I - Para efeitos de custas, cada recurso é considerado como um “processo autónomo”, pelo que, quando é proferido acórdão, tem, em função do que no recurso ocorreu, que ser decidida, em definitivo, a responsabilidade pelo pagamento das respetivas custas, ou seja, tem que se proceder à condenação respeitante às custas do recurso (e não relegá-la para final).
II - O princípio da causalidade, previsto no n.º 2 do art. 527.º do CPC, imputa a responsabilidade das custas a quem for vencido no processo (in casu, no recurso). Tal princípio é aplicável em todas as espécies processuais previstas no n.º 1 do art. 527.º, ainda que a parte vencida não tenha deduzido oposição, incluindo as contra-alegações nos recursos.
Acordam, em conferência, os juízes no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. AA, exequente nos autos principais, notificado do acórdão que, julgando procedente a revista interposta pelo executado BB, revogou o acórdão recorrido e determinou que os autos retornassem à Relação recorrida, a fim de que aí se apreciasse a impugnação da decisão de facto, nos termos expostos no acórdão, e se aplicasse o direito em conformidade, bem como decidiu que as custas da revista, na vertente das custas de parte, seriam a cargo do recorrido, que nela decaiu - veio requerer a reforma do acórdão quanto a custas.
No entender do reclamante, este não adotou, no recurso ou no processo, qualquer posição contrária ao pretendido pelo recorrente no recurso, não tendo contra-alegado, e o recurso nada decidiu em relação ao objeto principal do processo, pelo que não há razão para considerar que o reclamante decaiu no recurso e deva ser responsabilizado pelas custas do recurso.
Assim, entende o reclamante que deve relegar-se o conhecimento da matéria da responsabilidade pelas custas para momento ulterior (em função de quem vier a decair nos autos) ou ficarem “a cargo de quem tirou vencimento ou proveito do recurso” (ou seja, crê-se, do recorrente).
2. A parte contrária respondeu, pugnando pela manutenção do decidido quanto a custas.
3. Dispensados os vistos, foi designada data para apreciação da reclamação em conferência.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. A questão a apreciar é a fixação da responsabilidade tributária correspondente à revista.
2. O factualismo a levar em consideração para a decisão é o seguinte:
a. BB deduziu embargos de executado contra o exequente AA, negando, com base em factos que alega, dever algo ao exequente/embargado.
b. Recebidos os embargos, o exequente contestou-os, pugnando pela sua improcedência.
c. Tendo os autos seguido a sua tramitação, foi proferida sentença, na qual os embargos foram julgados parcialmente procedentes, determinando-se o prosseguimento da execução para pagamento da quantia devida a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos, contados à taxa legal de 4% a partir da citação para a execução e até efetivo e integral pagamento, com custas a cargo de ambas as partes, na proporção de 95% para o embargante e 5% para o exequente.
d. O embargante/executado apelou da sentença, impugnando a decisão de facto e a decisão de direito.
e. O embargado/apelado não contra-alegou.
f. Por acórdão proferido em 25.01.2024 a Relação do Porto, após rejeitar a impugnação da decisão de facto, por o recorrente não ter cumprido os respetivos pressupostos, julgou a apelação improcedente, mantendo a decisão recorrida, com custas a cargo do recorrente.
g. O embargante interpôs revista contra o dito acórdão.
h. O embargado não contra-alegou.
i. A revista foi admitida tendo por objeto a fiscalização da aplicação, pela Relação, do disposto no art.º 640.º do CPC e, consequentemente, do exercício dos poderes deveres que lhe são atribuídos pelo art.º 662.º do CPC.
j. No acórdão ora reclamado, proferido em 09.7.2024, ajuizou-se que, contrariamente ao entendido pelo tribunal a quo, o recorrente havia satisfeito suficientemente os requisitos necessários à reapreciação da decisão de facto pela Relação e, consequentemente, emitiu-se o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julga-se a revista procedente e, consequentemente, revoga-se o acórdão recorrido e determina-se que os autos retornem à Relação recorrida, a fim de que aí se aprecie a impugnação da decisão de facto, nos termos supra expostos, e se aplique o direito em conformidade.
As custas da revista, na vertente das custas de parte, são a cargo do recorrido, que nela decaiu (artigos 527.º n.º s 1 e 2, 533.º, do CPC).”
3. O Direito
Nos termos do art.º 527.º n.º 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito”.
Explicitando os termos em que se determina a responsabilidade pelas custas, o n.º 2 do art.º 527.º estipula que “Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”
Por sua vez, no art.º 607.º n.º 6, do CPC, aplicável ex vi artigos 663.º n.º 2 e 679.º do CPC, dispõe-se que “[n]o final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade”.
A lei permite que a parte requeira ao tribunal que proferiu a decisão, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo da formulação do pedido de reforma na alegação de recurso, quando este caiba da decisão (art.º 616.º n.º 1 do CPC).
In casu, está em causa a reforma do decidido quanto a custas, na parte da fixação do respetivo responsável.
Em cada processo deve o juiz determinar a respetiva responsabilidade tributária.
Nos termos do art.º 1.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento.”
E, no n.º 2 do mesmo artigo, “Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação autónoma.”
Assim, como se salientou no acórdão deste STJ de 06.10.2021 (processo n.º 1391/18.2T8CSC.L1.S1), para efeitos de custas, cada recurso “é considerado como um "processo autónomo", pelo que, quando é proferido acórdão, tem, em função do que no recurso ocorreu, que ser decidida, em definitivo, a responsabilidade pelo pagamento das respetivas custas, ou seja, tem que se proceder à definitiva aplicação do art.º 527.º do CPC e proceder - aplicando o princípio da causalidade ou o princípio do proveito - à condenação respeitante às custas do recurso (e não relegá-la para final).”
Na doutrina, no mesmo sentido, cfr. Salvador da Costa, in As Custas Processuais, 9.ª edição, 2022, pág. 72: “… é este conceito de autonomia de sujeição a custas que inviabiliza, por exemplo, a condenação, num recurso, da parte vencida a final…”
Ora, a circunstância de, na revista, o embargado não ter contra-alegado, eximiu-o de pagar a respetiva taxa de justiça (artigos 529.º n.º 2 e 530.º n.º 1 do CPC) – o que, obviamente, constituiu para si um benefício.
Porém, tal em nada contende com a responsabilização pelas custas, maxime as que foram suportadas pela outra parte.
O princípio da causalidade, previsto no n.º 2 do art.º 527.º do CPC, imputa a responsabilidade das custas a quem for vencido no processo (in casu, no recurso). E, nas palavras de Salvador da Costa, tal princípio “é aplicável em todas as espécies processuais previstas no número anterior, ainda que a parte vencida não tenha deduzido oposição, incluindo as contra-alegações nos recursos” (As Custas… obra citada, pág. 9).
Num recurso deduzido num processo de natureza contenciosa, em que uma das partes contrapostas (o recorrente/executado/embargante) impugna um acórdão que lhe foi desfavorável (julgou improcedente a apelação deduzida pelo recorrente/executado/embargante contra a sentença que julgara, na quase totalidade, improcedentes os embargos interpostos contra a execução, assim beneficiando o interesse do exequente), a revogação desse acórdão, no sentido propugnado pelo recorrente, tem um vencedor – o recorrente – e um vencido – o recorrido.
Assim, a decisão quanto a custas está corretamente formulada.
III. DECISÃO
Pelo exposto, indefere-se a requerida reforma do acórdão quanto a custas.
As custas da reclamação são a cargo do reclamante, que nela decaiu, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (art.º 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, tabela II).
Lx, 29.10.2024
Jorge Leal (Relator)
Henrique Antunes
Jorge Arcanjo