I - Sendo as conclusões do recurso proposições sintéticas do conteúdo da motivação, contida no corpo das alegações, não poderão ser consideradas na parte em que não encontram tradução na motivação.
II - Não enferma de contrariedade entre os fundamentos e a decisão, nem de ininteligibilidade, o acórdão da Relação que, após ter considerado nula a sentença recorrida, na parte em que nesta se considerou um determinado fundamento não invocado pelas partes, conhece da parte restante da apelação, substituindo-se à primeira instância nos termos do art. 665.º, n.º 1, do CPC, e, assim procedendo, mantém os vereditos da 1.ª instância (improcedência da ação e procedência da reconvenção), declarando, em sede de dispositivo, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, ainda que com fundamentação não coincidente.
III - A auscultação das partes prevista no art. 665.º, n.º 3, do CPC, é desnecessária, se as partes, nomeadamente o recorrente, já se pronunciaram sobre a questão em causa, nos articulados e na apelação.
IV - A nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, não é de conhecimento oficioso, devendo ser arguida perante o tribunal ad quem, no caso de a sentença ser suscetível de recurso. Assim, a arguição da nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, deduzida pela primeira vez em sede de revista, constitui questão nova, insuscetível de apreciação na revista.
V - Os poderes do STJ em sede de revista, no que concerne à matéria de facto, estão definidos nos termos do n.º 3 do art. 674.º do CPC, segundo o qual [o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
VI - Improcede a revista, no segmento em que o recorrente alega que a Relação desconsiderou indevidamente a força probatória de determinados documentos autênticos, mas não identifica (o recorrente) quais os factos, relevantes para a resolução do litígio, que os documentos demonstram.
VII - A caducidade de uma situação jurídica não respeitante a direitos indisponíveis não é de conhecimento oficioso e carece, para a sua apreciação pelo tribunal, de adequada concretização, pelo arguente, dos seus pressupostos fácticos e jurídicos.
VIII - Por outro lado, a invocação dessa exceção, quando dirigida contra pretensão deduzida em sede de reconvenção (resolução de contrato de arrendamento florestal, invocada e peticionada pelo réu/senhorio contra o autor/locatário, em sede de reconvenção), deve ser efetuada na réplica, sob pena da preclusão prevista no art. 573.º do CPC.
IX - É extemporânea a alegação, em sede de revista, da caducidade prevista no art. 1085.º do CC, quando essa alegação foi omitida na réplica, nos termos referidos em VIII.
X - A dupla conformidade decisória, obstativa da revista nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC, nas situações de objeto processual plural deverá ser avaliada, separadamente, para cada uma das pretensões autónomas e cindíveis decididas pelas instâncias; isto é, nos casos em que a parte dispositiva da decisão contenha segmentos decisórios distintos e autónomos, o conceito de dupla conforme terá de se aferir, separadamente, relativamente a cada um deles.
XI - Tendo em atenção o exposto em X, in casu releva que as instâncias apenas divergiram quanto ao pedido reconvencional deduzido pelos réus em primeiro lugar: “(i) Ser declarada a resolução válida e eficaz do contrato de arrendamento florestal celebrado entre o primeiro réu e sua mulher em 1 de Dezembro de 2010”.
XII - Assim, apenas quanto a este objeto processual tem este STJ competência para se pronunciar, ficando arredada a reapreciação do demais, para além das questões que, pelas suas particularidades, foram e devam ser ainda apreciadas.
XIII - Dentro da delimitação concretizada em XII, constata-se que o autor, mediante a celebração do contrato de arrendamento florestal, obrigou-se ao pagamento da respetiva renda. Ao omitir esse pagamento, incumpriu o contrato, sujeitando-se à respetiva resolução, a que o senhorio procedeu, mediante declaração formal e substancialmente válida - notificação judicial avulsa.
XIV - Tendo a Relação confirmado a decisão da primeira instância, que condenou o autor como litigante de má-fé (em multa e indemnização a fixar) e julgou improcedente a imputação de litigância de má-fé dirigida pelo autor contra os réus, existe dupla conformidade decisória, que, de acordo com as regras gerais, obstaria à reapreciação dessas matérias em sede de revista.
XV - Para além disso, rege o disposto no art. 542.º, n.º 3, do CPC, de que resulta, conforme interpretação jurisprudencial consistente, a inadmissibilidade de acesso ao STJ para apreciar condenação em litigância de má-fé duplamente ajuizada pelas instâncias e, por identidade de razão, absolvição da contraparte por litigância de má-fé, duplamente ajuizada pelas instâncias.
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. Em 24.9.2020 AA intentou ação declarativa de simples apreciação e constitutiva, com processo comum, contra BB (falecido na pendência da causa, foram habilitados a prosseguir no processo, como seus universais herdeiros, os 2.º e 3.º RR), CC e DD.
O A. alegou que, por acordo escrito datado de 01.12.2010, o aqui 1.º R. e sua mulher, EE, deram em arrendamento florestal, ao aqui A., o seu prédio rústico denominado “...”, sito no concelho de .... Em 20.5.2015 as mesmas partes alteraram o aludido acordo, outorgando uma “adenda a contrato de arrendamento florestal”, cujo teor o A. transcreveu. A mulher do 1.º R., EE, faleceu em ….9.2019, sendo os RR. os seus únicos e universais herdeiros. Em 03.9.2020 o A. foi alvo de uma notificação judicial avulsa, requerida pelos 1.º e 2.º RR.. Nessa notificação judicial avulsa, que o A. transcreve, os requerentes afirmaram que o 1.º requerente (aqui 1.º R.) é maior acompanhado, sendo seu acompanhante o 2.º requerente (aqui 2.º R.). Mais acrescentaram que por meio de contrato de arrendamento florestal celebrado em 01.12.2010 o requerido (o ora A.) ficou obrigado ao pagamento da renda anual de € 17 143,00. A partir de 2012 o estado de saúde do 1.º requerente deteriorou-se, vindo progressivamente a revelar-se incapaz de reger a sua pessoa e os seus bens. O requerido tinha disso conhecimento. O notificando não pagou as rendas contratuais devidas em 01.7.2017, 01.7.2018, 01.7.2019 e 01.7.2020, estando em dívida € 68 572,00. Tal omissão confere ao senhorio direito à resolução do contrato de arrendamento. Assim, os requerentes pediram que o requerido fosse notificado de que (1) “o senhorio, designadamente acompanhado pelo seu filho CC, dá por resolvido, com efeitos imediatos o contrato de exploração florestal celebrado entre as partes em 1 de Dezembro de 2010”; (2) “Que deve o mesmo entregar o prédio objeto do contrato, livre e devoluto, ao seu proprietário, na pessoa do acompanhante seu filho, com efeitos imediatos, após efectuada a presente notificação”; (3) “Devendo ainda abster-se da prática de qualquer ato consentido contratualmente, designadamente os previstos nos artigos 5.º e 7.º do contrato”. Ora, alega o A., conforme resulta do aditamento celebrado em 20.5.2015, a renda foi reduzida para € 5 000,00 anuais e o prazo de duração do contrato, que era de 7 anos, foi alongado para 35 anos, na medida em que se constatou que os custos de exploração da propriedade eram incomportáveis, face ao rendimento que dela era extraído. Aliás, o A. suportou, em trabalhos de manutenção e de limpeza do mato, despesas que as partes aceitaram seriam pagas pelos senhorios, tendo estes recebido e aceitado as correspondentes faturas, no valor de € 14 866,50 e € 16 917,60, datadas de 19.12.2010 e 18.12.2011. Dessas faturas, os senhorios apenas pagaram € 841,50 e € 957,60. As partes acordaram que os valores em dívida pelos senhorios seriam pagos por amortização das rendas devidas a partir de 1.7.2017. Assim, as rendas de 01.7.2017, 01.7.2018, 01.7.2019 e 01.7.2020, no valor, cada uma, de € 5 000,00 estão integralmente pagas, e a renda que se vencer em 01.7.2021 também está integralmente paga. A renda que se vencer em 01.7.2022 está paga até ao montante de € 4 985,00. No mais, o contrato continua em vigor, atendendo ao prazo de 35 anos fixado. De resto, o A. impugna, por desconhecimento, o alegado no requerimento de notificação judicial, quanto ao acompanhamento do 1.º R. e incapacidade invocada.
O A. concluiu formulando o seguinte petitório:
“a) ser declarada nula ou anulada e sem nenhum efeito juridico ou outro, a resolução do contrato de exploração florestal, efectuada ilicita e ilegalmente, através da notificação judicial avulsa identificada em c) ínfra, pelos aqui 1º e 2º r. r. e que os mesmos identificam “in fine” do seu escrito como: a. 1.;
b) serem declarados nulos ou anulados e sem nenhum efeito juridico ou outro todos “os pedidos” efectuados pelos aqui 1º e 2º r. r. através da notificação judicial identificada em c) ínfra e que os mesmos identificaram “in fine” do seu escrito como: a. 2. e a. 3.;
decorrentemente,
c) ser declarada nula ou anulada e sem nenhum efeito juridico ou outro, a notificação judicial avulsa de que o aqui a. foi objecto concretizada em 03/setembro/2020 (aqui doc. 4);
d) ser declarado que, o aqui a. não deve quaisquer montantes aos aqui 1º, 2º e 3º r. r. r., seja a que titulo ou natureza fôr; nomeadamente não deve quaisquer montantes a título de rendas, relativas aos acordos escritos / contrato de arrendamento florestal, constantes nos aqui docs nºs 1 e 2.
e) ser declarado que, as rendas relativas e decorrentes dos acordos escritos / contrato de arrendamento florestal, aqui docs. nºs 1 e 2, estão integralmente pagas até à renda que se vencer em 01/julho/2021 (inclusivé);
d) ser ainda declarado que, a renda que se vencer em 01/julho/2022 está parcialmente paga, no valor de €4.985,00, faltando apenas pagar €15,00, que devem ser pagos na data do vencimento da mesma (1/julho/2022)”.
2. Os RR. contestaram e reconvencionaram. Na contestação, os RR. arguiram a anulabilidade do acordo de alteração ao arrendamento celebrado em 20.5.2015, por incapacidade acidental do 1.º R. e da sua mulher, sendo certo que por sentença datada de 20.11.2019 o 1.º R. foi declarado maior acompanhado, em regime de representação geral pelo seu acompanhante (o agora 2.º R.), com início em data não apurada de 2012/2013. Por acordo reduzido a escrito e datado de 01.3.2016 o 1.º R., com autorização da sua mulher, e o ora A. declararam alterar o contrato de arrendamento, fixando o termo do seu prazo em 31.12.2033 e a renda em € 17 000,00 anuais – acordo esse que o A. omitiu na petição inicial. Esse acordo também está ferido de anulabilidade, por incapacidade acidental do 1.º R. e da sua mulher. Certo é que nos anos de 2015 e 2016 o A. pagou a renda anual de € 17 000,00. A adenda datada de 20.5.2015, para além de ser anulável, constituiu um negócio simulado, para ser apresentado pelo A. às Finanças, sendo nulo nos termos do art.º 240.º do CC. Ainda que não se considerasse anuláveis as adendas ao contrato datadas de maio de 2015 e de março de 2016, nem que a adenda de maio de 2015 é nula, por simulação, sempre teria de se considerar que a adenda da março de 2016 alterou o regime contratual do arrendamento nos seus precisos termos, pelo que sempre improcederia a pretensão do A., de aplicar o escrito de adenda subscrito em 20.5.2015, em particular no que diz respeito à redução da renda para € 5 000,00 anuais. No mais, os RR. impugnaram a petição, nomeadamente negando o afirmado pelo A. quanto à assunção, pelos RR., do custo dos trabalhos que teriam sido realizados pelo A.. Em reconvenção, os RR. alegaram que o A. não pagou as rendas vencidas nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, o que justifica a resolução do contrato, nos termos na notificação judicial efetuada. Mais alegaram, os RR., que o A. litiga de má-fé, devendo ser condenado em multa e indemnização.
Os RR. concluíram pela seguinte forma:
“A - Deverão os acordos denominados “Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal”, subscrito pelo Autor e pelo Primeiro Réu e sua mulher em 20 de Maio de 2015, e “Alteração a Contrato de Arrendamento Florestal”, subscrito pelo Autor e pelo Primeiro Réu e sua mulher em 1 de Março de 2016, ser anulados, declarando-se em consequência a aplicabilidade do Contrato de Arrendamento Florestal de 1 de Dezembro de 2010 na sua versão original;
B – Mais deverá o acordo denominado “Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal”, subscrito pelo Autor e pelo Primeiro Réu e sua mulher em 20 de Maio de 2015, ser declarado nulo, por simulação;
C – Caso não se entenda como peticionado em A e B, deverá pelo menos o acordo denominado “Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal”, subscrito pelo Autor e pelo Primeiro Réu e sua mulher em 20 de Maio de 2015 ser declarado revogado e substituído, com efeitos imediatos, pelo acordo denominado “Alteração a Contrato de Arrendamento Florestal”, subscrito pelos mesmos em 1 de Março de 2016, nomeadamente no que se refere à renda contratualmente estipulada e ao prazo do arrendamento;
D – Deverá a acção ser julgada totalmente improcedente por não provada;
E – Deverá a reconvenção ser declarada procedente por provada e em consequência:
(i) Ser declarada a resolução válida e eficaz do contrato de arrendamento florestal celebrado entre o Primeiro Réu e sua mulher em 1 de Dezembro de 2010;
(ii) Ser declarado o dever de restituição do imóvel arrendado ao ora Primeiro Réu desde o dia 3 de Setembro de 2020, e ordenado o seu despejo, condenando-se o Autor a devolvê-lo ao Primeiro Réu, representado pelo seu acompanhante ora Segundo Réu, totalmente devoluto e livre de pessoas e bens;
(iii) Ser declarado que o Autor não podia praticar quaisquer actos permitidos pelo contrato de arrendamento florestal, em particular os previstos nas suas cláusulas 5ª e 7ª desde o dia 3 de Setembro de 2020, e ser condenado o Autor a abster-se de praticar tais actos, nomeadamente qualquer corte de árvores;
(iv) Ser condenado o Autor a pagar ao Primeiro Réu a quantia de 68.572,00 € - ou, caso se considere aplicável o acordo denominado “Alteração a Contrato de Arrendamento Florestal” subscrito em 1 de Março de 2016, a quantia de 68.000,00 €, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4% ao ano desde as datas de vencimento de cada uma das rendas anuais de 2017, 2018, 2019 e 2020, até integral pagamento;
(v) Ser condenado o Autor a pagar ao Primeiro Réu o valor anual correspondente ao dobro da renda contratual, calculado em termos proporcionais ao tempo que decorrer desde 3 de Setembro de 2020 até à restituição efectiva do arrendado, e que actualmente se computa em 14.090.14 € (ou 13.972,60 € caso se considere aplicável o valor de renda anual de 17.000,00 € referido no acordo de alteração subscrito em 1 de Março de 2016).
F – Deverá o Autor ser condenado como litigante de má fé, nos termos do art. 542º, nº 2, alínea b) do CPC, no pagamento de multa e no reembolso de todas as despesas dos Réus com o presente processo, inclusivamente os honorários a mandatário, a liquidar em momento posterior, de acordo com o disposto no art. 543º, nº 1 do CPC”.
3. O A. replicou, alegando no sentido da improcedência das exceções arguidas e, bem assim, da reconvenção, reiterando o peticionado.
4. Realizou-se audiência prévia, na qual foi admitida a reconvenção, fixou-se à causa o valor de € 111 429,50, proferiu-se saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
5. Em 31.01.2022 os RR. apresentaram articulado superveniente, com ampliação do pedido, no qual alegaram que, já após a resolução do arrendamento pelos RR., o A., sem para tal estar autorizado, havia procedido ao corte de eucaliptos na aludida propriedade, que dali havia retirado; acresce que deveriam ser declarados inválidos e nulos quaisquer acordos, entre o A. e os senhorios, de pagamentos de valores de manutenção e limpeza do terreno. Nestes termos, os RR. pediram que o A. fosse condenado, além do mais peticionado pelos RR., a pagar a estes o valor, com crescimento completo, de todos os eucaliptos cortados pelo A. na propriedade do 1.º R. após a resolução do contrato de arrendamento, a liquidar posteriormente, e que fossem declarados inválidos e anulados quaisquer acordos de pagamento de valores de manutenção e limpeza do terreno, tais como os referidos na petição inicial, para o caso de algum vir a considerar-se demonstrado.
6. O A. opôs-se à ampliação do pedido, negando os factos alegados e concluindo pela sua absolvição do pedido. Mais pediu que os RR. fossem condenados, como litigantes de má-fé, em multa e indemnização.
7. A ampliação do pedido foi admitida.
8. Realizou-se audiência final e em 17.5.2023 foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais supra citadas e com arrimo no enquadramento fáctico descrito, o Tribunal decide:
a) Julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados pelo autor e, em consequência, absolver os réus dos mesmos;
b) Declarar anulados os acordos denominados «Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal», datado de 20 de Maio de 2015, e «Alteração a Contrato de Arrendamento Florestal», datado de 1 de Março de 2016.
c) Julgar totalmente procedentes os pedidos reconvencionais e, em consequência:
1) Declarar o dever de restituição do imóvel arrendado ao 1.º réu, verificado desde o dia 3 de Setembro de 2020 e condenar o reconvindo a entregar o imóvel arrendado ao 1.º réu, livre e devoluto de pessoas e bens;
2) Condenar o reconvindo a pagar aos reconvintes a quantia global de 68.572,00€ (sessenta e oito mil quinhentos e setenta e dois euros), relativo ao valor das rendas respeitantes aos anos de 2017 a 2020, acrescido do valor dos juros de mora, contados desde a respectiva data de vencimento (1 de Julho de cada ano), à taxa de 4%.
3) Condenar o reconvindo a pagar aos reconvintes o valor anual correspondente ao dobro da renda contratual, que perfaz a quantia de 34.286,00 (trinta e quatro mil duzentos e oitenta e seis euros), calculado em tempos proporcionais ao tempo que decorrer desde 3 de Setembro de 2020 até à restituição efectiva do imóvel arrendado.
4) Condenar o reconvindo a pagar aos reconvintes o valor correspondente aos eucaliptos por este cortados no imóvel em causa, após 3 de Setembro de 2020, a ser posteriormente liquidado em sede de liquidação de sentença, nos termos do disposto nos arts. 358.º e 609.º, n.º 2, do C.P.C.
d) Condenar o autor, como litigante de má-fé, ao pagamento de uma multa que se fixa em 50 (cinquenta) UC, a que corresponde a quantia de 5.100,00€ (cinco mil e cem euros), bem como ao pagamento aos réus de uma indemnização a fixar posteriormente, nos termos do disposto no art. 543.º, n.º 3, do C.P.C.
9. O A. apelou da sentença e, por acórdão de 07.3.2024, a Relação de Évora deliberou “julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, ainda que com fundamentação não coincidente.”
10. O A. interpôs recurso de revista, onde rematou com as seguintes conclusões:
“1ª – O presente recurso é admissível, porquanto, não está consolidada, na ordem jurídica, a “dupla conforme” – Art. 671º, n.º 3, a contrário, do C.P.C. – uma vez que, o acórdão proferido pelo V. Tribunal da Relação de Évora, datado de 07/03/2024, confirmou a sentença recorrida. Porém, fê-lo com fundamentação essencialmente diferente. Aliás, é o próprio Tribunal “a quo” que, no dispositivo do seu acórdão refere: …, confirmando-se a sentença recorrida, ainda que com fundamentação não coincidente.”. Aliás,
2ª – O douto acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” é nulo e de nenhum efeito jurídico ou outro, conforme abaixo descrevemos com maior densidade, detalhe e concretizado. Com efeito,
3ª – Na pág. 61 (não numerada) do acórdão refere: “… a questão do decurso do prazo de vigência do contrato de arrendamento florestal não foi invocada pelos recorridos, como fundamento dos pedidos que formularam, e também não é de conhecimento oficioso, pelo que, estava vedado ao Tribunal “a quo” pronunciar-se sobre ela. Tendo-o feito, incorrem em excesso de pronuncia, padecendo a sentença da nulidade prevista no Art. 615º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do C.P.C.. Ora,
4ª – No dispositivo do seu acórdão, o Tribunal “a quo”, não faz qualquer referência à nulidade da sentença da 1ª Instância – apesar de nos fundamentos do acórdão fazer referência à nulidade da sentença da 1ª Instância. Donde, estamos perante um verdadeiro oxímoro – limitando-se, sem mais, a deliberar julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida, ainda que com fundamentação não coincidente. Ora, tal constitui uma nulidade, que se invoca para todos os efeitos legais daí decorrentes e advenientes. Com efeito,
5ª – Não sendo o direito uma ciência exacta, não é de todo, uma ciência ininteligível. Pois, o direito é uma ciência axiomática com alguma opacidade e de elevada complexidade. Donde, sendo uma sentença nula. É nula e ponto. Devendo tal constar do dispositivo do acórdão aqui “atacado” mas que no caso “subjudice” não constou; e, como tal o Tribunal “a quo”, na prática, confirmou uma sentença nula, o que em si mesmo constitui uma nulidade “per si”, o que se invoca, para todos os efeitos legais daí decorrentes e advenientes. Aliás,
6ª – “In casu”, e atento o sobredito nas conclusões supra que antecedem a esta, o Tribunal “a quo” violou o estabelecido no Art. 615º, n.º 1, alínea c), do C.P.C.. Pois,
7ª – O Tribunal “a quo” deveria ter feito constar no dispositivo do seu acórdão/decisão que a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância é nula, para que tal coincidisse com o que plasmou nas páginas (não numeradas) 61, 63 e 64 – entre outras –, do seu acórdão. E nunca, mas nunca, ter confirmado uma sentença que no seu próprio dizer é nula. Daí que, ao fazê-lo, o Tribunal “a quo” proferiu um acórdão também ele nulo e de nenhum efeito jurídico ou outro. Nulidade essa que se invoca para todos os efeitos legais daí decorrentes e advenientes. Mas mais,
8ª – O Tribunal “a quo” para proferir o acórdão que proferiu convocou o estabelecido no Art. 665º, n.º 1, do C.P.C.. Porém, “olvidou-se” de dar cumprimento ao estabelecido no n.º 3 do supra referido normativo legal e vai daí que, se subtraiu ao cumprimento do n.º 3, do Art. 665º, do C.P.C., violando dessa forma e modo o mencionado do normativo legal, não ouvindo as partes, nem notificando as partes para o sobredito efeito. Pelo que, e no que concerne, estamos perante uma nulidade que se invoca para todos os efeitos legais daí decorrentes e advenientes.
9ª – As supra referidas nulidades foram invocadas (também) junto, do Tribunal “ a quo”, através de requerimento próprio para o efeito apresentado em 18/03/2024, ref. Citius: ...74, sendo certo que, até à presente data (25/03/2024) o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre os aí invocadas nulidades.
10ª – Salvo o devido respeito por melhor e douta opinião o Tribunal “a quo” deliberou mal e ilegalmente quando, no dispositivo do seu acórdão deliberou: “Delibera-se pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida, ainda que com fundamentação não coincidente. Custas a cargo do recorrente.”. Senão vejamos,
11ª – O Tribunal de 1ª Instância discorreu sobre a extinção do contrato de arrendamento florestal, quando, tal questão não lhe foi colocada, não consta em qualquer pedido, incorrendo em excesso de pronuncia, produzindo, dessa forma e modo, uma sentença nula e de e nenhum efeito jurídico ou outro.
12ª – Já o Tribunal “a quo” discorreu sobre um alegado “contrato novo” (vidé pág. 92 – não numerada – do acórdão da Relação de Évora: “… ao contrário do que o recorrente sustenta, a adenda constitui um novo contrato…”. “Esquecendo-se”, não convocando, o estabelecido no Art. 9º, n-º 7 e Art. 11º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 294/2009 de 13/outubro; onde este tipo de adenda é permitida e até regulada.
13ª – O A. foi objecto de uma notificação judicial avulsa em 3/set./2020. Sendo certo que, do conteúdo de tal notificação judicial avulsa não se verifica qualquer menção à adenda ao contrato de arrendamento florestal de 20/maio/2015 ou a qualquer outra, seja de que natureza fôr. Adenda essa que o réu CC teve conhecimento em julho/2015 (vidé 75º dos factos provados) e que foi entregue no competente serviço de finanças, conforme documentação não impugnada constante nos autos. Ou seja,
14ª – O Réu CC – em representação de seu pai BB – apesar de ter tido conhecimento da adenda em questão em julho/2015 subtraiu-se a plasmar e/ou a referir por qualquer forma e/ou modo, na mencionada notificação judicial avulsa de que o A. foi objecto em 3/set./2020, a referida adenda de que tinha conhecimento desde julho/2015.
15ª – Diz claramente o Tribunal “a quo”, na página 97 – não numerada – do seu douto acórdão que: “… vigora então a adenda…”. Assim sendo, e porque vigorava então a adenda e tendo o Réu CC – em representação de seu pai BB –, furtando-se, subtraindo, a adenda em apreço à notificação judicial avulsa de que o A. foi objecto em 3/set./2020, não podem deixar de proceder os pedidos efectuados nas alíneas A), B) e C), do peditório do A., porquanto, se reportam à notificação judicial avulsa de que o A. foi Página 17 de 22 objecto em 3/set./2020. Pois, irrelevante é o facto do Tribunal de 1ª Instância muito posteriormente e pela 1ª vez em 17/05/2023 ter declarado anulada a adenda numa sentença nula. Aliás,
16ª – Uma vez que a adenda em questão foi subtraída à notificação judicial avulsa de que o A. foi objecto em 3/set./2020, e uma vez que, à data, a mesma vigorava, para todos os efeitos legais, jamais se poderá considerar a data de 3/set./2020, como data matricial, para o que quer se seja, mormente para condenar o A./reconvindo no que quer que seja, tendo como referência a referida data de 3/set./2020. O Tribunal “a quo” ao considerar tal data, para, a partir daí, condenar o A./reconvindo de forma e modo que o fez, violou, entre outros, o estabelecido no Art. 3º, n.º 3, do C.P.C.. Com efeito,
17ª – Encontrando-se, à data, a “adenda” em vigor, e nunca ninguém, até ai ter posto em causa a sua existência, validade e vigência judicialmente (único meio relevante para o sobredito efeito), o R. CC – em representação de seu pai BB –, jamais se poderia furtar, subtraindo a adenda, à notificação judicial avulsa, sob pena de, como na nossa humilde opinião é o caso, a notificação judicial avulsa ser considerada nula ou anulada por violação do estabelecido do Art, 29º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 294/2009 de 13/outubro, que é o caso “subjudice”. Aliás,
18ª – Os Réus se pretendiam a resolução do contrato em toda a sua extensão incluindo a adenda, que fazia parte integrante do mesmo, que então estava em vigor, teriam que convocar o estabelecido no Art. 436º, n.º 1, Código Civil, concatenado com o estabelecido no Art. 29º, n.º2, do Dec. Lei n.º 294/2009 de 13/outubro. Porém, não o fizeram. Donde, a data de 3/set./2020 não pode ser matriz e/ou índice para o que quer que seja, nomeadamente para condenar o A./reconvindo no que quer que seja; uma vez que os susoditos normativos legais não foram cumpridos; já que, não consta da notificação de que o A. foi objecto em 3/set./2020 qualquer declaração dos Réus a comunicarem ao A./reconvindo a resolução da adenda datada de 20/maio/2015.
19ª – Quer no dorso da fundamentação da reconvenção (Arts. 154º a 163º, da reconvenção), quer do pedido reconvencional em concreto (alíneas E, (i), (ii), (iii), (iv) e (v), do pedido reconvencional), não se vislumbra expressamente, que, em sede de pedido reconvencional, os reconvintes tenham expressamente pedido que fosse declarado anulado o acordo denominado “adenda a contrato de arrendamento florestal”, datada de 20/maio/2015. Pelo que, o Tribunal “a quo” incorreu em excesso de pronuncia, violando, dessa forma e modo, o estabelecido na alínea D) – 2ª parte – do n.º 1, do Art. 615º, do C.P.C., quando, sem mais, e no encalce da sentença 1ª Instância – também ela nula – que confirmou, declarou – no modo supra referido – anulado o acordo denominado “adenda a contrato de arrendamento florestal, datada de 20/maio/2015. Pelo que, e no que concerne, o acórdão proferido pelo Tribunal a que agora e aqui “atacado” é nulo e de nenhum efeito jurídico ou outro. Nulidade essa que se invoca para todos os efeitos legais daí advenientes e decorrentes.
20ª – Os réus/reconvintes em E, (iv), do seu pedido reconvencional, efectuaram pedido alternativo, no qual pedem (alternativamente) que fosse considerado aplicável o acordo denominado “alteração a contrato de arrendamento florestal”, subscrito em 1/março/2016.
21ª – Não vislumbramos que, em sede de reconvenção, os Réus/reconvientes tenham pedido expressamente a anulação do tal alegado “acordo” de 1/março/2016. Pois, o que expressamente resulta do pedido reconvencional efectuado pelos Réus/reconvintes (alínea E), (iv), de tal pedido reconvencional), é um pedido alternativo, mas não de anulação. Donde, também aqui e no que concerne, o Tribunal “a quo” incorreu em excesso de pronuncia, violando, dessa forma e modo, o estabelecido na alínea d) – 2ª parte – do n.º 1, do Art. 5/6º, do C.P.C, sendo por isso, o acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” nulo e de nenhum efeito jurídico ou outro. Nulidade essa que se invoca para todos os efeitos legais daí decorrentes e advenientes.
No encalce aliás da decisão/sentença proferida pela 1ª Instância, também ela nula, que o Tribunal “a quo” confirmou, sem mais, a sentença da 1ª Instância, também ela nula.
22ª – Da análise das nulidades supra invocadas, há sempre que ter presente que, a reconvenção é uma acção enxertada noutra acção, configurando uma acção cruzada em que os Réus/reconvintes dirigem contra o Autor um novo e distinto pedido, passando a existir, dentro do mesmo processo, duas acções cruzadas, mas autónomas.
23ª – O Tribunal “a quo” pôs em crise a validade probatória atestativa de documentos autênticos – escrituras públicas de compra e venda; certidão judicial; relatório técnico e certidão de teor comercial relativa a sociedade comercial a atestar que a mãe do Réu CC era gerente da sociedade comercial à data da realização da adenda de 20/maio/2015. Acontece porém que, tais documentos têm força probatória plena, não tendo aliás a sua validade e/ou autenticidade sido posta em causa por nenhuma das partes.
Pelo que,
24ª – o Tribunal “a quo” ao desconsiderar (nas pág. 68, 69 e 70 do acórdão) a força probatória plena de tais autênticos acima mencionados e o aí mencionado e atestado, violou o estabelecido no Art 371º, n.º 1 do Código Civil, desaguando, necessariamente numa errada e ilegal apreciação da prova.
25ª – A caducidade estabelecida no Art. 1085º do Código Civil (lei substantiva) é do conhecimento oficioso. Bem assim como a caducidade estabelecida do Art. 17º, n.º 5, do Dec. Lei n.º 294/2009 de 13/outubro.
26ª – O A./reconvindo invocou expressamente a caducidade no artigo 24º da sua replica, estribando-a no decurso do tempo (únicos dois requisitos necessários e suficientes para invocação da caducidade que não seja do conhecimento oficioso).
27ª – O Tribunal “a quo” ao não considerar não seu douto acórdão a caducidade estabelecida no Art. 1085º do Código Civil (Lei substantiva), nem a caducidade estabelecida no Art. 17º, n.º5, do Dec. Lei n.º 294/2009, de 13/outubro, violou os susoditos normativos legais.
28ª - Do que decorre supra, óbvio é que o Tribunal “a quo” decidiu mal e ilegalmente quando decidiu confirmar a sentença dada pela 1ª Instância e decidiu consequentemente anular/declarar anulada a Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal datada de 20/Maio/2015.
29ª - O Tribunal “a quo” decidiu mal e ilegalmente quando confirmou a sentença da 1ª Instância e consequentemente condenou o A./Reconvindo a pagar aos Reconvintes o valor correspondente aos eucaliptos cortados após 3/Setembro/2020. Consubstanciando tal um manifesto e ilícito enriquecimento sem causa (Art. 473º do Código Civil), a favor dos Réus reconvintes.
30ª - Em parte alguma da matéria dada por provada está dado por provado qual o fim a que se destinavam os montantes referidos em 81. a 84. Dos factos provados. V.g. não constam dos autos quaisquer recibos de renda emitidos pelo R. BB e/ou EE, nem estes declararam o que quer que fosse relativamente a tal junto da A.T./Serviço de Finanças conforme informação de Fls. dos autos dada por essa Entidade. Donde,
31ª - Jamais o A./Reconvindo deveria ter sido condenado como litigante de má fé. Pelo que, o Tribunal “a quo” ao confirmar a sentença da 1ª Instância, decidiu mal e ilegalmente quando condenou o A./Reconvindo como litigante de má-fé, tendo, no que concerne, violado o estabelecido no artº 542º e 543º, do C.P.C. Acresce ainda que,
32ª – Ao confirmar a sentença da 1ª Instância, o Tribunal “a quo” e, de todo o modo mais se dirá que, o montante em que o Tribunal “a quo” condenou o A./Reconvindo como litigante de má-fé (50 U.Cs. de multa) é um montante excessivo, descabido, iníquo, desproporcional e insensato.
33ª - Ao confirmar a sentença da 1ª Instância, o Tribunal “a quo” decidiu mal e ilegalmente quando indeferiu a pretensão do A./Reconvindo para que os Réus fossem condenados como litigantes de má-fé, tendo violado desse modo e forma o estabelecido nos artsº 542º e 543º do C.P.C.. Com efeito,
34ª - Em 75. dos factos dados por provados em Julho/2015 o 2º Réu CC tomou conhecimento da Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal datada de 20/Maio/2015 (7. e 8., dos factos provados).
35ª - Porém, na notificação judicial avulsa que expeliu e que o A./Reconvindo foi notificado em 3/Setembro/2020 (10. Dos factos provados) não faz qualquer menção e/ou reporte a tal Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal datado de 20/Maio/2015 (7. e 8. Dos factos provados), e de que tinha inteiro e perfeito conhecimento desde Julho/2015.
36ª - Tal consubstância litigância de má-fé e, como tal, os R.R.R. BB/CC/DD deveriam ter sido condenados como litigantes de má-fé conforme requerido pelo A./Reconvindo e não foram; tendo, no que concerne, o Tribunal “a quo” violado o estabelecido nos artsº 542º e 543º, do C.P.C., uma vez que confirmou a sentença do Tribunal da 1ª Instância.
37ª – Não consta na matéria dada por provada que no momento da realização da referida Adenda de 20/Maio/2015 o BB e mulher, EE, não tivessem na plenitude das suas respectivas capacidades cognitivas e de entendimento. Assim sendo, e no susodito circunspecto,
38ª – Deverá o Venerando Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) proferir douto acórdão, o que se requer, que revogue “in totum” o acórdão proferido pelo V. Tribunal da Relação de Évora, datado 07/03/2024, com as respectivas consequências legais daí decorrentes e advenientes; o que igualmente se requer.
11. Os RR. contra-alegaram, pugnando pela rejeição do recurso por falta de conclusões ou, pelo menos, quanto à caducidade do direito de resolução, por verificação de dupla conforme; subsidiariamente, defenderam o indeferimento das nulidades arguidas e a improcedência do recurso.
12. Foram colhidos os vistos legais.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. O objeto do recurso é o constante na respetiva motivação, delimitada pelas respetivas conclusões. É o que se retira do disposto nos artigos 639.º n.º 1 e 635.º n.º 4 do CPC. Assim, exceção feita às questões que sejam de conhecimento oficioso, o tribunal ad quem não pode apreciar questões que não se encontrem enunciadas nas conclusões do recurso. Por outro lado, sendo as conclusões proposições sintéticas do conteúdo da motivação, não poderão ser consideradas na parte em que não encontrem tradução na motivação (neste sentido, cfr., v.g., António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª edição, 2022, pág. 135; no sentido da conformidade deste entendimento com a Constituição, cfr. o acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 462/2016, de 14.7.2016). Assim, por não serem mencionadas no corpo da alegação do recurso, não serão aqui consideradas, como objeto deste, as questões tratadas nas conclusões 29.ª (enriquecimento sem causa adveniente da condenação do A. no pagamento, aos RR., do valor correspondente aos eucaliptos cortados após 3 de setembro de 2020) e 30.º (destino dos montantes referidos em 81 a 84 da matéria de facto).
Assim, as únicas questões que poderão ser consideradas objeto deste recurso são as seguintes: nulidade do acórdão recorrido, por contradição entre a fundamentação da decisão e a decisão e por obscuridade; nulidade, por incumprimento do art.º 665.º n.º 3 do CPC; nulidade do acórdão recorrido, por excesso de pronúncia, ao declarar a anulação da adenda contratual datada de 20.5.2015 e ao declarar a anulação da adenda contratual datada de 01.3.2016; violação do art.º 371.º do Código Civil, por desconsideração da força probatória plena de documentos autênticos; não consideração da caducidade estabelecida no art.º 1085.º do Código Civil; procedência dos pedidos formulados pelo A. sob as alíneas a), b) e c) e improcedência dos pedidos dos RR.; indevida condenação do A. como litigante de má-fé; indevida improcedência do pedido de condenação dos RR. como litigantes de má-fé.
2. Primeira questão (nulidade do acórdão recorrido, por contradição entre a fundamentação da decisão e a decisão e por obscuridade)
Na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º comina-se com nulidade a sentença quando “[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
A nulidade da sentença e/ou do acórdão por contraditoriedade entre os fundamentos e a decisão ocorre quando o teor dos fundamentos aponta para um determinado sentido do veredito do tribunal e, afinal, o tribunal envereda por um resultado que não tem conexão lógica com essas premissas. Trata-se, pois, de um vício lógico que compromete a sentença.
Por outro lado, a decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol I, Almedina, 3.ª edição, 2022, p. 794). A obscuridade ou ambiguidade só gera ininteligibilidade da parte decisória da sentença (ou do despacho) quando um declaratário normal, nos termos dos artigos 236.º n.º 1 e 238.º n.º 1 do CC não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 4.ª edição, 2019, Almedina, p. 735).
O recorrente aponta ao acórdão recorrido os referidos vícios, na medida em que no acórdão, após se considerar que a sentença recorrida enfermava de nulidade, deliberou-se confirmar a sentença, “ainda que com fundamentação não coincidente”.
Vejamos.
Conforme consta no Relatório supra, a sentença recorrida julgou procedentes os pedidos reconvencionais deduzidos pelos RR. Porém, na respetiva fundamentação, em lugar de julgar o contrato de arrendamento extinto em virtude de resolução, invocada pelos RR., a primeira instância invocou a caducidade do contrato de arrendamento, por ter decorrido o seu prazo, não sujeito a renovação, circunstância de que conheceu oficiosamente, sem ter sido suscitada por qualquer das partes.
Ora, em sede de apelação, o A. arguiu, além do mais, a nulidade da sentença, por, ao ajuizar acerca da caducidade do contrato de arrendamento, se ter pronunciado sobre questão não formulada, violando o disposto no art.º 615.º n.º 1, alíneas c), d) e e) do CPC.
A Relação, apreciando a referida arguição de nulidade, deu-a por verificada. Com efeito, no acórdão ora recorrido consta, nomeadamente, o seguinte:
“A causa de pedir dos pedidos reconvencionais acima referidos é complexa, sendo constituída: 1) Pelos factos que, na tese dos reconvintes, determinam a invalidade das alterações ao contrato celebradas em 20.05.2015 e 01.03.2016; 2) Pela falta de pagamento das rendas, no montante resultante da primeira (e, sendo assim, única) versão do contrato, relativas aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020; 3) Pela existência de uma resolução válida e eficaz do contrato, efectuada em 03.09.2020.
O tribunal a quo julgou procedentes os pedidos de declaração da existência, desde 03.09.2020, do dever de restituição do imóvel arrendado, e de condenação do recorrente a proceder a esta restituição, com fundamento na invalidade das alterações ao contrato celebradas em 20.05.2015 e 01.03.2016 e no decurso do prazo de duração do contrato que foi estipulado na primeira e única versão deste. Ou seja, julgou o contrato extinto por efeito, não da resolução invocada pelos recorridos, mas sim do decurso do prazo estipulado nesse contrato, que estes não invocaram como causa de pedir.
A apontada discrepância entre o fundamento da reconvenção e o da sentença traduz-se numa violação do disposto no artigo 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC. A questão do decurso do prazo de vigência do contrato de arrendamento florestal não foi invocada, pelos recorridos, como fundamento dos pedidos que formularam, e também não é de conhecimento oficioso, pelo que estava vedado, ao tribunal a quo, pronunciar-se sobre ela. Tendo-o feito, incorreu em excesso de pronúncia, padecendo a sentença da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do CPC.
(…)
Sendo assim, o tribunal a quo devia ter-se abstido de declarar o contrato extinto com fundamento no decurso do seu prazo de vigência e, em vez disso, devia ter apreciado se o fundamento de extinção invocado pelos recorridos (resolução) procedia.
A nulidade da sentença recorrida, nos termos expostos, não determina a descida dos autos ao tribunal a quo para que profira nova sentença. Em vez disso, nos termos do artigo 665.º, n.º 1, do CPC, o tribunal ad quem conhecerá da questão da validade e eficácia da resolução do contrato, questão essa amplamente discutida no tribunal a quo”.
Verifica-se, pois, que o tribunal a quo considerou que a sentença recorrida enfermava de nulidade, por ter apreciado questão de que não podia conhecer. Porém, em cumprimento do disposto no art.º 665.º n.º 1 do CPC, a Relação decidiu substituir-se ao tribunal recorrido, suprindo a nulidade, isto é, conhecendo da questão da validade e eficácia da resolução do contrato.
E, conhecendo dessa questão, a Relação exarou o seguinte:
“5 – Validade e eficácia da resolução do contrato de arrendamento:
Atentas a invalidade e a consequente anulação, quer da “Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal” subscrita em 20.05.2015, quer da “Alteração a Contrato de Arrendamento Florestal” subscrita em 01.03.2016, anulação essa que tem eficácia retroactiva (artigo 289.º, n.º 1, do CC), considera-se que o «Contrato de Arrendamento Florestal» celebrado em 01.12.2010 vigorou até 03.09.2020, data em que, através de notificação judicial avulsa, foi resolvido.
O fundamento da resolução foi a falta de pagamento das rendas vencidas em 01.07.2017, 01.07.2018, 01.07.2019 e 01.07.2020. Cabia ao recorrente o ónus da prova desse pagamento, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do CC. Porém, os factos alegados pelo recorrente com vista a demonstrá-lo foram julgados não provados.
A falta de pagamento da renda constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento rural pelo senhorio, nos termos do artigo 17.º, n.º 2, al. a), do Novo Regime do Arrendamento Rural (Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13.10).
Consequentemente, a resolução do contrato, efectuada em 03.09.2020, foi válida e eficaz, tendo produzido o seu típico efeito extintivo da relação contratual. Extinguiu-se, assim, o título jurídico que legitimava o recorrente a ocupar o prédio, pelo que ele tem o dever de o restituir desde aquela data, tal como se decidiu na sentença recorrida”.
E, apreciando os restantes pedidos deduzidos pelos RR. na reconvenção, a Relação confirmou a sentença recorrida.
Após o que formulou o dispositivo já acima transcrito, transcrição que aqui se reitera:
“Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, ainda que com fundamentação não coincidente.”
Ora, do exposto resulta que o acórdão recorrido não enferma de contradição entre a fundamentação e a decisão, nem de ininteligibilidade. Verificada a nulidade da sentença recorrida, por ter conhecido de questão de que não podia apreciar e não ter apreciado o fundamento da resolução do contrato, invocado pelos RR., a Relação supriu essa nulidade e, embora com fundamentação diferente, confirmou a sentença recorrida, na medida em que manteve o seu dispositivo, absolvendo os RR. do peticionado pelo A. e condenando o A. nos termos pedidos pelos RR./reconvintes.
Nesta parte, pois, a apelação é improcedente.
3. Segunda questão (nulidade, por incumprimento do art.º 665.º n.º 3 do CPC)
3.1. As instâncias, sem divergências entre si, deram como provada a seguinte
Matéria de facto
1. Por via da AP. ... de 05-02-1985, encontra-se registada a aquisição do direito de propriedade, por partilha da herança, do imóvel misto, denominado «Herdade ...», descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...85, e inscrito na matriz sob os artigos ..43, ...44 e ...73, em nome de GG e do 1.º réu.
2. No âmbito da acção de divisão de coisa comum n.º 93/04.1..., relativa ao imóvel identificado em 1), que correu termos no Tribunal Judicial de ... – Secção Única, foi homologada por sentença transitada em julgada a adjudicação da parcela A aos ali requerentes EE e 1.º réu, correspondente a uma área total de 120,671h e, por outro lado, a parcela B aos requeridos HH, II, JJ e KK.
3. O 1.º réu e EE, falecida em ... de Setembro de 2019, contraíram casamento católico em ...-02-1972, no regime de comunhão de adquiridos.
4. O 1.º réu e EE, na qualidade de senhorios, e o autor, na qualidade de arrendatário, subscreveram o documento escrito, denominado «Contrato de Arrendamento Florestal», datado de 01-12-2010.
5. O referido documento escrito apresenta a seguinte redacção:
“CONTRATO DE ARRENDAMENTO FLORESTAL CONTRAENTES
1ºs - BB e mulher EE, casados na comunhão de adquiridos, contribuintes fiscais números ...09 ...05, respectivamente, residentes no Bairro ..., em..., como primeiros Outorgantes, adiante designados Senhorios
- AA, casado, contribuinte fiscal n° ...55, residente em Rua do ..., ..., como Arrendatário
O 1° Outorgante marido é proprietário do prédio rústico, denominado "...", sito em ..., inscrito na matriz sob o Art°. ...44 - B da Freguesia de ..., Concelho de ....
O referido Prédio é composto por eucaliptal, pasto e sobreiros.
Os Senhorios pretendem ceder a exploração da zona de eucaliptal, de pasto bem como a exploração cinegética do mesmo, reservando a gestão do resto das valências do prédio.
As partes celebram, de forma livre e consciente, o presente CONTRATO DE ARRENDAMENTO FLORESTAL, que se rege nos termos das cláusulas seguintes:
2 . O arrendamento a constituir destina-se á exploração do eucaliptal, exploração cinegética e da zona de pasto, não abrangendo a exploração ou disposição da zona de sobreiros.
2 . O Arrendatário tomará posse do arrendado no dia da assinatura do presente contrato, podendo dar inicio ás iniciativas necessárias aos fins da exploração cedida pelo presente contrato.
3 . No final do sexto ano, o Arrendatário poderá fazer cessar o contrato por meio de carta registada, remetida com uma antecedência não inferior a seis meses sobra a data em que a cessação tenha efeitos.
2 . O Arrendatário não pode alterar, sem prévio e expresso consentimento dos Senhorios, o tipo de ocupação que o prédio actualmente regista nas suas diversas zonas;
3 . Ficam expressamente excluídos do presente arrendamento quaisquer actos de disposição ou exploração relativos aos sobreiros existentes no prédio;
4 . O arrendatário obriga-se a autorizar e não obstruir ou dificultar de qualquer modo os actos que se revelem necessários á normal exploração, gestão e manutenção dos sobreiros existentes no prédio;
a) – Conservar as características do terreno existentes à data de início do presente contrato.
b) – Proceder a uma utilização cuidada e coerente do solo, fazendo uso de «práticas adequadas de exploração, de forma a manter o mesmo em bom estado de conservação.
2 . As benfeitorias efectuadas durante a vigência do presente contrato, serão consideradas parte integrante do prédio em questão, não tendo o Arrendatário qualquer direito a retenção ou indemnização, seja a que título for, incluindo o de diminuição da renda, pelas mesmas.
3. O Arrendatário pode apresentar propostas ou pedidos de atribuição de subsídios ou qualquer vantagem inerente á posse e exploração do prédio arrendado, sem prévia autorização dos Senhorios, fazendo suas todas as quantias e vantagens recebidas no âmbito dos mesmos.
2 . Quando, no prédio arrendado, por causas imprevisíveis c anormais, nomeadamente intempéries, incêndios e inundações, resultarem danos. estes são da exclusiva responsabilidade do Arrendatário.
2 . Qualquer alteração dos domicílios deverá ser objecto de comunicação á outra parte com antecedência mínima de quinze dias, sob pena de não ser oponível a não recepção de qualquer comunicação com base na alteração de morada:
3 . Para dirimir qualquer litígio emergente da interpretação, discussão, aplicação ou incumprimento do presente contrato, será competente o Tribunal Judicial de ...;
4 . Qualquer alteração ao presente contrato deverá revestir a forma escrita e apenas será válida depois de assinadas pelas partes outorgantes.
a) Não pagar a renda no tempo e lugar próprio, nem fizer o pagamento nos termos previstos;
b) Faltar ao cumprimento de alguma obrigação legal ou contratual com prejuízo grave para a produtividade, substancia ou função económica e social do prédio;
c) Usar o prédio para fins diferentes do estipulado no contrato;
d) Não velar pela boa conservação dos bens ou causar prejuízos graves nos que, não sendo objecto do presente contrato, existam no arrendado;
c) Sublocar ou comodatar, total ou parcialmente, o prédio arrendado, ou ceder a sua posição contratual.
A Primeira Outorgante mulher dá a seu marido o necessário consentimento à celebração do presente contrato.
..., 1 de Dezembro de 2010”
6. O referido acordo foi apresentado junto da Repartição de Finanças de ... em 29-10-2010.
7. O 1.º réu e EE, na qualidade de senhorios, e o autor, na qualidade de arrendatário subscreveram o documento escrito, denominado «Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal», datado de 20-05-2015.
8. O documento a que se alude no número anterior apresenta a seguinte redacção:
“ADENDA A CONTRATO DE ARRENDAMENTO FLORESTAL CONTRAENTES
1ºs - BB e mulher EE, casados na comunhão de adquiridos, contribuintes fiscais números ...09 ...05, respectivamente, residentes no Bairro ..., em ..., como primeiros Outorgantes, adiante designados Senhorios
- AA, casado, contribuinte fiscal n° ...55, residente em Rua ..., ..., como Arrendatário
Os Outorgantes acordam na alteração do Contrato de Arrendamento Florestal celebrado em 01.12.2010. o qual passa a ter a seguinte redacção:
“
dar inicio ás iniciativas necessárias aos fins da exploração cedida pelo presente Os 1°s Outorgantes são proprietários do prédio rústico, denominado "...", sito em ..., inscrito na matriz sob o Art°. ...44 - B da Freguesia de ..., Concelho de ....
O referido Prédio é composto por eucaliptal, pasto e sobreiros.
Os senhorios pretendem ceder a exploração do referido prédio nomeadamente nas sua vertentes agrícola e florestal com a exploração de pastagem, eucaliptal, azinheiras e sobreiros.
2. O arrendamento a constituir destina-se á exploração do eucaliptal, exploração cinegética e zona de pasto, bem como da zona de sobreiros e azinheiras.
2. O Arrendatário tomará posse do arrendado no dia da assinatura do presente contrato, podendo contrato.
2. O Arrendatário pode alterar, sem prévio e expresso consentimento dos Senhorios o tipo de ocupação que o prédio actualmente regista nas suas diversas zonas:
3. O Arrendatário fica desde já autorizado á prática de todos os actos que se revelem necessários á normal exploração, gestão e manutenção dos sobreiros e azinheiras existentes no prédio.
2 . As benfeitorias efectuadas durante a vigência do presente contrato, serão consideradas parte integrante do prédio em questão, não tendo o Arrendatário qualquer direito a retenção ou indemnização, seja a que titulo for, incluindo o de diminuição da renda, pelas mesma, á excepção das realizadas nos prédios urbanos bem como nas referentes a cercas e vedações.
3. O Arrendatário pode apresentar propostas ou pedidos de atribuição de subsídios ou qualquer vantagem inerente á posse e exploração do prédio arrendado, sem prévia autorização dos Senhorios, fazendo suas todas as quantias e vantagens recebidas no âmbito dos mesmos.
2 . Quando, no prédio arrendado, por causa imprevisíveis e anormais, nomeadamente intempéries, incêndios e inundações, resultarem danos, estes são da exclusiva responsabilidade do Arrendatário.
2. Qualquer alteração dos domicílios deverá ser objecto de comunicação á outra parte, com antecedência mínima de quinze dias, sob pena de não ser oponível a não recepção de qualquer comunicação com base na alteração de morada;
3. Para dirimir qualquer litigio emergente da interpretação discussão, aplicação ou incumprimento do presente contrato, será competente o Tribunal Judicial da Comarca de ....
4. Qualquer alteração ao presente contrato deverá revestir a forma escrita e apenas será válida depois de assinadas pelas partes outorgantes.
a)Não pagar a renda no tempo e lugar próprio, nem fizer o pagamento nos termos previstos;
b) Faltar ao cumprimento de alguma obrigação legal ou contratual com prejuízo grave para a produtividade, substancia ou função económica e social do prédio.
c) Usar o prédio para fins diferentes do estipulado no contrato.
d) Não velar pela boa conservação dos bens ou causa de prejuízos graves nos que não sendo objecto do presente contrato, existam no arrendado.
..., 20 de Maio de 2015”
9. O acordo mencionado em 4) foi apresentado junto da Repartição de Finanças de ... em 26-05-2015.
10. Por via da notificação judicial avulsa, que correu ternos sob o n.º 55/20.1..., no Juízo de Competência Genérica de ... – Tribunal Judicial da Comarca de ..., realizada em 03-09-2020, o 1.º réu, representado pelo 2.º réu, comunicou ao autor o seguinte:
Nestes termos e nos mais de direito, que V.Exa doutamente suprirá se requer a V.Exa:
A – Se digne ordenar, a notificação judicial avulsa de AA, casado, residente na Rua ..., ..., levando-se ao seu conhecimento, através da entrega da cópia do presente requerimento e documentos juntos.
A. 1. Que o senhorio, designadamente acompanhado pelo seu filho CC, dá por resolvido, com efeitos imediatos o contrato de exploração florestal celebrado entre as partes em 1 de Dezembro de 2010;
A. 2. Que deve o mesmo entregar o prédio objeto do contrato, livre e devoluto, ao seu proprietário, na pessoa do acompanhante seu filho, com efeitos imediatos, após efectuada a presente notificação.
A. 3. Devendo ainda abster-se da prática de qualquer ato consentido contratualmente, designadamente os previstos nos artigos 5º e 7º do contrato.»
11. Em Maio de 2010, o autor procedeu à limpeza do imóvel acima referido, uma vez que a vegetação lá existente atingia uma altura de 3 metros, o que gerava um elevado risco de incêndio e impossibilitava a circulação pela propriedade em causa.
12. O autor continuou a fazer a limpeza do prédio em causa até à presente data.
13. Aquando da realização do acordo mencionado em 5), estava para breve o corte de eucaliptos e consequente venda dos mesmos por parte do autor.
14. Em 2003, a propriedade em causa foi afectada por um incêndio.
15. O autor procedeu ao corte e venda de eucalipto durante os anos de 2013, 2014 e início de 2015.
16. A partir do início do ano de 2015, o autor apenas usava a propriedade em causa para pasto de animais.
17. De modo a evitar potenciais fogos na propriedade e manter o crescimento floresta adequado, respeitando as necessidades ambientais da propriedade e por forma a mesma estar sempre limpa e adequadamente tratada, a propriedade em causa necessita de trabalho maquinal e humano (durante um período de tempo não concretamente apurado), com máquinas apropriadas, designadamente para limpeza de matos, selecção de rebentos, lavrar aceiros, manter caminhos limpos e sem mato, bem como proceder a adubação.
18. O exposto em 17) acarreta custos com aquisição de combustível, adubo e pagamento de mão de obra em valor não concretamente apurado.
19. O eucaliptal existente na propriedade em causa tem mais de 50 anos de idade e está apto a produzir rendimento decorrente do corte e venda de madeira sensivelmente 10/12 anos em 10/12 anos.
20. O autor emitiu em nome do 1.º réu e de EE as facturas n.º ...7 (datada de 19-12-2010) e n.º ...3 (datada de 18-12-2011).
21. O 1.º réu e EE assinaram as referidas facturas.
22. O acordado em 5) não abrangia uma área de 14h, conhecida como a «Horta», na qual a família dos réus sempre cultivou produtos para consumo próprio familiar, composta, além do mais, por pomares de árvores de fruto.
23. Por sentença de 20 de Novembro de 2019, proferida pelo Juízo Local Cível de ... – Juiz …, no âmbito do processo n.º 35814/15.8..., transitada em julgado, o 1.º réu foi declarado maior acompanhado, em regime de representação geral pelo seu acompanhante, com início da respectiva incapacidade em data não apurada de 2012/2013, momento do agravamento do seu estado de saúde.
24. Ainda no âmbito daquele processo, o 2.º réu foi nomeado como acompanhante do 1.º réu, e o 3.º réu foi nomeado como acompanhante substituto. 25. Através da decisão judicial supra referida foram atribuídos ao acompanhante os deveres, relativos ao 1.º réu, de “velar pelo seu bem-estar pessoal e patrimonial e cuidados de saúde, mantendo as consultas regulares e tratamento medicamentoso e ou psicológico ao mesmo medicamente prescrito e ou que o venha a ser, no futuro, não podendo o requerido, em sede de direitos pessoais, decidir sobre quanto a aceitar ou não tratamentos médicos/psicológicos ao mesmo propostos/prescritos, quanto à fixação da sua residência/domicílio, nem quanto à decisão de viajar, em Portugal ou no estrangeiro”.
26. Até ao Verão de 2017, o 1.º réu viveu com o seu cônjuge numa moradia sita em ..., no Bairro ....
27. A Sra. Dra. LL emitiu um relatório médico, datado de 5 de Janeiro de 2001, relativo ao 1.º réu, com o seguinte teor:
“LL, médica psiquiatra e Professora de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de ..., portadora da CP nº ...90, atesta o seguinte sobre a situação clínica do Sr. Dr. BB, de 61 anos de idade:
1) Este senhor tem uma história psiquiátrica iniciada em Maio de 1998, sendo por mim assistido desde 19/09/00 e anteriormente pelo colega Dr. MM.
Em Maio de 1988 ocorre um episódio clinicamente típico e intenso de mania, tendo então sido internado no Serviço de Psiquiatria do Hospital de ...; veio a recuperar mas em Novembro de 1999, há novo episódio maníaco, seguindo-se uma fase de instabilidade, com períodos abertamente depressivos (configurando verdadeiros episódios depressivos major, “com “melancolia) e outros com sintomatologia residual, tanto depressiva como maniforme; face a esta história psiquiátrica, o diagnóstico de “perturbação bipolar tipo I” (F31), segundo o ICD-10, afigura-se inequívoco.
Entretanto foram clinicamente notados sinais de declínio cognitivo e, em Maio de 2000, uma RM cerebral evidenciou uma atrofia cortical difusa de grau moderado; além do tratamento psicofarmacológico para a doença afectiva (cf. Adiante), o doente viria ser medicado com donezepil (“Aricpet”).
2) Quando consultei o doente pela primeira vez, em Setembro de 2000, o quadro psicopatológico era predominantemente depressivo, com sintomas endogenomorfos ou melancólicos, incluindo tristeza vitalizada, inibição psicomotora, ideias e sentimentos de autoculpabilidade e anedonia marcada; eram também aparentes sinais clínicos de organicidade cerebral, sendo problemática a sua exacta valorização dado o contexto depressivo. Foi dada continuidade ao tratamento com sais de lítio e “Aricept”, associando-se amitriptilina e olanzapina.
Foi entretanto requisitado um exame neuropsicológico, que veio a ser realizado pela Profª NN em 9.11.2000; esse exame confirmou objectivamente um processo de declínio mnésico, compatível com o início de uma doença demencial; em concreto, escreve a Profª NN: “apesar de no momento não existir um quadro de demência estabelecido, parece-me não ser de colocar de parte a hipótese de ma evolução no sentido de demência de tipo frontal “; foi sugerido “ follow up “neuropsicológico”.
3) O doente tem continuado em tratamento (com ajustamentos pontuais do esquema terapêutico) sem que seja reconhecível uma melhoria clínica significativa; terá eventualmente ocorrido algum alívio das queixas da linha depressiva, mas o estado psicopatológico (tanto afectivo como provavelmente de demencial) compromete drasticamente a capacidade de desempenho, mesmo no que diz respeito a actividades instrumentais do dia-a-dia.
4) Face aos elementos clínicos apurados, entendemos que tanto a doença bipolar, que se tem revelado pouco acessível aos tratamentos e com evolução no sentido da cronicidade, como a comorbilidade neurológica por provável processo demencial, incapacitam o doente, de forma definitiva e completa, para o exercício de qualquer actividade profissional.”
28. Entre Maio de 2004 e Fevereiro de 2005, o 1.º réu foi submetido, após episódio maníaco, a acompanhamento clínico no Instituto ..., em Madrid, sendo referido no relatório de alta, a existência de consumo de álcool, irritabilidade e agressividade verbal em casa, comportamentos desconexos e gastos excessivos, tendo-lhe sida prescrita terapêutica com: tiapride, carbonato de lítio, clometiazol, ziprasidona e bromacepam.
29. No início do ano de 2005, o 1.º réu sofreu um enfarte de miocárdio, tendo sido tratado, inicialmente, no Hospital ... e, após, no Hospital de ..., em Lisboa.
30. Em 10-12-2013, a propósito de uma viagem realizada ao Brasil pelo 1.º réu e EE, OO enviou uma mensagem de correio electrónico aos 2.º e 3.º réus, seus primos, no âmbito da qual lhes comunicava o seguinte: «Bem, estamos aqui a cuidar deles, mas percebemos que realmente a coisa é muito séria, principalmente com sua mãe, pois ela não ouve ninguém, bebe o tempo todo, na frente dos outros (ou escondido) e se alguém a repreende pelo fato de ter pedido ou comprado mais alguma bebida ou estar fumando ela já fica brava e começa a discussão e não conseguimos convencê-la de que está passando dos limites.»
31. De igual modo, em 10-12-2013, a propósito da aludida viagem, PP enviou uma mensagem de correio electrónico aos 2.º e 3.º réus, seus primos, no âmbito da qual lhes comunicava o seguinte:
«Já tínhamos visto a tia com problemas outras vezes, mas essa vez tem sido especialmente chocante…e trabalhoso.
A tia e o tio simplesmente não tem mais condições de estarem sozinho. Além de tratamento (internamento ou seja o que for), CLARAMENTE não conseguem mais gerir as próprias vidas de maneira minimamente satisfatória (…)
Mas..aqui no Brasil eles se demonstram inaptos a gerir uma simples viagem. (perceba que eles perderam um voo em Portugal…e no voo seguinte, se perderam aqui 2 vezes).
Não pensam em mais nada que não seja a bebida.
Eles chegam a se esconder para beber…a tia se esconde…e o tio serve de escudo.»
32. A Sra. Dra. QQ, Professora da Faculdade de Medicina ...e Especialista em Psiquiatria, emitiu um relatório médico, relativo ao 1.º réu, datado de 14 05-2014, com o seguinte teor:
“BB está em tratamento psiquiátrico desde há mais de 18 anos com uma doença Bipolar. Tem evoluído para um quadro de défice cognitivo (nomeadamente na memória de fixação e de evocação), com períodos (?) confusionais (durante os quais se desorienta no espaço e no tempo). Somos de parecer que a sua capacidade de testemunho está muito reduzida.”
33. Em 2015 o Primeiro Réu tomava a seguinte medicação, prescrita pela psiquiatra Drª QQ: Risperidona; Lítio; Pentoxifilina e Escitalopram.
34. O 1.º réu exerceu as funções de director comercial e encontrava-se reformado por invalidez.
35. Em 2015, o 1.º réu fumava mais de um maço de tabaco por dia.
36. Também durante o ano de 2015, o 1.º réu consumia diariamente e muitas vezes em grande quantidade, bebidas alcoólicas e, concretamente, whisky, sempre tendo tido hábitos de consumo excessivo de tal tipo de bebidas, sendo tal consumo concomitante com a toma da medicação ao mesmo prescrita.
37. A partir de, pelo menos, o ano de 2013, o 1.º réu começou a não cuidar da sua higiene nem imagem, andando sempre com roupas velhas e não tomando banho com frequência.
38. O 1.º réu adormecia, com frequência e com o cigarro aceso na mão, no sofá da sala da casa onde habitava com a sua mulher.
39. Por vezes, o 1.º réu fazia as suas necessidades fisiológicas no chão da sala.
40. O 1.º réu e sua mulher tinham uma empregada doméstica na sua habitação em ..., a qual tinha de insistir para que os mesmos se alimentassem e se lavassem.
41. Enquanto o 1.º réu e a sua esposa EE habitaram a aludida residência em ..., a mesma era sistematicamente frequentada por pessoas que o 1.º réu e mulher tinham conhecido ocasionalmente e, muitas vezes, no café.
42. O 1.º réu e EE não se preocupavam com o pagamento dos serviços essenciais prestados à sua residência, sendo parte dos mesmos pagos por débito directo.
43. O pagamento do fornecimento de água à habitação do 1.º réu e sua mulher EE não era, inicialmente, feito por débito em conta e, por isso, o mesmo chegou a ser cortado, por falta de pagamento.
44. O 1.º réu e sua mulher, enquanto viveram na sua habitação em ..., entregavam, por vezes, o cartão de débito a empregadas domésticas e ou em cafés, com o referido código pin para efectuar pagamento e compras.
45. O 1.º réu chegou a entregar à empregada doméstica, para comprar fruta, 40,00€ e 60,00€ e não se preocupava com a restituição ou não do troco.
46. O 1.º réu e a sua mulher perderam por diversas vezes – pelo menos três – e até ao Verão de 2017, os cartões bancários dos mesmos.
47. EE era médica, e mesmo depois de ter deixado de exercer e ter adquirido hábitos de consumo excessivo de álcool, e já tendo perdido as faculdades mentais e a consciência necessária para qualquer exercício da medicina, automedicava-se, bem como ao seu marido, recusando muitas vezes, por ter sido médica, que qualquer deles fosse a um médico, ou protelando as necessárias idas ao médico.
48. Com data de 25.7.2016, a Prof. Dra. QQ, Professora Catedrática de Psiquiatria e Saúde Mental da Faculdade de Medicina..., emitiu relatório médico-psicológico relativo ao ora Primeiro Réu, do qual fez constar o seguinte:
“BB de 77 anos de idade, director comercial aposentado, sofre duma “Pertubação Afectiva Bipolar” (F 30 – CID10), com o sub-tipo “Bipolar Tipo 1”. A sua doença caracteriza-se pela alternância de episódios de depressão do humor com episódios de exaltação e de euforia. Está a ser acompanhado em tratamento psiquiátrico, desde há mais de vinte anos tendo iniciado tratamento na minha consulta de ambulatório a 3/11/2005. Anteriormente a esta data tinha tido dois internamentos psiquiátricos – no Hospital de ... por episódio depressivo (tristeza, irritabilidade e perda de gosto pela vida) e na Clínica ... em Madrid por episódio maníaco (insónia, verborreia, gastos e compras excessivas). Durante os episódios maníacos tinha um consumo excessivo de álcool e comportamento de risco.
Tem uma história familiar de depressão. A evolução foi marcada por grande instabilidade.
Pelo facto de ter baixa adesão à medicação (com uma consequente intoxicação pelo Lítio fármaco que tomava para profilaxia dos episódios maníacos) e por marcada perturbação nas relações interpessoais, no momento em que veio pela primeira vez à minha consulta estava internado num Lar – ... – onde a regularidade dos hábitos alimentares, de sono e a toma da medicação estavam asseguradas. Por outro lado o consumo de álcool, a irritabilidade, a desorganização do comportamento e os gastos excessivos tornavam o ambiente familiar muito perturbado. No relatório da Clinica... de 22 de Fevereiro de 2005, é mencionado que dois anos antes tinha tido um “acidente cérebro-vascular que como sequelas apresentava disartria, parésia do membro inferior direito, com perda de força e reflexos patológicos” – situação que produzia uma marcha instável e dificuldades de equilíbrio. Faz um teste euro-cognitivo nesta mesma clínica que revela um défice de memória e de função executiva.
Exames complementares de diagnóstico:
- 24/05/2004 – RMN (ressonância magnética) que revela uma atrofia corticosubcortical global de predomínio parietal e menos acentuada nas regiões prefrontal e temporal anterolateral em ambos os hemisférios; 22/04/2005 – PET scaning que revela um grave hipometabolismo cortical global com acentuações parietal bilateral, prefrontal e temporal anterior, de provável origem multifactorial (vascular, tóxica e neurodegenerativa) mas sem evidência de evolução progressiva.
Inicia em 2005 uma terapêutica de estabilização do humor com associação de Lítio a um antipsicótico e antidepressivo, tendo lentamente melhorado. Em 2007 pode voltar para a sua residência. Apesar de mais estabilizado por não ter voltado a ter episódios graves mantinha um estado sub-depressivo com ansiedade, abatimento, perde de gosto pela vida, hábitos alcoólicos excessivos e dificuldades cognitivas com défices na memória de trabalho, problemas de orientação, episódios sub-confusionais e ligeiras dispraxias.
A situação do ponto de vista clínico configurava um défice cognitivo moderado. Este estado com algumas flutuações manteve-se resistente à terapêutica até há cerca de ano e meio. Nessa altura suspende mos hábitos de abuso do álcool e fica mais estabilizado e com um estado de humor mais eutímico.
Podemos concluir que a sua doença bipolar, de natureza crónica e que exige um acompanhamento psiquiátrico regular e mantido, está actualmente num período de estabilidade, mantendo-se os défices de base descritos.”
49. No dia 07-07-2017, o 3.º réu efectuou, junto da 3.ª Divisão Policial de Lisboa da Polícia de Segurança Pública, auto de denúncia contra desconhecidos, em virtude da realização de 8 levantamentos com o cartão de débito emitido em nome do 1.º réu, pelo Novo Banco, com n.º ...91, no valor total de 1.600,00€, entre o dia 6 e 14 de Maio de 2017.
50. Em Março/Abril de 2017, o 1.º réu auferia uma pensão de reforma no valor de 1.153,17€.
51. Em Julho de 2017, EE tinha em débito para com a Farmácia..., a quantia de 1.037,63€.
52. Em 11-05-2017, o 1.º réu tinha em débito, a título de dívida de fornecimento de electricidade, a quantia de 1.824,21€, além do valor da factura corrente mensal, no valor de 168,70€.
53. Em 27-06-2017, o 1.º réu tinha em débito a renda correspondente ao mês de Junho da habitação onde o mesmo e EE habitavam, acrescido do valor correspondente a 50% da mesma renda, tudo no valor de 567,00€.
54. Em Março de 2017, o 1.º réu e EE deviam uma quantia não concretamente apurada a uma empregada doméstica dos mesmos.
55. Em 27-02-2017, a conta bancária n.º ...12, aberta no Banco Santander Totta, titulada por EE, apresentava um saldo total de 22.742,72€.
56. Em 31.03.2017, a referida conta apresentava um saldo total de 19.611,80€.
57. Em 05-04-2016, a conta bancária n.º...06, aberta no Banco Bankinter, titulada por EE, apresentava um saldo total de 18.061,84€.
58. Na sequência do determinado pelo Ministério Público em sede do processo n.º 257/17.8..., que correu termos na 7.ª secção do DIAP, a Santa Casa da Misericórdia de ... elaborou um relatório, datado de 23 de Junho de 2017, referente à situação do 1.º réu e de EE, do qual consta o seguinte:
«No dia 26 de Maio, a EAI regressou ao local, com o apoio da Polícia de Proximidade, da 21.ª Esquadra, pertencente a .... Foi possível observar a falta de higiene na casa, bem como o estado físico e psicológico actual da Sra. EE e do marido, o Sr. BB. Esta visita foi efectuada no período da manhã, em que já era visível o estado de embriaguez em que se encontrava o Sr. BB, bem como os hábitos de consumo excessivos, sobretudo tabágicos, por parte da Sra. EE. (…)
Foi a Cuidadora RR que descreveu as rotinas deste casal e que têm contribuído para o agravamento do seu estado de saúde física e mental, colocando não em risco o seu bem-estar, mas também o bem-estar dos outros.
Das situações descritas pela Sra. RR, salientamos as seguintes: o consumo excessivo de álcool, por parte dos dois idosos, tendo a EAI observado a quantidade de álcool existente na casa, em detrimento de outros produtos essenciais, como os alimentares; os hábitos tabágicos, sobretudo por parte da Sra. EE, que colocam em risco a sua saúde, uma vez que a mesma já apresenta graves problemas de saúde; a administração de bebidas alcoólicas com medicamentos; a administração de medicamentos, sem controlo externo, sendo a Sra. EE que prescreve as receitas médicas a si própria e ao marido, derivado do facto de a mesma ter sido Médica e de manter ainda a respectiva cédula profissional; a falta de condições de higiene e segurança (odor nauseabundo; baratas espalhadas pela casa; sofá com nódoas de fezes; quarto com mesa de cabeceira de madeira repleta de beatas), entre outros aspectos que condicionam a qualidade de vida e a saúde destes idosos.»
59. No Verão de 2017, o 1.º réu, juntamente com a sua esposa EE foi internado pelos 2.º e 3.º réus na ..., em ....
60. Aquando do seu internamento na instituição referida no ponto anterior, o 1.º réu demonstrava não ter horários para nada e dependência nas actividades da vida diária, além dos hábitos tabágicos compulsivos e, de noite, saída do seu quarto e ia aos quartos dos outros utentes.
61. No âmbito do supra aludido processo de maior acompanhado, foi elaborado relatório do exame médico-legal respeitante ao 1.º réu, pelo Centro Hospitalar Lisboa .... EPE, com base em entrevista clínica realizada a 11 de Agosto de 2017, do qual consta o seguinte:
«Doente com contacto fácil, orientado tempero-espacialmente, colaborante na entrevista, aspecto cuidado, mas envelhecido. Apresenta dificuldade em fornecer elementos da sua história clínica, sendo evidentes os deficits na memória de evocação.
A memória recente não se encontra à observação tão alterada, falando sobre assuntos recentes e política.
O humor é eutímico.
Capacidade de cálculo razoavelmente mantida.
Pensamento abstracto aparentemente mantido.
Algum deficit de juízo crítico. Ausência de consciência mórbida.
MMS-28/30.
Relativamente aos seus bens materiais/rendimentos e propriedades do doente: refere serem proprietários de uma Clínica de Fisioterapia, actualmente gerida pelo filho mais velho, revelando estar satisfeito com a sua forma de trabalho “está bem entregue para ele, acho que ele é de confiança”).
Quanto à Casa/herdade no ... aforma “quero gerir eu, o meu filho pode gerir a clínica que eu já não preciso”.
Refere viver com reforma do casal, que paga a casa de repouso onde habitam actualmente e têm as suas necessidades diárias asseguradas e de parte de rendimentos da clínica.
Em síntese, o doente sofre de Perturbação Bipolar tipo I, (F31-ICD-10) patologia com carácter crónico, encontrando-se medicado, e estabilizado aparentemente apenas há cerca de um ano, após interrupção dos consumos de álcool. Este quadro psiquiátrico, os consumos de álcool e as co-morbilidades orgânicas, onde se destacam os acidentes vasculares cerebrais sofridos, concorreram para a instalação de um quadro de defeito cognitivo ligeiro a moderado, onde sobressaem defeitos mnésicos de evocação e algum deficit de juízo crítico e de consciência mórbida.»
62. Em sede de interrogatório judicial realizado no âmbito do aludido processo de maior acompanhado foi possível ao Tribunal apurar que «o mesmo não soube precisar há quanto tempo se encontrava a viver na casa de repouso em ..., pensando que assim sucedia talvez há nove ou dez anos, não ver o cônjuge há cerca de nove ou dez anos e que ali conversa com outros utentes, vê televisão, lê o jornal e tem amizades, não tendo sabido precisar a data em que o interrogatório se efectuou e que já não bebe.»
63. O estado físico e psíquico do 1.º réu, bem como da sua esposa EE, que ditou a medida de acompanhamento acima referida era notado por quem convivesse com estes, sendo também do conhecimento do autor, pelo menos, em Maio de 2015.
64. A subscrição do documento mencionado em 5) foi precedida de uma negociação levada a cabo pelo 2.º réu, directamente ou por intermédio de advogado.
65. Tal se deveu porque, à data, já existia a preocupação, por parte do 2.º réu em salvaguardar o 1.º réu e sua esposa EE contra quaisquer abusos ou enganos.
66. Desde a subscrição do documento mencionado em 5), o autor visitava o 1.º réu e EE, na sua casa de ..., quando o casal aí se encontrava a passar temporadas.
67. Em data não concretamente apurada, mas durante o ano de 2014, SS, sobrinho do 1.º réu, que reside ao lado da casa deste em ..., viu o autor e o 1.º réu chegarem a casa de madrugada, sendo que o 1.º réu vinha embriagado e com dificuldade de andar pelo seu próprio pé.
68. Em data não concretamente apurada, mas durante o ano de 2014, depois de ter tomado conhecimento da aproximação do autor à casa dos seus pais, e das visitas frequentes que este tinha passado a fazer-lhes, o 2.º réu tomou a iniciativa de combinar um acordo com aquele, o que efectivamente veio a acontecer junto ao cemitério de ....
69. Nessa ocasião, o 2.º réu confrontou o autor com a supra descrita aproximação aos seus pais, advertindo-o que, devido ao estado de doença psíquica dos pais, todas as questões relacionadas com quaisquer negócios dos seus pais deveriam ser tratadas consigo e com o 3.º réu.
70. No âmbito dessa conversa, o autor confirmou perante o 1.º réu que havia constatado que o 1.º réu e sua esposa EE não se encontravam bem.
71. Em data não concretamente apurada, mas durante o mês de Janeiro de 2015, num almoço ocorrido em ..., o assunto relacionado com o estado psíquico do 1.º réu e de EE, foi falado entre o autor, o 2.º réu e as Sras. Dras. TT e UU.
72. Também nessa ocasião, o autor voltou a manifestar a sua preocupação pelo estado da saúde psíquica do referido casal.
73. Nessa altura, ficou bem entendido entre os participantes no dito almoço que qualquer assunto relacionado com o acordado no âmbito do documento mencionado em 5) teria de passar sempre pelos 2.º e 3.º réus.
74. O autor não deu conhecimento aos 2.º e 3.º réus da negociação e subscrição do acordo mencionado em 8), denominado «Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal».
75. Depois de ter tomado conhecimento da subscrição do acordo denominado «Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal», em Julho de 2015, o 2.º réu telefonou ao autor, que não atendeu.
76. Logo de seguida, o 2.º réu encetou nova tentativa de contacto, usando o telefone da sua esposa, havendo o autor, que não conhecia aquele número, atendido a chamada.
77. Após a sua subscrição, o autor ficou em seu poder com todos os exemplares do acordo denominado «Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal».
78. O 2.º réu remeteu ao autor uma carta datada de 21 de Junho de 2016, no âmbito do qual lhe comunicou que «Ora, a sua posterior actuação, sita o contacto directo com o meu progenitor para que este se deslocasse a ..., com vista a promoverem uma adenda ao contrato de arrendamento, foi de uma manifesta má-fé.»
79. O 3.º réu remeteu ao autor uma carta datada de 21 de Junho de 2016.
80. O 1.º réu e a sua mulher EE, na qualidade de senhorios, e o autor, na qualidade de arrendatário, subscreveram o documento escrito denominado «Alteração ao Contrato de Arrendamento Florestal», datado de 01 de Março de 2016, do qual consta a seguinte redacção:
«Na qualidade de outorgantes do Contrato de Arrendamento Florestal celebrado em 01 12-2010 procedem à alteração do n.º 1 da cláusula 2.ª e à cláusula 4.ª as quais passam a ter a seguinte redacção:
2.ª
1.O presente contrato tem início em 01 de Julho de 2010 e terminará em 31 de Dezembro de 2033, não renovável, salvo acordo expresso das partes nesse sentido.
4.ª
1. A Renda anual é de 17.000,00€ (dezassete mil euros) e será paga entre 1 de Julho e 31 de Agosto do ano respectivo.»
81. Através de cheque datado de 15-09-2015, por ele emitido à ordem do 1.º réu, o autor entregou àquele a quantia de 8.500,00€.
82. Através de cheque datado de 31-08-2015, por ele emitido à ordem de EE, o autor entregou àquela a quantia de 8.500,00€, creditada na respectiva conta bancária em 11-09-2015
83. Através de cheque datado de 31-07-2016, por ele emitido à ordem do 1.º réu, o autor entregou àquele a quantia de 8.500,00€, creditada respectiva conta bancária em 29-07-2016.
84. Através de cheque datado de 15-07-2016, por ele emitido à ordem de EE, o autor entregou àquela a quantia de 8.500,00€, creditada na respectiva conta bancária em 22-07-2016.
85. Os artigos 63.º e 64.º da contestação, apresentada pelo 1.º réu e EE no âmbito do processo de maior acompanhado acima mencionado, apresenta a seguinte redacção:
86. Em 31 de Janeiro de 2018, EE tinha 333,034 unidades de participação, no valor unitário de 27,01862€, disponibilizadas pela Liberty Seguros.
87. Em 23 de Maio de 2013, EE tinha 325,497 unidades de participação, no valor unitário de 22,95864€, relativos ao produto financeiro Europeia PPR, disponibilizado pela Liberty Seguros.
88. Em 12-11-2013, EE dispunha da quantia de 67.084,22€, a título de depósitos e investimentos no Banco Barclays.
89. Em Maio de 2015, EE dispunha da quantia de 52.968,99€, a título de depósitos e investimentos no Banco Barclays.
90. Em 22-07-2013, EE, o 2.º réu e VV dispunham de um total em activos no valor de 100.640,13€ depositados / investidos no Banco Best.
91. Em 31-03-2014, EE dispunha de um património total de 13.851,93€ investido na SGF – Sociedade de Gestora de Fundos, S.A.
92. Através de carta datada de 14-11-2013, o Banco Barclays comunicou a EE o seguinte:
«Temos o prazer de lhe apresentar o Barclays Premier Universe, uma nova filosofia de fazer banca que tem um propósito muito claro: ajudá-la a realizar as suas ambições, os seus desejos, os seus objectivos pessoais e profissionais. (…)
O Barclays Premier Universe é um serviço acessível a Clientes que detenham no Barclays (…) património financeiro igual ou superior a €100.000,00 em produtos de depósito ou poupança à ordem ou a prazo e/ou produtos de investimento contratados ou depositados no Banco, ou que reúnam, em base mensal, um montante mínimo de 5.000,00€, a título de domiciliação de vencimento, pensão e /ou entregas regulares, durante três meses, num período consecutivo de quatro meses.»
93. No final de 2014 e nos primeiros meses de 2015, até pelo menos ao mês de Maio, o referido casal deslocava-se a esse escritório, para conversar com a Dra. TT, quase todas as semanas, havendo ao longo desse período semanas em que ali se deslocavam mais de uma vez.
94. Em todas essas ocasiões, o réu BB apresentava-se visivelmente embriagado, e mesmo cambaleante.
95. E muitas vezes acabava por não permanecer no escritório da Dra. TT por ir consumir bebidas alcoólicas para um restaurante nas proximidades.
96. Tudo isto em pleno período diurno.
97. Nas conversas que a Dra. TT tinha com o casal, o réu BB raramente falava, por não estar capaz de manter uma conversa, e quando o fazia manifestava alheamento e incompreensão sobre o que estava a ser falado.
98. Chegava a fazer perguntas que manifestavam um total desconhecimento sobre o assunto da conversa, quando se tratava de assuntos que lhe diziam respeito, e de factos sucedidos com o próprio.
99. EE começou a apresentar-se, também, visivelmente embriagada.
100. Por esse motivo, entre outros, a Dra. TT chegou a dizer ao autor que, tendo em conta a incapacidade do réu BB e da sua esposa, estava proibido de celebrar com este casal quaisquer acordos.
101. O réu BB e a sua esposa EE nunca pediram à Dra. TT a colaboração técnica ou qualquer conselho relativamente à celebração do acordo mencionado em 8).
102. Em data não concretamente apurada, mas durante o mês de Março de 2015, a Dra. TT e o réu CC deslocaram-se a casa do autor e, nessa ocasião, o 2.º réu disse-lhe que não deveria negociar com os seus pais, uma vez que estes não se encontravam em condições psíquicas para tal.
103. Também nessa ocasião, o autor lamentou ao réu CC o estado de saúde do réu BB, bem como os problemas de alcoolismo do casal BB/EE.
104. Em data não concretamente determinada, mas durante os meses de Outubro e Novembro de 2015, o Réu BB e a sua mulher EE deslocaram-se ao escritório da Dra. TT para lhe entregar uma citação que haviam recebido meses antes, encontrando-se já ultrapassado o prazo de contestação.
105. Nessa mesma ocasião, a Dra. TT, já sabendo da existência do acordo assinado em Maio de 2015, mas sem conhecer o seu teor, perguntou ao réu BB porque é que tinha assinado uma alteração ao contrato de arrendamento sem lhe dizer nada, ao que este respondeu que era uma coisa simples, e que não valia incomodar a sua advogada, dizendo também que o contrato tinha ficado muito melhor.
106. Durante essa conversa, EE questionou o réu BB sobre a existência daquele contrato.
107. Em data não concretamente apurada, mas depois do ano de 2017, o réu DD comunicou ao autor que quaisquer pagamentos de rendas deviam ser feitos a si ou ao réu CC.
108. Em datas não concretamente apuradas, mas durante o período compreendido entre 3 de Setembro de 2020 e Junho de 2022, o autor procedeu ao corte de eucaliptos existentes no imóvel objecto do acordo mencionado em 5), em quantidade não concretamente apurada.
109. Através de carta datada de 15-12-2020, a «Navigator Forest Portugal, S.A.» comunicou à «Reachvalue-Imobiliária Unipessoal, Lda o seguinte:
«Informamos, ainda, que o preço actualmente em vigor engloba uma bonificação de 4,00 por metro cúbico no caso da madeira certificada, dado que, por este arrendamento ter sido gerido pela Navigator Forest Portugal, a madeira tem a sua gestão florestal certificada. Esta bonificação foi tomada em consideração para o preço que de seguida se indica.
Assim, face às condições contratuais acordadas e atentos os preços em vigor para a madeira de eucalipto a entregar em fábrica, vimos comunicar que será paga a V. Exas., na data estabelecida para o efeito, uma renda variável de valor igual ao valor de 77,5% do volume total líquido da madeira entrada na fábrica, sendo o valor actual da madeira em pé a utilizar para aquele cálculo, de 27,6 euros por metro cúbico de Madeira com Casca para Celulose, valor que inclui já o prémio de certificação a que atrás se faz referência.»
As instâncias, sem divergência, enunciaram os seguintes
Factos não provados
a) Por conta das facturas mencionadas em 20) o 1.º Réu e EE liquidaram 841,50€ (relativamente à factura n.º 77) e 957,60€ (respeitante à factura n.º 83).
b) Perante os consecutivos e reiterados pedidos do autor, o 1.º réu e EE invocaram dificuldades financeiras para não procederem ao pagamento atempado dos montantes em débito no valor de 29.985,00€, relativos às facturas em causa.
c) O 1.º réu e EE acordaram com o autor que a dívida de 29.985,00€ seria liquidada através de amortizações parciais anuais sucessivas no valor de 5.000,00€ até integral e efectivo pagamento, sendo a primeira amortização a realizar em 01-07-2017.
d) O autor entregou ao 1.º réu e a EE as quantias mencionadas nos pontos 81) a 84) a título de uma concessão de empréstimo acordada com estes.
e) O aumento dos custos associados às actividades mencionadas em 17) e 18) motivaram a subscrição do documento mencionado em 8).
f) Os 2.º e 3.º réus tiveram conhecimento do acordo mencionado no ponto 8) em Maio de 2015.
g) A parcela de terreno identificada em 22) constitui uma área particularmente valiosa para a agricultura pelo facto de o solo ser de maior qualidade e fertilidade e ter muita água.
h) No dia 04-11-2016, o 1.º réu foi internado no Hospital de ..., em ..., por suspeita de AVC, tendo tido alta no dia 08-11-2016, por recusa do 1.º réu em manter soro.
i) No dia 04-06-2017 e por problemas circulatórios e dificuldades respiratórias, o 1.º réu foi à Urgência do Hospital de ..., em ..., onde ficou internado até 23-06-2017.
j) A factualidade atinente ao desinteresse com que o 1.º réu e EE emprestavam dinheiro a pessoas recém conhecidas, ou facilidade com que entregavam o seu cartão de multibanco (com código) a diversas pessoas ou com que entregavam somas de dinheiro desproporcionadas para compras de valores muito reduzidas, sem aparentemente terem noção dos preços e sem depois se interessarem por pedir o correspondente troco, era comentada pela população de ....
k) O autor ficava horas com o 1.º réu e sua esposa EE durante as visitas que realizava à casa destes em ....
l) O autor colaborava também com o consumo excessivo de bebidas alcoólicas pelo 1.º réu.
m) A partir de 2015, deixaram de existir eucaliptos na propriedade.
n) Também a partir do ano de 2015, o autor apenas utilizou a propriedade nos termos referidos em 16).
3.2. O Direito
O art.º 665.º do CPC tem a seguinte redação:
“Regra da substituição ao tribunal recorrido
1 - Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.
2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias”.
Este preceito consigna um sistema de substituição, em lugar de um modelo de cassação. No sistema de cassação, a procedência do recurso implica a revogação da decisão e a baixa do processo, a fim de que o tribunal a quo refaça a decisão, em conformidade com o veredito do tribunal ad quem. No modelo de substituição, que é o adotado no CPC, o próprio tribunal ad quem, em substituição do tribunal a quo, profere a decisão tida por adequada. Assim, a eventual nulidade da sentença recorrida não obstará a que o tribunal ad quem conheça do objeto do recurso, na medida em que este não se cinja à nulidade da decisão. Por outro lado, se o tribunal recorrido tiver julgado o litígio com base em determinado fundamento, com prejuízo, por desnecessidade, da apreciação de outra questão ou fundamento (cfr. art.º 608.º n.º 2 do CPC), a eventual procedência do recurso não determinará a baixa do processo ao tribunal recorrido, a fim de que aprecie as questões que considerou prejudicadas: caberá à Relação julgar essas questões (n.º 2 do art.º 665.º).
Nesta atuação substitutiva da instância recorrida deverá, porém, ser salvaguardado o princípio do contraditório. É o que se tem em vista com o disposto no art.º 665.º n.º 3.
Tradicionalmente, o contraditório referia-se à audição prévia, pelo juiz, da parte contrária, em relação a um pedido, tomada de posição ou prova, apresentados pela contraparte.
Atualmente existe uma noção mais lata de contrariedade, entendida como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão (cfr. José Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil, 4.ª edição, pp. 125 a 138; Rita Lobo Xavier, Elementos de direito processual civil, 2.ª edição, pp. 135 e 136).
O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.
Veja-se o teor do art.º 3.º n.º 3 do CPC:
“O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
No plano do direito, o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie.
Assim, o acórdão que aprecie questão – ainda que de conhecimento oficioso - sem que previamente tenha sido concedido às partes o contraditório, viola o disposto no art.º 3.º n.º 3 do CPC.
Contra a prolação de acórdão que viola o disposto no art.º 3.º n.º 3 do CPC – e, se for o caso, o art.º 665.º n.º 3 do CPC -, o meio de reação adequado é o recurso (se o acórdão for suscetível de recurso).
Segundo a tese tradicional (cfr. Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 183; Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, Coimbra Editora, 1945, pp. 507 e 508; acórdão do STJ, de 30.3.2017, processo n.º 135/11.4TTCSC.L1.S1), sendo a decisão-surpresa contrária à lei processual (neste caso contrária ao disposto no art.º 3.º n.º 3 e art.º 665.º n.º 3 do CPC), deve ser atacada por meio de recurso, que não por meio de reclamação de nulidade para o tribunal que a proferiu.
Ou, na linha de uma nova perspetiva que atualmente se tem evidenciado, o tribunal, ao proferir decisão sem ter previamente ouvido as partes, incorre em excesso de pronúncia, enfermando a decisão da nulidade prevista no art.º 615.º n.º 1 al. d), parte final, do CPC, também ela atacável por via de recurso (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, v.g., posts de 21/12/2015, Jurisprudência (250); de 28/01/2019, Jurisprudência 2018 (163) e de 07/06/2021, Jurisprudência 2020 (227), todos in Blog do IPPC; na jurisprudência, cfr, v.g., STJ, 31.01.2024, processo 1195/22.8YRLSB.S1).
In casu, o A. começou por apresentar, perante a Relação, um requerimento em que arguiu a nulidade do acórdão, por incumprimento do disposto no art.º 665.º n.º 3 do CPC. Mas, à cautela, arguiu a aludida nulidade também na revista que interpôs contra o acórdão. Sobre o aludido requerimento de arguição de nulidade se pronunciou o Exm.º Desembargador relator, nestes simples termos: “Por ser admissível, é o recurso o meio próprio para a arguição da nulidade do acórdão proferido por esta Relação (CPC, artigo 615.º, n.º 4). Consequentemente, não conhecemos do requerimento em referência”.
Concluímos, pois, pela admissibilidade da apreciação da alegada violação do disposto no art.º 665.º n.º 3, em sede de revista.
Como se disse, a auscultação das partes, prevista no art.º 665.º n.º 3 do CPC, visa garantir o exercício do contraditório. Isto é, destina-se a proporcionar às partes a possibilidade de apresentarem as suas razões na apreciação de uma determinada questão. Ora, tal pressupõe que as partes não tenham tido, anteriormente, essa possibilidade. Caso contrário, o compasso de espera consumido pela referida auscultação constituirá uma redundância, em prejuízo da desejável celeridade do processo (cfr. artigos 2.º e 6.º n.º 1 do CPC) e em confronto com a proibição da prática de atos inúteis (art.º 130.º).
Assim, a auscultação das partes prevista no art.º 665.º n.º 3 do CPC é desnecessária, se as partes, nomeadamente o recorrente, já se pronunciaram sobre a questão em causa, nos articulados e na apelação (neste sentido, STJ, 29.01.2015, processo n.º 531/11.7TVLSB.L1.S1; STJ, 11.9.2024, processo n.º 25882/22.1T8LSB.L1.S1).
Ora, in casu, por um lado, a primeira instância não omitiu apreciação sobre uma determinada questão, por a ter julgado prejudicada pela solução dada ao litígio a propósito de questão logicamente anterior. Na verdade, na sentença aborda-se a declaração de resolução do contrato de arrendamento notificada judicialmente, que o A. questionou na petição inicial e na réplica, e que os RR. reiteraram na contestação/reconvenção. E, nessa análise, o tribunal da primeira instância, face à anulação das adendas que haviam prorrogado o prazo de duração do arrendamento, concluiu que apenas subsistia a versão inicial do contrato e, nesse percurso, ajuizou que o contrato havia caducado, pelo decurso do prazo, em 1 de dezembro de 2017 – pelo que, aquando da comunicação da resolução contratual por parte do 1.º R., o contrato já havia cessado. No mais, dessa precisão/modificação o tribunal da primeira instância não extraiu qualquer efeito prático no que concerne às pretensões das partes, máxime dos RR., as quais julgou integralmente procedentes. Em sede de apelação, as partes voltaram a dirimir argumentos no que concerne à manutenção ou cessação do contrato, com ou sem adendas, reiterando o A./apelante a sua oposição à resolução do contrato, alegando a validade da primeira adenda ao contrato, a manutenção da vigência do arrendamento e o cumprimento da obrigação do pagamento das rendas, por força do alegado acordo com os senhorios quanto à liquidação, por estes, das despesas com a limpeza da herdade arrendada.
Assim, cremos que, tal como se asseverou no acórdão recorrido, a questão da validade e eficácia da resolução do contrato foi amplamente discutida nos autos, sendo desnecessária uma nova auscultação das partes a esse respeito.
Neste segmento, pois, a revista também improcede.
4. Terceira questão (nulidade do acórdão recorrido, por excesso de pronúncia, ao declarar a anulação da adenda contratual datada de 20.5.2015 e ao declarar a anulação da adenda contratual datada de 01.3.2016)
Na ação intentada, o A., em síntese, impugnou a notificação judicial avulsa levada a cabo pelo 1.º R., representado pelo 2.º R., por meio da qual era resolvido o arrendamento florestal que havia sido celebrado entre o notificando e o notificante, por falta de pagamento de rendas, e era reclamado o pagamento dessas rendas e, bem assim, o correspondente à ulterior ocupação do imóvel. Na petição inicial o A. invocou o teor de uma adenda ao contrato, que as partes haviam acordado em 20.5.2015, nos termos da qual o valor da renda anual havia sido reduzido para € 5 000,00 e, em simultâneo, alegou um acordo celebrado entre as partes, nos termos do qual as rendas seriam pagas mediante dedução daquilo que o senhorio devia em virtude de despesas de limpeza do terreno, realizadas pelo arrendatário, mas que eram a cargo do senhorio. Nesses termos, o A. pretendia que fosse declarada a manutenção do arrendamento e, bem assim, que o A. nada devia a título de rendas.
Na contestação, os RR. alegaram que a aludida adenda padecia de anulabilidade, pois o 1.º R., assim como a esposa, que a autorizara, enfermavam de incapacidade para entenderem o que estavam a outorgar. Do mesmo vício padecia uma outra adenda, celebrada pelas mesmas partes, em 01.3.2016. Como decorrência do assim alegado, os RR. pediram que as adendas fossem anuladas, mantendo-se tão-só, em vigor, o teor do contrato na sua redação inicial. E, em reconvenção, os RR. peticionaram, em síntese, que fosse declarada válida e eficaz a resolução do aludido contrato, com o consequente dever de restituição do imóvel e, bem assim, a condenação do A. no pagamento das rendas em dívida e, ainda, o valor correspondente à ocupação do imóvel desde a data da notificação judicial avulsa até à entrega do arrendado.
A primeira instância julgou procedente a arguição de anulabilidade das ditas adendas e, em conformidade, declarou a anulação das mesmas. E, na sequência da apelação interposta pelo A., a Relação confirmou a sentença.
Ora, vem agora, pela primeira vez nos autos, o A. arguir a nulidade da sentença e, bem assim, do acórdão, ao declarar a anulação das ditas adendas. Segundo o recorrente, tal estava vedado às instâncias, pois os RR. não formularam pedido reconvencional nesse sentido, pelo que as instâncias incorreram em excesso de pronúncia, praticando a nulidade prevista na parte final da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC (cfr. conclusões 19 a 22).
Ora, tal arguição de nulidade naufraga, por várias razões:
a) No que concerne à nulidade da sentença, constitui questão nova, não apresentada perante a Relação, a qual não podia dela conhecer oficiosamente (artigos 615.º n.º 4 e 196.º do CPC). Ora, como é sabido, o tribunal ad quem é chamado para reapreciar decisões do tribunal inferior (art.º 627.º n.º 1), tendo em vista avaliar se este violou a lei, na sua pronúncia sobre as questões que foi chamado a apreciar. O tribunal ad quem é chamado a “reapreciar questões” e não a “apreciar questões novas” (cfr., v.g., António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil, 7.ª edição, 2022, Almedina, páginas 140 a 142; STJ, 04.10.2018, processo 588/12.3TBPVL.G2.S1; STJ, 08.10.2020, processo 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1; STJ, 11.11.2020, processo 4456/16.1T8VCT.G2.S1). Assim, está vedado a este STJ a apreciação da agora apontada nulidade da sentença, por ser questão nova;
b) Não tendo a Relação sido confrontada, no recurso, com a agora indicada nulidade da sentença, não tinha, obviamente, que a declarar no acórdão recorrido;
c) Pelo contrário, a Relação foi confrontada com a impugnação, deduzida pelo A. na apelação, contra a anulabilidade das adendas contratuais invocada pelos RR. e decretada pela primeira instância, impugnação essa assente no inconformismo do apelante quanto à decisão de facto e à decisão de direito – pelo que cabia à Relação, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia, apreciar a questão das invocadas anulabilidades, o que fez, confirmando a sentença.
Pelo exposto, o acórdão recorrido não enferma da apontada nulidade.
5. Quarta questão (violação do art.º 371.º do Código Civil, por desconsideração da força probatória plena de documentos autênticos)
Na revista o recorrente alega que no acórdão recorrido a Relação violou o disposto no art.º 371.º do Código Civil, por ter desconsiderado a força probatória plena de determinados documentos autênticos (cfr. conclusões 23.ª e 24.ª).
Vejamos.
Os poderes do STJ em sede de revista, no que concerne à matéria de facto, estão definidos nos termos do n.º 3 do art.º 674.º do CPC, segundo o qual “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
O recorrente alega que a Relação desconsiderou indevidamente a força probatória de determinados documentos autênticos. Isto é, a Relação não terá dado o devido relevo ao valor probatório de determinados documentos autênticos: escrituras públicas de compra e venda; certidão judicial; relatório técnico e certidão de teor comercial relativa a sociedade a atestar que a mãe do Réu CC era gerente da sociedade comercial à data da realização da adenda de 20.5.2015.
Está aqui em causa um segmento da impugnação da decisão de facto formulada pelo A. na apelação.
Aí, o A. aduziu o seguinte (conclusões 4.ª e 5.ª)
“4.ª – Atento o alegado pelo A. nos artsº 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 44º, 45º, 46º e 52º, da sua Réplica (Refª Citius: ...20) – cujo teor está expresso e reproduzido no dorso das Alegações que antecedem e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais -, e atento a que nos artsº 32º e 33º da referida Réplica do A./Reconvindo decorre de documentos autênticos/ escrituras Públicas, juntas com a Réplica (Docs. 1 e 2 aí juntos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), documentos esses não impugnados pelos R.R.R., a matéria carreada nos artsº 32º e 33º da Réplica do A. (Refª Citius: ...20), a saber:
Deveria ter sido dada por provada (e não foi). Pelo que, o Tribunal “a quo” ao não dar tal matéria por provada fez uma apreciação incompleta, errada e ilegal da prova.
5.ª – A matéria carreada no artº 37º da Réplica do A., a saber:
Deveria ter sido dada por provada (e não foi). Com efeito, tal matéria resulta das Alegações do R. BB e mulher, EE na sua Contestação (Proc. n.º 35814/15.8...), artsº 67º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, Página 21 de 34 73º, 74º e 75º, da mesma, que apresentaram em Juízo acompanhada de documentos (emitidos pela Conservatória Registo Comercial de ...), constantes da Certidão junta pelos Réus datada de 22/12/2021 (emitida pelo Juízo Local Cível de ... – Juiz …) e junta a estes autos com a Contestação/Reconvenção dos R.R.R./Reconvintes.
O Tribunal “a quo” ao não dar por provada a matéria constante no artº 37º da Réplica do A., fez uma apreciação incompleta, errada e ilegal da prova.”
Acerca desta parte da impugnação da decisão de facto a Relação pronunciou-se pela seguinte forma:
“2.2. O recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado dos factos provados, o seguinte:
- O primeiro réu e o seu cônjuge «já estavam em condições para realizarem vendas de imóveis e/ou partes dos mesmos, que lhe pertenciam e receberem os respectivos preços, tendo outorgado escrituras em cartórios notariais em 27/Janeiro/2017 e 18/Novembro/2016.»
- «Que se saiba nenhum dos aqui R.R.R. pôs em crise tais negócios.»
O recorrente sustenta que esta matéria decorre de documentos autênticos juntos com a réplica (docs. aí 1 e 2), cujo teor aí foi dado por integralmente reproduzido e não foi impugnado pelos réus. Mais, segundo o recorrente, tal matéria foi confessada pelo recorrido CC em sede de depoimento de parte, «gravado no sistema Citius, entre as 14:15 e as 17:58 horas».
Relativamente à alegada confissão, verificamos que a mesma não consta da acta da sessão da audiência final em que o depoimento de parte foi prestado. Pelo contrário, aí se fez constar que, daquele depoimento, «não resultou matéria confessória». Por outro lado, o recorrente não indica, com exactidão, as passagens da gravação daquele depoimento em que se funda a sua pretensão, incumprindo, assim, o ónus estabelecido no artigo 640.º, n.º 2, do CPC.
Os documentos referidos pelo recorrente são duas escrituras públicas mediante as quais foram celebrados contratos de compra e venda em que intervieram, entre várias outras pessoas, aparentemente seus familiares, o recorrido BB e o seu cônjuge. Desses documentos apenas resulta a celebração daqueles contratos e os respectivos conteúdos, contratos esses que nada têm a ver com a situação dos autos. No que concerne às «condições» em que o recorrido BB e o seu cônjuge estariam quando tais contratos foram celebrados, os documentos em causa nada dizem.
Poderá argumentar-se que o facto de o recorrido BB e o seu cônjuge terem outorgado nas referidas escrituras demonstra que qualquer deles se encontrava na plena posse das suas faculdades mentais. Sem razão, porém. Os documentos em questão não demonstram que o recorrido BB e o seu cônjuge se encontrassem na plena posse das suas faculdades mentais, mas apenas que a notária perante o qual as declarações negociais foram emitidas não se apercebeu de que eles o não estivessem. A ausência de tal percepção por parte da notária não tem qualquer relevo probatório, para mais em escrituras com tantos outorgantes como as referidas.
A frase «Que se saiba nenhum dos aqui R.R.R. pôs em crise tais negócios» constitui um mero comentário feito pelo recorrente na réplica, não um facto que mereça ser incluído no enunciado da matéria de facto provada, até porque, naquela formulação, é irrelevante para a decisão da causa.
2.3. O recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado dos factos provados, o seguinte:
«A mãe do 2º R. (EE) em 2017 estava em condições cognitivas para assegurar a direcção técnica de uma clínica em que o seu filho, aqui 2º R., era gerente da sociedade que explorava a clínica e recebia o competente ordenado, sempre “às cavalitas” da mãe claro.»
Para fundamentar esta pretensão, o recorrente invoca o teor dos artigos 67.º a 75.º da contestação apresentada pelo recorrido BB e seu cônjuge noutro processo e, genericamente, os «documentos (emitidos pela Conservatória do Registo Comercial de ...) constantes da Certidão junta pelos Réus, datada de 22/12/2021 (emitida pelo Juízo Local Cível ..., Juiz …) e junta a estes autos com a Contestação/Reconvenção dos R.R.R./Reconvintes.»
O conteúdo de um articulado apresentado num processo judicial não tem qualquer valor probatório, antes carecendo de prova. Logo, a invocação do teor dos artigos 67.º a 75.º daquela contestação como meio de prova não faz sentido.
Relativamente aos documentos que refere (em bloco), o recorrente não justifica, pura e simplesmente, por que razão considera que dos mesmos resultam os factos que pretende ver levados à matéria provada. Não divisamos a relevância que tais documentos possam ter para a prova destes factos.
Diga-se, por último, que seria desejável um mínimo de rigor na formulação da matéria de facto que se pretende ver inserida no respectivo enunciado pelo tribunal ad quem. Pretender que seja julgado provado que o «aqui 2º R., era gerente da sociedade que explorava a clínica e recebia o competente ordenado, sempre “às cavalitas” da mãe claro» não constitui uma forma admissível de litigar em tribunal.”
Nada temos a censurar à apreciação feita pela Relação a esta impugnação da decisão de facto. No acórdão recorrido a Relação avaliou a relevância que os documentos apontados pelo apelante tinham para a apreciação do litígio. Nessa avaliação, a Relação concluiu que os aludidos documentos não provavam nada de relevante para o desfecho do litígio. Esse juízo não se mostra infirmado nesta revista. Pelo contrário, o recorrente, embora reclame o valor probatório pleno dos documentos que indica, não identifica quais os factos, relevantes para a resolução do litígio, que os documentos demonstram.
Assim, não se lobriga que a Relação tenha, no uso do poder-dever que lhe é conferido nos termos do art.º 662.º n.º 1 do CPC, cometido qualquer erro, suscetível de censura por parte deste STJ.
Nesta parte, pois, a revista também é improcedente.
6. Quinta questão (não consideração da caducidade estabelecida no art.º 1085.º do Código Civil)
Sobre esta matéria, o recorrente elaborou as seguintes conclusões:
“25ª – A caducidade estabelecida no Art. 1085º do Código Civil (lei substantiva) é do conhecimento oficioso. Bem assim como a caducidade estabelecida do Art. 17º, n.º 5, do Dec. Lei n.º 294/2009 de 13/outubro.
26ª – O A./reconvindo invocou expressamente a caducidade no artigo 24º da sua replica, estribando-a no decurso do tempo (únicos dois requisitos necessários e suficientes para invocação da caducidade que não seja do conhecimento oficioso).
27ª – O Tribunal “a quo” ao não considerar não seu douto acórdão a caducidade estabelecida no Art. 1085º do Código Civil (Lei substantiva), nem a caducidade estabelecida no Art. 17º, n.º5, do Dec. Lei n.º 294/2009, de 13/outubro, violou os susoditos normativos legais.
28ª - Do que decorre supra, óbvio é que o Tribunal “a quo” decidiu mal e ilegalmente quando decidiu confirmar a sentença dada pela 1ª Instância e decidiu consequentemente anular/declarar anulada a Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal datada de 20/Maio/2015.”
Na motivação, corpo da alegação do recurso, sobre esta matéria consta o seguinte:
“Debrucemo-nos agora sobre a questão da caducidade “levantada” nas conclusões 21º, 22º, 23º, 24º, 25º e 27º, do recurso de apelação do A./reconvindo.
O Tribunal “a quo” “resolveu” a questão dizendo de modo geral que a arguição da caducidade nos termos em que o recorrente o fez, ficaria prejudicado o exercício do contraditório pelos recorridos. Mais à frente sustenta que a adenda constitui um novo contrato (vidé págs. 91 e 92 – não numeradas – do acórdão da Relação de Évora).
Como é consabido a caducidade pode ser do conhecimento oficioso ou não. A invocação da caducidade não se faz através de formulário próprio para o efeito. Pois, a caducidade tem a ver com o decurso do tempo e tem 2 itens como requisitos, a saber: invocação expressa (quando não é do conhecimento oficioso), e decurso do tempo.
Ora, no Art. 24º da replica do A. este invocou expressamente a caducidade e o decurso do tempo. Mas mais, a caducidade estabelecida no Art. 1085º do Código Civil (lei substantiva) é do conhecimento oficioso. Pois, estamos perante lei substantiva e não meramente adjectiva. De que decorre que, o Tribunal “a quo” ao não considerar a caducidade estabelecida no Art. 1085º do Código Civil (conclusões 23º, 24º, 25º, 26º e 27º do recurso de Apelação do A./reconvindo), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, violou o estabelecido no Art. 1085º do Código Civil”.
Como se vê, na motivação do recurso não se invoca qualquer caducidade “estabelecida no Art. 17º, n.º5, do Dec. Lei n.º 294/2009, de 13/outubro”. Assim, nos termos do acima expendido acerca da dependência das conclusões, face ao corpo da alegação do recurso, excluída fica a apreciação da suposta caducidade “estabelecida no Art. 17º, n.º 5, do Dec. Lei n.º 294/2009, de 13/outubro”.
No que concerne à exceção perentória da caducidade dos direitos exercidos pelos RR. na contestação, o A. alegou o seguinte, no art.º 24.º da réplica:
“Apesar de saberem tal nunca interpuseram qualquer acção contra o Autor, a pôr em crise a supra identificada Adenda de 20/maio/2015, nem qualquer outra coisa. Donde, jamais o poderão fazer agora, por caducidade/prescrição do Direito, o que se argui/invoca para todos os efeitos legais daí decorrentes.”
Pronunciando-se sobre esta matéria, na sentença a 1.ª instância expendeu o seguinte:
“Conforme consta da acta da audiência prévia, tal matéria não integra o objecto do litígio, sem que tenha sido apresentada qualquer reclamação por parte do autor, nos termos do disposto no art. 596.º, n.º 2, do C.P.C.
Para tanto, entendeu o Tribunal que, de acordo com os arts. 572.º e 573.º do C.P.C., compete ao réu deduzir toda a defesa na contestação, expondo os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas.
Assim, se é incontroverso que o Tribunal não se encontra adstrito às alegações das partes «no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito» - cfr. n.º 3, do art. 5.º -, também é certo que «Às partes cabe alegar os factos essenciais (…) em que se baseiam as excepções» - vide n.º 1, do art. 5.º, sob pena de violação do princípio do dispositivo que impera no processo civil.
Ora, no caso em concreto, o autor nem sequer individualizou qual o instituto jurídico em causa, quedando-se pela invocação genérica de uma caducidade / prescrição, o que, em bom rigor, impede a realização do contraditório por parte dos réus.
Por último, note-se que a matéria da prescrição e a caducidade, desde que estabelecida em tema excluída da disponibilidade das partes, são insusceptíveis de serem conhecidas oficiosamente pelo Tribunal – cfr. arts. 300.º e 333.º, n.ºs 1 e 2, do C.C.
Em todo o caso, tentando alcançar qual o prazo de prescrição ou caducidade invocado genericamente, afinal, pelo autor, refira-se que, de acordo com o art. 287.º, n.º 1, do C.C., «[S]ó têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.»
Volvido esse prazo, verifica-se a caducidade do direito de arguir a anulabilidade, sanando-se aquela invalidade – neste sentido, veja-se Luís Carvalho Fernandes, in Teoria Geral, Vol. II, Almedina, 3.ª edição, p.615.
Contudo, se «o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência do prazo, tanto por via de ação como por via da excepção» - cfr. art. 287.º, n.º 2.
À luz do que acima vai dito, conclui-se que, por um lado, a incapacidade subjacente ao vício da incapacidade acidental relativo ao 1.º réu ainda não havia cessado aquando da propositura da presente acção.
Por outro lado, o contrato de arrendamento caracteriza-se como sendo um contrato de execução continuada ou periódica, cujo cumprimento se prolonga no tempo, pelo que se verifica a excepção prevista no n.º 2, do art. 287.º, quanto ao decurso do prazo de caducidade em apreço.
Assim sendo, também não se verificaria, in casu, a caducidade do direito dos réus de arguir a anulabilidade do negócio por via da excepção.
Por conseguinte, face ao acima exposto, forçoso será de concluir pela verificação dos requisitos subjacentes à anulabilidade dos negócios em causa, designadamente o acordo denominado «Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal», referido no ponto 8) dos factos provados, e «Aditamento ao Contrato de Arrendamento Florestal», mencionado no ponto 80) da decisão da matéria de facto, com base no vício de vontade da incapacidade acidental, previsto no art. 257.º do C.C.”
Como se vê, a primeira instância ponderou que o A. não tinha arguido convenientemente o vício decorrente da passagem do tempo sobre as situações jurídicas, sendo certo que não se verificava nenhuma situação de conhecimento oficioso. Ainda assim, procurando descortinar algo dentro da fórmula genérica usada pelo A. no art.º 24.º da réplica, a 1.ª instância pronunciou-se acerca da caducidade do direito de arguição de anulabilidade do negócio jurídico, prevista no art.º 287.º do Código Civil – tendo em vista a arguida anulabilidade, por incapacidade acidental dos declarantes 1.º R. e sua esposa, da (primeira) adenda ao contrato de arrendamento mencionada nos autos - concluindo pela sua improcedência.
O A. reagiu contra esta decisão, na apelação, aí formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
21.ª - Está provado em 75. Dos factos provados (pág. 29 da Sentença) que em Julho/2015, o R. CC teve conhecimento da Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal datado de 20/Maio/2015 (7. dos factos provados, pág. 10 da Sentença).
22.ª - Nada fez até proceder à notificação judicial avulsa de que o A. foi notificado em 03/Setembro/2020 (10. Dos factos provados).
23.ª - Como é consabido nos Contratos de Arrendamento Florestal aplica-se a NRAR e subsidiariamente as regras respeitantes á locação e Código Civil. O artº 1085º do Código Civil reza assim: “1- A resolução deve ser efetivada dentro do prazo 1 ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade”.
24.ª - O A./Reconvindo em sede de Réplica invocou a caducidade (artº 24º da Réplica do A.).
25.ª - Os R.R.R. após mais de 5 anos de terem tido conhecimento da Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal datada de 20/Maio/2015, nada fizeram, não impugnaram judicialmente por qualquer forma e/ou meio e/ou fundamentos tal Adenda. Pelo que, precludiu o direito de o fazerem. Consubstanciou-se a caducidade. Donde, a invocação por parte os R.R.R. da invalidade da referida Adenda datada de 20/Maio/2015, na sua Contestação/Reconvenção que apresentaram em 28/Maio/2021, é manifestamente intempestiva, porque já objecto de caducidade. Sem prescindir,
26.ª - Acresce ainda que, a referida Adenda de 20/Maio/2015 (8. Dos factos provados, pág. 10 da Sentença) é uma Adenda ao Contrato de 01/Dezembro/2010 (4. e 5. Dos factos provados, págs. 5 e 6 da Sentença). Não sendo por isso um novo Contrato. Donde,
27.ª - O alegado direito dos Réus de pedirem a sua resolução e anulação nos termos, forma, modo, fundamentos e pedidos, que o fizeram, há muito que tinha precludido por caducidade (artº 1085º, n.º 1, do Código Civil).”
O acórdão recorrido julgou a apelação improcedente, também sobre esta matéria, nos seguintes termos:
“O recorrente não tem razão, seja a que título for.
Desde logo, o recorrente não invocou devidamente a excepção de caducidade do direito de arguir a anulabilidade da adenda. Não especificou, sequer, se pretendia arguir a caducidade ou a prescrição, que são institutos jurídicos diversos. Daí que, em rigor, nem sequer se possa conhecer da questão da caducidade daquele direito. Tem, a este propósito, total pertinência a observação, feita pelo tribunal a quo, de que, a admitir-se uma arguição da caducidade nos termos em que o recorrente o fez, ficaria prejudicado o exercício do contraditório pelos recorridos.
Ainda que se considerasse que a caducidade do direito de arguir a anulabilidade da adenda foi devidamente invocada, o recorrente não teria razão.
Desde logo, o recorrente deturpa os factos. Como vimos em 2.1, o facto de se encontrar provado que o recorrente CC tomou conhecimento da subscrição da adenda não equivale a ele conhecer o conteúdo desta.
O recorrente também não é rigoroso na invocação das normas jurídicas aplicáveis, confundindo a caducidade do direito de invocar a anulabilidade da adenda (artigo 287.º, n.º 1, do CC), com a caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento (artigo 1085.º, n.º 1, do CC).
Ao contrário do que o recorrente sustenta, a adenda constitui um novo contrato, que apenas tem a particularidade de, em vez de estabelecer uma relação contratual nova, alterar uma relação contratual pré-existente. Trata-se de um contrato modificativo de um contrato anterior (cfr. artigo 406.º, n.º 1, do CC). Seja como for, não vemos que interesse isto possa ter para a discussão da questão da caducidade do direito de arguir a anulabilidade da adenda.
Independentemente da data em que cada um dos recorridos teve conhecimento do conteúdo – e não, meramente, da existência – da adenda, é certo que, por um lado, persiste o vício determinante da anulabilidade (incapacidade do recorrido BB) e, por outro, o contrato de arrendamento tem natureza duradoura, tendo sido executado até à data da propositura da acção. Daí que, nos termos do artigo 287.º do CC, não tenha ocorrido a caducidade do direito de arguir a anulabilidade da adenda.”
Como se vê, a Relação concordou com a 1.ª instância, quanto à inadequação da forma como foi arguida a caducidade do direito de arguir a anulabilidade das adendas em referência. No entanto, tal como a primeira instância, no que se deve considerar um simples obiter dictum, a Relação apreciou a questão da caducidade do direito de arguição da anulabilidade da aludida adenda, à luz do art.º 287.º do Código Civil, concluindo, tal como a primeira instância, pela sua improcedência. Nessa tarefa, a Relação não deixou de ponderar que a invocação do art.º 1085.º do Código Civil, feita pelo recorrente, não era rigorosa, pois esta reporta-se à caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento, e não à caducidade do direito de anulação de negócio jurídico, por vício de que padeça.
Em sede de revista, como se disse, o A. invoca a caducidade prevista no art.º 1085.º do Código Civil. Ora, o art.º 1085.º do Código Civil reporta-se à exceção de caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento. Trata-se, tal como a exceção de caducidade prevista no art.º 287.º do Código Civil, de uma exceção que não é de conhecimento oficioso, uma vez que o litígio destes autos não diz respeito a relações jurídicas indisponíveis (artigos 333.º e 303.º do Código Civil). Assim, o seu conhecimento dependia da sua alegação, pelo A., na réplica (sendo certo que a arguição dessa exceção se dirigiria à resolução do arrendamento, peticionada na reconvenção), ficando precludida a sua arguição em momento posterior (artigos 584.º, 587.º, 573.º) – cfr., v.g., José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 4.ª edição, Almedina, 2019, pág. 605.
Ora, tendo o A. omitido, na réplica, a arguição da caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento, previsto no art.º 1085.º do Código Civil, precludido ficou o direito de o invocar na apelação e/ou na revista.
Quanto à caducidade do direito de peticionar a anulação da adenda outorgada em 20.5.2015, nada mais há a acrescentar, ou a alterar ao expendido no acórdão recorrido: a exceção não foi devidamente arguida pelo A. na 1.ª instância, pelo que deve ser desatendida; em obiter dictum, reitera-se que a caducidade só começa a contar quando cessar o vício que lhe serve de fundamento (art.º 287.º n.º 1) e apenas após o cumprimento do negócio (art.º 287.º n.º 2). Ora, como se refere no acórdão recorrido, a incapacidade do 1.º R. persistia à data do pedido de declaração da anulação, e o negócio continuava em execução, pelo menos até à data da notificação judicial avulsa.
Nesta parte, pois, a revista também improcede.
7. Sexta questão (procedência dos pedidos formulados pelo A. sob as alíneas a), b) e c))
Nas alíneas a), b) e c) o A. formulou o seguinte petitório:
“a) ser declarada nula ou anulada e sem nenhum efeito juridico ou outro, a resolução do contrato de exploração florestal, efectuada ilicita e ilegalmente, através da notificação judicial avulsa identificada em c) ínfra, pelos aqui 1º e 2º r. r. e que os mesmos identificam “in fine” do seu escrito como: a. 1.;
b) serem declarados nulos ou anulados e sem nenhum efeito juridico ou outro todos “os pedidos” efectuados pelos aqui 1º e 2º r. r. através da notificação judicial identificada em c) ínfra e que os mesmos identificaram “in fine” do seu escrito como: a. 2. e a. 3.;
decorrentemente,
c) ser declarada nula ou anulada e sem nenhum efeito juridico ou outro, a notificação judicial avulsa de que o aqui a. foi objecto concretizada em 03/setembro/2020 (aqui doc. 4)”.
Nas conclusões 13.ª a 18.ª o A. pugna pela procedência desses pedidos. E, na fundamentação dessa procedência, questiona as condenações de que foi alvo (vide conclusão 18.ª).
Fundamenta tal pretensão na circunstância de na notificação judicial avulsa não se ter mencionado a adenda datada de 20.5.2015. Tal inquinaria a validade da notificação, conforme peticionado.
Vejamos.
A 1.ª instância julgou improcedentes os pedidos deduzidos pelo A.. E julgou procedentes os pedidos reconvencionais deduzidos pelos RR., nos termos supratranscritos.
A fundamentação desse juízo assentou no facto de a adenda datada de 20.5.2015 ser inválida, por o 1.º R. a ter outorgado sem compreender o seu alcance, por estar mentalmente incapacitado para tal (assim como quanto à adenda outorgada em 01.3.2016). Por outro lado, o A. não pagou as rendas posteriores a 2017. Assim, tendo o contrato cessado, por caducidade, em 01.12.2017, à luz do texto original do contrato, tendo o A. sido intimado, pela notificação judicial avulsa, a restituir o imóvel locado, e estando em dívida as rendas devidas desde 2017, o tribunal da 1.ª instância, atendendo ao disposto no art.º 1045.º do Código Civil e ao pedido formulado pelos reconvintes, condenou o A. no pagamento das rendas vencidas em relação aos anos de 2017 a 2020 e, ainda, em montante equivalente ao dobro das rendas subsequentes, vencidas e vincendas, por referência ao dia 3.9.2020 (data da notificação judicial avulsa), acrescidas de juros de mora. Também, na sequência do pedido subsequentemente formulado, e face à matéria provada, o tribunal da 1.ª instância condenou o A. a pagar aos RR. o valor dos eucaliptos por aquele cortados no imóvel, entre setembro de 2020 e junho de 2021, em valor sujeito a posterior liquidação. E mais se condenou o A. à restituição do imóvel, dever esse existente desde 3.9.2020.
Interposta apelação, a Relação não concordou com a 1.ª instância no que se refere ao conhecimento da caducidade do contrato de arrendamento, por força do decurso do prazo de 7 anos previsto no texto inicial do escrito subscrito pelas partes. Mas, no mais, confirmou, sem alteração, o ajuizado pela 1.ª instância quanto à incapacidade acidental de que enfermava o 1.º R. (e sua mulher) aquando da adenda outorgada em 20.5.2015 (assim como aquando da celebração da adenda outorgada em 01.3.2016), quanto à anulação das adendas, quanto à falta de pagamento das rendas desde 2017, quanto à validade da notificação judicial avulsa, quanto ao dever de restituição do imóvel desde a data da notificação judicial avulsa, quanto aos montantes devidos pela não restituição do imóvel, quanto à dívida decorrente do corte não autorizado de eucaliptos.
Assim, houve discordância entre as instâncias quanto ao motivo de cessação do contrato de arrendamento: para a 1.ª instância, a cessação do contrato decorreu da caducidade emergente do decurso do prazo, não renovável, nele inscrito. Para a Relação, a cessação resultou da declaração de resolução do contrato, emergente do incumprimento do contrato consubstanciado na falta de pagamento de rendas.
No mais, houve harmonia entre as instâncias.
Ora:
É sabido que o n.º 3 do art.º 671.º do CPC consagra o obstáculo à revista comummente designado de “dupla conforme”:
“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.
A jurisprudência do STJ tem densificado o conceito da dupla conforme no sentido de que apenas inexiste dupla conforme quando se esteja perante “uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância” (acórdão do STJ de 19.02.2015, processo n.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1 – sublinhados nossos).
Isto significa que a verificação de fundamentação essencialmente diferente, “não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação, sendo antes indispensável que o âmago fundamental do enquadramento jurídico seguido pela Relação seja completamente diverso daquele que foi seguido pela 1.ª instância.” Ou seja, só deixa de existir dupla conforme “quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada” (acórdão do STJ, de 31.3.2022, processo n.º 14992/19.2T8LSB.L1.S1). Por isso, como se diz no mesmo acórdão (STJ, de 31.3.2022), citando-se Abrantes Geraldes, “a alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representa, efetivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1.ª instância”.
Por outro lado, como se ajuizou no acórdão do STJ de 20.9.2022 (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2022, de 18.10), “[n]as situações de objeto processual plural a conformidade decisória terá, em princípio, de ser avaliada, separadamente, para cada uma das pretensões autónomas e cindíveis decididas pelas instâncias.” Ou, como se exarou no sumário do acórdão do STJ de 10.04.2014, processo n.º 2393/11.5TJLSB.L1.S1, “[n]os casos em que a parte dispositiva da decisão contenha segmentos decisórios distintos e autónomos, (podendo as partes, por conseguinte, restringir o recurso a cada um deles), o conceito de dupla conforme terá de se aferir, separadamente, relativamente a cada um deles”.
In casu, o A. formulou diversos pedidos, que foram alvo de pronúncia decisória, na 1.ª instância, correspondentemente discriminada de acordo com o teor de cada pedido. E, também os RR. discriminaram pedidos, cuja apreciação foi alvo de apreciação discriminada por parte da 1.ª instância.
Ora, como se aduziu supra, apenas no que concerne à questão do fundamento para a cessação do contrato de arrendamento as instâncias divergiram: isto é, a primeira instância considerou que o contrato cessou por caducidade, e a Relação considerou que o contrato cessou por resolução.
Isto é, apenas houve divergência quanto ao pedido reconvencional deduzido pelos RR. em primeiro lugar:
“(i) Ser declarada a resolução válida e eficaz do contrato de arrendamento florestal celebrado entre o Primeiro Réu e sua mulher em 1 de Dezembro de 2010”.
Assim, apenas quanto a este objeto processual terá este STJ competência para pronunciar-se, ficando arredada a reapreciação do demais, para além das questões que, pelas suas particularidades, foram já acima apreciadas – e sem prejuízo do que adiante se aduzirá acerca das restantes questões suscitadas no recurso, ainda não mencionadas.
Ora, quanto à resolução do contrato, a Relação pronunciou-se pela seguinte forma, que aqui se transcreve (de novo):
“Atentas a invalidade e a consequente anulação, quer da “Adenda a Contrato de Arrendamento Florestal” subscrita em 20.05.2015, quer da “Alteração a Contrato de Arrendamento Florestal” subscrita em 01.03.2016, anulação essa que tem eficácia retroactiva (artigo 289.º, n.º 1, do CC), considera-se que o «Contrato de Arrendamento Florestal» celebrado em 01.12.2010 vigorou até 03.09.2020, data em que, através de notificação judicial avulsa, foi resolvido.
O fundamento da resolução foi a falta de pagamento das rendas vencidas em 01.07.2017, 01.07.2018, 01.07.2019 e 01.07.2020. Cabia ao recorrente o ónus da prova desse pagamento, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do CC. Porém, os factos alegados pelo recorrente com vista a demonstrá-lo foram julgados não provados.
A falta de pagamento da renda constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento rural pelo senhorio, nos termos do artigo 17.º, n.º 2, al. a), do Novo Regime do Arrendamento Rural (Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13.10).
Consequentemente, a resolução do contrato, efectuada em 03.09.2020, foi válida e eficaz, tendo produzido o seu típico efeito extintivo da relação contratual. Extinguiu-se, assim, o título jurídico que legitimava o recorrente a ocupar o prédio, pelo que ele tem o dever de o restituir desde aquela data, tal como se decidiu na sentença recorrida”.
Nada temos a alterar ao julgamento assim proferido pela Relação.
O A., mediante a celebração do contrato de arrendamento florestal, obrigou-se ao pagamento da respetiva renda. Ao omitir esse pagamento, incumpriu o contrato, sujeitando-se à respetiva resolução, a que o senhorio procedeu, mediante declaração formal e substancialmente válida – notificação judicial avulsa.
O facto de à data da notificação estar em vigor a adenda ao contrato e de a mesma não ser referida na notificação é irrelevante. Como se refere no acórdão recorrido, aquando da notificação “[v]igorava então a adenda, mas o recorrente conhecia perfeitamente as condições em que a mesma fora celebrada, com aproveitamento da situação de incapacidade do recorrido BB e da falecida esposa deste.” De todo o modo, a adenda não dispensava o A. do pagamento da renda atinente ao arrendamento em causa. E os RR., para efetivarem a resolução do contrato, não careciam de mencionar a aludida adenda. Bastava, como fizeram, indicar o escrito primeiramente outorgado, no qual se identificava o imóvel arrendado e, afinal, a relação jurídica que se pretendia extinguir. Assim, a omissão da menção à adenda é irrelevante.
Nesta parte, pois, a revista também improcede.
8. Sétima questão (indevida condenação do A. como litigante de má-fé)
O A. foi condenado, na 1.ª instância, como litigante de má-fé.
Essa condenação assentou nos seguintes considerandos:
“Em sede de contestação, os réus deduziram pedido de condenação do autor, como litigante de má-fé, no pagamento de multa e no reembolso de todas as despesas dos réus com o presente processo, inclusivamente os honorários a mandatário, a liquidar em momento posterior, de acordo com o disposto no art. 543.º, n.º 1, do C.P.C.
Para tanto, invoca que o autor mentiu quando, na sua petição inicial: negou que tinha conhecimento do estado debilitado do casal BB/EE aquando da subscrição do acordo mencionado no ponto 8); omitiu que o acordo em causa teria sido substituído em 2016; e que havia pago as rendas relativas aos anos de 2015 e 2016 pelo valor de 17.000,00€.
(…)
No caso vertente, os réus estribam o seu pedido nos seguintes pontos: (i) o autor mentiu quando negou que tinha conhecimento do estado debilitado do casal BB/EE aquando da subscrição do acordo mencionado no ponto 8); (ii) o autor sabia que o acordo em causa teria sido substituído em 2016; (iii) e que havia pago as rendas respeitantes aos anos de 2015 e 2016, omitindo essa factualidade na petição inicial.
Cotejada a decisão de facto acima exposta, verifica-se que a versão apresentada pelo autor não encontrou qualquer conforto na prova produzida, defluindo dela manifestamente que: (i) a incapacidade dos réus tinha um carácter notório e era conhecido do autor, pelo menos, em Maio de 2015 – ponto 63); (ii) a existência do aditamento outorgado em 01-03-2016 – ponto 80); e (iii) que o réu procedeu à entrega em 2015 e 2016 das quantias de 17.000,00€ ao casal BB/EE – pontos 81) a 84).
Acresce que resultou como não provado que as quantias em causa haviam sido entregues pelo autor ao casal BB/EE a título de empréstimo – cfr. ponto d).
Por outro lado, tratam-se de factos pessoais do autor, dos quais o mesmo não podia deixar de ter conhecimento, uma vez que foram praticados e presenciados pelo próprio.
Desta feita, a conduta processual do autor acima descrita consubstancia a previsão legal da norma contida no artigo 542.º n.º 2 al. a) e b) do C.P.C., porquanto o mesmo deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterando a verdade dos factos.
Diga-se, ainda, que a condenação da parte como litigante de má-fé não depende exclusivamente de uma conduta processual dolosa, bastando para o efeito a demonstração de que a parte estava obrigada a ter consciência dos factos em causa – conforme sucede manifestamente nos presentes autos.
Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no seu douto Acórdão de 20 03-2014 (processo n.º 1063/711.9TVLSB.L1.S17), cujo excerto ora se transcreve:
«Pode, assim, aproveitando-se a classificação das lides exposta por Alberto dos Reis em lides cautelosas, lides simplesmente imprudentes, lides temerárias e lides dolosas (ver loc. cit, pág. 262) dizer-se que hoje a condenação como litigante de má fé deve ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária sendo esta última aquela em que litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionado, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de lhe ser exigível essa consciencialização.»
Face ao exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 542.º, n.ºs 1 e 2, al.s. a) e b) do C.P.C. e 27.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais, deverá o autor ser considerado litigante de má-fé, devendo, em consequência ficar obrigado ao pagamento de uma multa no valor de 50 (cinquenta) UC, o que perfaz a quantia de 5.100,00€ (cinco mil e cem euros), atendendo ao valor dos bens jurídicos em causa e ao grau de ilicitude e culpa da conduta em censura, bem como de uma indemnização, a fixar nos termos do disposto no art. 543.º, n.º 3, do C.P.C.”
E, no dispositivo da sentença, incluiu-se a seguinte alínea d):
“d) Condenar o autor, como litigante de má-fé, ao pagamento de uma multa que se fixa em 50 (cinquenta) UC, a que corresponde a quantia de 5.100,00€ (cinco mil e cem euros), bem como ao pagamento aos réus de uma indemnização a fixar posteriormente, nos termos do disposto no art. 543.º, n.º 3, do C.P.C.”
O A. apelou também contra essa condenação, mas a Relação julgou o recurso improcedente, mantendo a condenação nos mesmos termos da 1.ª instância, sem alteração na fundamentação.
Veja-se o que, a esse propósito, se exarou no acórdão recorrido:
“O tribunal a quo condenou o recorrente por litigância de má-fé com fundamento na manifesta contradição da versão por si apresentada com aquilo que resultou da prova produzida, nomeadamente quanto às seguintes matérias:
- Incapacidade do recorrido BB e da sua falecida esposa, que era notória e conhecida do recorrente, pelo menos, desde Maio de 2015;
- Existência de um aditamento ao contrato de arrendamento posterior à adenda celebrada em 20.05.2015, a qual foi omitida pelo recorrente na sua alegação;
- Entrega, pelo recorrente, em 2015 e 2016, das quantias mencionadas nos n.ºs 81 a 84 do enunciado da matéria de facto provada. Considerou o tribunal a quo que o recorrente não podia deixar de ter conhecimento desses factos, uma vez que foram por si praticados e presenciados, pelo que a sua conduta processual preenche as previsões das als. a) e b) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC.
O recorrente insurge-se contra a referida condenação, argumentando que «não logrou provar que as quantias em questão foram entregues a título de empréstimo, pela simples razão que o A. em depoimento que prestou em Tribunal perante o M. Juiz “a quo” disse-lhe que tal quantia foi entregue a título de empréstimo. Porém, o Sr. Juiz não acreditou, não tendo dado tal por provado. Porém, em parte alguma da matéria dada por provada está dado por provado qual o fim a que se destinavam os montantes referidos em 81. a 84. Dos factos provados. V.g. não constam dos autos quaisquer recibos de renda emitidos pelo R. BB e/ou EE, nem estes declararam o que quer que fosse relativamente a tal junto da A.T./Serviço de Finanças conforme informação de Fls. dos autos dada por essa Entidade. Donde, jamais o A./Reconvindo deveria ter sido condenado como litigante de má-fé.»
O recorrente não tem razão.
De acordo com o n.º 2 do artigo 542.º do CPC, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
O recorrente não discute os dois primeiros fundamentos da sua condenação por litigância de má-fé que acima enunciámos. Sendo assim, essa condenação sempre teria de se manter, ainda que com fundamentação mais restrita. A conduta processual do recorrente cuja qualificação como litigância de má-fé ele não põe em causa é suficiente para o preenchimento das previsões das als. a) e b) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC.
No que concerne ao terceiro fundamento da sua condenação por litigância de má-fé, a argumentação do recorrente é muito redutora. Tal condenação não decorreu, meramente, do facto de o tribunal não ter acreditado em si quando declarou que as quantias mencionadas nos n.ºs 81 a 84 do enunciado da matéria de facto provada foram entregues a título de empréstimo. O seu fundamento foi muito mais amplo, decorrendo do seguinte trecho da sentença recorrida:
«Noutro plano, a globalidade da versão do autor perde credibilidade com a factualidade dada como provada pelo Tribunal em 81) a 84), concernente à entrega da quantia de 17.000,00€ ao casal BB/EE, nos anos de 2015 e 2016 – o que corresponde, grosso modo, ao valor da renda inicialmente acordada [cfr. cláusula 4.º do acordo referido no ponto 5)] e precisamente à renda acordada em sede do subsequente aditamento de Março de 2016 [cfr. cláusula 2.ª do acordo referido no ponto 80)]
Pronunciando-se sobre esta factualidade em sede de depoimento de parte, o autor referiu que as quantias em causa foram entregues a título de empréstimo, por si concedido ao casal BB/EE.
Ora, em primeiro lugar cabe notar que o autor, nos presentes autos, apenas abordou esta matéria em sede depoimento de parte, no seguimento do alegado pelos réus na contestação – vide artigos 112.º 113.º.
Seria expectável, tendo em conta os termos do litígio, que o autor aflorasse este tema na sua petição inicial, sobretudo tendo em conta o si alegado quanto à amortização da renda como forma de compensação da dívida do casal para consigo, motivada por falta de condições financeiras.
Sob outro ângulo, também seria crível que existisse alguma forma de formalização do empréstimo, tendo em conta o facto de o autor ser empresário em nome individual (conforme resultou do depoimento da testemunha XX) e o modus operandi dos negócios levados a cabo entre o autor e casal BB/EE, assente na redução a escrito dos acordos firmados entre si.
Ademais, também se afiguraria expectável que o autor tivesse envidado esforços para reaver a quantia em causa, seja pela via judicial ou extrajudicial, sobretudo após a comunicação da resolução contratual referida no ponto 10).
Por outro lado, há que mencionar o acordo referido no ponto 80) dos factos dados como provados (não mencionado pelo autor na sua petição inicial), através do qual foi estipulada uma renda, precisamente no valor de 17.000,00€, o que abala em larga medida a versão oferecida pelo autor.
Por último, a explicação em causa não se coaduna com a situação patrimonial do casal BB/EE, já acima abordada.»
Portanto, além do mais, o recorrente nem sequer mencionou a entrega das quantias em causa na petição inicial, apesar de se tratar de um facto fundamental para a compreensão da situação dos autos. Apenas o fez em sede de depoimento de parte, no seguimento do alegado pelos recorridos na contestação (artigos 112.º e 113.º) e perante a evidência da prova documental por estes apresentada, sustentando, então, a versão, absolutamente inverosímil, de que se teria tratado de um empréstimo. O recorrente omitiu, assim, factos relevantes para a decisão da causa e, quando tais factos foram adquiridos no processo por outra via, procurou alterar a verdade dos mesmos. Tem, pois, total justificação a sua condenação por litigância de má-fé.
O recorrente considera que o montante da multa em que foi condenado por litigância de má fé (50 UC) é «excessivo, descabido, iníquo, desproporcional e insensato, consubstanciando em si mesmo um manifesto abuso de direito». Não justifica esta afirmação.
Carece de sentido a invocação da cláusula geral do abuso do direito nesta sede. Trata-se aqui da aplicação de uma sanção e não do exercício, pelo tribunal, de um direito, muito menos de forma abusiva. Damos por reproduzido o que a esse propósito afirmámos em 6.
O recorrente não diz porque considera «excessivo, descabido, iníquo, desproporcional e insensato» o montante de 50 UC. Sendo assim, não há argumentos que possam ser apreciados pelo tribunal ad quem. Já a fundamentação expendida pelo tribunal a quo parece-nos razoável. Daí que não encontremos razão para alterar aquele montante.
Mantendo-se, nos exactos termos decididos pelo tribunal a quo, a condenação do recorrente por litigância de má-fé, fica prejudicado o conhecimento da ampliação do objecto do recurso requerida pelos recorrentes, que se circunscreve à referida questão.”
Assim, sobre esta questão também se formou dupla conforme, pelo que, segundo a regra geral acima citada, por essa razão a mesma quedaria fora do âmbito da revista.
Porém, e mais do que isso, rege o disposto no art.º 542.º n.º 3 do CPC, segundo o qual “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.”
Este preceito tem vindo a ser reiteradamente interpretado, pelo STJ, no sentido de “afirmar como requisito de admissibilidade de recurso de revista quanto à litigância de má-fé o facto de se tratar de uma decisão de condenação, admitindo-se, todavia, um grau de recurso independentemente do valor da causa e da sucumbência. Desta forma, excluem-se do âmbito de recorribilidade as decisões condenatórias da Relação que confirmem a condenação proferida pela 1ª instância, uma vez que já se esgotou o grau de recurso legalmente previsto” (cfr. STJ, 23.01.2024, processo n.º 16556/17.6T8LSB.E1-A.S1; STJ, 17.9.2024, processo 1613/21.2T8PNF.P1.S1). Assim, ainda que o valor da ação supere a alçada da Relação, “a parte que tenha sido penalizada não pode interpor recurso de revista que abarque essa questão, regime que compatibiliza a tutela do visado (carecida, nesta parte, de um duplo grau de jurisdição) com a natureza marginal da questão” (António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, 1.º volume, 3.ª edição, 2022, Almedina, pág. 643).
Nesta parte, pois, a revista não é admissível.
9. Oitava questão (indevida improcedência do pedido de condenação dos RR. como litigantes de má-fé)
Sobre a alegada litigância de má-fé dos RR., a sentença pronunciou-se nos seguintes termos:
“De igual modo, através do requerimento de 04-07-2022, o autor deduziu pedido de condenação dos réus, como litigante de má-fé, no pagamento de multa e indemnização, nos termos e para os efeitos do art. 543.º do C.P.C, porquanto, na sua versão, os réus teriam conhecimento da adenda mencionada em 8) desde Julho de 2015 e só contra ela reagiram em 28-05-2021.
O autor deduziu ainda pedido de condenação dos réus BB e do réu CC, na qualidade de representante legal daquele, como litigantes de má-fé, através do requerimento apresentado em 15-02-2023, no pagamento de multa e indemnização, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 542.º, 543.º e 544.º do C.P.C., baseado na apresentação por parte intempestiva, por parte dos réus, do requerimento de 21-12-2023. Atentemos então nesta questão.
Atentemos então nesta questão.
O art. 542.º do C.P.C. define litigante de má-fé como aquele que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar [al. a)]; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa [al. b)]; tiver praticado omissão grave do dever de cooperação [al. c)], ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão [al. d)].
Por seu turno, o art. 543.º n.º 1, do C.P.C., dispõe que «[A] indemnização pode consistir no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos; e no reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má-fé.»
O instituto da litigância de má-fé surge como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagrando expressamente o dever de boa-fé processual.
Como ensina Alberto dos Reis, in «Código de Processo Civil Anotado», Vol. II, Coimbra, pág. 263, «(…) a simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade em apurar os factos e de os interpretar podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem e a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito, e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir. (…)».
Cumpre analisar e decidir.
- Dos pedidos deduzidos pelo autor
Seguindo de perto o que acima foi dito acerca do instituto da litigância de má-fé, constata-se que não se encontram preenchidos os seus respectivos requisitos porquanto a conduta processual não integra nenhuma das alíneas do n.º 2, do art. 542.º do C.P.C.
Por conseguinte, face ao acima exposto, indefere-se o requerido pelo autor quanto a esta matéria.”
Também nesta parte o A. manifestou o seu inconformismo, perante a Relação.
E, também nesta matéria, a Relação discordou do recorrente e manteve o veredito da primeira instância. Veja-se a respetiva transcrição:
8 – Condenação dos recorridos por litigância de má-fé:
O recorrente considera que os recorridos deviam ter sido condenados por litigância de má-fé porquanto, apesar de o recorrido CC ter tomado conhecimento da «Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal» celebrada em 20.05.2015, não a mencionou na notificação judicial avulsa.
O recorrente não tem razão.
Resulta do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, transcrito em 7, que a condenação em multa e indemnização à parte contrária por litigância de má-fé em determinado processo pressupõe que a conduta processual merecedora daquela qualificação ocorra nesse processo. Não é admissível a condenação por litigância de má-fé com fundamento numa actuação levada a cabo noutro processo.
Acresce que a notificação judicial avulsa nem sequer é um processo judicial. Não há partes, mas sim um requerente e a pessoa cuja notificação este pretende. Não há litígio a dirimir pelo tribunal, mas apenas uma notificação a realizar nos termos do artigo 256.º do CPC. Tenha-se em mente o disposto no artigo 219.º, n.º 2, do CPC, nos termos do qual a notificação serve para, nos casos em que a lei não exija a citação, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto. Daí que não faça sentido falar-se em litigância de má-fé numa notificação judicial avulsa.
Pode, eventualmente, uma notificação judicial avulsa ser utilizada como instrumento de uma litigância de má-fé em determinado processo. Nessa hipótese, a conduta processual merecedora daquela qualificação deverá desenrolar-se nesse processo. Não faz sentido apreciar, no processo, a notificação judicial avulsa em si mesma, de forma isolada, mas apenas enquanto instrumento de uma actuação nele desenvolvida.
Nesta ordem de ideias, a omissão de referência, na notificação judicial avulsa mencionada no n.º 10 do enunciado dos factos provados, à «Adenda ao Contrato de Arrendamento Florestal» celebrada em 20.05.2015, de modo algum constitui litigância de má-fé, ou um instrumento para uma litigância de má-fé levada a cabo, neste processo, pelos recorridos. Aquela omissão é coerente com a posição, aqui assumida pelos recorridos, de que aquela adenda é nula ou, quando menos, anulável, pelo que o instrumento que regula a relação contratual entre as partes é o contrato de arrendamento celebrado em 01.12.2010. Posição essa que, acrescente-se, obteve vencimento. Sendo assim, inexiste fundamento para condenar os recorridos por litigância de má-fé.”
A Relação manteve o veredito de absolvição dos RR. quanto à imputada litigância de má-fé, aduzindo fundamentação que não se afasta ou diverge daqueloutra em que se baseou a 1.ª instância.
Assim, também nesta parte existe dupla conformidade decisória, obstativa da revista, nos termos do art.º 671.º n.º 3 do CPC. E, pelo menos por identidade de razão, do disposto no art.º 542.º n.º 3 resulta, também, a rejeição do acesso a terceira jurisdição na apreciação da má-fé processual imputada às contrapartes.
A revista é, pois, totalmente improcedente.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e, consequentemente, mantém-se o acórdão recorrido.
As custas da revista, na modalidade de custas de parte, são a cargo do recorrente, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).
Lx, 29.10.2024
Jorge Leal (Relator)
Anabela Luna de Carvalho
Henrique Antunes