela arguida AA, de um crime de abuso de confiança qualificado, p.p. pelo art.º 205.º, n.º5, de 915 crimes de falsificação de documento, p.p. pelo art.º 256.º, n.º1, al. d), de um crime de branqueamento de capitais, p.p. pelo art.º 368.º-A, n.ºs 1, 2 e 6, de três crimes de burla qualificada, p.p. pelos arts. 217.º, n.º1 e 218.º, nº 2, als. a) e d), de três crimes de corrupção passiva, p.p. pelo art.º 373.º, n.º1, de dois crimes de peculato, p.p. pelo art.º 375.º, n.º1, de um crime de participação económica em negócio na forma consumada, p.p. pelo art.º 377.º, n.º1, de dois crimes de participação económica em negócio, na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, p.p. pelo art.º 257.º, al. a) e de um crime de associação criminosa, p.p. pelo art.º 299.º, n.ºs 1, 3 e 5, todos do Cód. Penal;
- pelo arguido BB, de um crime de abuso de confiança qualificado, de 915 crimes de falsificação de documento, de três crimes de burla qualificada, de três crimes de corrupção passiva, de dois crimes de peculato, de um crime de participação em negócio na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico e de um crime de associação criminosa;
- pela arguida CC, de um crime de abuso de confiança qualificado, de 885 crimes de falsificação de documento, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa;
- pelo arguido DD, de um crime de abuso de confiança qualificado, de três crimes de burla qualificada, de sete crimes de falsificação de documento, de um crime de participação em negócio, na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio, na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa;
- pela arguida EE, de três crimes de corrupção passiva, de dois crimes de peculato, de um crime de associação criminosa e de cinco crimes de falsidade informática, p.p. pelo art.º 3.º n.º 1 da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro;
- pelo arguido FF, de um crime de corrupção passiva, de um crime de abuso de poder, de um crime de participação em negócio na forma consumada, de dois crimes de participação em negócio na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento autêntico, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa;
- pelo arguido GG, de um crime de burla qualificada e de um crime de associação criminosa;
- pelo arguido HH, de um crime de abuso de confiança qualificado, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa; e
- pelo arguido II, de um crime de abuso de confiança qualificado, de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de associação criminosa.
Antes de mais impõe-se esclarecer que se discorda que o recorrente assistente tenha qualquer legitimidade nessa qualidade relativamente aos crimes de associação criminosa e falsidade informática.
De acordo com o disposto no artigo 68º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal, podem constituir-se como assistentes, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito, os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei, especialmente, quis proteger com a incriminação.
Deste preceito decorre a consagração, para efeitos de constituição como assistente, de um conceito de ofendido entendido em sentido restrito, onde apenas cabe o titular do interesse que constitui o objeto imediato do crime, assim se distinguindo, em termos processuais, do ofendido e do lesado, o qual, nunca pode constituir-se assistente, mas tão só parte civil, para efeitos de dedução do respetivo pedido de indemnização.
Por outro lado, se a qualidade de ofendido é condição necessária para a constituição de assistente, poderá, todavia, não ser, para tanto, suficiente, visto que a lei só considera, para tal efeito o ofendido, que, como se disse, for o titular dos interesses especialmente protegidos pela incriminação.
Ficam, deste modo, arredados da amplitude do conceito de ofendido para efeitos de constituição de assistente, todos aquele cujo interesse na causa seja meramente mediato, generalista, ou indireto, isto é, em que não se configurem perante a mesma com um interesse direto de onde lhes possa advir a aquisição da qualidade de assistente, entendido como um colaborador da acusação pública e subordinado a esta, ainda que seja uma figura com direitos e deveres próprios.
Não se confundindo, assim, os conceitos de assistente e de ofendido, a lei atribui ainda a possibilidade de se constituírem assistentes a todos aqueles que se possam incluir nas diferentes alíneas do nº1 do art.º 68 do Código de Processo Penal.
Por outro lado, a jurisprudência, gradualmente, veio alargar a possibilidade de constituição de assistente a determinados ilícitos, apesar de neles se protegerem bens eminentemente públicos - desobediência, denúncia caluniosa, falso testemunho e falsificação de documentos e branqueamento - entendendo assim que, nessa aferição, não nos devemos bastar com o critério da natureza individual ou supra individual do bem jurídico tutelado pela incriminação.
Também a lei, refletindo, de algum modo, essa tendência, estabelece, na al. e) do nº1 do já referido artº68, a possibilidade de qualquer pessoa se constituir como assistente « …nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção. »
Ora, no caso vertente relativamente aos crimes de associação criminosa e falsidade informática não estamos perante incriminações em que qualquer pessoa se possa constituir assistente e o assistente não é nesse caso titular dos interesses especialmente protegidos por tais incriminações.
Assim e no que respeita aos factos atinentes a tais incriminações carecia o assistente de qualquer legitimidade para requerer a abertura de instrução, posto, que relativamente aos mesmos de acordo com a lei processual penal não se poderia constituir como assistente.
Não obstante refere o despacho recorrido que o requerimento de abertura de instrução omite em absoluto, a descrição dos factos atinentes ao elemento subjectivo de cada um dos crimes imputados.
Contrapõe o recorrente que o requerimento de abertura de instrução é suficiente no que se refere ao dolo de cada um dos crimes aludindo, desde logo, ao teor dos artigos 521º e 522º do referido requerimento que a seguir se transcrevem:
521- Sem prejuízo do preenchimento do elemento subjetivo por cada arguido estar mais bem densificado na parte dedicada a cada um e na narração da factualidade que lhes é imputada, certo é ainda dizer que todos os arguidos agiram livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é punida por lei.
522- Os arguidos não negam os factos - nem têm como, pois, os fatos e os documentos até falam por si - limitando-se a tripudiar o processo com documentos truncados, desviando os olhares inquisitórios para decisões judiciais perfeitamente irrelevantes para a sua responsabilidade penal, chegando a alegar de forma asinina que os fatos já foram investigados quando outrossim sabem que isso não é verdade.
E porque o recorrente se refere à descrição de outros factos integradores dos elementos subjetivos no requerimento de abertura de instrução nas demais questões que suscita no seu recurso esclarece-se que o mesmo indica relativamente ao crime de abuso de confiança qualificado imputado à arguida CC quanto aos elementos subjetivos 135.º, 136.º, 138.º, 140.º e 143.º. do requerimento de abertura de instrução que têm o seguinte teor:
135- A arguida CC sabia - e sabe - que o assistente (seu pai) é legítimo titular quer da herança quer da sociedade e que ao agir em concertação com os arguidos AA e BB estava a causar graves e irreparáveis prejuízos.
136- A arguida CC sabe que o total das apropriações efetuada em conjunto com os arguidos AA e BB é superior a 4.000.000,00€.
138- Pois, como demonstra a informação do Banco de Portugal e necessários extratos bancários quer da sua conta quer da conta da arguida AA é nesta que aparecem depositados aqueles valores.
140- Ao assinar tais documentos a arguida CC está consciente que tais atos constituíam o crime de apropriação e de dissimulação do produto do crime pelo que incorre no crime de branqueamento de capitais.
143- A arguida CC, agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida por lei e que com a mesma lesava o património do assistente que quis e conseguiu.
E quanto ao arguido II a quem também imputa um crime de abuso de confiança qualificado indica o recorrente que o preenchimento do elemento subjetivo consta, ainda, dos artigos 460.º, 461.º, 469.º, 470.º, 471.º e 472.º do requerimento de abertura de instrução que a seguir se transcrevem:
460- O arguido II partilha do gene fantasioso da sua mãe da mania das grandezas e do elitismo.
461- O arguido II sabe que o dinheiro que os arguidos AA e BB lhes deram para financiar os estudos era da proveniência criminosa.
469- Bem sabendo o arguido II que o dinheiro não pertencia àqueles arguidos BB e AA, mas sim à herança, e que dele se apropriavam lesando o património do assistente.
470- Com a sua conduta quis também o arguido II permitir o enriquecimento ilegítimo, por locupletamento, dos pais os arguidos AA e BB, de que beneficia imediatamente pois também frui do dinheiro apropriado.
471- Além de que o arguido II colhe, ainda que de forma mediata, também um benefício, simétrico com o empobrecimento do assistente, pois é um natural herdeiro da fortuna que os seus pais acumularem com a prática da atividade criminosa.
472- Igualmente, o arguido II, manifesta desprezo e ódio para com o assistente, agindo sempre livre e conscientemente com o intuito de facilitar, fruir e dissimular a atividade criminosa desenvolvida pelos arguidos AA e BB.
No que se refere aos crimes de falsificação de documentos imputados aos arguidos AA, BB, CC e DD o recorrente não especifica no seu recurso quais os factos integradores do elemento subjetivos narrados no seu requerimento de abertura de instrução.
O que também ocorre relativamente ao crime de branqueamento imputado aos arguidos AA, BB, CC, DD, FF, HH e II.
Relativamente aos crimes de burla imputados aos arguidos AA, BB e DD, refere o recorrente que o elemento subjetivo dos mesmos está descrito nos artigos 8.º, 72.º a 79.º, 106.º, 107º, 113º a 115º, 146º a 148º, 154º a 156º, 161º, 200º, 202º, 209º, 215º, 216º, 405º, 414º e 415º que têm o seguinte teor:
8- E é casada com o arguido BB e ambos, logo em meados do já distante ano de 2003, traçaram um plano visando se apropriarem da totalidade dos bens da herança sem que o assistente recebesse a parte a que tem direito, bem como o alcançar o seu património o que quiseram e conseguiram.
72- Os arguidos AA e BB são pessoas inteligentes com notória periculosidade ao nível económico e financeiro e bem preparadas tecnicamente quer ao nível de contabilidade quer ao nível de práticas forenses.
73- Uma observação comportamental evidencia desde logo que os arguidos AA e BB sofrem de transtorno de personalidade, pois demonstram serem pessoas manipuladores - quer no dom da palavra quer no manuseamento dos instrumentos -, egocêntricas, vaidosos, com mania das grandezas quer materiais quer pessoais.
74- A atuação dos arguidos AA e BB demonstra serem os mesmos portadores do “nó central da personalidade criminal que engloba o egocentrismo, a labilidade, a agressividade, a indiferença afetiva” (Pinatel, 1975, p. 666), sendo responsável pela passagem ao ato, dando a fórmula da temibilidade ou capacidade criminal.” (cfr. Filipa Rua in A Avaliação da Personalidade em Contexto Penal, pág. 51)
75- Os arguidos AA e BB sempre viveram e vivem obcecados pela necessidade de sucesso de riqueza e as suas fantasias de omnipotência e riqueza, ultrapassam seu juízo de viver conforme a norma.
76- Os arguidos AA e BB evidenciam no seu dia-a-dia preencherem perfil de criminoso de colarinho branco, de acordo com o Psicograma de Mergen, pois, como demonstra a factualidade carreada aos autos, são egocêntricos, narcisistas, materialistas, dinâmicos, audazes, inteligentes e demonstram ainda periculosidade significativa na medida em que ignoram todo o limite ético.
77- Por força da ausência de sentido de limite ético, os arguidos AA e BB são pessoas que na sua personalidade conjugam a hipocrisia e neurose, das quais resulta ainda carência de sentimento de culpabilidade, ou seja, têm sentimento de impunidade.
78- No quadro das relações familiares e sociais os arguidos AA e BB são pessoas que dominam o grupo e as relações, assumindo-se como competitivos, dominantes e autoritários, muito mais que os seus interlocutores.
79- Os arguidos AA e BB são astutos e cautelosos, mas com menos autodisciplina e autocontrolo e, por isso, não admitem serem contrariados nem confrontados com a verdade dos seus atos e quando o são reagem com rancor, cólera e violência imputando aos outros as culpas de tudo o que de mau acontece.
106- Ora, ao intentarem tal ação, os arguidos AA e BB assim o como o arguido DD, sabiam a falta de fundamento da mesma, porque baseada em fatos falsos e documentos falsificados pelos primeiros e assim para enganarem o juiz, como enganaram, omitiram a existência das duplas conformes criminais e cíveis, atrás referidas.
107- Ainda antes de instaurarem a execução para pagamento de tão absurda e indevida quantia de 951.796,74€, os arguidos AA e BB, agora representados pelo arguido DD requereram arresto dos bens do assistente em que a única testemunha foi o já sinalizado BB e que mereceu credibilidade…
114- Em linha com o perfil atrás traçado na simbiose hipocrisia/neurose, também facilmente se alcança que os arguidos AA e BB são exímios na representação da enganosa figura vitima-provocadora.
115- Com efeito, como resulta à saciedade, os arguidos AA e BB, agiram - e agem - motivados pela cobiça, vaidade e pela ânsia de enriquecer rapidamente - e sem causa ou à custa dos outros - em especial à custa do assistente ao que acrescentaram rancor, ódio ou desprezo pela verdadeira vítima.
146- Porém os arguidos AA e BB nunca tiveram ab initio intenção de cumprir com tal contrato-promessa, pois bem sabiam que o que estava ali em causa era a partilha/adjudicação a um herdeiro de um bem integrante na herança e que tem um regime substantivo próprio.
147- Agiram os arguidos AA e BB e desde sempre com o intuito ' de burlarem, como burlaram, o tribunal e o assistente, o que quiseram e conseguiram.
148- Na verdade, ao contrário do declarado, a intenção dos arguidos AA e BB foi a de obterem uma sentença que lhes servisse de título executivo para, por via dela, alcançarem, sem nada pagar, o quinhão hereditário do assistente, o que quiseram e conseguiram.
154-Na verdade, sabiam os arguidos AA e BB que a obrigação do pagamento de tornas apenas nasce com a licitação e consolida-se com a sentença homologatória da partilha constante do mapa (de partilha) que adjudica aos interessados os respetivos quinhões, reafirmando a obrigação de serem pagas as tornas aí consagradas (no mapa), condenando, implicitamente, o devedor a pagar tais quantias.
155-Bem como sabiam os arguidos AA e BB que se o assistente não procedesse ao pagamento depois de ter sido reclamado, ainda assim a execução estava, como está, limitada à venda dos bens que eventualmente tivessem sido adjudicados ao assistente e até onde seja - i. e., limite - necessário para o pagamento do crédito em dívida.
156- Os arguidos AA e BB, aproveitaram-se da pouca experiência da ali mandatária do assistente, ainda muito jovem, para redigir a transação de acordo com os desígnios criminosos previamente delineados.
161- Os arguidos AA e em especial o arguido BB agindo com particular astúcia, sabia bem que a execução era ilegítima, na medida em que a sentença era inexequível dado que se tratando da homologação de um contrato-promessa previamente havia que instaurar a ação de modo a definir o eventual inadimplemento e inerente direito.
200- A arguida EE, como profissional do foro especialmente qualificado, também sabia - e sabe - que na execução de bens por dívidas emergentes da partilha de bens é seu dever penhorar os bens que em primeiro lugar respondam pela dívida.
201- E mais sabia - e sabe - que nesse caso, a haver título, que - insista-se - não havia, sempre os bens a serem penhorados só podiam ser os prédios que foram objeto da transação e nada mais,
209- A arguida EE, num documento dotado de fé pública, fez constar um fato que sabia ser falso, pois refere “avaliação efetuada”, quando certo é que não foi efetuada nenhuma avaliação quer aos bens imóveis quer aos bens móveis e ainda aos rendimentos gerados pela herança em dinheiro vivo que já naquela data eram superiores a 2.000.000,00€, conforme melhor descriminado no intróito deste libelo.
215- Os arguidos AA e BB, nunca tiveram intenção de cumprir com o acordo de realização das avaliações, tanto assim que não só as não realizaram como nunca mais procuraram o assistente ou seu mandatário com tal finalidade.
216-Quiseram apenas os arguidos AA e BB ganhar tempo para que o tribunal onde decorria a execução 175/12 indeferisse a suspensão da mesma e designasse dia para a abertura de propostas, conforme requerimento que o seu mandatário o arguido GG, ali já havia apresentado a 19.11.2015.
405- O arguido DD no exercício da sua profissão de advogado é conhecido por ser inteligente e acutilante o que, de resto, é evidenciado nos autos.
414- Quando instaurou a ação 14650/14 o arguido DD tinha perfeito conhecimento da dupla conforme proferida no processo 7146/05 que absolveu o assistente do crime que lhe foi imputado, bem como do despacho de arquivamento, pelas mesmas razões proferida no processo 636/08.1TDLSB (0202) do DIAP de Lisboa.
415- Não obstante esse conhecimento o arguido DD participou activa e empenhadamente na concretização das condutas dos demais arguidos.
No que se reporta aos crimes de corrupção imputados aos arguidos EE e FF refere o recorrente que os elementos subjetivos respetivos estão narrados relativamente à primeira nos 163.º, 164.º, 165.º, 166.º, 193.º, 198.º, 200.º, 201.º, 209.º, 223º, 240.º, 249.º, 257.º, 258.º, 268.º, 277.º, 280.º, 290.º, 291.º, 292.º, 293.º, 294.º, 295.º, 296.º, 297.º, 298.º, 299.º, 300.º, 301.º, 317.º, 318.º e 319.º e quanto ao segundo artigos 333.º, 350.º, 352.º, 353.º, 354.º e 355.º, 356.º, 363.º, 364.º, 365.º, 372.º, 373.º, 374.º, 387.º, 388.º, 389.º, 390.º, 391. 392º e 395.º que têm o seguinte teor:
163- “O agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutórios.” - Art.º 162.º/1 do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.
164- E “O agente de execução, ainda que nomeado por uma das partes processuais, não é mandatário desta nem a representa.” - Art.º 162.º/2 do EOSAE
165- “O agente de execução estabelecido em território nacional só pode iniciar Junções após (...) “A prestação de juramento solene perante o presidente do tribunal da Relação e o representante do conselho profissional de agentes de execução, em que assuma o compromisso de cumprir as funções de agente de execução nos termos da lei e do presente Estatuto” - Art.º 108.º/ 1 al. b) do EOSAE.
166- O agente de execução, desempenha, pois, uma função pública administrativa, sendo, nessa medida, considerado funcionário para efeitos penais, nos termos do artigo 386.º al. d) do Código Penal.
193- A arguida EE tinha perfeito conhecimento de qual tal pagamento era indevido porque, quanto mais não fosse, não havia sido arrecadada, nem estava disponível no processo, semelhante verba de 49.733,45€.
198- A arguida EE, no exercício das suas funções de agente de execução, sabia - e sabe - que tem o dever de aferir oficiosamente, e a todo o tempo, a suficiência do título, recusando-o, nos termos do artigo 855.º/2 al. a) do CPC ou, em caso de dúvida, submetendo a questão ao tribunal, cfr. al. b) do mesmo inciso.
200- A arguida EE, como profissional do foro especialmente qualificado, também sabia - e sabe - que na execução de bens por dívidas emergentes da partilha de bens é seu dever penhorar os bens que em primeiro lugar respondam pela dívida.
201- E mais sabia - e sabe - que nesse caso, a haver título, que - insista-se - não havia, sempre os bens a serem penhorados só podiam ser os prédios que foram objeto da transação e nada mais.
209- A arguida EE, num documento dotado de fé pública, fez constar um fato que sabia ser falso, pois refere “avaliação efetuada”, quando certo é que não foi efetuada nenhuma avaliação quer aos bens imóveis quer aos bens móveis e ainda aos rendimentos gerados pela herança em dinheiro vivo que já naquela data eram superiores a 2.000.000,00€, conforme melhor descriminado no intróito deste libelo.
223- A arguida EE, estava consciente de que tais pagamentos não eram devidos e que as verbas só lhe estavam acessíveis em virtude do exercício das funções de agente de execução.
240- A arguida EE, ciente da falsidade praticada e dos resultados obtidos, não procurou justificar/esclarecer nos autos por correio eletrónico ou pessoalmente a razão de surgimento da mensagem de erro.
249- Posto, e disto não se duvida que, se em tempo, fosse dado conhecimento ao juiz da existência de tais bens este não deixaria de determinar a penhora dos mesmos de modo a cumprir com o dever oficioso de respeitar e fazer respeitar o princípio da proporcionalidade que até tem resguardo constitucional.
257- Esta relação triangular entre os primeiros arguidos, a arguida EE e o arguido FF, demonstram claramente todo um iter coberto por uma resolução criminosa meticulosamente preparada e executada, quer quanto ao tempo dos atos praticados, pois,
258- A arguida EE retardou propositadamente a execução 175/12 de modo a que os arguidos AA e BB ganhassem o outro título, obtido de forma revel (14650/14), como acima referido, e, assim, pudessem penhorar a “sobra” daqueloutra execução.
268- Ainda: a arguida EE sabia e sabe - não tem como negar toda esta realidade - que a razão de ser da execução do referido processo 175/12 foi a alegada “compra” à herança pelo aqui assistente e ali executado de dois prédios em Vieira do Minho, pelo que ainda sempre podia penhorar um de tais prédios...
277- Movida pelo desiderato de evitar uma justa e correta avaliação a arguida EE decidiu fazer tábua rasa do requerimento do ali executado aqui assistente para que a avaliação fosse efetuada por um órgão colegial.
280- Na verdade, arguida EE como dolo intenso, ao notificar o executado da penhora do prédio no dia 28.01.2015, ou seja, 4 meses após a mesma, e ao contrário do que adrede fez constar ao tribunal, não juntou o respetivo auto de penhora, nem na notificação fez qualquer alusão ao bem penhorado, como melhor se alcança dos documentos extraídos da plataforma.
290-Não concretizou, porém, em que é que consistem essas obras ilegais e como é que assim concluiu, ou seja, que obras são e porque é que são ilegais, tanto mais que não as descreve nem nunca esteve no prédio para as poder descrever, sendo certo que não sendo versada na matéria, i. e., não é arquiteta nem engenheira, não podia, pois, produzir tal informação que se revela condicionadora da atividade dos alegados peritos.
291- E certo é que anteriormente a tal “declaração”, num documento que ex vi legis é dotado de fé pública, a arguida EE e como atrás referido, não visitou o prédio nem esteve no interior de nenhumas daquelas frações (r/c e 1.º andar), sendo sintomático que o relatório da “avaliação” nada refira quanto a essas supostas obras ilegais.
292- E o dolo da arguida EE sobressai quando se constata que da descrição do prédio não consta o 5.º andar, que com o 4.º andar forma o já mencionado duplex.
293- Ao omitir a existência de tal duplex a arguida EE em obediência às instruções que lhe foram dadas pelos arguidos AA e BB, pretendeu, por um lado, afastar potenciais interessados, e, por outro lado, manter o valor do prédio muito abaixo do seu real valor de modo a que a quantia a branquear não fosse muito elevada e assim evitar despertar alarmes.
294- A arguida EE foi ajustando a condução dos timings do processo executivo aos desígnios criminosos dos arguidos AA e BB, pois tendo a execução se iniciado no dia 05.05.2014, o processo só se “concluiu” em agosto de 2017, sem que qualquer incidência processual assim o justificasse.
295- Mais evidente resulta essa adequação da marcha do processo aos desígnios criminosos dos arguidos AA e BB, quando se vê que a ilegal penhora de metade do prédio foi efetuada no dia 27.09.2014 e a sua venda só se concretizou em Junho de 2017, quando nenhuma incidência processual ou de que natureza for obstaculizou a sua concretização em momento precoce.
296-Com a falsa informação de 15.11.2015 ao tribunal “Diligência de penhora em curso”, a arguida EE visou preencher desideratos ilícitos: (i) atrasar a execução, por razões que já vamos concretizar; (ii) evitar a caducidade da penhora, nos termos do artigo 763.º, n.º 1 do CPC; e (iii) ocultar as ilicitudes que vinha praticando e que necessariamente teria de praticar no processo para satisfazer a resolução dos arguidos AA e BB à qual livre e conscientemente aderiu.
297- Igual comportamento repetiu a arguida EE no dia 23.01.2016, fazendo constar em informação dirigida ao tribunal:Diligência de venda em curso.” e “Estão em curso as diligências para a venda de bens penhorados.”
298- A arguida EE tinha consciência das falsas informações que prestava ao tribunal, bastando, para assim concluir, consultar a plataforma informática e ver que nenhuma diligência estava ou foi efetuada nos hiatos de tempo em causa.
299- Concretizando a necessidade dos arguidos AA e BB atrasarem o curso da execução, reitera-se que a mesma radicou, desde logo, no desígnio de ocultarem, ou seja, branquearem a proveniência ilícita do dinheiro.
300- É o que se pode alcançar v. g., da circunstância de no dia 16.12.2016, a arguida EE ter notificado o mandatário do assistente da decisão sobre a modalidade de venda e só no dia 19/05/2017, ou seja seis meses depois, ter notificado de forma “acelerada” o mesmo mandatário de que a venda estava a decorrer na plataforma, com data limite para 14.06.2017 às 10H00.
301- Isto porque, por um lado, se tornou necessário que a sentença revel no processo 14650/14 transitasse e, reclamada, pudesse ser paga na execução sub judice, sendo certo que foi alegadamente proferida em 30.06.2017 sentença de verificação de tal crédito, mas que o assistente não foi ainda hoje notificado.
317- Ao invés, e perante este novo quadro e momento processual, os arguidos imprimiram um novo vigor à execução, tendo a arguida AA, licitado pelo valor mínimo, acrescido da quantia de 5,00€, pelo que lhe foi adjudicado.
318-A arguida AA, efetuou o «depósito» com dinheiro proveniente das apropriações que foi e vem efetuando quer na sociedade AA & Filhos, Lda., quer na herança e que ocultou com falsificação de documentos, circulação em contas bancárias de terceiros e no estrangeiro.
319- E sempre com o desígnio de ocultar a origem ilícita do dinheiro e, assim, evitar o seu confisco pelas entidades estaduais quer para a sua tributação quer para ressarcimento à vítima (o assistente), os arguidos AA e BB convenceram a ré EE a devolver-lhes o dinheiro poucos dias depois, com base na sentença de verificação de créditos que o assistente não foi notificado, i. e., não transitou, pelo que tais devoluções são outrossim ilícitas.
333- A arguida EE ciente de que a sua conduta era criminosa e que estava descoberta, recusou-se a proceder à entrega do local aos arguidos AA e BB sem que o tribunal se pronunciasse sobre os requerimentos e/ou reclamações.
350- Por outro lado, sabiam outrossim os referidos arguidos que a delegação de poderes da EE para o FF carece de fundamento legal, tratando-se, aliás, de mais um expediente para encobrir o rasto probatório da conduta criminosa daquela no processo.
351- Justamente por isso não notificaram o ali executado aqui assistente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 177.º n.º 4 als. a) e b) do Estatuto dos Agentes de Execução, o que significa que até que fosse cumprido este normativo e decidida jurisdicionalmente a reclamação qualquer dos agentes de execução carece de competências.
352-Também sabiam tais arguidos, agentes de execução, que contra os mesmos estava, está, pendente um incidente de suspeição, nos termos do artigo 166.º/1 do seu estatuto, pelo que até à respetiva decisão não podiam praticar atos, com referência aos artigos 119.º/2 e 125.º n.º 1 do Cód. Proc. Civil.
353- Aliás, foi por estarem cientes de que agiam contra o Direito que no dia 11.5.2018 os referidos agentes de execução não efetuaram qualquer diligência e informaram que iam aguardar pelas decisões dos tribunais.
354- Os arguidos FF e EE, atuaram livre e conscientemente, com o intuito alcançado de, por um lado, branquearem o f dinheiro aplicado pela arguida AA, e, por outro lado, obstarem à realização da justiça, nomeadamente do exercício de direitos do assistente no respetivo processo de execução, e da perseguição criminal aos seus mandantes os arguidos BB e AA.
355- Bem sabendo que a sua conduta é proibida por lei, já que sendo funcionários, nos termos e para os efeitos do artigo 386.º al. d) do Código Penal, tinham a I consciência que violavam os deveres funcionais, enquanto agentes de execução, de probidade administrativa, de imparcialidade, da legalidade, da autonomia intencional do Estado.
356- Os arguidos FF e EE, tinham plena consciência de que tendo havido delegação de competências o despacho que havia conferido autorização à EE caducou, na medida em que só após decidida a reclamação contra a citada delegação de competências é que podia executar o referido despacho.
362- Foi o arguido FF quem mediou o negócio de compra pelos arguidos do iate Agostinhos.
363- O arguido FF conhecia a falsidade ideológica do título dado à execução no processo 14650/ 14.
364- Assim como sabia - e sabe - que à execução se opunha a decisão judicial do processo 7146/05 anteriormente transitada em julgado.
365- Não obstante isso, praticou graves ilegalidades no processo com o claro intuído criminoso de favorecer os arguidos AA e BB com grave prejuízo do assistente.
372- Porém, com o intuito de favorecer, como favoreceu, os arguidos AA e BB não determinou a realização de uma avaliação antes ou concomitantemente com a penhora e decisão de venda.
373- Isto de modo a permitir que os arguidos AA e BB, pudessem alegar, como alegaram, insuficiência de bens e assim penhorar os restantes bens que alegadamente eram do demandante.
374- Aliás, o arguido FF sabia que a avaliação determinada pela arguida EE estava viciada já com tal finalidade de permitir o enriquecimento dos arguidos AA e BB.
387- Mas, ao invés, o arguido FF, atuando de acordo com as instruções dos arguidos BB, AA e DD, preferiu citar a morta com a certeza de que ela não prestava declarações contrárias aos desígnios criminosos dos arguidos.
388- E o objetivo desse estratagema foi o de converter a penhora em definitivo, nos termos do artigo 119.º do Código do Registo Predial e assim evitar qualquer oposição à penhora por parte do assistente.
389- O arguido FF agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e que com a mesma beneficiava os arguidos AA e BB com o correlativo prejuízo do assistente.
390- Foi o arguido DD quem formalmente transmitiu as instruções ao arguido FF, ciente das graves ilicitudes que cometiam a benefício principal dos arguidos BB e AA.
391- O arguido FF sabia que os arguidos AA e BB não tinham rendimentos legítimos que permitissem o nível de vida por estes ostentado e muito menos para as compras judiciais que efetuaram.
392- O arguido FF é astuto o suficiente para se aperceber, como se apercebeu, que o circuito das simuladas compras, aliados aos vícios de que padecem os títulos dados à execução é um modo de dissimulação dos produtos da atividade criminosa de atentados contra o património e defraudação do erário público.
395- O arguido FF notificado pelo tribunal onde decorre o processo 14650/ 14 para informar que diligências efetuou para evitar o branqueamento de capitais nada disse e o assunto esfumou-se no esvoaçar do tempo, pois até à presente data não foi retirada nenhuma consequência dessa omissão.
No que se refere ao crime de peculato imputado à arguida EE menciona o recorrente que o elemento subjetivo decorre dos artigos 190.º, 191.º, 192.º, 193.º, 194.º, 195.º e 196.º e 197.º. do seu requerimento de abertura de instrução que têm o seguinte teor:
191- Assim, no dia 14.11.2014 a arguida EE declara no processo ir proceder ao pagamento da referida quantia de 49.733,45 €, como “Entrega de resultados ao Exequente/Requerente”, mais declarando que “EE, Agente de Execução no processo supra identificado, declara que vai proceder-se à transferência/pagamento do valor supra indicado, mais declarando que se encontram reunidos os pressupostos processuais e legais para que este pagamento seja realizado.”
192- Com data de 17.11.2014, a arguida EE envia comunicação ao mandatário acidental da arguida AA, Dr. OO, dando conta de que “Serve o presente para informar V. Exa. que em 17/11/2014 foi efetuada a transferência de 49.733,45 Euros para o NIB da exequente, à penhora crédito do quinhão hereditário.”.
193- A arguida EE tinha perfeito conhecimento de qual tal pagamento era indevido porque, quanto mais não fosse, não havia sido arrecadada, nem estava disponível no processo, semelhante verba de 49.733,45€.
194- A arguida EE, sabia que tal quantia que tinha na conta clientes só lhe estava acessível em virtude do exercício das funções de agente de execução.
195- Os arguidos AA e BB entregaram posteriormente à arguida EE e por várias vezes aquela quantia de 49 733,45€ que para o efeito se deslocava ao escritório do arguido BB.
196- Posteriormente, para reposição de tal verba na conta clientes, a arguida EE providenciou aos arguidos AA e BB, referência de pagamentos multibanco tendo estes procedido ao pagamento a partir da conta da sociedade AA & Filhos, Lda., e/ou da arguida AA.
197- Deste modo os arguidos AA, BB e EE fecharam o circuito de dissimulação do dinheiro usado para corromper a arguida EE.
No que respeita ao crime de participação em negócio refere o assistente recorrente que o elemento subjetivo está descrito nos artigos 365.º e 376.º do seu requerimento que a seguir se transcrevem:
365- Não obstante isso, praticou graves ilegalidades no processo com o claro intuído criminoso de favorecer os arguidos AA e BB com grave prejuízo do assistente.
376- O arguido FF sabe, obrigatoriamente, que o valor da sociedade nem que fosse por trespasse é, no mínimo, de 2 500 000,00€ e que, portanto, 5% desse valor é 125 000,00€ assim enriquecendo os arguidos AA e BB simetricamente com o prejuízo do assistente.
Relativamente aos crimes de falsificação de documento imputados ao arguido FF indica o recorrente que a descrição do elemento subjetivo consta dos artigos 388.º e 389 do seu requerimento de abertura de instrução que a seguir se transcrevem:
388- E o objetivo desse estratagema foi o de converter a penhora em definitivo, nos termos do artigo 119.º do Código do Registo Predial e assim evitar qualquer oposição à penhora por parte do assistente.
389- O arguido FF agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e que com a mesma beneficiava os arguidos AA e BB com o correlativo prejuízo do assistente.
No que respeita ao crime de associação criminosa imputado aos arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II esclarece o recorrente que os factos integradores do elemento subjetivo constam dos artigos 194.º, 198.º, 200.º, 201.º, 203.º, 272.º, 298.º, 371.º, 374.º, 376.º, 386.º, 391.º, 392.º, 393.º, 405.º, 406.º, 422.º, 425.º, 426.º, 428.º, 430.º, 431.º, 433.º, 438.º, 441.º, 442.º, 443.º, 444.º, 445.º, 448.º, 449.º, 452.º, 458.º, 460.º, 461.º, 463.º, 469.º, 470.º, 472.º, 521.º do seu requerimento de abertura de instrução que têm o seguinte teor:
194- A arguida EE, sabia que tal quantia que tinha na conta clientes só lhe estava acessível em virtude do exercício das funções de agente de execução.
198- A arguida EE, no exercício das suas funções de agente de execução, sabia - e sabe - que tem o dever de aferir oficiosamente, e a todo o tempo, a suficiência do título, recusando-o, nos termos do artigo 855.º/2 al. a) do CPC ou, em caso de dúvida, submetendo a questão ao tribunal, cfr. al. b) do mesmo inciso.
200- A arguida EE, como profissional do foro especialmente qualificado, também sabia - e sabe - que na execução de bens por dívidas emergentes da partilha de bens é seu dever penhorar os bens que em primeiro lugar respondam pela dívida.
201- E mais sabia - e sabe - que nesse caso, a haver título, que - insista-se - não havia, sempre os bens a serem penhorados só podiam ser os prédios que foram objeto da transação e nada mais.
203- Daí que, justamente, a arguida EE não tratasse de corrigir oficiosamente a penhora ilegalmente efetuada, substituindo a penhora do quinhão hereditário pelos prédios supostamente “adjudicados” ou “comprados”.
272- A arguida EE, sabia obrigatoriamente que o valor de mercado deste imóvel é superior, seguramente, a 4.000.000,00€, pois sabe que o preço mínimo por m2 em Campo de Ourique (umas das melhores zonas da cidade de Lisboa) é, no mínimo, de 3.500,00€, por muito má que seja a construção.
298- A arguida EE tinha consciência das falsas informações que prestava ao tribunal, bastando, para assim concluir, consultar a plataforma informática e ver que nenhuma diligência estava ou foi efetuada nos hiatos de tempo em causa.
371- O arguido FF, assim como os arguidos AA e BB, sabia que o prédio de Campo de Ourique tinha, já naquela data, um valor de mercado superior a 4.500.000,00€.
374- Aliás, o arguido FF sabia que a avaliação determinada pela arguida EE estava viciada já com tal finalidade de permitir o enriquecimento dos arguidos AA e BB.
376- O arguido FF sabe, obrigatoriamente, que o valor da sociedade nem que fosse por trespasse é, no mínimo, de 2.500.000,00€ e que, portanto, 5% desse valor é 125.000,00€ assim enriquecendo os arguidos AA e BB simetricamente com o prejuízo do assistente.
386- O arguido FF estava ciente dessa falsidade, pois sabia que a citanda havia falecido no dia 19/12/2003 e que a citação, a se fazer, teria de ser na pessoa dos respetivos herdeiros em conformidade com a informação que constava do registo predial.
391- O arguido FF sabia que os arguidos AA e BB não tinham rendimentos legítimos que permitissem o nível de vida por estes ostentado e muito menos para as compras judiciais que efetuaram.
392- O arguido FF é astuto o suficiente para se aperceber, como se apercebeu, que o circuito das simuladas compras, aliados aos vícios de que padecem os títulos dados à execução é um modo de dissimulação dos produtos da atividade criminosa de atentados contra o património e defraudação do erário público.
393- O arguido FF recebeu contrapartidas para a sua atuação que não se limitaram aos honorários.
405- O arguido DD no exercício da sua profissão de advogado é conhecido por ser inteligente e acutilante o que, de resto, é evidenciado nos autos.
406-Com o desenrolar do tempo o arguido DD apercebeu-se que os arguidos AA e BB não só se apropriavam do dinheiro da herança e da sociedade como falsificavam os documentos necessários à dissimulação da atividade criminosa.
422- O arguido DD é visita frequente dos arguidos AA e BB na casa da Arrábida assim como participa nos passeios no iate AGOSTINHOS, pelo que não desconhecia a proveniência criminosa do dinheiro por estes usados.
426-Bem como sabia que acaso tivesse havido a adjudicação de qualquer bem integrado na herança ao assistente (para a qual o tribunal nem sequer era competente) sempre o bem a penhorar na execução seria o bem que viesse a ser efetivamente adjudicado que, aliás, não só nunca foram adjudicados como não foram penhorados.
428- O arguido GG participou no mercadejar do cargo pela arguida EE, pois verificando que a mesma sem que houvesse dinheiro no processo retirou da conta de agente de execução a quantia de 49.733,45€ nada disse.
430- O arguido GG sabia bem que a penhora do quinhão hereditário não respeitava os limites da proporcionalidade.
431- O arguido GG sabia bem que o quinhão hereditário não havia sido devidamente avaliado, chegando mesmo a adiantar um valor ridiculamente baixo para, desse modo induzir, como induziu, em erro o tribunal.
441- Uma análise comportamental, ainda que superficial, demonstra que o arguido HH partilha do mesmo perfil dos pais.
442- O arguido HH não só tem perfeito conhecimento das atividades ilícitas dos pais, como participa na respetiva consumação.
443- Desde logo, sabe que os pais AA e BB não tinham rendimentos legítimos para o nível de vida que ostentaram, e ostentam, no qual, aliás, comungou, e que o mesmo só foi realizado com o produto da atividade criminosa.
444- Sabe o arguido HH que o dinheiro que os seus pais, os arguidos AA e BB, lhe deram para financiar os seus estudos provinha das apropriações que efetuaram e não se coibiu de o utilizar.
445- Também sabia o arguido HH que o dinheiro que os arguidos AA e BB amiúde lhe davam era proveniente da prática do crime de abuso de confiança agravado.
448- Porém o arguido HH tinha perfeita consciência de que o que alegava, além de falso, visava um fim ilícito com claros contornos criminais.
449- Aliás, o arguido HH sabia que a arguida EE havia sido corrompida, assim como o arguido FF e que estes executavam fielmente as instruções que lhe eram dadas.
452- O arguido HH participa na resolução criminosa, pois não só beneficiou com a mesma, na medida em que sem o dinheiro proveniente dos crimes os arguidos AA e BB não dispunham de meios legítimos para lhe financiar o doutoramento e os estudos no estrangeiro.
458- O arguido HH, manifesta desprezo e ódio para com o assistente, agindo sempre livre e conscientemente com o intuito de facilitar, fruir e dissimular a atividade criminosa desenvolvida pelos arguidos AA e BB.
460- O arguido II partilha do gene fantasioso da sua mãe da mania das grandezas e do elitismo.
461- O arguido II sabe que o dinheiro que os arguidos AA e BB lhes deram para financiar os estudos era da proveniência criminosa.
463- O arguido II sabe que o seu pai “afetivo”, o arguido BB, não tem qualquer fortuna nem teve rendimentos legítimos que lhe permitissem financiar os estudos e as viagens que efetuou.
469- Bem sabendo o arguido II que o dinheiro não pertencia àqueles arguidos BB e AA, mas sim à herança, e que dele se apropriavam lesando o património do assistente.
472- Igualmente, o arguido II, manifesta desprezo e ódio para com o assistente, agindo sempre livre e conscientemente com o intuito de facilitar, fruir e dissimular a atividade criminosa desenvolvida pelos arguidos AA e BB.
521- Sem prejuízo do preenchimento do elemento subjetivo por cada arguido estar mais bem densificado na parte dedicada a cada um e na narração da factualidade que lhes é imputada, certo é ainda dizer que todos os arguidos agiram livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é punida por lei.
No que respeita ao crime de falsidade informática imputado à arguida EE refere o recorrente que o elemento subjetivo está descrito no artigo 240º do seu requerimento de abertura de instrução que consigna:
240- A arguida EE, ciente da falsidade praticada e dos resultados obtidos, não procurou justificar/esclarecer nos autos por correio eletrónico ou pessoalmente a razão de surgimento da mensagem de erro.
E por último e no que respeita aos crimes de abuso de poder imputados ao arguido FF indica o recorrente que o elemento subjetivo está narrado nos artigos 350.º, 351.º, 352.º, 354.º, 355.º, 356.º, 357.º, 358.º, 359.º, 361.º e 362.º que têm o seguinte teor:
350- Por outro lado, sabiam outrossim os referidos arguidos que a delegação de poderes da EE para o FF carece de fundamento legal, tratando-se, aliás, de mais um expediente para encobrir o rasto probatório da conduta criminosa daquela no processo.
351- Justamente por isso não notificaram o ali executado aqui assistente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 177.º 4 als. a) e b) do Estatuto dos Agentes de Execução, o que significa que até que fosse cumprido este normativo e decidida jurisdicionalmente a reclamação qualquer dos agentes de execução carece de competências.
352- Também sabiam tais arguidos, agentes de execução, que contra os mesmos estava, está, pendente um incidente de suspeição, nos termos do artigo 166.º/1 do seu estatuto, pelo que até à respetiva decisão não podiam praticar atos, com referência aos artigos 119.º/2 e 125.º n.º 1 do Cód. Proc. Civil.
354- Os arguidos FF e EE, atuaram livre e conscientemente, com o intuito alcançado de, por um lado, branquearem o dinheiro aplicado pela arguida AA, e, por outro lado, obstarem à realização da justiça, nomeadamente do exercício de direitos do assistente no respetivo processo de execução, e da perseguição criminal aos seus mandantes os arguidos BB e AA.
355- Bem sabendo que a sua conduta é proibida por lei, já que sendo funcionários, nos termos e para os efeitos do artigo 386.º al. d) do Código Penal, tinham a consciência que violavam os deveres funcionais, enquanto agentes de execução, de probidade administrativa, de imparcialidade, da legalidade, da autonomia intencional do Estado.
356- Os arguidos FF e EE, tinham plena consciência de que tendo havido delegação de competências o despacho que havia conferido autorização à EE caducou, na medida em que só após decidida a reclamação contra a citada delegação de competências é que podia executar o referido despacho.
357- Ou seja, à data em que se apresentaram para realizar a diligência careciam qualquer dos arguidos de habilitação legal para o fazerem, a arguida EE que havia delegado, sem reserva, as competências que possuía ab initio e o arguido FF porque não só não tinha sido cumprido o disposto no artigo 177.º n.º 4 alíneas a) e d) da Lei 154/2015 de 14 de Setembro.
358- Não estando habilitados legalmente, praticaram os arguidos os ilícitos penais que lhes são imputados na denúncia, até porqueDeve, de resto, precisar-se que o abuso de poder tanto pode concretizar-se pela violação dos pressupostos materiais, como pela ultrapassagem dos requisitos formais essenciais.” - Professor Manuel da Costa Andrade, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, pág. 741.
359- Neste caso está outrossim preenchido o dolo sendo, até, suficiente que “O agente tem concretamente de representar que atua com abusa dos seus poderes, por incumprimento dos pressupostos materiais ou formais (essenciais) do “direito no exercício das suas funções”. Autor in ob. loc. cit. pág. 744.
361-O arguido FF conheceu o arguido BB em virtude das funções que exerce de agente de execução.
362-Foi o arguido FF quem mediou o negócio de compra pelos arguidos do iate Agostinhos.
A decisão recorrida faz uma enunciação dos elementos típicos dos crimes imputados que dispensa nesta sede outras considerações e a mera leitura dos factos supra narrados permite concluir pelo acerto da referida decisão.
Os crimes em causa são dolosos e como se propugna no, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra17 :“Num crime doloso, da acusação há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa – o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo – o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade – o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo). O dolo como elemento subjectivo – enquanto vontade de realizar um tipo legal conhecendo o agente todas as suas circunstâncias fácticas objectivas – constitutivo do tipo legal, será, então em definitivo, um dos elementos que o artigo 283.º/3 C P Penal, impõe que seja incluído na acusação.
Com efeito, embora o elemento subjetivo seja apreciado de forma indireta, através de atos de natureza externa, é sempre necessário comprovar a existência dos diversos elementos constitutivos e relacioná-los com as pertinentes circunstâncias típicas de cada ilícito.
Os factos psicológicos são traduzidos por atos materiais que os revelam, devendo, por isso, a acusação fazer referência aos factos objetivos e instrumentais e também aos factos subjetivos, uma vez que cabe à acusação provar uns e outros e o arguido deve poder defender-se deles, tal como foram configurados na acusação.
Não se pode, pois, ter como implícita ou subentendida a descrição do elemento subjetivo no requerimento de abertura de instrução.
Como se exara no Acórdão da Relação de Guimarães de 2.11.2015: “O requerimento de abertura de instrução deve configurar, equivaler in totum a um despacho acusatório, com a descrição, narração factual bem apontada e delimitada e, bem assim, deve conter o elemento subjectivo da infracção, não sendo admissível em qualquer um dos elementos constitutivos a ideia de subentendimento”.
Ademais e conforme resulta do artigo 283º nº 3, al. b) do Código de Processo Penal na formulação da "acusação" não há lugar à existência de "factos implícitos", mas apenas à "narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena...".
Estas considerações são válidas para o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente recorrente mercê do ónus processual imposto pelo artigo 287º nº 2 e 283º nº 3 als. b) e d) ambos do Código de Processo Penal.
Os factos narrados no requerimento de abertura de instrução não são idóneos a integrar o dolo exigido pelos diversos tipos criminais em causa.
O assistente utiliza os mesmos factos para integrar o dolo de diferentes crimes, escuda-se numa fórmula genérica como a do artigo 521º do seu requerimento de abertura e, ao invés de narrar os factos integradores do dolo de cada tipo de crime utiliza fórmulas conclusivas como branquear, apropriar, fruir…
Ademais imputa uma multiplicidade de crimes e não descreve o elemento subjetivo de cada um deles por referência a cada arguido.
A coautoria pressupõe um acordo, uma decisão para a realização da ação típica e uma realização do facto de que o agente toma parte direta na sua execução e da narração factual dos assistentes não se deteta relativamente a cada um dos denunciados o que concretamente foi feito, qual foi a parte direta que tiveram na execução dos factos, nem a sua consciência, previsão, vontade/ intenção por reporte a tal execução.
O assistente narra é a sua interpretação do ocorrido nos negócios, acordos, processos que correram os seus termos em tribunal em que teve, também, intervenção mas tal interpretação não se confunde nem substituiu uma narração de todos os elementos integradores dos tipos de ilícito em causa sejam os objetivos sejam os subjetivos que claramente não estão descritos.
O dolo dos arguidos que tinha de ser descrito relativamente a cada uma das condutas e a cada um dos arguidos não se narra através de citações de jurisprudência ou de doutrina nem através de adjetivações.
E compulsado o requerimento de abertura de instrução o assistente não faz como lhe é legalmente imposto a subsunção factual nos termos idênticos a uma acusação: com a devida discriminação dos factos, cronologicamente ordenados, relativamente aos arguidos e aos elementos objetivos e subjetivos do tipo criminal em causa e, em suma, a exposição factual de todos os indícios que, provados, possibilitem a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança a cada um dos arguidos.
Soçobra, pois, este segmento de recurso do arguido.
Ademais e, em face da verificação da omissão de descrição do elemento subjetivo dos crimes imputados aos arguidos impõe-se considerar prejudicado o conhecimento no remanescente das questões 8 a 18, quer porque já se tomou posição relativamente à ausência de descrição do elemento subjetivo dos crimes imputados e, assim, já se apreciou da invocada suficiência do mesmo concluindo-se em sentido contrário ao do recorrente quer porque, em face da ausência de descrição do elemento subjetivo de cada um dos crimes imputados e não sendo tal omissão suprível, é manifesta a improcedência deste recurso pelo que torna-se inútil proceder à análise da suficiência da descrição dos elementos objetivos dos crimes imputados.
Assim, considera-se em face do exposto prejudicado na parte restante o conhecimento das questões 8 a 18 enunciadas no objeto deste recurso, ou seja, na parte referente à suficiência dos elementos objetivos dos crimes imputados aos arguidos.
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III- DECISÓRIO:
Nestes termos e, em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores desta 3ª Secção em:
Rejeitar por irrecorribilidade o recurso do assistente relativamente aos despachos proferidos, respetivamente, no dia 8 de julho de 2022 (fls. 10422) e em 12 de janeiro de 2024 (no início do debate instrutório).
Em não conceder, no demais, provimento ao recurso interposto pelo assistente JJ e, em consequência, confirmar na íntegra o despacho de não pronúncia recorrido.
Custas a cargo do assistente fixando-se a taxa de justiça em 4 UC nos termos do artigo 515º nº1 al. b) do Código de Processo Penal.
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Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários e sendo as suas assinaturas bem como a data certificadas supra.
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Tribunal da Relação de Lisboa, 20 de Novembro de 2024
Ana Rita Loja
Ana Guerreiro da Silva
Rui Miguel Teixeira
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1. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995.
2. Arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (proc. 91/14.7YFLSB.S1) e de 30/06/2016 (proc. 370/13.0PEVFX.L1. S1) ambos acedidos em www.dgsi.pt.
3. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335.
4. Curso de Processo Penal, ed. 1999, pág. 80.
5. Acórdão do Tribunal Constitucional 395/04 de 2.6.2004, DR 11 série de 9.10. 04, p. 14975
E ainda no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 5/2/2014, Processo 810/12.6JACBR-A.C2, relatado pelo Exmo. Desembargador Fernando Chaves, in www.dgsi.pt.
6. Onde se exara nomeadamente que «Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.».
7. – vide Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 17/06/2014 e de 6/01/2015 proferidos respetivamente nos processos 456/11.8GEALR.E1 e 119/10.0JASTB.E1. Também Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/05/2015 proferido no processo nº303/13.4PGDL.L1-3 e ainda do Tribunal da Relação do Porto de 26/04/2017, de 28/11/2018 e de 22/09/2021 proferidos respetivamente nos processos 719/16.4T9PRT.P1, 626/13.2TAAGH.P1 e 84/20.5GAVNG.P1.
8. vide Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 16/12/2009 e de 12/10/2016 proferidos respetivamente nos processos 568/07.0GFVNG.P1 e 276/11.8TAVLC.P2; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29/11/2016 proferido no processo 884/13. 2TAMTA.E1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27/05/2019 proferido no processo 134/17.2T9TMC.G1; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/12/2021 proferido no processo 4818/19.2T9CBR.C1; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/09/2022 proferido no processo 1021/12.6JAPRT.P1 e ainda Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/02/2022 e de 05/05/2022 proferidos, respetivamente nos processos 7308/19.0T9LSB.L1-9 e proc.2176/18.1T9FNC.L1-9.
9. Vide Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14/06/2017 e de 23/11/2022 proferidos, respetivamente, nos processos 5726/14.9TDPRT.P1 e 81/20.0PAPVZ.P1.
10. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol III, p. 125, apud Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. n.º 7/2005, de 12 de Maio de 2005, publicado na 1.ª Série do D.R. n.º 212 de 4 de Novembro de 2005.
11. Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Maio de 2010 proferido no processo n.º 1948/07.7PBAMD- A.L1-9.
12. Acórdão do TC n.º 358/2004, de 19 de Maio, publicado na 2.ª série do D.R. n.º 150, de 28 de Junho de 2004.
13. Acórdão n.º 03P2299 de 24 de Setembro de 2003
14. vide, entre outros, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 06/07/2011 e 15/09/2010 proferidos respetivamente nos processos 6790/09.8TDPRT.P1 e 167/08.0TAETR-C1.P1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/01/2009, proferido no processo 6210/08.
15. vide, neste sentido, Ac. AUJ n.º 7/2005, de 12 de maio de 2005, in D.R. I Série-A, de 4/11/05.
16. vide Ac. do TC n.º 27/2001 de 31/01/01, in DR 2ª série de 23/03/01 e Ac. n.º 358/04, de 19/05, in DR 2ª série de 28/06/04.
17. De 1 de Junho de 2011, proferido no processo 150/10.5T3OVR.C1