I - O novo prazo da prescrição, interrompido pela citação ou pela notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção, expressa directa ou indirectamente, de exercer o direito, começa a correr com o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo.
II - A adjudicação ao exequente do direito de crédito pecuniário não litigioso, ou seja, de um crédito do executado perante um terceiro devedor, ainda que seja feita apenas pro solvendo, não extingue o crédito exequendo - mas extingue a execução.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. Relatório.
A exequente, embargada, Caixa Geral de Depósitos SA, interpôs recurso ordinário de revista, normal ou comum, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido, no dia 5 de Dezembro de 2023, que, julgando procedente o recurso de apelação interposto pelo executado e embargante, AA, da decisão da Sra. Juíza de Direito do Juízo de Execução do Porto, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que julgou improcedente os embargos opostos pelo último à execução para pagamento de quantia certa, instaurada pela primeira – revogou esta decisão de improcedência e logo a substituiu por outra que declarou prescritos os juros de mora vencidos desde o trânsito em julgado da decisão, da Sra. Juíza de Execução, proferida no dia 17 de Dezembro de 2013, e há mais de cinco anos, e determinou quanto ao mais, o prosseguimento dos autos.
A recorrente – que pede na revista a revogação deste acórdão – rematou a sua alegação com estas conclusões:
1. A 17 de dezembro de 2013 foram adjudicadas à Exequente as quantias vincendas relativas ao
vencimento do Executado BB e à pensão do Executado AA, tendo sido determinada, nos termos do artigo 779.º, n.º 4, al. b) do CPC, a extinção da execução.
2. A 24 de janeiro de 2018, o Executado AA apresentou um requerimento nos autos extintos invocando que sentia indignado e injustiçado por entender que os valores descontados na sua pensão e no vencimento do Executado BB já ultrapassavam o valor da dívida.
3. Após terem sido efetuadas várias diligências nos autos, a Exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A. apresentou um requerimento, em 24 de março de 2021, a discriminar todos os valores recebidos e todos os valores ainda em dívida que perfazem um total de € 90.041,41.
4. Por não concordar com o teor do referido requerimento, em 8 de abril de 2021, o Executado AA invocou que os valores entregues ultrapassavam o valor da quantia exequenda, suscitando a taxa de juros abusiva, a prescrição dos juros e o abuso de direito, tudo fundamentos de uma verdadeira oposição à execução.
5. O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho, em 17 de setembro de 2021, no sentido de que
as matérias relativas à taxa de juro constante do requerimento executivo e à prescrição dos juros devem ser apreciadas em sede de oposição à execução e não no decurso desta execução, tendo o Executado BB recorrido para o Tribunal da Relação, recurso que foi julgado improcedente.
6. A 11 de janeiro de 2022, o Executado AA deduziu embargos de executado invocando a prescrição dos juros de mora vencidos após a decisão de extinção de dezembro de 2013, tendo sido apresentada contestação pela Exequente.
7. Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou improcedentes os embargos apresentados com fundamento de que, após a extinção de dezembro de 2013, o prazo prescricional manteve-se interrompido, até porque houve um reconhecimento da dívida pelo executado.
8. Não se conformando com a referida decisão, o Executado AA recorreu para o Tribunal da Relação invocando que, com a extinção da execução em dezembro de 2013, começou a correr um novo prazo de prescrição.
9. Foi agora proferido acórdão que julgou procedente o recurso interposto pelo executado, considerando prescritos os juros de mora vencidos após a decisão de dezembro de 2013 e há mais de 5 anos, por entender que, com a decisão de extinção, começou a contar-se um novo prazo prescricional.
10. O Douto Tribunal a quo entende que a interrupção do prazo de prescrição terminou em 17 de dezembro de 2013, data em que começou a correr um novo prazo de prescrição, dado que a instância executiva foi extinta nos termos da al. b) do n.º 4 do artigo 779.º do CPC.
11. O artigo 779.º, n.º 4, al. b), do CPC dispõe que, em caso de penhora de vencimentos e não havendo outros bens penhoráveis, o agente de execução «adjudica as quantias vincendas, notificando a entidade pagadora para as entregar diretamente ao exequente, extinguindo-se a execução».
12. O legislador estabeleceu uma extinção da execução, imediatamente subsequente à adjudicação, não obstante prosseguirem os descontos nos vencimentos penhorados, o que, por vezes, decorre durante meses ou anos consoante o valor da quantia exequenda.
13. Contudo, esta extinção da execução é meramente formal, não sendo definitiva dado que o
Exequente pode requerer a renovação da instância, pela que, materialmente, a execução subsiste, enquanto perdurarem os descontos – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22 de setembro de 2016.
14. Se a extinção da execução ao abrigo do referido artigo 779.º, n.º 4 do CPC fosse definitiva,
não podiam ser praticados quaisquer outros atos no processo, nomeadamente com a dedução de embargos de executado – cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 9 de novembro de 2017.
15. A extinção ocorre apenas para efeitos estatísticos, sendo uma extinção que não depende da vontade da Exequente, uma vez que o legislador impõe a extinção no caso de, inexistindo outros bens penhoráveis, serem adjudicadas as quantias vincendas, passando os descontos a ser efetuados diretamente pelas entidades pagadoras à exequente.
16. Apesar dos descontos passarem a ser efetuados pela entidade pagadora diretamente à exequente, sem intermédio de um agente de execução, não lhe retira a sua força obrigatória, sob pena da renovação da instância.
17. A interrupção do prazo de prescrição com a citação do executado para a execução não terminou com a declaração de extinção da execução ao abrigo do artigo 779.º, n.º 4 do CPC, considerando que os descontos no vencimento/pensão se encontram a decorrer e, ao abrigo do n.º 1 do artigo 306.º do CPC, o direito da exequente ainda não pode ser exercido dado que inexiste incumprimento.
18. O n.º 1 do artigo 323.º do CPc dispõe que a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, directa ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
19. O n.º 1 do artigo 327.º do CPC estabelece que se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
20. A execução foi extinta nos termos do n.º 4 do artigo 779.º, tendo sido as entidades pagadoras dos executados notificadas para procederem aos descontos diretamente à Exequente, o que foram fazendo ao longo dos anos, pelo que estamos perante um ato que exprime diretamente o propósito do exercício do direito pela Exequente, uma vez que são mensalmente descontados no vencimento e pensão dos executados quantias a ser entregues à Exequente.
21. Se assim não fosse, nenhuma execução poderia ser extinta ao abrigo da al. b), n.º 4 do artigo
779.º do CPC, uma vez que os respetivos juros seriam sempre considerados prescritos ao fim de cinco anos, tal como seria praticamente obrigatório requerer a renovação da instância executiva ao fim de cinco anos mesmo que os descontos tivessem a ser efetuados.
22. Se, durante cinco anos, não tivessem sido feitos quaisquer descontos no vencimento ou pensão dos executados, criando-lhes a expetativa de não serem tais montantes cobrados, estaríamos perante inércia do Exequente, o qual deixou decorrer o prazo de cinco anos sem requerer a renovação da instância.
23. No caso em apreço, foram feitos descontos no vencimento e na pensão dos Executados AA e BB, o que motivou os requerimentos dos executados durante o ano de 2018, nos quais invocaram, inclusivamente, o excesso da penhora.
24. Não há um término da interrupção do prazo de prescrição com a decisão proferida em dezembro de 2013 ou, ainda que possa existir, o prazo de prescrição foi sempre interrompido com os descontos que foram sendo feitos no vencimento e pensão dos executados mensalmente.
25. A Exequente não pode requerer a renovação da instância uma vez que os descontos estão a ser feitos, o que significa que o seu direito não pode ser exercido uma vez que não há incumprimento, pelo que o prazo de prescrição nunca pode começar com a extinção da execução ao abrigo do n.º 1 do artigo 306.º do CC.
Na resposta, o recorrido concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.
2. Delimitação do âmbito objectivo do recurso e individualização da questão concreta controversa que deve ser resolvida.
Como o âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados nas instâncias, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação, é apenas uma a questão concreta controversa que importa resolver: a de saber se a obrigação acessória de juros vencida há mais de 5 anos, por referência do despacho, datado de 17 de Dezembro de 2013, passado em julgado, que adjudicou à exequente, designadamente o crédito de pensão do executado, AA, de que é devedor o Centro Nacional de Pensões, foi ou não atingida pela prescrição (art.º 635.º nºs 2, 1ª parte, e 3 a 5, do CPC).
A resolução deste problema vincula, naturalmente, a que se pondere, por um lado, a prescrição a que aquela obrigação acessória se encontra submetida e a interrupção do respectivo prazo e, por outro, a eficácia, na instância executiva, da decisão que adjudique ao exequente, para a satisfazer o seu crédito, um crédito do executado perante um terceiro devedor.
3. Fundamentos.
3.1. Fundamentos de facto.
As instâncias estabilizaram a matéria de facto nos seguintes termos:
1. Em 28.09.2001 a Caixa Geral de Depósitos, S.A. instaurou execução contra, entre outros, BB e AA para cobrança coerciva da quantia global de €104.976,06, sendo €88.039,74 de capital, além de juros vincendos até integral e efectivo pagamento, à taxa de 10,937%.
2. O executado AA foi citado para os termos da referida acção executiva em 18.10.2001.
3. Em 7.11.2013, foi apurada a responsabilidade dos executados quanto a juros, nos seguintes termos:
CÁLCULO DE JUROS
4. Em 22-11-2013, foi proferido o seguinte despacho:
Proceda à entrega ao exequente das quantias depositadas nos autos, salvaguardadas as custas e demais encargos legais (art. 779º, nº 4, al. a), do NCPC).
Notifique o exequente para se pronunciar, em 10 dias, querendo, quanto à eventual extinção da execução, nos termos previstos no art. 779º, nº 4, al. b), do NCPC.
5. E a 17.12.2013 foi proferido o seguinte despacho, transitado em julgado: “Decorrido que se encontra o prazo de oposição e inexistindo outros bens penhoráveis, adjudico à exequente as quantias vincendas relativas ao vencimento do executado BB e à pensão do executado AA.”
Mais determino, nos termos do art. 779.º, n.º 4, al. b), do NCPC, a extinção da presente execução.
[...].
6. Em 19/12/2013 o tribunal notificou as respetivas entidades pagadoras – STCP; e Centro Nacional de Pensões, da adjudicação das quantias vincendas, ou seja, para entregarem diretamente à exequente os valores mensalmente penhorados, até ao montante de €34.000€.
7.1 Na sequência de requerimento apresentado pelo embargante, em 24.1.2018, Fls. 805 e ss., por despacho de 21.03.2018, foi, entre o mais, determinado: […]
À exequente a fim de se pronunciar, querendo, devendo, contudo, esclarecer, qual o montante que já lhe foi entregue por conta da quantia exequenda.
Solicite às entidades CNP e STCP aí mencionadas que informem, em igual prazo, quais os montantes que até à presente data foram descontados da pensão do executado AA e do vencimento do executado BB.
8. E a CGD, exequente, veio informar para além do mais, o seguinte:
CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS SA, na qualidade de exequente nos autos mencionados em que é executado BB, vem no seguimento da notificação de 22/03/2018, e conforme ordenado informar:
1/ A Caixa Geral de Depósitos já recebeu por conta das penhoras da pensão e salário dos executados, os montantes que se discriminam:
a) Por conta da pensão do executado AA - € 10 719,38 (valores recebidos até novembro de 2017).
b) Por conta do salário do executado BB - € 6 875,78 (valores recebidos até julho de 2017).
2/ Desde as datas mencionadas, a CGD desconhece quais os valores transferidos, entretanto por conta das referidas penhoras, uma vez que não foi dado conhecimento à exequente de tais pagamentos, requerendo-se desde já que a CGD seja informada dos pagamentos que estão a ser efetuados desde essas datas, ou, para o e-mail ...@cgd.pt ou inserindo descritivo com indicação deste número de processo, no depósito/transferência.
3/[...].
4/Os valores atuais ainda em dívida, no empréstimo executado, à data de hoje são:
- Operação PT ...:
a) Capital - €17 756,68
b) Juros de Mora - €110 911,76
TOTAL: €128 668,44
9. A STCP, por seu turno informou que as quantias descontadas no salário do executado BB até essa data (20.4.2018) ascendia a €17.546,75.
10. E o CNP informou que o montante total descontado na pensão do executado AA e entregue à CGD era, em Agosto de 2018 de €12.987,31; E Posteriormente veio informar em 1.12.2020, que nessa data tais descontos (no global) ascendiam a €26.190, 82, conforme relação discriminada que nessa data juntou à execução.
11. E, em 24.3.2021, a exequente através de requerimento, junto à execução, informou para alem do mais o seguinte: “Conforme extrato da aplicação das verbas recebidas nos presentes autos desde o produto da venda até 16/03/2021, onde se englobam as penhoras de vencimento, quer recebidas pelo tribunal, quer as recebidas diretamente pela exequente das entidades pagadoras, a quantia exequenda ascende à presente data a 90.041,41€, sendo a título de capital 596,85€ e juros 89.444,56€”.
Mais informou, que “A presente execução foi instaurada em 28/09/2001 para cobrança da quantia de 104.976,06€, sendo capital 88.039,74€, acrescido de juros vincendos até integral e efetivo pagamento calculados à taxa de 10,937%.
À data da venda judicial do imóvel penhorado, 30/06/2005, a dívida ascendia a 141.634,67€, acrescido das custas.
O imóvel foi adquirido pela exequente por 59.500€, do referido valor saíram precípuas as custas da execução (1.616,50€), ou seja, à quantia exequenda em dívida à data da venda 141.634,67€, foi deduzida em 30/06/2005 a quantia de 57.883,50€.
O produto da venda do imóvel foi aplicado 29.543,96€ em capital e 28.339,54€ em juros, tendo permanecido em dívida um capital de 54.495,78€ e juros no montante de 25.255,39€.
Sobre o capital em dívida de 54.495,78€ continuaram a vencer-se juros à taxa peticionada no requerimento executivo,10,937%.
Posteriormente, foram penhorados os vencimentos dos executados BB e AA, tendo em 16/04/2010 sido entregue pelo tribunal da penhora dos vencimentos de ambos, o valor de 5.821,49€. A referida verba foi aplicada diretamente em capital.
Em 18/12/2012 o tribunal a pedido da exequente efetuou nova entrega de verbas no montante de 13.000€, verba essa aplicada diretamente em capital.
Em 08/01/2014 o tribunal efetuou nova entrega de verbas no montante de 4.465,90€, verba essa aplicada diretamente em capital.
Em 19/04/2014 o tribunal efetuou nova entrega de verbas no montante de 868,41€, verba essa aplicada diretamente em capital.
Em 19/12/2013 o tribunal notificou as respetivas entidades pagadores da adjudicação das quantias vincendas, ou seja, para entregarem diretamente à exequente os valores mensalmente penhorados, até ao montante de 34.000€.
Nessa data (03/01/2014) a dívida exequenda ascendia 115.461,86€ (sendo de capital 39.674,29€ e juros 75.787,57€), conforme extrato da aplicação de verbas que se junta como documento nº1.
Assim o montante referido de 34.000€, era manifestamente insuficiente para o ressarcimento da quantia exequenda.
Pelo que apesar de ter sido ultrapassado no caso da pensão do executado AA, não se mostrou suficiente para a liquidação da quantia exequenda.
Os valores penhorados a partir de janeiro de 2014 entregues diretamente à exequente foram sendo aplicados sempre em capital, de forma a permitir que a dívida não evoluísse de forma significativa, pois vincendos e os juros apenas sobre o capital em dívida, quanto mais depressa se amortizar o capital menos juros se vencem. Se a aplicação fosse direcionada a juros, como a lei permite, a dívida seria hoje bem superior ao que efetivamente é.
3.2. Fundamentos de direito.
3.2.1. Prescrição da obrigação acessória de juros.
A prescrição – de que o Código Civil não dá uma noção – assenta num facto jurídico involuntário: o decurso do tempo. A ideia comum que lhe preside é a de uma situação de facto que se traduz na falta de exercício dum poder, numa inércia de alguém que, podendo ou porventura devendo actuar para a realização do direito, se abstém de o fazer1.
Verificada a prescrição, o seu beneficiário tem a faculdade de, licitamente, recusar a prestação a que estava adstrito (artº 304.º, n.º 1, do Código Civil). A prescrição não tem, portanto, uma eficácia extintiva, antes de limita a paralisar o direito do credor, dado que apenas confere o direito potestativo de a invocar: se este direito não for exercido, a obrigação mantém-se civil, não se produzindo quaisquer efeitos; se a prescrição for invocada, a obrigação converter-se-á em obrigação natural – como tal inexigível, mas com solutio retendi2.
O instituto da prescrição visa, no essencial, tutelar o devedor, relevando-o da prova. À medida que o tempo passa, o devedor terá maior dificuldade em fazer a prova do cumprimento. Na falta da prescrição, qualquer pessoa poderia ser demandada novamente a todo o tempo por débitos que foi pagando ao longo da vida. A não ser a prescrição, o devedor ficaria numa posição permanentemente fragilizada, dado que nunca estaria seguro de ter deixado de o ser. Complementarmente, a prescrição serve ainda objectivos de ordem geral, atinentes à certeza e segurança jurídicas3.
A prescrição opera após o decurso de um prazo: o início deste prazo é, portanto, um elemento estruturante. No tocante ao início do prazo de prescrição a nossa lei adoptou o sistema objectivo: o prazo da prescrição inicia o seu curso quando o direito puder ser exercido, portanto, independente do conhecimento que disso tenha ou possa ter o credor (art.º 329.º do Código Civil)4. Esse prazo é, no tocante aos juros, sejam eles legais ou convencionais, ainda que ilíquidos, de 5 anos, prescrição de curto prazo que assenta na ideia de evitar a ruína do devedor pela sua acumulação (art.º 310.º d) do Código Civil). Este prazo de prescrição inicia o seu curso a partir do momento em que os juros possam ser cobrados, ficando abrangidos por aquele prazo os juros vencidos, desde que não estejam reconhecidos por sentença ou por outro título executivo, caso em que o prazo prescricional passará a ser o ordinário, de 20 anos; quanto aos juros vincendos, o prazo é também de 5 anos, dado que as prestações ainda não devidas são ressalvadas do regime da conversão do prazo prescricional (art.º 311.º n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
Expirado o prazo da prescrição, o devedor, para que ela produza efeitos, tem o direito – potestativo – de a invocar, judicial ou extrajudicialmente, expressa ou tacitamente (art.º 304.º, n.º 2, do Código Civil). Invocada, pelo devedor, a prescrição produz este efeito fundamental: paralisação do direito do credor, visto que torna lícito ao devedor recusar o cumprimento, bem como opor-se, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (art.º 303.º do Código Civil).
O prazo da prescrição está, porém, sujeito a interrupção.
A interrupção da prescrição resolve-se no acto ou no efeito de pôr termo ao processo prescricional. Verificada a interrupção, fica inutilizado todo o prazo, entretanto já decorrido, podendo, quando muito, ocorrer o reinício do processo de prescrição (art.º 326.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
Assim, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção, expressa directa ou indirectamente, de exercer o direito, seja qual for o processo a que esse acto pertença, ainda que o tribunal seja incompetente (art.º 323.º, n.º 1, do Código Civil).
O efeito interruptivo da prescrição nem sempre é instantâneo e, portanto, nem sempre determina de imediato o início do curso do novo prazo prescricional, antes se pode prolongar por um período, mais ou menos longo, e, só depois de esgotado, é que se dá o início daquele novo prazo,
Quando a interrupção resulte da citação ou da notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção, expressa directa ou indirectamente, de exercer o direito, o novo prazo não começa a correr antes do trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo (art.º 327.º, n.º 1, do Código Civil). A solução explica-se pela circunstância de, nesta hipótese, não ser admitir que o titular do direito se mostra inactivo, não se verificando, deste modo, a razão justificativa da prescrição.
Objectivamente, o efeito interruptivo da prescrição restringe-se ao direito a que o acto interruptivo respeita. Relativamente aos limites subjectivos da interrupção, a regra é, igualmente, que a interrupção só produz efeitos em relação às pessoas entre as quais se dá5.
3.2.2. Eficácia da decisão, transitada em julgado, de adjudicação ao exequente de um crédito do executado perante um terceiro, na instância executiva.
A satisfação do crédito exequendo pode ser feita, através, designadamente, da adjudicação de créditos, adjudicação que consiste na aquisição pelo exequente desses mesmos créditos, com a finalidade de obter ou de facilitar a satisfação do respectivo crédito, objecto do pedido executivo.
O exequente pode, efectivamente, requerer, para obter pagamento, a adjudicação do direito de crédito pecuniário não litigioso, ou seja, de um crédito do executado perante um terceiro devedor (art.º 799.º, n.º 5, do CPC). Na adjudicação de crédito pecuniário não litigioso, é concedido ao exequente a opção entre a adjudicação in solutum e, em certas condições, a adjudicação pro solvendo (art.ºs 799.º, n.ºs 5 e 6 do CPC). A adjudicação in solutum – que corresponde a uma dação em pagamento - determina a extinção, total ou parcial do crédito exequendo e a correspondente extinção da execução (art.ºs 849.º, n.º 1, b), do CPC, e 837.º do Código Civil); a adjudicação pro solvendo – que corresponde a uma dação em função do cumprimento – não extingue o crédito exequendo – mas extingue a execução, quando esta não deva prosseguir noutros bens (art.ºs 799.º. n.º 6 e 849.º, n.º 1, c) do CPC, e 840.º do Código Civil), Dado que a adjudicação consiste na cessão ao exequente de um crédito, que assim fica com dois créditos, presume-se feita pro solvendo, dado que visa facilitar ao exequente a satisfação do seu direito, sem perder os benefícios do seu crédito, ficando, porém, vinculado a procurar primeiro a sua satisfação pelo novo crédito (art.º 840.º, n.º 2, do Código Civil).
Todavia, mesmo nos casos em que a adjudicação de crédito pecuniário do executado de que é devedor um terceiro é feita pro solvendo, a lei de processo é terminante na declaração de que essa adjudicação determina a extinção da execução, efeito que se produz automaticamente6 (art.ºs 799.º, n.º 6, e 849.º, n.º 1, c), do CPC). A instância executiva extinta pode, porém, renovar-se, por iniciativa do exequente, para cobrança coerciva das prestações vincendas ou para efectivação de nova penhora (art.º 850.º, n.ºs 1 e 5, do CPC).
Este viaticum, habilita, com suficiência, à resolução da questão concreta controversa enunciada.
3.3. Concretização.
O acórdão impugnado assentou em que com o trânsito em julgado do despacho proferido em 17.12.2013 se verificou a extinção da execução, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 779º, nº 4, al. b) e 849º, nº 1, al. d) do Cód. de Proc. Civil. A recorrente obtempera, porém, de um aspecto, que esta extinção da execução é meramente formal, não sendo definitiva, dado que o exequente pode requerer a renovação da instância, pelo que, materialmente, a execução subsiste, enquanto perdurarem os descontos, e de outro, que essa extinção ocorre apenas para efeitos estatísticos, não dependendo da sua vontade. O argumento não é procedente.
Como se observou, a adjudicação ao exequente de crédito não litigioso de que o executado é credor relativamente a terceiro, ainda que essa adjudicação seja feita pro solvendo, produz, ex-vi legis, automaticamente, o efeito de extinguir a instância da acção executiva. Extinção que, de resto, o despacho de adjudicação declarou expressamente, decisão sobre a qual se formou, por não ter sido objecto de impugnação, caso julgado formal, pelo que, neste processo, a questão da extinção da execução em consequência daquela adjudicação, se mostra irrepetivelmente decidida (art.ºs 619.º, n.º 1, 620.º, n.º 1, e 628.º do CPC). Extinção da instância executiva que, naturalmente, não é inteiramente estranha a vontade do exequente, dado que a adjudicação, seja qual for a sua tipologia – in solutum ou meramente pro solvendo - é feita a requerimento seu, pelo que aquela extinção da instância é uma consequência que a lei associa, irremissivelmente, ao seu deferimento (art.º 799.º, n.ºs 1, 6 e 7 do CPC). A objecção fundada na faculdade de renovação da instância executiva extinta também não colhe, dado que, em boa lógica, a renovação da instância pressupõe, evidentemente, essa extinção.
O acórdão recorrido concluiu, por fim, que após o trânsito em julgado da decisão de 17.12.2013, que julgou extinta a execução, se iniciou um novo prazo prescricional relativamente aos juros exequendos, de tal modo que todos os juros de mora vencidos desde então e há mais de cinco anos se encontram prescritos. Esta conclusão tem-se por inteiramente correcta. Correcção que, aliás, não deixa sem tutela adequada o direito da exequente ao pagamento dos juros vincendos, cujo prazo prescricional – novo - se tenha iniciado depois do trânsito em julgado da decisão de extinção da instância da acção executiva, consequente à adjudicação ao exequente de créditos do executado sobre terceiro devedor.
Em primeiro lugar, à exequente sempre seria lícito requerer a renovação da execução extinta para exigir o pagamento coactivo desses juros, com o consequente efeito interruptivo da prescrição da obrigação acessória correspondente; em segundo lugar, tinha inteiramente ao seu dispor um outro mecanismo processual apto a provocar a interrupção da prescrição daquela mesma obrigação acessória: a notificação judicial avulsa do executado, devedor, para os pagar, dado que, de harmonia com o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 3/98, de 12 de Maio – DR n.º 109/1998, Série I-A, de 1998-05-12 - a notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse mesmo direito, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil (art.º 256.º do CPC).
Em absoluto remate: o recurso não dispõe de bom fundamento. Cumpre, por isso, negar-lhe provimento.
Do percurso argumentativo percorrido extraem-se, como proposições conclusivas mais salientes, as seguintes:
- O novo prazo da prescrição interrompido pela citação pela notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção, expressa directa ou indirectamente, de exercer o direito, começa a correr com o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo;
- A adjudicação ao exequente do direito de crédito pecuniário não litigioso, ou seja, de um crédito do executado perante um terceiro devedor, ainda que seja feita apenas pro solvendo, não extingue o crédito exequendo - mas extingue a execução.
A recorrente sucumbe no recurso. Essa sucumbência torna-a objectivamente responsável pela satisfação das respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, nega-se a revista.
Custas pela recorrente.
2024.10.29
Henrique Antunes (Relator)
Anabela Luna de Carvalho
Maria João Vaz Tomé
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1. José Dias Marques, Prescrição Extintiva, Coimbra, 1953, pág. 4.↩︎
2. António Menezes Cordeiro, Da prescrição do pagamento dos denominados serviços públicos essenciais, cit. págs. 803 a 805 e Tratado de Direito Civil Português, I, T, IV, Almedina, Coimbra, 2007 (reimpressão), pág. 172. Contra, sustentando que a prescrição não converte a obrigação civil numa obrigação natural, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 381.↩︎
3. António Menezes Cordeiro, Da Prescrição do Pagamento dos Denominados Serviços Públicos Essenciais, cit., págs. 788 e 789. Não parece, assim, que a prescrição tenha por fundamento o interesse do credor, incitando-o a exigir o cumprimento das obrigações, e sancionando-o pela negligência na actuação do seu crédito como sustenta, por exemplo, Manuel de Andrade – Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Reimpressão, Coimbra, 1992, págs. 445 e 446. Como nota Menezes Cordeiro – loc. cit. - o interesse do credor é, sempre, o dispor do máximo de pretensões, podendo ordenar no tempo, de harmonia, com as suas conveniências, o exercício dos seus direitos.↩︎
4. Cfr. Vaz Serra, RLJ Ano 107.º, pág. 296.↩︎
5. Ac. do STJ de 17.11.95, www.dgsi.pt.↩︎
6. José Lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, 3.ª edição, pág. 736.↩︎