IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE EMPREITADA
OBRIGAÇÃO DE RESULTADO
QUESTÃO NOVA
Sumário


1. A busca da verdade passa por perceber que a credibilidade a dar a cada uma das testemunhas ouvidas varia, e a arte está em perceber quais merecem credibilidade e quais não merecem, fundamentadamente.
2. Acresce que o registo audio da prova não permite captar aquilo que a Psicologia designa de “comunicação não-verbal”.
3. A determinação dos factos provados, no meio de um litígio judicial, é uma tarefa de enorme melindre, que obriga à chamada análise crítica das provas, ou seja, à ponderação de todas as provas produzidas, com o mais variado conteúdo, aferindo depois umas pelas outras e com base em elementos objectivos, até conseguir encontrar uma leitura coerente e satisfatória de tudo o que foi dito. Essencial é aferir da credibilidade e grau de isenção das testemunhas ouvidas. Quando a alegação da recorrente é um exercício unilateral de explicação da realidade que se pretende ver provada apoiado exclusivamente na prova que ela própria produziu, ignorando os depoimentos contrários das outras testemunhas, a improcedência do recurso é quase certa.Não configura nulidade a omissão do juíz de se pronunciar sobre a alegada responsabilidade solidária de uma seguradora, quando essa seguradora apenas foi admitida a intervir nos autos como parte acessória.
4. No âmbito de uma empreitada, uma obrigação de preparação de uma plataforma de terreno, para execução dos trabalhos com maquinaria pesada, constitui uma obrigação de resultado, e não de meios.
5. Os recursos não servem para suscitar questões novas. Uma questão que não foi suscitada por nenhuma das partes nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, tendo sido agora trazida nas alegações de recurso, não pode ser conhecida pela Relação. Excepciona-se apenas o caso do conhecimento oficioso.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
 
I- Relatório

EMP01... PLC, ..., e EMP02... – Sucursal em Portugal, propuseram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra EMP03..., SA, melhor id. nos autos, (doravante (EMP03...) pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 339.280,25, acrescida de juros, à 1.ª Autora e da quantia de € 59.864,18, à 2.ª Autora, acrescida de juros.
Para tanto, alegaram que entre ambas celebraram contrato de seguro que cobria situações como a que acontecera a 25.02.2020, quando se deu um abatimento de terra que originou o capotamento de uma máquina da 2.ª Autora que operava em obra e lhe provocou danos que pretendem ver ressarcidos pela Ré, uma vez que não foi cumprida por esta a obrigação contratual de preparar os solos para que a 2.ª Autora trabalhasse em segurança. Mais alegaram que a 1.ª Autora ressarciu a 2.ª Autora, estando autorizada a reclamar directamente à Ré o que ressarciu à 2.ª Autora. Por fim, que a Ré está em mora com o pagamento de uma factura, devido por trabalhos executados à 2.ª Autora.
Indicou meios de prova.

Citada, a Ré EMP03... contestou. Rejeitou a violação das suas obrigações contratuais e a culpa na produção do evento e imputou-as ao manobrador da máquina e funcionário da 2.ª Autora – movimentava a máquina estando a sua torre/cabine desalinhada com o eixo das lagartas e trabalhava sem a sapatada de estabilização da máquina accionada/descida.
Deduziu ainda reconvenção, peticionando a compensação do seu crédito no valor de €44.363,40, com o crédito da 2.ª Ré, para tanto, alegando que, por conta do sinistro da responsabilidade da 2.ª Autora, adiantou o ressarcimento dos prejuízos ao D.O. e a terceiros, lesados, e que quer, agora, ser reembolsada.
Mais requereu a intervenção provocada de EMP04... – Companhia de Seguros SA, por ter com esta celebrado seguro de responsabilidade civil contratual e extracontratual no âmbito da actividade por si exercida de construção civil e obras públicas, onde se incluiu o risco nos trabalhos de escavação e de laboração de máquinas, incluindo gruas, e que cobre, o evento narrado.
Requereu também a intervenção provocada de EMP05... – Companhia de Seguros SA, por ter com esta celebrado seguro de obras e montagens, que cobre “eventuais perdas ou danos súbitos e imprevistos, com origem externa” verificados em máquinas ou equipamentos auxiliares alocados à execução material da empreitada, como o descrito nos autos.
E requereu, ainda, a intervenção do Dono da Obra (a EMP06...), uma vez que o projecto de execução da obra lhe pertencia e integrava o estudo geológico e geotécnico relativos às características do terreno da obra e um fascículo dedicado aos serviços afectados, bem como fora o DO quem disponibilizou os cadastros relevantes, o que a conter falhas, se lhe devem ser imputadas.
Para tudo, indicou meios de prova.

As intervenções foram admitidas a título principal (EMP04...) e a título acessório (EMP05...).
Não foi admitida a intervenção do Dono da Obra.

Citada, a Interveniente EMP04... apresentou contestação, aceitando o contrato de seguro com a Ré, negando a responsabilidade na produção do evento e negando o enquadramento do evento e dos danos nas garantias contratualizadas (a responsável ter seguro próprio e pelos id. danos estarem expressamente excluídos – acta adicional 14, ponto 8; condição especial 41 art.º2.º).
Indicou meios de prova.

Citada, a Interveniente EMP05... apresentou contestação, aceitando o contrato de seguro, negando o enquadramento dos danos nas garantias contratualizadas (os danos com reparação ou substituição estão expressamente excluídos – condição geral 22.º n.º 2; condição particular 2; condição particular 26) e negando a responsabilidade da Ré no evento.
Indicou meios de prova.

A Ré respondeu às excepções peremptórias apresentadas pela Interveniente EMP04....

Por despacho, os autos foram saneados, tendo-se decidido pela coligação ilegal parcial quanto ao pedido de pagamento à Autora dos trabalhos efectuados e por esta facturados (€57.864,18), rejeitando-o, e pela admissão da reconvenção, tendo-se fixado o valor da causa, delimitado o objecto do litígio e os temas da prova e admitidos os meios de prova e programado o julgamento.

Realizou-se a audiência final de julgamento.

Foi então proferida sentença, que julgou a acção procedente e a reconvenção improcedente, e:

A.1. condenou a Ré no pagamento à 1.ª Autora, EMP01..., da quantia de € 339.280,25, acrescida de juros de mora contados à taxa legal supletiva prevista para as operações de natureza civil, desde ../../2022 e até efectivo e integral pagamento;
A.2. condenou a Ré no pagamento à 2.ª Autora, EMP02..., da quantia de € 2.000,00, acrescida de juros de mora contados à taxa legal supletiva prevista para as operações de natureza civil, desde ../../2022 e até efectivo e integral pagamento;
B. Não condenou solidariamente a Interveniente Principal nos pagamentos id. em A.1. e em A.2.
C. Absolveu a 2.ª Autora do peticionado em sede de reconvenção.

Inconformada com esta decisão, a ré EMP03... dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos e com efeito devolutivo, tudo nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 629º,1, 638º, 644º,1,a, 645º,1,a, e 647º,1 do Código de Processo Civil.

Finda a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Braga de 10.03.2024, que julgou a acção intentada pela EMP01... e EMP02..., contra a EMP03..., procedente, e em consequência condenou a Recorrente nos pedidos contra ela formulados.
B. Em primeiro lugar, conforme se viu no capítulo III supra, a Recorrente considera que a Sentença Recorrida incorre em omissão de pronúncia, na medida em que o Tribunal a quo deixou de conhecer uma das questões trazidas a estes autos pela EMP03... – a responsabilidade solidária da seguradora EMP05... – o que configura causa de nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, do CPC.
C. Em segundo lugar, a Sentença Recorrida enferma, também, na perspectiva da Recorrente, de diversos erros de julgamento, tanto no que respeita à valoração da prova produzida, como na selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, como ainda na aplicação do Direito ao caso dos autos.
D. Como acima melhor se demonstrou, o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento de valoração da prova testemunhal, pelo que a Recorrente impugna expressamente, ao abrigo do disposto nos artigos 638.º, n.º 7, e 640.º, n.º 1, alíneas a) a c), e n.º 2, alínea a) do CPC, os pontos da matéria de facto da decisão sub judice, que se indicaram nestes alegações (e que se recuperam nestas conclusões), por assentarem numa incorrecta ou insuficiente apreciação da prova testemunhal.
E. Pelas razões expostas e devidamente justificadas nos subcapítulos n.ºs IV.2., IV.3., IV.4. destas alegações de recurso, concluem as Recorrentes que os factos dados como provados nos pontos nos pontos 45., 46., 47., 48., 51., 55. e 56. alinhados na decisão da matéria de facto constante da Sentença Recorrida não deveriam ter sido dados como provados.
F. Deste modo, e como acima se viu em maior detalhe, a Recorrente entende que Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, em sede de reapreciação da prova gravada, deverão dar como não provados os factos que o Tribunal a quo considerou antes como provados nos pontos 45., 46., 47., 48., 51., 55. e 56. da Sentença recorrida – alterando-se para as propostas de formulação textual que expressamente se deixaram nos n.ºs 75, 85, 93, 103, 124 e 134 respectivamente, das presentes alegações de recurso (para os quais, por economia processual, daqui integralmente se remete).
G. Além disso, pelas razões melhor desenvolvidas nos subcapítulos n.ºs IV.4. e IV.5., a Recorrente considera ainda que os factos dados como não provados nos pontos C., D., F., G., H., I., J. e K. alinhados na decisão da matéria de facto constante da Sentença recorrida deveriam, sim, ter sido dados como provados, porquanto o Tribunal a quo, nuns casos, desconsiderou injustificadamente alguns factos alegados pela EMP03... e suficientemente provados por prova testemunhal e, noutros casos, não valorizou devidamente a prova documental junto aos autos.
H. Por conseguinte, requer-se a este Tribunal Superior que, censurando o julgamento do Tribunal a quo, dê como provados os pontos C., D., F., G., H., I., J. e K. da matéria de facto dados como não provados na Sentença Recorrida, nos exactos termos aí alinhados.
I. O Tribunal a quo errou ainda ao não dar por provado o facto de que “A EMP03... transmitiu todos os elementos cadastrais relevantes à EMP02..., incluindo a planta cadastral de infra-estruturas”, o qual se encontra plenamente provado por documento não impugnado, foi alegado e é essencial à decisão da causa.
J. Das transcrições apresentadas nos subcapítulos n.ºs IV.2., IV.3., IV.4., IV.5. e IV.6. destas alegações de recurso – do seu respectivo enquadramento e das razões justificativas alegadas pela EMP03... – resulta assim a prova de diversos factos relevantes para a decisão da presente causa, os quais foram invocados em juízo e comprovados pelos depoimentos prestados perante o Tribunal a quo, sendo os mesmos idóneos para a demonstração da sua veracidade.
K. Não podendo, por isso, a convicção sobre a verificação desses factos ser minimamente afectada pela alegada insuficiência ou inaptidão da prova testemunhal para a sua prova, como melhor se deixou demonstrado nos anteriores subcapítulos n.ºs V.2., V.3. e V.4. destas alegações de recurso.
L. Ora, como acima se viu nos subcapítulos n.º IV.2., IV.3., IV.4., IV.5. e IV.6. destas alegações de recurso, a Sentença recorrida incorreu em diversos erros na apreciação da prova gravada, devendo a decisão sobre a matéria de facto ser alterada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º do CPC, de acordo com as propostas acima deixadas nos referidos subcapítulos (encontrando-se indicadas nestas conclusões as respectivas referências numéricas).
M. Assinale-se que os meios de prova que impõe esta alteração da decisão sobre a matéria de facto são os depoimentos das testemunhas acima referidas (i.e., Eng.º AA, Eng.ª BB, CC, Dr. DD e Eng.º EE), com as referências concretas às gravações da audiência de julgamento que se deixaram devida e rigorosamente identificadas nos mencionados anteriores subcapítulos n.ºs IV.2., IV.3., IV.4., IV.5. e IV.6. destas alegações de recurso.
N. Por conseguinte, e salvo o devido respeito, impõe-se concluir que o Tribunal de 1.ª Instância não efectuou uma análise crítica da prova produzida em juízo, desse modo violando o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC.
Pois bem,
O. É firme o entendimento da Recorrente de que o Tribunal a quo errou, também no que diz respeito à aplicação do direito, na medida em que – independentemente de tudo o que se expôs a propósito da decisão quanto matéria de facto – não se verificou uma violação, por parte da EMP03..., do contrato por esta celebrado com a EMP02..., designadamente, da obrigação de “preparação da plataforma”, em cujo incumprimento assentou o caso trazido a este processo pelas Autoras, não tendo, igualmente, ficado demonstrada a verificação dos requisitos da culpa e do nexo de causalidade, de que dependia a condenação da EMP03....
P. No que diz respeito ao requisito da ilicitude, o Tribunal a quo errou:
a. ao dar por verificada a existência de uma violação de uma obrigação contratual, sem qualquer suporte nos factos que por si foram julgados provados, na medida em que, como se demonstrou, ao contrário do que resulta da douta Sentença Recorrida, da análise dos factos provados n.os 32, 34, 35, 36, 39 a 43, 45 a 51 ou do ponto C. dos “factos não provados”, não resulta “verificado, objectivamente” que tal obrigação tivesse sido violada;
b. ao desconsiderar as obrigações contratualmente assumidas pela EMP02... em matéria “preparação da plataforma”, designadamente, a natureza dialéctica e iterativa dos trabalhos em causa, os quais pressupunham a participação (efectiva, contratualmente prevista e absolutamente necessária) da EMP02..., assim como, a possibilidade (também ela efectiva, contratualmente prevista e muitas vezes necessária) de a própria plataforma vir a “sofrer variações de nível durante o trabalho da EMP02...”;
c. ao não ter em devida consideração que a obrigação de “preparação da plataforma”, tal como se encontra definida no contrato, constituía, não uma obrigação de resultado, mas uma obrigação de meios, pelo que da simples circunstância de não se ter alcançado um determinado resultado (o qual nunca estaria garantido) não é, por si só, demonstrativa do seu incumprimento;
d. ao pressupor que a EMP03... se encontrava vinculada a remover obstáculos e a encher cavidades subterrâneas que não conhecia, nem tinha como conhecer, a não ser, claro está, que a EMP03... se encontrasse, por alguma forma, vinculada a escavar e repor todas as terras de toda a área onde, mais tarde, a EMP02... viria a realizar os milhares de estacas a que se vinculou;
e. ao pressupor que a obrigação de “preparação da plataforma” envolveria um qualquer dever jurídico de alteração das características geológico-geotécnicas do solo, da sua instabilidade ou da sua natural propensão para deslizamentos.
f. ao pressupor que, nos termos do Contrato de Subempreitada caberia à EMP03... uma qualquer obrigação de investigação no subsolo de infra-estruturas não cadastradas ou de possíveis cavidades, o que, na prática, se traduziria numa obrigação contratualmente acometida à EMP03... de “abrir buracos para procurar buracos”;
g. ao desconsiderar que, de acordo com o Procedimento de Execução, delineado pela própria EMP02..., era a essa empresa que cabia a última palavra sobre se a plataforma encontrava apta, ou não, a receber os seus equipamentos.
h. ao não ter em consideração o facto de estarmos perante um trabalho de concepção-construção, em que todo o processo, desde o projecto, ao procedimento de construção e à execução dos trabalhos esteve a cargo da EMP02...;
i. ao partir do pressuposto, nunca demonstrado e categoricamente desmentido pelo Contrato de Subempreitada, de que caberia à EMP03... garantir “uma plataforma de trabalho segura para as máquinas, pessoas e trabalhos a desenvolver pela 2ª Autora”, de que lhe caberia “contar com tais características do terreno, prever a natural movimentação de terras e evitá-la, mais a mais, sendo conhecedora do peso da máquina que sobre ele iria estar” ou de que haveria, nessa matéria, uma espécie de obrigação de resultado, o que não era, manifestamente, o caso (cf. p. 31 da Sentença Recorrida).
Q. No que diz respeito ao requisito da culpa, o Tribunal a quo errou:
a. ao desconsiderar que os trabalhos de execução de estacas, que se encontravam a ser executados pela Autora EMP02... no momento do acidente, configuravam uma actividade de risco acrescido, na medida em que estavam a ser executados em “solo arenoso e argiloso de baixa consistência/coerência, composto por lamas e propício a movimentação natural”, por recurso a uma máquina de grandes dimensões, colocada a uma distância de, apenas, 1,5 metros das águas que corriam no lençol freático, pelo que configuravam uma “actividade perigosa”, “por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados”, nos termos do artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, o que obrigava as AA. a demonstrar em juízo que empregaram “todas as providências exigidas pelas circunstâncias” com o fim de evitar o dano.
b. Ao desconsiderar que a máquina escolhida pela EMP02... para a realização dos trabalhos era inadequada às concretas circunstâncias em que se realizaram os trabalhos, na medida em que, dado que:
i. Tais trabalhos decorriam em terreno “composto por lamas e propício a movimentação natural”, a aproximadamente a 1,5 metros do nível freático,
ii. Nos termos do contrato, a obrigação assumida pela EMP03... visava a “preparação e manutenção da plataforma de trabalho, mesmo em caso de chuva, para máquinas de lagartas de 65 toneladas e máquinas carregadoras de rodas”, tendo a EMP02... escolhido uma máquina que, na melhor das hipóteses – isto é, quando não carregava as estacas de betão – tinha um peso superior em, pelo menos, 25 toneladas às referidas 65 toneladas;
iii. Ao pressupor, erradamente, que, no local do acidente, teria havido um edifício, o que não passou de uma mera hipótese aventada por uma testemunha das Autoras, com fundamento na sua “interpretação”, ao “ir lá”, depois do acidente;
iv. Ao admitir a hipótese, nunca comprovada ou demonstrada no processo, de que a EMP03... teria tido conhecimento prévia da existência de infra-estruturas no local do acidente;
v. Ao desconsiderar que a EMP02..., além de se ter socorrido de uma máquina de dimensões pouco usuais, cujo peso era, por si só, muito superior ao previsto no contrato, fez uma utilização da máquina, no mínimo, negligente, ao abdicar, em circunstâncias muitíssimo adversas de terreno, do mecanismo de estabilização e ao utilizar o corpo da máquina de forma não alinhada face ao eixo das lagartas, violando, assim, o dever que sobre ela incidia de adoptar “todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir” o acidente.
R. No que diz respeito ao requisito do nexo de causalidade:
a. além de não referir na Sentença, de forma concretizada e por referência aos factos efectivamente provados nos autos, a razão por que entendeu existir uma relação causa-efeito entre o suposto ilícito assacado à EMP03... e a existência de água ou de uma cavidade no subsolo (na medida em que não ficou provado que os tubos estivessem activos ou que a água, alegadamente, existente no local tivesse deles provindo), (ii) o Tribunal a quo desconsiderou, por um lado, a circunstância de todos os terrenos intervencionados pela EMP02... (não apenas o local onde ocorreu o acidente) conterem água e (iii) por outro lado, a circunstância de, em condições normais, uma cavidade com 1 metro de profundidade ser insusceptível de provocar a queda (tombando-a a 90º) de uma máquina assente em duas lagartas com 7 metros de comprimento cada uma.
b. depois de ter invocado (e bem) que seria de aplicar ao caso a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, o Tribunal a quo retirou de tal teoria um efeito que, com todo o respeito, dela não poderia ter retirado, ao descurar a demonstração (com base em factos provados no processo) de a alegada violação da obrigação de preparação da plataforma foi determinante para a produção do acidente.
c. Na análise da causa-efeito, o Tribunal a quo não ponderou o facto de, num cenário altamente adverso de instabilidade de solos (cuja solução estava a cargo da EMP02... e não, como é evidente, da EMP03...), a EMP02... ter utilizado uma máquina bate-estacas (i) com um peso superior, em quase 140%, ao peso que, nos termos do Contrato de Subempreitada seria permitido na plataforma, (ii) sem o mecanismo de segurança – o tal “tubo hidráulico para fixação do mastil” ou sapata de estabilização, é indiferente – accionado, (iii) com o eixo da máquina desalinhado face às lagartas;
d. O Tribunal a quo aceitou, quase de forma acrítica, a muito inverosímil tese de que uma máquina comas dimensões da que foi utilizada pela EMP02... poderia ser “engolida”, tombando em 90º, apenas porque se abriu no subsolo, junto à ponta de uma das lagartas, um buraco com apenas 1 (um) metro de profundidade.
S. Pelo que ficou exposto, o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento relativamente ao enquadramento do sinistro em apreço no contrato de seguro celebrado entre a EMP03... e a EMP04..., pelo que, a admitir-se que o acidente teve causa adequada numa eventual acção ou omissão da EMP03... – no que verdadeiramente não se concede – deve, então, a responsabilidade transitar para a EMP04..., nos termos do contrato de seguro celebrado com esta entidade, o que expressamente se requer a V. Exas.
T. Ao decidir nos termos em que decidiu na douta Sentença Recorrida, o Tribunal a quo violou, entre outros, dos artigos 376.º, n.º 2, 483.º, 493º, 799º, do Código Civil, 607º, n.º 4, e 608º do Código de Processo Civil, artigo 6º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro, 2.º, alínea d), 4.º, alínea g), 17.º, n.º 1, alínea v), 19º, n.º 5, alíneas a) e b), 198º, alínea b), 199º, alínea c), da Portaria n.º 255/2023, de 7 de agosto, das cláusulas 11.2.2, 11.2.3 e 11.2.4 do Contrato de Subempreitada, do ponto 2 da “Lista de Trabalhos, Quantidades e Preços Unitários” junta em anexo ao Contrato de Subempreitada, as cláusulas 4, 6.2 e 6.3 do “Procedimento de Execução de Inclusoes Rígidas Mediante Geoconcrete® Column Foundation System (Geopier Solution)”, o que se indica em cumprimento do ónus estabelecido no art.º 639.º, n.º 2, alínea a), do CPC.

A EMP04... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., Interveniente Principal,  contra-alegou, oferecendo as seguintes conclusões.

1. A Interveniente Principal, porque acompanhou e acompanha a defesa da Ré em tudo o quanto não esteja em contradição com a defesa por si apresentada, também aqui pugna pela procedência dos pontos III. a V. 4. da apelação da Ré, a qual sempre resultaria na absolvição desta e, por consequência, também da Interveniente.
2. Não obstante, a Interveniente Principal não adere e refutará integralmente o alegado pela Ré no ponto V.5.
3. Entende a Ré o sinistro alegado nos autos e os danos aqui peticionados possuem enquadramento na apólice de seguro contratada com a EMP04..., para tanto alegando que, o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento ao julgar não aplicáveis as condições particulares previstas em 21.1. e 2.1.3 do contrato de seguro.
4. Sucede que não assiste razão à Ré.
5. É que a 1.ª Autora reclama o ressarcimento por prejuízos sofridos numa máquina deperfuração ..., propriedade da 2.ª Autora, e que esta utilizava na actividade de perfuração do solo (do porto ...) que desenvolvia e para a qual fora contratada pela Ré. E, por sua vez, a 2.ª Autora peticiona o valor da franquia contratual suportada para accionamento do contrato de seguro com a 1.ª autora.
6. A máquina em questão não efectua trabalhos de escavação, mas de perfuração do solo, sendo esses os trabalhos em curso à altura do sinistro alegado nos autos.
7. Do acervo factual provado não resulta (nem a Ré assim pugna) que estivessem em curso quaisquer trabalhos de escavação e que tenham sido esses trabalhos a causa do sinistro que veio a provocar os danos na referida máquina.
8. Logo, o sinistro em causa nos autos não se situa no âmbito de cobertura da condição particular 2.1.1., contrariamente à tese alegada (mas não sustentada) pela Ré.
9. Nem tampouco no âmbito de cobertura da condição particular 2.1.3. (“Laboração de máquinas, incluindo gruas”), porquanto, como se disse, a máquina em questão era propriedade da 2.ª Autora, sendo utilizada ao serviço desta e pelos seus manobradores e não estava, de forma alguma, para uso próprio da Ré para que pudesse a condição particular 2.1.3. ser aplicável ao caso concreto.
10. Ademais, entende a Ré que, no caso concreto, seria de afastar a exclusão prevista na al. kk) do art. 8.º das condições particulares do contrato de seguro, pois que esta apenas seria de aplicar apenas caso a falta de meios de segurança fosse imputável à EMP03....
11. Ora, alega a Ré não ser violadora de qualquer disposição legal e/ou contratual à qual estava obrigada e, bem assim, não tendo havido violação ou inadequação dos meios de segurança por parte da Ré também nenhuma responsabilidade pelo ressarcimento dos danos peticionados pelas Autoras lhe poderá ser assacada.
12. O que equivale a dizer que também nenhuma responsabilidade poderá recair sobre a Interveniente EMP04..., na medida em que a apólice de seguro garante o pagamento de prejuízos a terceiros quando o segurado, in casu, a Ré, seja legalmente responsável por eles.
13. Não obstante, para a eventualidade da alegação da Ré vir a não ser procedente e ser mantida a sentença recorrida, sempre se diga que da concreta análise dos factos provados n.ºs 32, 33 a 36, 39 a 43 e 45 a 51 e do ponto C dos factos não provados, resulta, de forma inequívoca, que a Ré não encetou os melhores esforços na prossecução das suas obrigações contratuais.
14. Destes resulta, objectivamente, que era a Ré que tinha de estar dotada dos conhecimentos técnicos para a adequada realização da sua prestação contratualmente assumida perante a 2.ª Autora, cabia à Ré dotar-se dos meios necessários à sua realização, criando condições de segurança para pessoas e bens que estivessem envolvidos na obra.
15. Em consonância com o que, efectivamente, se encontra demonstrada a aplicação da exclusão prevista na al. kk) do art. 8.º das condições particulares.
16. Acresce ainda que a Ré não sufraga o entendimento do Tribunal a quo também no que respeita à aplicação, in casu, das exclusões previstas na Condição Especial 41.
17. Salvo melhor opinião, que sempre será a de V. Exas., a verdade é que entende a Interveniente que a aplicação da condição especial 41 se encontra afastada ab initio.
18. Para a eventualidade de vir a ser procedente a apelação da Ré no que respeita à impugnação da matéria de facto e consequentes conclusões de direito, então, conforme por esta alegado, nenhuma responsabilidade lhe será imputável, seja no que respeita ao (in)cumprimento das obrigações contratuais ou, por sua vez, no âmbito extracontratual, pois que não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.
19. Cenário em que V. Exas. sempre decidiriam pela revogação da sentença recorrida, substituindo-a por uma que absolva a Ré e (por consequência) a aqui Interveniente do peticionado pelas Autoras.
20. Por outro lado, para a eventualidade de virem V. Exas. a negar provimento à alegação da Ré, então sempre se diga que, conforme resulta da sentença recorrida, o peticionado pelas Autoras está expressamente excluído da cobertura prevista na Condição Especial 41.
21. Pois que resulta da sentença recorrida que a responsabilidade da Ré pelo ressarcimento dos prejuízos peticionados pelas Autoras deriva do incumprimento das obrigações contratuais assumidas, condenando-se, a final, a Ré de acordo e na medida da responsabilidade civil que deriva do incumprimento culposo de uma obrigação contratual, nos termos previstos no art. 798.º do Código Civil.
22. O que, em bom rigor, não tem enquadramento na Condição Especial 41 que, como se disse, apenas garante a responsabilidade civil extracontratual da Ré e de acordo com os termos ali definidos.
23. Não obstante, para a eventualidade de assim não se entender, sempre se diga que o sinistro alegado nos autos está expressamente excluído da cobertura do contrato de seguro, nomeadamente, pela aplicação da exclusão prevista na al. f) do art. 2.º que prevê a exclusão dos danos causados aos subempreiteiros, pois dúvidas não restam dequeentrea2.ªAutoraeaRéfoi celebrado um contrato de subempreitada (e que a 1.ª Autora figura nos autos sub-rogada nos direitos da 2.ªAutora).
24. Pelo que, uma vez mais, não assiste razão à Ré, estando a apelação, no que respeita ao alegado erro de julgamento preconizado pelo Tribunal a quo quanto à apreciação do enquadramento contratual do sinistro/danos peticionados nestes autos e absolvição da Interveniente EMP04..., votada ao insucesso.
25. Atento o que, por todo o exposto, não poderá o recurso interposto pela Ré, no ponto V.5., proceder, por não provado, devendo ser mantida a sentença recorrida.

Também as autoras EMP01... PLC, ... e EMP02... –Sucursal em Portugal, apresentaram as suas contra-alegações, oferecendo as seguintes conclusões:

1ª- Surgem as presentes contra-alegações no âmbito da sentença que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, condenou a Apelada no pagamento das quantias peticionadas, aplicando a douta sentença posta em crise de forma douta e criteriosa o direito, pelo que deverá ser mantida na íntegra, quer quanto aos factos dados como provados e não provados, quer quanto à matéria de direito.
2ª- Entendem as Apeladas, apesar das extensas alegações da Apelante, que as questões cuja reapreciação é suscitada se resumem na (i) valoração da prova produzida no que respeita à causa do sinistro e que o douto Tribunal fez reflectir nos factos provados e, por inerência, nos factos não provados e na (ii) aplicação do Direito à factualidade dada como provada pelo douto Tribunal no que respeita aos pressupostos da responsabilidade civil contratual (violação das obrigações contratuais, culpa, dano e nexo de causalidade).
3ª- Não havendo dúvidas quanto à existência e celebração do contrato de subempreitada, de que os trabalhos estavam a ser executados e que no dia 25.02.2020, a máquina capotou, a divergência entre Apelante e Apelada respeita apenas e tão só à causa do capotamento da máquina, sustentando a apelante que tal ocorreu por erro do manobrador e as Apeladas que tal se deveu a um abatimento do terreno no local onde a máquina ... estava a trabalhar.
4ª- Validando o Tribunal a tese das Apeladas em detrimento da apresentada pela apelante, vem esta impugnar a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal, pretendendo que os factos considerados provados que são relevantes para a apreciação da causa do capotamento sejam dados como não provados ou alterada a sua redacção em sentido oposto ao aí consagrado, e que os factos considerados não provados relevantes para a apreciação da causa do capotamento sejam dados como provados, a fim de fazer valer a sua tese.
5ª- Do enquadramento do objecto do recurso resulta à saciedade que não existe qualquer erro de julgamento da matéria de facto, apenas não concordando a Apelante com a decisão do Tribunal a quo, pretendendo “um segundo julgamento”, o que, como muito bem sabe, não é legalmente admissível, como se tem, aliás, pronunciado a jurisprudência relativamente ao reexame da matéria de facto pelo Tribunal superior, concluindo que só perante uma situação de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão é que haverá erro de julgamento.
6ª- É neste contexto que deve ser apreciada a impugnação dos pontos 45., 46.,47., 48., 51., 55. e 56. da matéria de facto dada como provada, defendendo a apelante que o Tribunal a quo excedeu a margem de apreciação da valoração da prova que lhe é concedida pela lei adjectiva e que, por conseguinte, os pontos da matéria de facto dados como provados e não provados que identifica consubstanciam uma decisão arbitrária, isto é, sem suporte na prova produzida e nas regras da experiência e critérios da lógica.
7ª- Tal posição não tem qualquer correspondência com (i) os articulados e peças processuais constantes do processo, nem com (ii) a prova documental e testemunhal levada aos autos, fazendo tábua rasa da fundamentação detalhada da matéria de facto vertida na douta sentença, sendo o douto Tribunal a quo muito claro ao afirmar que “convenceu-se da versão trazida aos autos pelas Autoras – o abatimento/aluimento da terra por debaixo das lagartas da máquina ... – em detrimento da versão da Ré (e Intervenientes) – erro do manobrador -, pela valoração que fez quer da prova documental apresentada – contrato de subempreitada, manual e ficha técnica da máquina, projecto de execução da obra, projecto de estabilização dos solos, mapa de pessoal ao serviço, fotografias dos relatórios de peritagem celebrados - , como da prova testemunhal produzida em julgamento e que presenciou o evento e/ou os danos imediatos ao evento, no tempo mais próximo possível ao acontecimento, analisados de per se e quando, ainda, conjugados entre si e com as regras da lógica e do normal acontecer. Daí a resposta positiva a 39 a 43, 44 a 57.”, pelo que a decisão é tudo menos arbitrária!!!!
8ª- E a verdade é que em nenhum momento a Apelante menciona que as testemunhas e documentos que o douto Tribunal recorrido invocou na fundamentação da matéria de facto não afirmam ou não demonstram os factos que o Tribunal deu como provados, o mesmo é dizer que (i) foi produzida prova sobre a factualidade impugnada e (ii) a prova produzida foi no sentido em que o Tribunal decidiu.
9ª- Até porque mesmo do depoimento das testemunhas indicada pela aqui Apelante e que esta convoca para sustentar, ou tentar sustentar, a modificação das respostas dadas à matéria de facto, o Tribunal extraiu a confirmação da factualidade essencial dada como provada (abatimento do terreno e a existência de tubos, água e um buraco/cavidade no subsolo junto ao local do acidente), retirando credibilidade e assinalando a falta de conhecimento das testemunhas da Apelada, Eng.º AA, Engª BB e Eng.º EE - e justificando expressamente a sua posição.
10ª- Salvo o devido respeito, não é apenas com passagens isoladas e descontextualizadas do que foi dito pelas testemunhas que se pode pretender-se modificar a decisão sobre a matéria de facto, e, muito menos, num processo em que de antemão se sabe que existem duas versões para a ocorrência do acidente, havendo que ponderar a credibilidade e conhecimento que cada uma das testemunhas manifestou relativamente aos factos e conjugá-los com os depoimentos das demais testemunhas e prova documental junta, como fez o Tribunal e que é, aqui sim, insusceptível de reparo.
11ª- No que respeita concretamente ao Ponto 45. da matéria de facto dada como provada – “No subsolo do local onde o evento ocorreu, existia um tubo (instalação) de pvc sanitário e dois tubos (instalação) de plástico (electricidade” -a modificação que é pretendida só pode manifestar uma de duas coisas: ou a Apelante desconhece a dinâmica do solo ou quer ludibriar o Tribunal, estando em causa a delimitação do local onde o evento ocorreu, sendo óbvio que tal local não é coincidente única e exclusivamente com a área do buraco, aliás, nenhuma das testemunhas ouvidas fez tal correspondência.
12ª -Ouseja, para além do buraco onde a máquina capotou é também essencial conhecer o que se passa no subsolo à sua volta, porquanto o mesmo, integra o local onde acidente ocorreu, sendo que as passagens que a própria Apelante transcreve nas suas alegações demonstram precisamente o que o Tribunal deu como provado, ou seja, que havia tubos enterrados no subsolo (30 ou 40 cm de profundidade) no local onde se deu o acidente, sendo certo que praticamente todas as testemunhas o disseram, há fotografias nos autos em que é possível visualizar os tubos que lá estavam, nunca a Apelante pôs em causa que estas fotografias não retratassem o local do acidente.
13ª- A Apelante esforça-se para retirar a referência à existência dos tubos do local do acidente e por restringir a relevância da sua presença, mas a verdade é que dos depoimentos prestados se apura que não só os tubos estavam no local do acidente, como do ponto de vista técnico a sua relevância vai muito para além da sua existência física naquele local, devendo manter-se na íntegra a redacção do ponto 45 constante da douta sentença, por retratar fielmente o teor do depoimento das testemunhas.
14ª- Relativamente ao Ponto 46 da matéria de facto dada como provada – “A área envolvente ao solo onde se deu o evento fora mexida, no passado, para colocação das ditas instalações.”, imputa a Apelante ao raciocínio do Tribunal para dar como provado este ponto um “salto lógico”, que não tem qualquer respaldo na prova testemunhal, mas sem razão.
15ª- A tese da Apelante assenta no pressuposto de que não existem quaisquer infra-estruturas subterrâneas no local onde ocorreu o acidente, sendo certo que a factualidade dada como provada é diametralmente oposta, bem como que se existissem o local não poderia ter sido mexido, não se alcançando como da transcrição do depoimentos que se reportam à existência ou não de edifícios perto do local onde ocorreu o sinistro, se pode pretender modificar uma resposta à matéria de facto onde o que está em causa é se o solo foi ou não mexido há muitos anos naquela zona.
16ª- Sendo que, quanto a este ponto o depoimento da testemunha CC está em total consonância com o dito pela testemunha FF, que afirma que “há muitos anos que não era mexido”, afirmando a Apelante de que a ideia de que o terreno teria sido remexido estaria umbilicalmente ligada à existência no local do acidente de infra-estruturas, que estariam relacionadas com um edifício que ali teria pré-existido, o que não se entende.
17ª- Para que não se perca tempo em raciocínios inúteis, há que ter claro que (i) o local onde ocorreu o evento é mais abrangente que o local onde a máquina se afundou, como resulta demonstrado pela área que foi vedada após o acidente, que é bem mais ampla que a do buraco, (ii) a análise da causa do sinistro implica a necessidade de averiguar a área envolvente ao local onde a máquina se afundou e (iii) da existência de edifícios nas proximidades decorre necessariamente que foram executadas as infra-estruturas que os servem, o mesmo é dizer colocados tubos subterrâneos para água, luz e gás, donde resulta inevitavelmente a intervenção no subsolo, pelo que para a boa decisão da causa é indiferente saber se havia um edifício no exacto local onde ocorreu o evento, o que é relevante saber é se ali passavam infra-estruturas, pois, para tal foi necessário colocá-las no subsolo.
18ª- Não havendo dúvidas que ali passavam infra-estruturas de electricidade e águas sanitárias e de que o solo foi mexido para que essas infra-estruturas ali fossem colocadas, o que foi cabalmente apreendido pelo douto Tribunal quer da prova testemunhal, quer da prova documental junta, que atesta a existência quer de tubagem, quer a “mexida no solo” para colocação das infra-estruturas, recordando-se o mencionado no relatório pericial onde se afirma categoricamente que “A existência de tais tubagens leva à conclusão de que, no passado foram realizados trabalhos de escavação no solo para as respectivas instalações”, facto ainda confirmado em audiência de discussão e julgamento pelo seu autor, a testemunha FF [00:56:10], pelo que da prova produzida o Tribunal não poderia retirar outra conclusão que não a vertida no ponto 46. da matéria de facto, que, por isso, deve ser mantida nos seus precisos termos.
19ª- No que respeita ao Ponto 47 da matéria de facto dada como provada - O subsolo onde ocorreu o acidente estava com água – e para refutar a tese da Apelante convocam-se os depoimentos das testemunhas AA [00:39:06 a 00:39:23] que afirma, quando instado se viu o buraco depois da retirada da máquina do local “Vi um buraco com água lá em baixo”, GG [01:12:36 a 01:13:18] e HH [00:24:28], facto, aliás, igualmente atestado pelas fotografias juntas aos autos, pelo que não merece tal ponto qualquer reparo.
20ª- Insurge-se a Apelante no que respeita aos Pontos 48. e 51. da matéria de facto dada como provada – “No subsolo da zona onde o evento ocorreu, existia uma cavidade/buraco.” e “A existência da cavidade e de água no subsolo levaram a que a terra (arenosa e argilosa), que estava sob a pressão da id. máquina, se movimentasse e abatesse”, sustentando-se no depoimento do Engº EE que afirmou que “não havia nenhum buraco” e que atestou que nem sequer se podia concluir pela existência de um abatimento.
21ª- Ora a verdade é que esta testemunha afirma não conhecer as características do terreno [00:04:09 a 00:04:20], e a este propósito a testemunha HH, única que presenciou o acidente, refere que “estava a trabalhar normalmente num ângulo de 90 graus em direcção às lagartas e, de repente, ao terminar de fazer uma coluna e a passar para a seguinte, a máquina simplesmente afundou-se de repente” [00:03:20], sendo a testemunha II peremptória sobre a existência do buraco e sua influência no abatimento do terreno e da plataforma já que, quando questionado sobre se pode ver algum indício do que se passou, afirmou: “ (…) Normalmente, quando as plataformas cedem, as máquinas inclinam-se de alguma forma, aqui não, simplesmente as lagartas meteram-se e foi possível comprovar, quando a máquina foi retirada depois com as gruas, que havia uma cavidade muito maior do que aquela que a máquina ocupava. O espaço que a máquina ocupava” (tradução do depoimento a [00:31:19]), afirmando ainda a testemunha FF: “As lagartas enterraram-se no terreno porque o terreno falhou.” (Cf. tradução do depoimento a [00:13:48]), mais explicando, “Neste caso, a máquina não capota, simplesmente enterra-se no terreno, na direcção das lagartas, que é precisamente o sítio onde não há peso. O que menos pesa na máquina são as lagartas (Cf. tradução do depoimento a [00:24:52]).
22ª- Não merece, pois, qualquer reparo a factualidade levada aos pontos 48. e 51. dos factos provados, devendo a impugnação da Apelante improceder e, consequentemente, manter-se a sua redacção na integra.
23ª- Já no que respeita ao Ponto 55 da matéria de facto dada como provada– “A máquina de perfuração ... que estava a ser utilizada no momento do acidente não tem sapatas de estabilização, como resulta do manual de utilização” - diga-se, de forma clara e objectiva que esta máquina não tem sapata de estabilização, assim o disseram as testemunhas e assim o diz o manual de funcionamento e utilização elaborado pelo produtor, sendo o mesmo de manter.
24ª- Destaca-se o depoimento da testemunha II, bastante esclarecedor relativamente ao “mecanismo” de estabilização do equipamento em causa, que quando questionado sobre se a máquina tinha sapata de estabilização, diz: “Não, estas… A estabilização desta máquina vem ou advém do seu tamanho e do peso. Estamos a falar de uma máquina com lagartas de mais de 1m de largura e cerca de 5 de comprimento. Julgo que estamos a falar de uma máquina de cerca de 4,5m e isto é o que lhe dá a estabilização, é o tamanho e a disposição das lagartas. E, além disso, estamos a falar de uma máquina que vem com certificado. Não trabalhamos com qualquer máquina e, aliás, para meter a máquina obra, temos de juntar o…disponibilizar todos esses certificados. Relativamente a essas sapatas, aquilo que… Os equipamentos que precisam de sapatas são, por exemplo, as gruas de rodas. Nem sequer as gruas de lagartas precisam dessas sapatas e nenhuma máquina desta tipologia, e falamos de milhares que existem no mundo, tem essas sapatas de estabilização. O que funciona aqui como estabilização são precisamente as bases das lagartas, não tem a ver com o desenho, com a filosofia de como a máquina tem de trabalhar. Esta máquina não vira. Ela só vira depois de ter caído num buraco.” (Cf. tradução do depoimento a [00:37:03]).
25ª- No que respeita ao Ponto 56 da matéria de facto dada como provada – “Na altura do acidente, a rotação da cabine não teve implicação no evento verificado” – não poderia ser outra a sua formulação, atenta a documentação e os depoimentos prestados, resultando claro que o equipamento pode funcionar em segurança com o corpo da máquina desalinhado com as lagartas porque está preparada para isso, pelo que a giratória nenhuma influência teve no evento, como bem concluiu o Tribunal recorrido.
26ª- Salienta-se o depoimento das testemunhas FF [00:24:52]) e Eng.º DD que afirma que a máquina estava preparada para trabalhar com estabilidade naquelas circunstâncias [00:14:58 a 00:15:46].
27ª- Relativamente aos Pontos D., F., G., H., I., J., e K. da matéria de facto dada como não provada, refira-se que tal factualidade está intimamente relacionada com a impugnação da matéria de facto dos pontos 55 e 56 dos factos provados, podendo dizer-se que se trata inclusive do verso e reverso da mesma moeda, pelo que se dá por reproduzido o que acima se deixou dito sobre esta matéria.
28ª- Quanto ao Ponto C da matéria de facto dada como não provada – “A Ré procedeu aos enchimentos e achatamentos necessários para criar um plano horizontal e estável, livre de obstáculos, devendo a plataforma estar pelo menos 1,5 metros acima da altura do nível freático” - é claro que a Apelante pretende que este facto seja dado como provado para demonstrar que cumpriu as obrigações a que contratualmente se vinculou, sendo certo que nenhuma prova foi feita nesse sentido.
29ª- A obrigação da Apelante consistia, pelo menos, na realização de dois tipos de actividade: remoção de todos os obstáculos subterrâneos, à superfície ou no ar e execução dos enchimentos e achatamentos necessários à criação da plataforma horizontal e segura, situada a um nível mínimo de 1,5metros acima do lençol freático, capaz de suportar a maquinaria da 2ª Apelada, sendo que dos depoimentos transcritos do Eng.º AA e de CC resulta que se limitava a fazer uma intervenção superficial no pavimento, retirando o paralelepípedo e criando uma plataforma horizontal, plana ou uniforme, o que fica muito aquém dos deveres que assumiu contratualmente.
30ª- Ainda que a Apelante na concretização desta obrigação contratual afirme que a preparação da plataforma a seu cargo consistia apenas na “limpeza/remoção da camada superficial de pavimento (cubos de granito), remoção de obstáculos e regularização da plataforma , assegurando que esta se encontrava plana para a máquina e funcionários da EMP02... poderem entrar no local”, uma leitura mais atenta das cláusulas contratuais logo revela que não era assim, já que a plataforma tinha efectivamente de estar regularizada para a 2ª Apelada entrar em obra com os seus equipamentos e pessoas, mas maismportante do que isso é que a plataforma tinha de ser estável ou segura para que tal pudesse ocorrer.
31ª- A propósito da preparação da plataforma de trabalho, note-se o que disse a testemunha II aquando esclareceu que a obra era destinada a melhorara a capacidade de carga do terreno: …
Por isso, para poder executar a obra e aumentar a capacidade de suporte, é necessário para estes equipamentos trabalharem, é necessário haver essa plataforma, falamos de meio metro de material, de gravilha, compactado, que devia ter sido feito pela EMP03..., mais referindo que “só se fez foi uma capa superficial, que nos ocultou aquilo que havia por baixo. E nós, ao andarmos com a máquina, não nos apercebemos do que havia por baixo. A EMP03..., ao estender e compactar o terreno, tinham de eliminar os elementos que possam não dar o suporte necessário para que as nossas máquinas trabalhem [00:57:15].
32ª- A responsabilidade civil contratual resulta do não cumprimento, lato sensu, dos deveres próprios das obrigações contratuais, incluindo os deveres acessórios de conduta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relação obrigacional, sendo que o princípio geral da responsabilidade obrigacional, enunciado no artigo 798º do CC pressupõe a verificação cumulativa de um ilícito (o incumprimento de obrigação), a culpa, um dano e uma relação causal entre aquele e este, sendo que neste regime há uma presunção geral de culpa do devedor (nº1 do artigo 799º).
33ª- Ora a Apelante diz que, mesmo mantendo-se a matéria de facto dada como provada, não está verificada a violação de qualquer obrigação contratual, também não está verificada a culpa e tão pouco está verificado o nexo de causalidade, entendimento que põe em causa a seriedade com que se deve encarar as suas alegações.
34ª- Assente que está a celebração do contrato de subempreitada celebrado ente a Apelante e as Apeladas e o seu clausulado, há que chamar à colação os pontos 32. dos factos provados relativo às obrigações contratuais que cabiam à R., ora Apelante, e o ponto 33. dos factos provados referente às obrigações da 2ª A., aqui Apelada.
35ª- Focando-nos no evento em discussão dos autos, e tendo presente que no momento do evento a 2ª Apelada se encontrava a executar os trabalhos sobre a plataforma de trabalho que cedeu, há que determinar de quem era a obrigação de preparar a plataforma e que trabalhos deveriam ser realizados para esse efeito.
36ª- Ora, a Apelante convoca para a análise desta questão um conjunto de argumentos tendentes a anular, ou quase anular, a obrigação de preparação de uma plataforma de trabalho segura que contratualmente assumiu, tentado transferir a responsabilidade pela sua correcta execução para a 2ª Apelada ou, pelo menos mitigá-la, através de uma co-responsabilização, criando a ideia de que esta seria a detentora única e exclusiva de conhecimentos específicos para avaliar da correcta execução da plataforma, e tentando transferir para a esfera própria do contrato o risco pelo evento ocorrido, como se as condições de segurança que deveriam ter sido por si reunidas estivessem cumpridas.
37ª- A única contratante que tinha obrigação de preparar a plataforma de trabalho era a Apelante, tal como resulta expressamente do contrato de subempreitada e dos factos dados como provados no ponto 32, sendo a obrigação de 2ª Apelada era executar os trabalhos de consolidação e estabilização de solos, mediante a execução de estacas em betão não armado chamado GEOPIER Geo-Concrete Columns, isto é, a execução de uma malha de pilares enterrados, entre 1,30 e 1,80 metros de profundidade, espaçados em 3,5 metros entre si (pontos 29. e 31. dos factos provados).
38ª- Estende a Apelante a discussão ao facto de, para além da realização dos trabalhos de estabilização, a 2ª Apelada ser a autora do projecto de estabilização, por o considerar este facto de particular relevância, o que não se percebe, nem se concebe, já que não está em discussão nos autos qualquer facto relacionado com projecto de estabilização, nem tão pouco qualquer facto relacionado com a execução dos trabalhos contratuais, o que está em causa é o capotamento da máquina ... em consequência do abatimento do terreno/plataforma de trabalho e não de qualquer erro de execução.
39ª- Igualmente não está em discussão nos autos o conhecimento da 2ª Apelada na área execução de estacas em betão não armado chamado GEOPIER Geo-Concrete Columns, nem a realização integral dos trabalhos contratuais de execução de estacas em betão não armado pela 2ª Apelada, sendo que o que importa determinar é se o sinistro é imputável à R., aqui Apelante, e, no caso afirmativo, determinar os prejuízos dele consequentes susceptíveis de indemnização - que é o que aqui interessa.
40ª- Atente-se no que diz a testemunha FF: a responsabilidade da EMP02... (aqui Apelada) é só fazer as colunas; tem de entrar no terreno, fazer os buracos e enchê-los de betão, para isso, necessita de um terreno adequado para esse efeito [00:37:14], na Cláusula 11.2 do Contrato e bem assim no ponto 35. da matéria de facto dada como provada, que demonstra a correcção com que o Tribunal apreendeu os trabalhos de que a 2ª Apelada estava incumbida contratualmente e o que tinha a Apelante de fazer para que esta os pudesse executar: “A obra estava a ser realizada por sectores e seguindo as fases de avanço da mesma, primeiro a Ré fazia a preparação da plataforma e, depois, a 2ª A. os trabalhos que lhe correspondiam (os trabalhos de perfuração vários dos furos da malha concebida, com a máquina de perfuração IMT AF 80, retirando-se depois para a área não perfurada; seguidamente, entrando com a ..., que transportava um tubo de 20 metros ligado a uma mangueira, através do qual o betão é fornecido, e que era depois introduzido nos furos em sequência).”
41ª- Esclarecido que está que, por via do contrato celebrado, a obrigação de preparação da plataforma incumbia em exclusivo à ora Apelante, importa saber o que significa preparar uma plataforma de trabalho segura, o que resulta do contrato: a Apelante deveria preparar a plataforma, no mínimo, 1,5m acima da altura máxima do lençol freático, retirando à superfície, no subsolo e no ar todos os obstáculos que existissem, onde se incluem não só os contentores e a camada superficial e ralelepípedo, mas também todas as tubagens, fossem de que natureza fossem, que estivessem no subsolo, impondo-se que escavasse não só à superfície como também no subsolo, ou seja, em profundidade.
42ª- A Apelante devia preparar a plataforma, fazendo os enchimentos e os achatamentos que considerasse necessários para que criar uma plataforma de trabalho que fosse horizontal, estável, livre de obstáculos e que permitisse a passagem dos meios de trabalho, tendo igualmente de fazer o reperfilamento, nivelamento, compactação, remoção ou contribuição de material sempre que sofresse variações de nível durante o trabalho da 2ª Apelada, sabendo-se de antemão que a mesma, em resultado da natureza do terreno e da malha das colunas de cascalho, podia sofrer deformações.
43ª- Ora, apesar da Apelante não vislumbrar qualquer violação do contrato à luz da factualidade dada como provada, é evidente a verificação da ilicitude, não sendo suposto que estando a 2ª Apelada a executar os trabalhos sobre uma plataforma de trabalho previamente preparada para esse efeito, ocorra um abatimento súbito e inesperado daquela plataforma/terreno que provoque danos nos equipamentos em obra.
44ª- E não se diga que a Apelante não estava ciente desta sua obrigação e das condições que a plataforma teria de reunir para lhe dar cumprimento, pois, como resulta do ponto 34. dos factos provados “era conhecedora prévia das condições de trabalho da máquina e das necessidades da mesma – pesos e métodos de trabalho – para preparar a plataforma para a 2ª Autora trabalhar nela” e “recebeu por email de 16.04.2019 a declaração de conformidade CE, a ficha técnica e o manual de funcionamento, elaborado pelo produtor, da máquina de bate-estacas e perfuração da marca ..., modelo ..., n.º de série ...04, destinada esta ao enchimento dos poços com betão”.
45ª- Assim, o incumprimento contratual reconduz-se ao abatimento do terreno, ao abatimento da plataforma de trabalho que ocorreu quando a 2ª Apelada se encontrava a executar os trabalhos, por não ter a Apelante disponibilizado uma plataforma de trabalho segura, como contratualmente estava obrigada, salientando-se que não são impugnadas nem as circunstâncias, nem a dinâmica do acidente, estando dado como provado e já assente, por não impugnado, que houve o abatimento do terreno, o mesmo é dizer que a plataforma de trabalho abateu, que esse abatimento causou o desequilíbrio da máquina e levou a que as lagartas se cravassem no terreno, que esse desequilíbrio originou o capotamento lateral da máquina.
46ª- Só a factualidade retratada no ponto 42 é suficiente para demonstrar o incumprimento contratual da Apelante, competindo-lhe, para afastar a sua responsabilidade realizar prova da concreta causa desse abatimento e ainda demonstrar que a causa lhe era completamente estranha ou, ainda, demonstrar que o abatimento da plataforma não foi a razão de ser do capotamento da máquina da 2ª Apelada, o que não fez, realçando-se ainda que também está dado como provado que o subsolo onde ocorreu o acidente estava com água, existia uma cavidade ou buraco e existiam tubos (um de pvc sanitário e dois de plástico de instalações eléctricas), conforme resulta dos pontos 45., 47. e 48. dos factos provados.
47ª- Daqui resulta que a Apelante não retirou os obstáculos existentes no subsolo, não realizou os enchimentos necessários para compactar o terreno e não criou uma plataforma de trabalho estável e segura para a execução dos trabalhos da 2ª Apelada, tudo isto sabendo que naquela plataforma iam entrar as máquinas cujas condições e características – pesos e métodos de trabalho – conhecia, por lhe terem sido comunicados.
48ª- Atente-se que não resultou provado que a causa determinante do desequilíbrio e colapso da máquina foi a negligência do operador do equipamento, tal como não provou a Apelante que o equipamento se encontrava a ser operado sem se encontrarem reunidas as condições de estabilidade e segurança necessárias, e que o manobrador da máquina procedia à deslocação do equipamento de um local para outro, com a cabine em viés em relação às lagartas e sem a sapata de estabilização descida.
49ª- Acresce que a discussão que a Apelante suscita relativamente à caracterização da obrigação de preparação da plataforma, como obrigação de meios ou de resultado é totalmente estéril para o que está em apreciação, sendo que a obrigação contratual da Apelante, seja de meios ou de resultado, não foi executada tout court, que não fez o que devia fazer e, portanto, incumpriu a obrigação contratual.
50ª- Se a Apelante não executou as actividades que deveria executar, fica prejudicada a análise da caracterização da obrigação por si assumida porque mesmo que pudesse considerar uma obrigação de meios (no que não se concede), sempre estaria obrigada a praticar os actos adequados à obtenção do resultado pretendido, o que não fez!
51ª- Considerando a preparação da plataforma feita pela Apelante, que a testemunha JJ definiu como “tirar os paralelos e dar um jeitinho na plataforma” para a máquina andar direita, o mesmo é dizer, uma intervenção apenas na superfície, há que concluir que afinal a qualidade das terras não era tão má quanto isso, caso contrário, este não teria sido certamente o único incidente em obra.
52ª- Também o argumento de não ter sido dado como provado que a 2ª Apelada teve acesso à planta cadastral e a essencialidade deste facto para a decisão do pleito, mais não é do que uma manobra de diversão, como bem faz reflectir o douto Tribunal quando afirma que se este elemento tinha relevância era para a actividade da Apelante, que tinha contratualmente a obrigação de retirar do subsolo todos os obstáculos que ali se encontrassem, ou se não fosse possível retirá-los, desviá-los do local onde seriam colocadas as estacas.
53ª- Igualmente irrelevante é a insuficiência das sondagens, pois, está mais que assente que o “no preciso local onde ocorreu o acidente, o solo continha as características preconizadas no projecto e disponibilizadas à Autora”, aqui 2ª Apelada, a saber “era formado por sedimentos finos, com dragagem do leito do rio” (ponto 44. dos factos provados), o problema foi que a Apelante para criar a plataforma de trabalho não “espreitou” o que se passava no subsolo, como podia e devia ter feito.
54ª- Não há qualquer obrigação partilhada de preparação da plataforma!
54ª- Na responsabilidade contratual incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua (artigo 799º nº 1 do CCivil), provado o incumprimento contratual pelo credor, cuja prova lhe incumbe (artigo 342º nº 1 do CCivil), presume-se que esse incumprimento é imputável ao devedor.
55ª- Há, pois, uma presunção legal “iuris tantum” de culpa do devedor no incumprimento obrigacional., bastando ao credor provar a celebração de um contrato, o objecto do mesmo e o incumprimento da obrigação contratual, tal como perfilhado na douta sentença e que a Apelante reconhece, vindo, contudo, depois defender a aplicação ao caso sub judice de uma outra presunção de culpa, desta feita a estabelecida no n.º 2 do artigo 493º do C. Civil, e pasme-se a aplicar à 2ª Apelada.
56ª- Ora, a discussão dos autos é, e sempre foi configurada por todos sujeitos processuais como enquadrada na responsabilidade civil contratual, pelo que a presunção de culpa consagrada no n.º 2 do artigo 493º do C.Civil a propósito dos danos provocados no exercício de actividade perigosa não é susceptível de aplicação no caso concreto.
57ª- E isto porque a mesma está prevista apenas e tão só para situações subsumíveis no âmbito da responsabilidade extracontratual, em que, em regra, o lesado está onerado com a alegação e prova da culpa do lesante, o que logo se retira do seu enquadramento na subsecção I destinada à regulamentação da responsabilidade por actos ilícitos, que se inicia no artigo 483º e termina no artigo 498º do C. Civil, sendo que a responsabilidade civil contratual apenas vem prevista no artigo 798º do C. Civil e seu regime contêm já, de antemão, uma presunção de culpa do devedor.
58ª- Debruçando-nos sobre a alegada culpa da 2ª Apelada, a total inadequação do equipamento utilizado às características do terreno, refira-se que a Apelante coloca agora perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, tratando-se de uma questão nova!
59ª- Ora, o recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido, não podendo o Tribunal Superior apreciar uma questão nova, por ausência de objecto, dada que não existe decisão de que recorrer.
60ª- Sem prejuízo e à cautela, reitera-se o que se disse supra no que respeita à presunção de culpa do n.º 2 do artigo 493º do C.Civil, que sem se perceber por que motivo a Apelante continua a aplicar, salientando-se a igualmente a necessidade de demonstrar a existência da violação da obrigação contratual por parte de 2ª Apelada para que a presunção de culpa pudesse funcionar.
61ª- A agora alegada inadequação do equipamento utilizado pela 2ª Apelada na execução dos trabalhos, sempre teria de ser vista no âmbito da ilicitude, porque aí sim, estaria em causa a violação da “legis artis”, sendo descabido suscitar esta questão aquando da apreciação da culpa, tal como descabida é a conclusão retirada pela Apelante de que a 2ª Apelada não teria demonstrado que tivesse empenhado todos os esforços no sentido de evitar o acidente para afastar uma presunção de culpa decorrente do exercício de uma actividade perigosa inexistente.
62ª- A inadequação do equipamento utilizado pela 2ª Apelada na execução dos trabalhos não está reflectida na matéria de facto provada, sendo, ainda assim, directamente contrariada pela própria realidade, dado que a obra foi toda ela executada com a máquina perfuradora da ... e as características do terreno não objectaram à sua realização, nem sequer obrigaram a qualquer paragem ou qualquer outra vicissitude.
63ª- Por último, considerando que a causalidade é apreciada em duas perspectivas: a naturalística, ou seja, no averiguar se o processo sequencial foi, ou não, factor desencadeador, ou gerador do dano (nexo factual), e a legal, que resulta da pura aplicação dos princípios do artigo 563º do CCivil, afirmando “uma ligação positiva, em termos de juízo de probabilidade entre o facto jurídico e o dano” (nexo legal de adequação) e reunida a concordância das partes no que toca à adopção pelo Tribunal a quo da teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, dediquemo-nos ao que não merece tal anuência, o facto de ter sido considerada determinante para a produção do acidente a violação da obrigação da preparação de uma plataforma de trabalho segura, da responsabilidade da Apelante.
64ª- Cabe, no entanto, reter que, de acordo com esta doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o ver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis, pelo que é no plano do direito que a Apelante coloca a questão cuja reapreciação suscita.
65ª- Ora, a Apelante estava obrigada a realizar uma plataforma de trabalho segura para a entrada dos equipamentos da 2ª Apelada, o que resulta explicitamente do contrato de subempreitada, mas não cumpriu esta obrigação porque se encontravam tubos de infra-estruturas no local do sinistro; porque existia um buraco/cavidade no subsolo do local do sinistro; e porque existia água no subsolo do local do acidente (45., 47. e 48. dos factos provados).
66ª- Ou seja, a Apelante não retirou os obstáculos da superfície e do subsolo e não procedeu aos enchimentos necessários do terreno para a plataforma, além de ficar plana, ficar também estável ou resistente para os trabalhos que ali iam ser executados, donde resulta que incumpriu com as obrigações contratualmente fixadas.
67ª- A existência no subsolo de todos estes elementos- tubos, buraco e água - originou o abatimento do terreno e da plataforma de trabalho e o consequente desequilíbrio da máquina, que se encontrava a trabalhar naquele local e ficado sem apoio por baixo, e respectivos danos, estando mais que demonstrado o nexo de adequação legal.
68ª- Existe nexo de causalidade adequada entre uma conduta e o dano, quando este, pelas regras correntes da vida, é consequência daquele, sendo que, para que tal se verifique, não é necessário uma causalidade directa, bastando uma causalidade indirecta, que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste.
69ª- A discussão do nexo de causalidade pressupõe a verificação cumulativa dos pressupostos da ilicitude, culpa e dano, que não só têm de ser alegados, como também provados, havendo que, antes de discutir o nexo de causalidade no plano do Direito, estabelecer no plano naturalístico que se traduz em determinar se a conduta do agente foi condição sem a qual o dano se não teria verificado.
70ª- Como se diz na douta sentença não foi apurado qualquer facto praticado pela 2ª A., aqui 2ª Apelada, subsumível na violação de um dever contratual e falhando o facto ilícito, inexiste qualquer responsabilidade civil.
71ª- Em conclusão, o douto Tribunal recorrido fez uma correcta valoração da prova produzida, que retratou na resposta à matéria de facto, e aplicou o Direito de forma exemplar, subsumindo os factos provados às normas legais que regulamentam a responsabilidade contratual.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber se:

a) existe nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
b) ocorreu erro no julgamento da matéria de facto;
c) ocorreu erro na aplicação do Direito;

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. A 1.ª Autora, EMP01..., dedica-se à actividade de seguros.
2. No âmbito da sua actividade, a 1ª Autora celebrou com o 2º Autora um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...59, que cobre, entre outros riscos, os danos materiais súbitos, acidentais e imprevistos sofridos pela maquinaria e equipamentos propriedade das empresas do Grupo EMP02... descrita nas "condições particulares", como consequência directa de uma causa não classificada como excluída no artigo 4º, ou qualquer outra exclusão na apólice, causada, entre outros, por queda, capotagem, impacto, colisão ou descarrilamento, bem como abatimento de terras, queda de rochas, deslizamento de terras ou desabamento de terras (art.º 3.º, al. 3.1.4. da apólice)
3. Segundo o artigo 4º das condições gerais desse negócio, encontram-se excluídos do mesmo os seguintes bens: “4.2.3. Instrumentos, ferramentas ou artigos substituíveis de todos os tipos, cabos, correntes ou correias.” // “4.2.4. Peças de vidro, cerâmica, tecido ou peças de madeira, pneus ou jantes de borracha.” // “4.2.5. desgaste de peças e elementos, revestimentos e materiais de sacrifício ou antifricção, combustíveis, lubrificantes e refrigerantes, bem como qualquer outro elemento de vida limitada.”
4. E de acordo com demais condições ajustadas, o accionamento do seguro tem uma franquia por sinistro de € 2.000,00.
5. A 2.º Autora (ou “EMP02...”) é uma sucursal da empresa espanhola EMP02... SA que opera no sector da construção, no campo da engenharia geotécnica, especializada principalmente no campo das fundações especiais, embora actue também em diferentes sectores, designadamente, melhoramento de terrenos.
6. A Ré, EMP03..., SA. (ou EMP03...), dedica-se, entre outras, a obras especializadas de construção civil, demolição e terraplanagens, perfuração e sondagens.
7. A Ré EMP03... celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil com a Interveniente Companhia de Seguros EMP04... - Companhia de Seguros, S.A. (“EMP04...”), sob a apólice n.º ...72, nos termos das condições gerais, particulares e especial.
8. Através desse contrato, a EMP03... transferiu para a EMP04... a sua responsabilidade civil extracontratual e a responsabilidade civil contratual, no âmbito da actividade por si exercida de “construção civil e obras públicas”, garantindo o capital seguro de € 1.000.000,00 sendo de € 250.000,00 por sinistro e estando prevista uma franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de € 250,00.
9. Nos termos das respectivas cláusulas particulares, encontravam-se cobertos pelo seguro os riscos associados à actividade de “Construção Civil e Obras Públicas”, incluindo-se em tal actividade a realização de “Trabalhos de Escavação” e de “Laboração de máquinas, incluindo gruas”.
10. Nas Condições Particulares – acta adicional nº ...4 - exclui-se expressamente do id. seguro: “bb) Os danos causados às obras ou instalações, máquinas e equipamentos objecto dos trabalhos; cc) Danos causados a máquinas, veículos ou materiais que se encontrem em poder do segurado para uso próprio; kk) Danos causados por inadequação ou falta de meios de segurança e de escoramento para evitar descompressões de terrenos.  (doc. nº 4), ponto 8,
11. E na Condição Especial 41, artigo 2º, ficam também excluídos: “c) danos causados aos subempreiteiros; k) danos resultantes de desabamentos, desprendimentos, abalos ou desnivelamento de terras, provocados por trabalhos de bate-estacas; n) danos causados por inadequação ou falta meios de segurança e de escoramento para evitar descompressões de terrenos; u) danos causados aos materiais manipulados, bem como à obra objecto da laboração da(s) máquina(s) e a bens do segurado, do operador e do proprietário da(s) máquina(s).”
12. Este contrato encontrava-se em vigor à data do evento.
13. Além do referido contrato, a Ré EMP03... celebrou um contrato de seguro de obras e montagens com a Interveniente, EMP05..., sob a apólice n.º ...14, nos termos do recibo de prémio, condições gerais, particulares.
14. Nos termos desse negócio, a Interveniente Acessória (doravante EMP05...) obrigou-se “a pagar as indemnizações resultantes de quaisquer perdas ou danos materiais sofridos pela obra, montagem, máquinas e/ou objectos seguros e resultantes de um acontecimento súbito e imprevisto e, ainda, se isso for estipulado, as indemnizações que legalmente sejam devidas pelo Segurado a terceiros, a título de reparação civil, por virtude de acidentes relacionados com a execução dos trabalhos seguros por esta apólice” (claus. 1.ª das condições gerais);
15. E, “[p]ela presente Condição Especial fica expressamente acordado que, sujeito aos termos, condições e exclusões contidos na Apólice ou nela mencionados, o âmbito da cobertura é alargado às perdas ou danos súbitos e imprevistos, com origem externa, verificados nas instalações temporárias, máquinas e equipamentos auxiliares de construção e/ou montagem descritos nas Condições Particulares, quando ocorridos no local do risco e durante o período designados na Apólice” (art.º 1º ponto 026 da cláusula 11.ª das Condições particulares).
16. Como “Segurados”, para o efeito do seguro em causa, constam a EMP03..., na qualidade de Empreiteiro Geral, a EMP06... enquanto Dono da Obra, e “todos os Subempreiteiros, Fornecedores, Montadores e/ou Tarefeiros, participando na execução material dos trabalhos objecto do seguro, no local da sua realização adiante indicado e na medida dos respectivos interesses” (cláusula 1.ª das condições particulares)
17. E como “Objecto do Seguro”, a “Empreitada designada por “EMP06... e Edifícios”, de acordo com as memórias descritivas fornecidas, ficando abrangidos pelo seguro todos os trabalhos, temporários e definitivos, que integram a referida empreitada, tal como definido nos respectivos documentos contratuais” (cláusula 2.ª das Condições Particulares).
18. Ao negócio celebrado entre as partes aplicam-se as franquias previstas no ponto 8 das Condições Particulares, nomeadamente: a. Máquinas e Equipamentos Auxiliares – 1.000,00 euros; b. Danos materiais a Terceiros em Geral - 1.250,00 euros.
19. No âmbito do nº 7 das Condições Particulares da Apólice, o Capital Seguro para «Máquinas e Equipamentos Auxiliares» é de 7.063,00 euros.
20. Ficou também clausulado nesse negócio quanto ao âmbito de cobertura da Apólice relativamente a Responsabilidade Civil que «De acordo com as Condições Gerais da Apólice ficam garantidos todos os riscos de construção … garantindo o pagamento das indemnizações que possam ser exigidas por lei no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, por prejuízos ou danos acidentais causados a terceiros desde que estejam directamente relacionados com os trabalhos seguros e que esses danos tenham ocorrido no local da sua execução ou na vizinhança imediata e durante o período de vigência contratado.» (ponto 5.2. Secção II / Subsecção II das Condições Particulares da Apólice - Responsabilidade Civil Extracontratual e Subsecção II – Responsabilidade Civil – artigos 21º e seguintes das Condições Gerais da Apólice).
21. E clausulado a aplicação, a esta cobertura, da exclusão contratual prevista no artigo 22º nº 2 das Condições Gerais da Apólice, atento o disposto na preâmbulo do ponto 6 das Condições Particulares da Apólice, segundo a qual, a ora interveniente não será responsável por «despesas de qualquer espécie com a reparação ou substituição dos objectos seguros ou que sejam seguráveis pela Subsecção I» (nota: a Subsecção I diz respeito à cobertura de Danos Materiais – artigos 15º a 20º das Condições Gerais e ponto 5.1 das Condições Particulares).
22. A referida Apólice tem, ainda, como âmbito de cobertura a Responsabilidade Civil Cruzada, nos termos da qual, «1- Pela presente Condição Especial fica expressamente acordado que, sujeito aos termos, condições e exclusões contidos na Apólice ou nela mencionados, a cobertura conferida pela Secção II - Subsecção II - Responsabilidade Civil se aplica a cada uma das entidades designada como Segurado, separadamente, como se tivesse sido emitida uma Apólice individualizada para cada uma delas. 2 - Para efeitos desta Condição Especial o termo Terceiro significará todas as pessoas, entidades ou firmas não nomeadas expressa ou tacitamente como Segurado, bem como as pessoas, entidades ou firmas expressa ou tacitamente indicadas como Segurado quando a responsabilidade do acidente não for imputável a essa mesma pessoa, entidade ou firma» (Condição Particular da Apólice 002).
23. E foi ajustado que, ao âmbito de Cobertura Especial enunciada, se aplica a exclusão contratual prevista no nº 3 alínea b) da Condição Especial 002 das Condições Particulares da Apólice: «excluem-se da presente extensão de cobertura as perdas ou danos nos bens seguros ou seguráveis ao abriga da Secção II – Subsecção I – Danos Materiais e Condição Especial 026 (não 12) desta Apólice».
24. Foi ainda contratada a cobertura «026 – Instalações Temporárias, Máquinas e Equipamentos Auxiliares da Construção e/ou Montagem. 21», nos termos da qual, «fica expressamente acordado que, sujeito aos termos, condições e exclusões contidos na Apólice ou nela mencionados, o âmbito da cobertura é alargado às perdas ou danos súbitos e imprevistos, com origem externa, verificados nas instalações temporárias, máquinas e equipamentos auxiliares de construção e/ou montagem descritos nas Condições Particulares, quando ocorridos no local do risco e durante o período designados na Apólice».
25. Ao âmbito desta Cobertura aplica-se a exclusão contratual prevista no art.º 2 alínea n) da Condição Especial 026: «A presente Condição Especial não garante: Paralisação dos bens seguros, lucros cessantes ou outras perdas consequenciais ou indirectas de qualquer natureza» (ver também artigo 16º nº 2 das Condições Gerais da Apólice.
26. O contrato em causa estava em vigor à data dos factos.
27. A 09.01.2019, a “EMP06..., SA” (=EMP06...), enquanto concessionária, adjudicou à Ré a ampliação e modernização do terminal de contentores e edifícios do porto ..., trabalhos que designaram de “Obras privadas para o Projecto de Expansão Global, no âmbito do Projecto de Expansão e Modernização do Terminal de Contentores Sul no porto ...”, projectados pelo grupo EMP07....
28. De acordo com o contratado, havia um Caderno de Encargos patenteado pela EMP06... que integrava, no que releva, um estudo geotécnico relativo às características do terreno da obra, e os cadastros relevantes, o que foi fornecido à Ré EMP03....
29. Por sua vez, a 12.03.2019, a Ré celebrou com a 2.ª Autora um negócio – n.º ...70 - que tinha por objecto a execução dos trabalhos de consolidação e estabilização de solos, mediante a execução de estacas em betão não armado chamado GEOPIER Geo-Concrete Columns (GCC e cujos direitos de patente são propriedade da EMP02...), de acordo com a lista de trabalhos, quantidades e preços acordados, que aquela Ré se encontrava a realizar no Terminal de contentores do porto ....
30. A obra acordada com a 2.ºAutora visava consolidar o terreno do Terminal, solo arenoso e argiloso de baixa consistência/coerência, para obter uma maior capacidade de carga à superfície e poder armazenar mais contentores em altura.
31. A EMP02... foi a autora do projecto de estabilização dos solos implementado na execução dos trabalhos, o que foi aceite pelo D.O.., projecto esse que consistia na execução (pela EMP02...) de estacas de betão não armado chamado sistema Geopier Geo-Concrete Columns e na execução (pela EMP03...) de uma estrutura de pavimento.
32. De acordo com o contratualizado com a 2.ªAutora, no que releva, cabia à Ré:
a) Direcção de toda a obra (cláusula 1.2. primeira parte);
b) O fornecimento à Autora do relatório geotécnico, desenhos do projecto, memória do projecto e plano de trabalhos (considerando f));
c) Os «trabalhos relativos à preparação e manutenção dos acessos e das plataformas de trabalho, que devem ser acessíveis para o trânsito e o desenvolvimento dos trabalhos pelas equipas de rastos e camiões de rodas para o fornecimento de betão, em caso de chuva» (cláusula 1.2. segunda parte);
d) Retirada de edificações e instalações preexistentes no Terminal de Contentores e preparação de uma plataforma de trabalho segura, com a «eliminação de todos os obstáculos subterrâneos, na superfície ou no ar, e o desvio ou reconsideração exacta, quando tal não for possível, de todos os serviços públicos, tais como linhas eléctricas, esgotos ou qualquer outro obstáculo que afecte o trabalho a realizar (…)» (cláusula 11.2.2.);
e) Os «enchimentos e achatamentos necessários para criar um plano de trabalho horizontal e estável, livre de obstáculos e passível de passagem para os meios normais de trabalho, mesmo no caso de chuvas. A plataforma de trabalho deve estar pelo menos 1,5m acima da altura máxima do lençol freático.» (cláusula 11.2.3);
f) o reperfilamento, nivelamento, compactação, remoção ou contribuição de material para que a plataforma seja horizontal e estável, livre de obstáculos (cláusula 11.2.4 2.ª parte);
g) A perfuração e enchimento de cimento das colunas perfuradas;
h) O acabamento da plataforma de consolidação final para receber as cargas com a colocação de malha de aço e a criação de uma plataforma de betão armado na superfície.
33. Por sua vez, de acordo com o contratualizado, cabia à 2.ª Autora, EMP02...:
a) Conhecer, como declarou conhecer, antes ainda da realização dos trabalhos, “perfeitamente o local onde irá desenvolver-se a subempreitada, bem como os encargos e riscos inerentes à natureza dos trabalhos e todas as circunstâncias que possam influenciar o normal andamento dos trabalhos e respectivo custo, de acordo com a informação fornecida por EMP03...: Relatório Geotécnico, desenhos de projecto, memória de projecto e Plano de Trabalhos” (cf. considerando f);
b) executar os trabalhos em conformidade com as especificações do presente contrato e de acordo com as instruções que receber da EMP03...” (cláusula 1.2. primeira parte).
c) «[n]a execução dos actos e trabalhos», «cumprir as prescrições constantes dos documentos referentes ao âmbito desta especialidade, nomeadamente: caderno de encargos, ensaios, termos de responsabilidade, peças desenhadas e documentos exigidos pela Fiscalização/Dono de Obra, dos quais tomou conhecimento e aceita, não podendo invocar a sua falta, salvo se os solicitar por escrito e lhe for recusada a entrega.» (cláusula 1.2.3.);
d) Executar os trabalhos e fornecimentos, «respeitando as boas regras da arte, a regulamentação em vigor e os diversos documentos contratuais nomeadamente o Estudo Geotécnico e o Projecto da EMP02..., os quais declara ter recebido e deles ter perfeito conhecimento, obrigando-se a solicitar a entrega dos que possam faltar» (clausula 5.1.);
e) Solicitar à EMP03... «o esclarecimento de quaisquer dúvidas relativas à obra objecto do contrato e a todos os documentos referidos no ponto 5.1 ou que respeitem à obra subempreitada, bem como se obriga a comunicar quaisquer erros, omissões, contradições ou quaisquer outos vícios ou incorrecções que neles detecte, não sendo a sua existência motivo válido para a violação das boas regras da arte.» (cláusula 5.1.1.);
f) Ser «responsável pelo cumprimento das suas obrigações previstas neste contrato, estendendo-se esta responsabilidade a todo o seu pessoal e a pessoal por si subcontratado, o qual deve ter a necessária qualificação e ser em número suficiente para o bom andamento dos trabalhos» (cláusula 8.1.);
g) Ser «único responsável, incluindo perante a EMP03..., por todos os riscos, acidentes, perdas ou danos acontecidos nos trabalhos objecto desta Subempreitada, devido a execução negligente que resulte directa e exclusivamente imputável à EMP02..., ou por eles causados à obra em geral, quer durante a sua execução, quer durante o período da garantia, em consequência da execução ou da acção dos seus agentes, operários ou demais servidores ao seu serviço, do deficiente comportamento ou da falta de segurança das obras atribuível à EMP02..., materiais, elementos de construção ou equipamentos auxiliares, directamente relacionados com os trabalhos da Subempreitada ou sob seu controlo.» (cláusula 12.4);
h) Restituir a plataforma de trabalho à EMP03... para seu reperfilamento, nivelamento, compactação, remoção, … sempre que a plataforma de trabalho sofresse alguma variação de nível (cláusula 11.2.4 1.ª parte).
34. A Ré EMP03... era conhecedora prévia das condições de trabalho da máquina e das necessidades da mesma – pesos e métodos de trabalho – para preparar a plataforma para a 2ª Autora trabalhar nela, pois recebeu por email de 16.04.2019 a declaração de conformidade CE, a ficha técnica e o manual de funcionamento, elaborados pelo produtor, da máquina de bate-estacas e perfuração da marca ..., modelo ..., n.º de série ...04, destinada esta ao enchimento dos poços com betão.
35. A obra estava a ser realizada por sectores e seguindo as fases de avanço da mesma, primeiro a Ré fazia a preparação da plataforma e, depois, a 2ª Autora os trabalhos que lhe correspondiam (os trabalhos de perfuração vários dos furos da malha concebida, com a máquina de perfuração IMT AF 80, retirando-se depois para a área não perfurada; seguidamente, entrando com a ..., que transportava um tubo de 20 metros ligado a uma mangueira, através do qual o betão é fornecido, e que era depois introduzido nos furos em sequência).
36. A obra estava a ser realizada em solo arenoso e argiloso, de baixa consistência/coerência, composto por lamas e propício a movimentação natural.
37. A EMP02... foi a autora do projecto de estabilização do solo, onde se incluía o das escavações a fazer.
38. A 2.º Autora procedeu à implementação no subsolo de 2.500 estacas de betão no solo id..
39. No dia 25.02.2020 a 2ª Autora encontrava-se a trabalhar na zona do lado Sul do Terminal de Contentores e tinha acabado de fazer três furos colunas, designados na planta de execução de obra com os números 2877, 2878, e 2923.
40. A máquina de perfuração ... estava posicionada e estática sobre a coluna n.º 2878, que fora finalizada com betão uns dias antes e estava assente/endurecida, e tinha acabado de encher a coluna n.º 2923.
41. O manobrador accionou a remoção do tubo de betão do pilar nº 2923 e rodou a superestrutura da máquina para posicionar o tubo sobre o buraco no nº 2877, imobilizou-a e colocou-a em posição de executar o trabalho em tal coluna.
42. Nesse momento, inesperadamente, o terreno em que assentava a parte da frente da “lagarta” esquerda abateu, causando o desequilíbrio da máquina, levando a que as lagartas se cravassem no terreno e ao consequente capotamento lateral da máquina.
43. O abatimento causou um buraco de aproximadamente 1 metro de profundidade.
44. No preciso local onde ocorreu o acidente, o solo continha as características preconizadas no projecto e disponibilizadas à Autora: era formado por sedimentos finos, com dragagem do leito do rio.
45. No subsolo do local onde o evento ocorreu, existia um tubo (instalação) de pvc sanitário e dois tubos (instalação) de plástico (electricidade).
46. A área envolvente ao solo onde se deu o evento fora mexida, no passado, para colocação das ditas instalações.
47. O subsolo onde ocorreu o acidente estava com água.
48. No subsolo da zona onde o evento ocorreu, existia uma cavidade/buraco.
49. Antes da execução da obra supra id., a área do solo onde se deu o evento estava pavimentada.
50. Durante a execução da obra supra id., o pavimento foi retirado pela Ré.
51. A existência da cavidade e de água no subsolo levaram a que a terra (arenosa e argilosa), que estava sob a pressão da id. máquina, se movimentasse e abatesse.
52. Na documentação e estudos que foram disponibilizados, não estava detectável a existência de elementos antigos de construção - instalações de condutas, de esgoto ou eléctricas – ou de cavidades no solo a intervencionar e na sua área envolvente.
53. A remoção do pavimento executada pela Ré constituía um pressuposto para a execução dos trabalhos da 2.ª Autora.
54. No local do evento, a EMP02... não informou a EMP03... da necessidade de reforço e/ou melhoramento da plataforma de trabalho, nem solicitou a esta esclarecimentos ou informações adicionais sobre os documentos e estudo geotécnico do solo que recebera.
55. A máquina de perfuração ... que estava a ser utilizada no momento do acidente não tem sapatas de estabilização, como resulta do manual de utilização.
56. Na altura do acidente, a rotação da cabine não teve implicação no evento verificado.
57. O manobrador do equipamento era uma pessoa com vasta experiência e ainda realizou uma manobra para tentar evitar que a máquina tombasse, mas sem sucesso, foi manter o accionamento do botão de equilíbrio do braço.
58. Na reunião de obra de 28.02.2020, fizeram constar que «No seguimento do incidente ocorrido com o equipamento de execução de estacas GCC no passado dia [25]/02/2020 a FISC solicitou evidências da participação ao seguro da obra à EE. A EE informou que já participou a situação à companhia de seguros, estando em fase de investigação do acidente» e «Execução de colunas GCC no parque 5. Os trabalhos encontram-se interrompidos no seguimento do incidente ocorrido em 25/02/2020 com o equipamento de estacas”.
59. Na reunião de 5 de Março de 2020, foi dada nota de que a EMP03... «informou que já iniciaram as peritagens e que aguardam a emissão dos relatórios»
60. Na reunião de 11 de Março de 2020, a EMP03... informou que «no presente dia vai decorrer uma segunda peritagem».
61. Na reunião de obra de 20 de Março de 2020, ficou consignado que “[f]oi elaborado em conjunto com a coordenação de segurança o relatório/inquérito do incidente. De acordo com as conclusões deste relatório foi realizada uma nova revisão ao procedimento de execução de estacas contemplando as medidas preventivas para a minimização do risco de ocorrência de outro incidente semelhante”.
62. A 2ª Autora participou o sinistro à 1ª Autora.
63. A 1ª Autora encarregou a EMP08... de realizar uma peritagem para apurar a causa do capotamento da máquina e quantificar os danos por esta sofridos.
64. Esta entidade concluiu que o capotamento da máquina (sinistro) foi resultado de uma falha do terreno em que se estava a trabalhar devido à (1) sua falta de resistência, associada a (2) uma cavidade existente no subsolo, uma vez que: i) se tratava de um terreno formado por sedimentos muito finos, com partículas de diâmetro inferior à areia fina, e muito provavelmente formado artificialmente pela dragagem do leito do rio; ii) o solo fora previamente pavimentado com paralelepípedos de granito (pedras de calçada), que foram removidos antes da execução das estacas pela máquina do segurado mas que serviam de barreia à infiltração das águas pluviais; iii) observou-se existência de condutas de esgoto, provavelmente que serviram a instalação sanitária móvel e de condutas que serviam instalações eléctricas, daí inferindo que, no passado, se realizaram trabalhos de escavação no solo para a respectiva instalação // não é verdade que tenha havido um alegado arrastamento de terras provocado pelas águas residuais da conduta subterrânea de uma instalação sanitária, uma vez que esta conduta se encontrava bem distante do ponto onde se deu o acidente. E aludida instalação sanitária já nem sequer existia, tenho esta sido substituída por um WC portátil – cf. fotografia do local do acidente, que ora se junta como doc. n.º 9.; e iv) houve arrastamento de terras causado pelas águas residuais do tubo de esgoto da instalação sanitária móvel observado a cerca de 20 metros do local para a cavidade.
65. A Ré participou o sinistro à Interveniente EMP04..., que declinou qualquer responsabilidade, alegando, para tanto, que a “causa do sinistro deveu-se em ao facto de ter ocorrido um abatimento no terreno onde laborava o Bate-Estacas que cedeu devido ao peso do equipamento (80 toneladas) conjuntamente com o facto do equipamento se encontrar a ser operado sem se encontrarem reunidas as condições de segurança necessárias, designadamente, existir um desalinhamento do corpo da máquina com o eixo das lagartas e sapata de estabilização não descida. Todavia, foi possível apurar que ao longo do processo da criação de centenas de estacas não se registou qualquer abatimento no terreno, sendo a morfologia do terreno bem conhecida, o que permite concluir que a condição de não segurança em operação da máquina, se afigurou crucial ao desequilíbrio e colapso da mesma, sendo pois a negligência do operador do equipamento, a causa determinante para a ocorrência do presente sinistro” e “sucede que, (…) , a garantia de danos causados a terceiros pelos subempreiteiros só funciona na falta ou insuficiência do seguro destes últimos, sem que a subempreiteira EMP02... possui apólice na Congénere EMP01..., tendo já accionado a mesma, pelo que as condições para o accionamento da garantia não se verificam.»
66. O relatório de peritagem foi pedido pela EMP04..., elaborado pela “EMP09..., Lda.” e concluído no dia 17/04/2020.
67. A Ré participou o sinistro à EMP05..., que também declinou a responsabilidade, alegando que «Na sequência da participação efectuada, verificámos que uma máquina, a qual tem a função de furar o terreno para colocar as estacas de sustentação, recorrendo a uma estrutura de furação, tombou, embatendo em 4 contentores vazios, que se encontravam depositados junto ao parque de estacionamento da empresa EMP06..., esmagando três contentores e danos onde estavam estacionadas viaturas, e ainda danos em 4 viatura. A causa do acidente deveu-se ao facto do equipamento se encontrar a ser operado sem se encontrarem reunidas as condições de segurança necessárias. Esta máquina é da propriedade de um dos subempreiteiros, EMP02..., que de acordo com contrato de Subempreitada é o único responsável, incluindo perante a EMP03..., por todos os riscos, acidentes, perdas ou danos acontecidos nos trabalhos objecto desta Subempreitada”.
68. Em consequência do capotamento parcial, a 2ª Autora teve de contratar duas gruas (60 e 200 toneladas) e uma plataforma elevatória para pessoas, para conseguir resgatar a máquina, que ficou apoiada numa pilha de contentores que ali se encontravam, além dos meios próprios e subcontratados a terceiros que foram ainda necessários.
69. A máquina sofreu danos nos seus diversos componentes, uns detectados e reparados de urgência em obra, para poder dar seguimento aos trabalhos, e outros verificados e reparados nas oficinas do produtor ....
70. Com efeito, numa primeira inspecção da máquina em obra, identificaram-se: danos no motor, no tubo de despejo de betão que estava dobrado, na mangueira de fornecimento de betão à parte superior da máquina que se perdeu, na braçadeira do tubo que estava gravemente deformada, nas mangueiras hidráulicas e eléctricas e a caixa de transferência, no ácido das baterias que foi drenado, no anel giratório da superestrutura, na carroçaria, cabina, vidraças de cabina e outras que também sofreram danos por impacto.
71. Nessa intervenção participaram um técnico da ..., outro da EMP10... e um técnico da EMP11..., bem como um encarregado e quatro operários da 2ª Autora.
72. O custo desta intervenção de “resgate” ascendeu a €35.577,55, sendo €21.534,55 de mão-de-obra e €14.043,00 do aluguer de equipamentos.
73. Quando a máquina foi para a oficina da ..., realizou-se  uma inspecção geral da máquina e detectaram-se: a) danos na coroa giratória da superestrutura, que já tinham sido detectados no local e foram corroborados após o desmantelamento parcial da máquina; b) danos nos cabos de operação da broca, que foram substituídos a recomendação do produtor; c) danos no mastro devido à torção derivada do impacto contra os recipientes no processo de capotagem, que se verificou estar fora das tolerâncias; d) danos nos cabos eléctricos, interruptores de limite, mangueiras hidráulicas, vibro-cabeça e outros componentes montados no mastro; e) o sistema de inclinação e rotação do mastro teve danos nos cilindros de elevação/actuação e danos nas juntas de rotação e guias; f) fissuras no pantógrafo da máquina, que foram reparadas por lavagem e soldadura, mas seguindo certos protocolos e formação do pessoal de soldadura.
74. A reparação da máquina teve um custo total de €298.971,55, correspondendo €57.186,00 a mão- de-obra e €241.785,55 a peças e materiais.
75. A 2ª Autora custeou ainda o valor de €225,00 correspondente à inspecção extraordinária realizada à máquina, a pedido da Ré para verificar se esta poderia funcionar nas condições da reparação parcial efectuada.
76. A 2ª Autora custeou também o transporte da máquina da obra para as instalações da ... a fim de ser reparada e posteriormente o seu retorno à obra, o que ascendeu a €11.367,00.
77. Por fim, após reparação, a 2ª Autora teve ainda de liquidar o valor de €16.441,37 para colocação da máquina em funcionamento no local, sendo €1.700,00 pelo aluguer dos equipamentos de apoio e €14.741,37, a título de mão-de-obra (pessoal que esteve presente no local para realizar as verificações funcionais finais, ajustes, certificação e colocação em funcionamento da máquina).
78. Os salvados da máquina foram estimados em €9.000,00.
79. Ao abrigo do contrato celebrado e supra id., a 1ª Autora assumiu a regularização dos danos à 2.ª Autora, retirando o valor da franquia fixada e o valor dos componentes danificados que estavam excluídos da cobertura da apólice, como sejam, os filtros, os cabos, combustível, lubrificantes (em valor fixado em €12.077,22).
80. E, em consequência, a 1.ª Ré pagou à 2ª Autora o valor de €339.280,25, correspondente aos danos cobertos pela apólice.
81. A 2.ª Autora emitiu à 1.ª Autora declaração de sub-rogação dos direitos da sua segurada.
82. Na sequência do acidente, ficaram estragados 7 contentores e 4 veículos, propriedade de terceiros.
83. Por carta datada de 02.11.2020 dirigida à 2.ª Autora, a Ré declarou querer compensar o valor que disse ter entregue ao D.O por tais prejuízos (82.), € 44.363,40, com o valor devido à 2.ª Autora pelos trabalhos executados e à data ainda não pagos.

Factos não provados:

Com relevo para a boa decisão da causa, ficou por provar que:

A. No subsolo do local onde se deu o evento, o tubo de pvc não estava fechado e levava a água, com as terras a movimentarem-se, exactamente do ponto em que se verificou o abatimento ocorrido.
B. A 2.ª Autora preparava-se para executar a estaca 2924, onde ocorreu o sinistro.
C. A Ré procedeu aos enchimentos e achatamentos necessários para criar um plano horizontal e estável, livre de obstáculos, devendo a plataforma estar pelo menos 1,5 metros acima da altura do nível freático.
D. O bate-estacas, no momento da operação e no que releva, não se encontrava numa posição e situação tal que reunisse os requisitos prioritários a fim de garantir estabilidade e segurança: i) ter a sapata estabilizadora descida dando suporte adicional no eixo horizontal longitudinal aos rodados; ii) ter o conjunto de perfuração da torre alinhado pelo referido eixo horizontal longitudinal.
E. Com efeito, o manobrador do equipamento da EMP02..., KK, procedia à deslocação do equipamento para se posicionar noutro local para continuar a execução da terceira coluna GCC em falta.
F. Para tanto, equilibrou previamente o braço com o equipamento/cabine, carregando continuadamente no botão existente no manipulo do lado esquerdo.
G. Aquando da movimentação do equipamento, a cabine estava em viés em relação às lagartas.
H. O trabalhador da EMP02... que se encontrava no exterior notou que o equipamento estaria a ter um comportamento diferente, parecendo-lhe que estava a desequilibrar-se, tendo avisado de imediato o manobrador.
I. O manobrador baixou rapidamente a coluna que se encontra no braço, sem largar o botão de equilíbrio automático, de forma a puder enterrá-la no solo e servir de apoio ao equipamento, mas não conseguiu evitar que o equipamento tombasse e que atingisse os objectos id.
J. A movimentação da máquina com a posição oblíqua/em viés da cabine e a não descida da sapata de estabilização levaram ao seu desequilíbrio.
K. Se a máquina estivesse a operar com as condições de segurança id. em D, o abatimento do terreno não seria suficiente para provocar o desequilíbrio da máquina e a sua queda.

IV
Conhecendo do recurso.

1. A primeira questão que vem colocada pela recorrente é a existência de uma nulidade da sentença, pois, de acordo com o artigo 615º,1,d CPC, é nula a sentença quando “[o] juiz deixe de se pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento”.

Ora, à data em que se verificou o acidente da máquina da EMP02..., o sinistro encontrava-se coberto, na perspectiva da Recorrente, por duas apólices subscritas pela EMP03... junto das companhias de seguros EMP04... e EMP05... (cf. pontos 12. e 26. da matéria de facto dada como provada na Sentença Recorrida). Porém, percorrida a Sentença Recorrida, constata-se que não foi proferida decisão quanto à responsabilidade solidária da seguradora EMP05.... O que configura omissão de pronúncia.
Ora bem.
No art. 8º da contestação, a ré recorrente afirma que “à data em que se verificou o acidente a que se reportam os presentes autos, o sinistro encontrava-se coberto por duas apólices subscritas pela EMP03... junto das companhias de seguros EMP05... e EMP04...”. E que na hipótese de a EMP03... vir a ser responsabilizada, tal responsabilidade deverá ser transferida para as seguradoras EMP05... e EMP04.... E entende que o chamamento deve dirigir-se, não a uma, mas às duas seguradoras, na medida em que se verifica uma situação de “pluralidade de seguros”, nos termos do artigo 133º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16
de Abril, a qual impõe sobre o “tomador do seguro ou segurado” o dever de “informar dessa circunstância todos os seguradores”, devendo estes responder “entre si na proporção da quantia que cada um teria de pagar se existisse um único contrato de seguro”.
O Tribunal da causa decidiu que: “no caso em apreço, estão em causa dois seguros de responsabilidade civil de natureza facultativa. Vistas as condições gerais, que foram juntas pela Ré, apenas se prevê o direito de acção directa por parte do lesado quanto ao contrato de seguro celebrado com a EMP04..., SA – cfr. artigo 69.º/2 (cfr. fls. 890/verso). Quanto ao seguro contratado com a EMP05..., SA (cujas condições constam de fls. 865 a 876), não se mostra contemplada regra paralela à antes mencionada, nem a Ré o refere. Assim sendo, considerando que o seguro contratado não tem natureza obrigatória, quanto à EMP05..., esta seguradora não é parte na relação material controvertida (mas apenas numa conexa), não dispondo, por conseguinte, de legitimidade para intervir nos autos enquanto parte principal”.
E por isso o Tribunal admitiu a intervenção principal da companhia seguradora EMP04..., SA, mas apenas admitiu a intervenção acessória da companhia seguradora EMP05..., SA.
E esta decisão transitou em julgado.
Donde, na sentença ora recorrida, o Tribunal não conheceu nem tinha de conhecer da responsabilidade solidária da seguradora EMP05..., por esta não ser parte principal na causa. A posição do interveniente acessório na causa resulta do art. 321º,2 CPC, e circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento. Como aliás já se tinha explicado no despacho de admissão do recurso.
Donde, não ocorre qualquer nulidade da sentença.

2. Recurso da decisão da matéria de facto
A Recorrente considera que os factos dados como provados nos pontos 45, 46, 47, 48, 51, 55 e 56 da decisão da matéria de facto deveriam ter sido dados como não provados. E também que os factos dados como não provados nos pontos C, D, F, G, H, I, J e K deveriam ter sido dados como provados.
E ainda que deveria ter dado como provado o facto por si alegado no artigo 41º da Contestação.

Concretamente, considera que:

Facto provado 47 deve passar a:
“A sensivelmente um metro do local, mas não no específico ponto onde a máquina tombou, existia uma conduta de águas pluviais com poucos centímetros de diâmetro, a qual estava desactivada e não continha água”.
Factos provados 48 e 51:  devem ser tidos como não provados, e dados como provados os seguintes factos:
“O abatimento de um metro é insusceptível de provocar a queda da máquina”.
“Se o subsolo tivesse alguma cavidade ou buraco, o abatimento seria muito maior do que o verificado”.
Facto provado 55: deverá ser dado como não provado e, em consequência, dar como provados os seguintes factos:
“A máquina tinha um mecanismo de estabilização através de uma sapata de estabilização”;
“A máquina não deve trabalhar sem a sapata estabilizadora accionada porque é precisamente a sapata que vai suportar a força do eixo vertical ao longo do eixo da estaca de perfuração;”
“No dia do acidente a sapata de estabilização não foi accionada”;
Facto provado 56: deverá ser dado como não provado, e em consequência dados como provados os seguintes factos:
No dia do acidente a máquina estava a perfurar sem que a cabine se encontrasse alinhada com as lagartas”;
“Quando a máquina trabalha sem haver alinhamento entre o eixo e as lagartas, as condições de segurança são inferiores”;

E quanto à factualidade não provada
Os pontos C, D, F, G, H, I, J e K da matéria de facto dada como não provada devem passar para a lista dos factos provados.
E ainda pretende que se dê como provado o que alegou no art. 41º da contestação, ou seja:
Além de tais elementos, foram ainda disponibilizados pelo Dono da Obra, os cadastros relevantes”. Sendo que, no art. 42º conclui-se dizendo:
“Tendo todos os referidos elementos sido transmitidos pela EMP03... à EMP02...”.
Pois bem.
Cumpriu os ónus impostos pela lei (art. 640º CPC), pelo que, sem mais, podemos conhecer desta parte do recurso.
Importa começar por definir os parâmetros que permitem ajuizar da existência de um erro de julgamento, ou de qualquer outro vício da decisão que leve a uma alteração da decisão da matéria de facto.
Consta do artigo 662º,1 CPC que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Ora, vamos começar por uma apreciação de carácter geral.
As provas não são realidades homogéneas, ou sumativas. Não é o acumular de provas num determinado sentido que faz com que ele deva ser dado como provado. Pelo contrário, são frequentemente realidades contraditórias. É, nem de propósito, o caso destes autos, em que os vários depoimentos testemunhais são em grande medida divergentes, se não mesmo contraditórios.
Serve isto para dizer que a busca da verdade passa por perceber que a credibilidade a dar a cada uma das testemunhas ouvidas varia. A arte estará em perceber quais merecem credibilidade e quais não merecem, fundamentadamente. Sendo que a prova testemunhal, por definição, não é tarifada, estando sujeita à regra da livre apreciação (art. 607º,5 CPC). Dizendo de outro modo, não é por as testemunhas de uma das partes terem afirmado algo que tal factualidade tem, necessariamente, de ser dada como provada. Quando, como acontece neste caso, o Tribunal se depara com depoimentos contraditórios, assumem importância decisiva as provas objectivas disponíveis, aquelas que sendo incontroversas, funcionam como matriz aferidora da fidedignidade dos vários depoimentos testemunhais. Para além disso, a maior ou menor proximidade das testemunhas com as partes é igualmente um factor a ter em conta.
Temos ainda de ter presente algumas limitações[1] com que esta Relação se depara, que não existiram no julgamento feito na primeira instância.
Primeiro, “a gravação dos depoimentos por registo áudio ou por meio que permita a fixação da imagem (video) nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no Tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância. Na verdade existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[2].
Ou seja, o registo audio da prova não permite captar aquilo que a Psicologia designa de “comunicação não-verbal”. E para um juiz que tem perante si testemunhos divergentes sobre os mesmos factos essenciais, essa comunicação não-verbal assume uma importância determinante na conclusão final sobre a veracidade dos depoimentos.
Por outro lado, ainda, foi notório que ao longo da audiência de julgamento algumas testemunhas foram confrontadas com documentos juntos aos autos, nomeadamente fotografias, e foram acompanhando o seu depoimento com a indicação de pontos nesses documentos, outra prova que escapa completamente à análise desta Relação.
Dito isto, e sendo certo que esta Relação ouviu toda a prova testemunhal produzida nas várias sessões da audiência de julgamento, estamos em condições de decidir.
E a primeira coisa que é necessário dizer é que a recorrente faz assentar o mérito da sua pretensão de alteração do julgamento da matéria de facto nos depoimentos das seguintes testemunhas por si arroladas:
(i) Eng.º AA;
(ii) Eng.ª BB;
(iii) CC, Encarregado Geral de Obras da EMP03...;
(iv) Dr. DD; e ainda
(v) Eng.º EE, perito de seguros na área de engenharia mecânica;

Ignorou assim os depoimentos das outras testemunhas ouvidas em audiência.
Donde, podemos começar por dar razão às recorridas EMP01... e EMP02..., quando nas suas contra-alegações (arts. 8º, 9º e 10º) chamam a atenção para que “em nenhum momento a Apelante menciona que as testemunhas e documentos que o douto Tribunal recorrido invocou na fundamentação da matéria de facto não afirmam ou não demonstram os factos que o Tribunal deu como provados, o mesmo é dizer que (i) foi produzida prova sobre a factualidade impugnada e (ii) a prova produzida foi no sentido em que o Tribunal decidiu. Até porque mesmo do depoimento das testemunhas indicada pela aqui Apelante e que esta convoca para sustentar, ou tentar sustentar, a modificação das respostas dadas à matéria de facto, o Tribunal extraiu a confirmação da factualidade essencial dada como provada (abatimento do terreno e a existência de tubos, água e um buraco/cavidade no subsolo junto ao local do acidente), retirando credibilidade e assinalando a falta de conhecimento das testemunhas da Apelada, Eng.º AA, Engª BB e Eng.º EE - e justificando expressamente a sua posição. Salvo o devido respeito, não é apenas com passagens isoladas e descontextualizadas do que foi dito pelas testemunhas que se pode pretender-se modificar a decisão sobre a matéria de facto, e, muito menos, num processo em que de antemão se sabe que existem duas versões para a ocorrência do acidente, havendo que ponderar a credibilidade e conhecimento que cada uma das testemunhas manifestou relativamente aos factos e conjugá-los com os depoimentos das demais testemunhas e prova documental junta, como fez o Tribunal e que é, aqui sim, insusceptível de reparo”.
As recorridas, quanto a nós, puseram aqui o proverbial “dedo na ferida”.
Com efeito, não se pode pretender alterar o julgamento da matéria de facto, julgamento esse complexo, com 3 sessões e muitas horas de depoimentos de várias testemunhas arroladas pelas partes, invocando apenas os depoimentos que são favoráveis ao recorrente e omitindo todos os restantes. Mais ainda, invocando, dentro de cada um dos depoimentos das testemunhas arroladas, apenas os excertos que interessam ao objectivo a atingir, descartando todos os outros.
E logo por aí se pode dar como adquirido que não assiste razão à recorrente. A determinação dos factos provados, no meio de um litígio judicial, é uma tarefa de enorme melindre, que obriga à chamada análise crítica das provas, ou seja, à ponderação de todas as provas produzidas, com o mais variado conteúdo, aferindo depois umas pelas outras e com base em elementos objectivos, até conseguir encontrar uma leitura coerente e satisfatória de tudo o que foi dito. Essencial é aferir da credibilidade e grau de isenção das testemunhas ouvidas.
Ora, enquanto a alegação da recorrente, como vimos, é um exercício unilateral de explicação da realidade que se pretende ver provada apoiado exclusivamente na prova que ela própria produziu, ignorando os depoimentos contrários das outras testemunhas, a análise feita pelo Tribunal recorrido é uma análise global, que ponderou todas as provas produzidas.
E depois de ouvir todos os depoimentos testemunhais, e tendo consultado a prova documental pertinente, estamos em condições de confirmar integralmente a decisão recorrida.

Passemos ao concreto.
Em primeiro lugar, temos dificuldade em perceber a utilidade de impugnar os factos provados 45, 46, 47, 48, 51, 55, 56, bem como pretender que sejam provados os factos que foram considerados não provados em C, D, F, G, H, I, J e K, quando a recorrente não impugnou os factos provados 40 a 43, os quais contêm, de forma cristalina e incontroversa, o nexo de causalidade entre o abatimento do terreno em que assentava a parte da frente da “lagarta” esquerda, e o desequilíbrio da máquina, levando a que as lagartas se cravassem no terreno e ao consequente capotamento lateral da máquina. A partir do momento em que está definitivamente assente o facto principal e central deste litígio, que é a causa da máquina ter capotado lateralmente, salvo melhor opinião, torna-se inútil estar a discutir factos indiciários, como são os contidos nos pontos 45, 46, 48, 51, 55 e 56, e C, D, F, H, I, J, K dos não provados. Esses factos poderiam ser relevantes se ainda não estivesse determinado que foi o abatimento do terreno em cerca de 1 metro que fez com que a máquina tombasse. Assim sendo, pouco ou nada relevam.
Não obstante, estamos em condições de confirmar integralmente o julgamento do Tribunal recorrido também em relação a esses factos indiciários.
Comecemos por ver a fundamentação constante da sentença, a qual faz uma análise global de todas as provas, e explica por que razão umas mereceram mais credibilidade que outras:
passando agora ao evento e sua dinâmica, busílis da presente acção, o tribunal convenceu-se da versão trazida aos autos pelas Autoras - o abatimento/aluimento da terra por debaixo das lagartas da máquina ... - em detrimento da versão da Ré (e Intervenientes) – erro do manobrador -, pela valoração que fez quer da prova documental apresentada – contrato de subempreitada, manual e ficha técnica da máquina, projecto de execução da obra, projecto de estabilização dos solos, mapa de pessoal ao serviço, fotografias dos relatórios de peritagem celebrados -, como da prova testemunhal produzida em julgamento e que presenciou o evento e - ou os danos imediatos do evento, no tempo mais próximo possível ao acontecimento, analisados de per se e quando, ainda, conjugados entre si e com as regras da lógica e do normal acontecer. Daí a resposta positiva a 39 a 43, 44 a 57..
Com efeito, a testemunha HH, encarregado da obra da EMP02..., foi a única que se apresentou em juízo como tendo presenciado os factos e isso não foi posto em causa por nenhum dos sujeitos processuais. E, nesse conspecto, disse, de forma serena e segura, que “a máquina estava a trabalhar, tinha terminado uma coluna, em 90º em relação às lagartas, girou para fazer outra e afundou, de repente.», rejeitou que a máquina estivesse desequilibrada, confirmou que o mastil da máquina estava alinhado com a cabine e “nem sequer estava todo levantado”, o que contribui para o equilibro do equipamento e não para o seu desequilíbrio, referiu que não havia vento, nem que estavam a manipular carga (apenas tinham a carga própria da máquina) e, por fim, identificou o manobrador da máquina (KK) e confirmou a sua vasta experiência com a máquina e com o tipo de obra que se levava a cabo. Outrossim, referiu que antes da máquina avançar por lanços, a plataforma de trabalho era por eles visualmente inspeccionada e que, in concreto, naquele local, nada à superfície ou a olho nú permitia inferir ou suspeitar dos termos encontrados ao subsolo: muito frouxo, humidade, água e tubos, retratados pelas fotografias juntas ao processo com o doc. 4.
Este testemunho foi confirmado, como se acaba de referir, pelas fotografias do local e das imediações do local dos factos, pois delas se pode aferir a existência de tubos de pvc e de condutores de electricidade, a presença de água e de terra solta e, sobretudo, a ausência de terras em excesso à superfície. E pelo testemunho de LL, encarregado do departamento da execução da obra e do pessoal da EMP02..., quando explicou a EMP03... tinha a função de criar plataforma de segurança para pessoas e bens – o que implicava retirar infra-estruturas, encher o terreno com mais terra, betoná-lo, até, de forma a ficar compactado e forte -, como foi fazendo ao longo da obra, e que ali se não escavou mais, mesmo tendo-se retirado edifício que teria zona de banhos/banheiros, o que permite inferir, pelo menos, que havia canalizações no subsolo do edifício e da sua área envolvente. Disse ter visto a fossa, o buraco oco, aquando da retirada da máquina do local e após ter sido “engolida”.
O depoimento de MM, engenheiro de minas de formação e averiguador de riscos diversos da EMP12..., entidade contratada pela 1.ª Autora para apurar as circunstâncias do evento participado pela 2.ª Autora, mereceu igualmente credibilidade, pela clareza, objectividade e congruência. Referiu ter-se deslocado ao local em dois dias seguintes ao sucedido, ter analisado o terreno através dos documentos que lhe foram facultados (e que consistiam nos estudos prévios do terreno: estudo geotécnico), negou ter-lhe sido facultado o cadastro de infra-estruturas, referiu ter presenciado tubos e água no buraco e local deixado pelas lagartas da máquina e sinais de remoção parcial de edifício, recolhido informação quanto à identificação e competência do manobrador e do procedimento adoptado por este com a maquina no momento do evento (a máquina estava parada, apenas a girar a sua cabine e mastro para fazer outra coluna), ter analisado a máquina e o seu manual, donde extraiu que não existe sapata de estabilização, porque é a própria fisionomia da máquina que lhe confere equilíbrio (lagartas compridas e chassi suficientemente largo; peso sobretudo central, pela cabine/torre.
Ora, se aliarmos estes depoimentos às regras da lógica e da normalidade, caso se primeiro se tivesse dado o desequilíbrio da máquina e sua queda ao solo (versão da Ré), haveria que ter sido visto – e ninguém retratou ou falou disso, designadamente, a prova produzida pela Ré – quantidade de terra empurrada para os lados em consequência do impacto da máquina no solo e para que esta “coubesse” no chão, nomeadamente, as suas lagartas (e - ou cabine) ou, então, quantidade de terra sobre/a cobrir as lagartas da máquina, após esse impacto, buraco e ausência de densidade da terra para ficar no local para onde fosse retirada e afastada… as imagens retratam lagartas “engolidas” pelo solo e sem estarem cobertas por terras, o que é consentâneo com aluimento e depois tombamento do que fica à superfície, por em desequilíbrio. Como disse a testemunha LL, as lagartas estavam em posição como que caídas de precipício, caídas num buraco, tendo virado/capotado depois com o desequilíbrio provocado pela queda em buraco. E como referiu MM, se fosse desequilíbrio por erro do manobrador, seria a parte superior da máquina que ficaria enterrada, por ser a parte mais pesada da máquina e por fazer sobrecarga no solo, ficando as lagartas de lado e não enterradas.
Estes elementos de prova foram corroborados, ainda que de forma parcial e subtil, pelo depoimento de DD, responsável pela segurança de obra na EMP03..., quando se referiu a ter visto as lagartas “espetadas” no solo, ser essencial à EMP03... o conhecimento das características (peso, incluindo) da máquina para preparar a plataforma (mantê-la capaz de aguentar o peso dos equipamentos e pessoas e os trabalhos a executar) e ser do seu conhecimento que os tubos encontrados no subsolo estariam junto ao local dos factos e teriam sido desactivados, ou teriam de ter sido, pela EMP03...; bem como pelo depoimento de EE, engenheiro mecânico de formação e autor da averiguação para a Interveniente EMP04..., que, não obstante a falta de rigor, detalhe e pouca profundidade fez do assunto – analisou fotografias e recolheu informação que o terreno tinha sido remexido -, acabou por admitir que houve abatimento do solo, embora lhe parecesse – sem adiantar explicação concreta, porém - que isso não seria suficiente para levar ao desequilíbrio da máquina e subsequente queda no solo (capotamento).  Por fim e não menos relevante, corroborou tais meios de prova o depoimento de CC, encarregado de obra da EMP03..., ao referir que, a dada altura, deixaram de escavar a plataforma, para não a deixar mais instável, e que após o evento, inspeccionou o local do acidente e detectou tubo de pvc e uma sargeta desactivada, de águas pluviais ou de saneamento, tendo admitido, face ao que viu, que o terreno pudesse ter cedido no local exacto onde as lagartas se enterraram “cerca de 50/60 cms, acha.
Tudo isto foi suficiente e suficientemente lógico e coerente para formar a convicção positiva do tribunal sobre a dinâmica do evento – produção e culpa. Daí a resposta afirmativa a 39 a 43, de 44 a 54 e de 55 a 57 e negativa, por falta de prova objectiva e segura a seu respeito, a A e B”.
Esta Relação acompanha integralmente esta fundamentação, a qual suporta a decisão recorrida de uma forma que quanto a nós não deixa dúvidas.
O aspecto central de toda esta discussão foi o acidente ocorrido com a máquina .... De tal maneira que dessa realidade estritamente factual emergiram (no sentido de terem sido construídas), duas explicações para a máquina ter tombado como tombou: uma, a apresentada pelas autoras, e a outra a apresentada pela ré. Como é bom de perceber, assim que o Tribunal formou a sua convicção sobre o acidente, ou seja, sobre o que fez a máquina tombar, imediatamente que todos os elementos da tese vencedora ficaram quase provados, e os da tese vencida ficaram afastados (e daí os factos não provados, que são o oposto do que ficou provado).
Ora, da prova produzida, nem o Tribunal recorrido nem esta Relação tiveram dúvidas em aceitar o que fez cair a máquina. Isto porque um evento naturalístico daquela magnitude teve, felizmente, uma testemunha que assistiu ao mesmo e relatou o que viu ao Tribunal. Referimo-nos à testemunha HH, funcionário da EMP02... (encarregado da obra). Esta testemunha demonstrou conhecimento directo dos factos sobre que falou, mereceu total credibilidade, e não foi contraditada por ninguém. E o que ela explicou foi que, numa breve síntese, a máquina estava a trabalhar normalmente, e afundou-se de repente. O manobrador da máquina era o KK, que era o manobrador oficial dessa máquina, tendo executado cerca de 70% da obra, e já com cerca de 6 meses de experiência a manobrá-la. Afastou completamente a tese de a máquina se ter desequilibrado. Disse que tinham acabado de fazer uma coluna quando a máquina afundou de repente ! Tinham feito uma inspecção visual, e aparentemente o pavimento do terreno parecia normal. Mas depois do acidente, ao observar melhor, o terreno era frouxo, húmido, e tinha muita tubaria abandonada. Melhor dizendo, havia canalização enterrada no local do acidente. Eram canos antigos destinados a água.
Este depoimento testemunhal mereceu total credibilidade e foi incontroverso. E permitiu ao Tribunal saber por que razão a máquina tombou. Ainda esclareceu que o cilindro da máquina é para estabilizar o mastro. Só é utilizado para fazer as colunas e nunca para a movimentação da máquina, não é um estabilizador da máquina.
Toda a discussão sobre cilindros da máquina, estabilizadores, lagartas alinhadas, etc, deixou de fazer sentido.
Disse ainda a testemunha que havia canalização enterrada no local do acidente, que eram canos antigos destinados a água. E que no avançar dos trabalhos a EMP03... ia à frente deles a retirar os elementos antigos e a fazer a plataforma. Os referidos tubos estavam por baixo da superfície, não se viam a olho nu. E, como a sentença explica, há várias fotografias juntas aos autos que confirmam isto mesmo.

Finalmente, afirma a recorrente que o Tribunal a quo errou ainda ao não dar por provado o facto de que “A EMP03... transmitiu todos os elementos cadastrais relevantes à EMP02..., incluindo a planta cadastral de infra-estruturas”, o qual se encontra plenamente provado por documento não impugnado, foi alegado e é essencial à decisão da causa.
Na contestação vem efectivamente alegado que foram ainda disponibilizados pelo Dono da Obra os cadastros relevantes, tendo todos os referidos elementos sido transmitidos pela EMP03... à EMP02... (arts. 40º e 41º).
Em resposta, as recorridas referem nas suas contra-alegações que “também o argumento de não ter sido dado como provado que a 2ª Apelada teve acesso à planta cadastral e a essencialidade deste facto para a decisão do pleito, mais não é do que uma manobra de diversão, como bem faz reflectir o douto Tribunal quando afirma que se este elemento tinha relevância era para a actividade da Apelante, que tinha contratualmente a obrigação de retirar do subsolo todos os obstáculos que ali se encontrassem, ou se não fosse possível retirá-los, desviá-los do local onde seriam colocadas as estacas”.
Ora, também aqui pensamos que não assiste razão à recorrente.
O Tribunal deu como provado em 28 que “de acordo com o contratado, havia um Caderno de Encargos patenteado pela EMP06... que integrava, no que releva, um estudo geotécnico relativo às características do terreno da obra, e os cadastros relevantes, o que foi fornecido à Ré EMP03...”.
E este é o facto relevante, o qual não foi impugnado pela recorrente. A insistência da recorrente em dizer que todos esses referidos elementos foram transmitidos por si à EMP02..., salvo o devido respeito, é irrelevante para o destino da acção, como o Tribunal recorrido bem explicou na sentença, e como veremos infra.

Concluindo, a pretensão da recorrente de ver inseridas na matéria de facto provada as alterações mencionadas supra não merece provimento, não só porque a decisão está manifestamente correcta, bem fundamentada e assente numa análise global e crítica de toda a prova produzida, como porque a argumentação da recorrente é meramente parcelar e selectiva, escolhendo e trazendo ao palco os depoimentos e segmentos que lhe interessam, mantendo ocultos os restantes.
Assim, concluímos que a pretensão da recorrente de ver alterada a matéria de facto provada e não provada por o subjacente julgamento estar errado improcede integralmente.

Aplicação do Direito
Afirma a recorrente que o Tribunal a quo errou também no que diz respeito à aplicação do direito, na medida em que – independentemente de tudo o que se expôs a propósito da decisão quanto matéria de facto – não se verificou uma violação, por parte da EMP03..., do contrato por esta celebrado com a EMP02..., designadamente, da obrigação de “preparação da plataforma”, em cujo incumprimento assentou o caso trazido a este processo pelas Autoras, não tendo, igualmente, ficado demonstrada a verificação dos requisitos da culpa e do nexo de causalidade, de que dependia a condenação da EMP03....
Ora, como já vimos, a matéria de facto foi, no entendimento desta Relação, correctamente julgada, pelo que resta ver se mesmo com os mesmos exactos factos a solução deveria ser outra.
A recorrente, com base nos factos provados, pretende que não se mostra demonstrada nem a ilicitude, nem a culpa, nem o nexo de causalidade. Basicamente, afirma que a sentença errou completamente o tiro, apesar de ter a munição certa (os factos).
Vamos desde já dizer que em nosso entender não é assim. A aplicação do direito aos factos provados está correcta. E cada vez mais tendemos a considerar que quando a decisão recorrida está correcta e bem fundamentada, a Relação não precisa de procurar explicações alternativas para chegar ao mesmo resultado.
Apesar disso, vejamos, de uma forma resumida, a parte essencial dos factos provados, na qual o Tribunal recorrido fez assentar a procedência da acção e a recorrente quer fazer assentar a sua absolvição.
A EMP02... é uma empresa que opera no sector da construção, no campo da engenharia geotécnica, especializada principalmente no campo das fundações especiais, embora actue também em diferentes sectores, designadamente, melhoramento de terrenos. A Ré, EMP03..., SA. (EMP03...), dedica-se, entre outras, a obras especializadas de construção civil, demolição e terraplanagens, perfuração e sondagens.
Em 9.1.2019, a “EMP06..., SA” (EMP06...) adjudicou à Ré a ampliação e modernização do terminal de contentores e edifícios do porto .... De acordo com o contratado, havia um Caderno de Encargos patenteado pela EMP06... que integrava, no que releva, um estudo geotécnico relativo às características do terreno da obra, e os cadastros relevantes, o que foi fornecido à Ré EMP03....
Em 12.03.2019, a EMP03... celebrou com a EMP02... um negócio que tinha por objecto a execução dos trabalhos de consolidação e estabilização de solos, mediante a execução de estacas em betão não armado. Visava essa obra consolidar o terreno do Terminal, solo arenoso e argiloso de baixa consistência/coerência, para obter uma maior capacidade de carga à superfície e poder armazenar mais contentores em altura.
A EMP02... foi a autora do projecto de estabilização dos solos implementado na execução dos trabalhos, o que foi aceite pelo Dono da Obra, projecto esse que consistia na execução (pela EMP02...) de estacas de betão não armado chamado sistema Geopier Geo-Concrete Columns e na execução (pela EMP03...) de uma estrutura de pavimento.
De acordo com o contratualizado com a EMP02..., no que releva, cabia à EMP03..., entre outras obrigações, executar os trabalhos relativos à preparação e manutenção dos acessos e das plataformas de trabalho, que devem ser acessíveis para o trânsito e o desenvolvimento dos trabalhos pelas equipas de rastos e camiões de rodas para o fornecimento de betão, em caso de chuva (cláusula 1.2. segunda parte); e também a retirada de edificações e instalações preexistentes no Terminal de Contentores e preparação de uma plataforma de trabalho segura, com a «eliminação de todos os obstáculos subterrâneos, na superfície ou no ar, e o desvio ou reconsideração exacta, quando tal não for possível, de todos os serviços públicos, tais como linhas eléctricas, esgotos ou qualquer outro obstáculo que afecte o trabalho a realizar (…)» (cláusula 11.2.2.); e ainda, executar os enchimentos e achatamentos necessários para criar um plano de trabalho horizontal e estável, livre de obstáculos e passível de passagem para os meios normais de trabalho, mesmo no caso de chuvas. A plataforma de trabalho deve estar pelo menos 1,5m acima da altura máxima do lençol freático.» (cláusula 11.2.3); e ainda cabia à EMP03... executar o reperfilamento, nivelamento, compactação, remoção ou contribuição de material para que a plataforma seja horizontal e estável, livre de obstáculos (cláusula 11.2.4 2.ª parte);
Por sua vez, de acordo com o contratualizado, cabia à EMP02..., em síntese, conhecer perfeitamente o local onde irá desenvolver-se a subempreitada, bem como os encargos e riscos inerentes à natureza dos trabalhos e todas as circunstâncias que possam influenciar o normal andamento dos trabalhos e respectivo custo; executar os trabalhos em conformidade com as especificações do presente contrato e de acordo com as instruções que receber da EMP03...” (cláusula 1.2. primeira parte); ser «único responsável, incluindo perante a EMP03..., por todos os riscos, acidentes, perdas ou danos acontecidos nos trabalhos objecto desta Subempreitada, devido a execução negligente que resulte directa e exclusivamente imputável à EMP02..., ou por eles causados à obra em geral, quer durante a sua execução, quer durante o período da garantia, em consequência da execução ou da acção dos seus agentes, operários ou demais servidores ao seu serviço, do deficiente comportamento ou da falta de segurança das obras atribuível à EMP02..., materiais, elementos de construção ou equipamentos auxiliares, directamente relacionados com os trabalhos da Subempreitada ou sob seu controlo.» (cláusula 12.4); restituir a plataforma de trabalho à EMP03... para seu reperfilamento, nivelamento, compactação, remoção, … sempre que a plataforma de trabalho sofresse alguma variação de nível (cláusula 11.2.4 1.ª parte).
Logo aqui já está claro que a EMP02... assumiu a obrigação de executar os trabalhos de consolidação e estabilização de solos, mediante a execução de estacas em betão não armado, a fim de consolidar o terreno do EMP06..., o qual era solo arenoso e argiloso de baixa consistência/coerência, para obter uma maior capacidade de carga à superfície e poder armazenar mais contentores em altura.
Esta foi a obrigação contratual assumida pela EMP02....
Para ela poder executar devidamente e em segurança os seus trabalhos, recaía sobre a EMP03... a obrigação de retirar edificações e instalações preexistentes no Terminal de Contentores e preparar uma plataforma de trabalho segura, com a «eliminação de todos os obstáculos subterrâneos, na superfície ou no ar, e o desvio ou reconsideração exacta, quando tal não for possível, de todos os serviços públicos, tais como linhas eléctricas, esgotos ou qualquer outro obstáculo que afecte o trabalho a realizar (…)» (cláusula 11.2.2.); e ainda, executar os enchimentos e achatamentos necessários para criar um plano de trabalho horizontal e estável, livre de obstáculos e passível de passagem para os meios normais de trabalho, mesmo no caso de chuvas. A plataforma de trabalho deve estar pelo menos 1,5m acima da altura máxima do lençol freático.» (cláusula 11.2.3); e ainda cabia à EMP03... executar o reperfilamento, nivelamento, compactação, remoção ou contribuição de material para que a plataforma seja horizontal e estável, livre de obstáculos (cláusula 11.2.4 2.ª parte).
Dizendo de maneira mais simples e directa, cabia à EMP03... garantir que a plataforma na qual a EMP02... iria trabalhar com as suas máquinas era estável e segura, de forma que não acontecessem acidentes como aquele que veio a acontecer, e de forma a permitir que esta desempenhasse a sua função de implementar no subsolo estacas de betão.
Acresce ainda que a EMP03... era conhecedora prévia das condições de trabalho da máquina de bate-estacas e perfuração da marca ..., modelo ... e das necessidades da mesma – pesos e métodos de trabalho – para preparar a plataforma para a EMP02... trabalhar nela.
Agora que estão claras as obrigações de cada uma das partes neste contrato, sabemos que no dia 25.2.2020, a máquina de perfuração ... estava a executar os seus trabalhos na plataforma, o manobrador accionou a remoção do tubo de betão do pilar nº 2923 e rodou a superestrutura da máquina para posicionar o tubo sobre o buraco no nº 2877, imobilizou-a e colocou-a em posição de executar o trabalho em tal coluna, quando nesse momento, inesperadamente, o terreno em que assentava a parte da frente da “lagarta” esquerda abateu, causando o desequilíbrio da máquina, levando a que as lagartas se cravassem no terreno e ao consequente capotamento lateral da máquina.
Mais se apurou que no subsolo do local onde o evento ocorreu, existia um tubo (instalação) de pvc sanitário e dois tubos (instalação) de plástico (electricidade), e a área envolvente ao solo onde se deu o evento fora mexida, no passado, para colocação das ditas instalações. Mais ainda, o subsolo onde ocorreu o acidente estava com água, e nesse local existia uma cavidade/buraco. E ainda se apurou que antes da execução da obra de que estamos a tratar a área do solo onde se deu o evento estava pavimentada, e que durante a execução da obra supra id., o pavimento foi retirado pela EMP03.... E, naturalmente, a existência da cavidade e de água no subsolo levaram a que a terra (arenosa e argilosa), que estava sob a pressão da máquina referida se movimentasse e abatesse.
A EMP02... não tinha hipótese de saber disso tudo, porque na documentação e estudos que foram disponibilizados não estava detectável a existência de elementos antigos de construção - instalações de condutas, de esgoto ou eléctricas – ou de cavidades no solo a intervencionar e na sua área envolvente.
Aqui chegados, já temos a informação necessária para afirmar que a sentença recorrida está inteiramente correcta na subsunção jurídica que fez desta factualidade.
Vamos começar por citar, com total concordância, algumas das afirmações constantes das conclusões das Apeladas (30ª, 36ª e 37ª): “ainda que a Apelante na concretização desta obrigação contratual afirme que a preparação da plataforma a seu cargo consistia apenas na “limpeza/remoção da camada superficial de pavimento (cubos de granito), remoção de obstáculos e regularização da plataforma , assegurando que esta se encontrava plana para a máquina e funcionários da EMP02... poderem entrar no local”, uma leitura mais atenta das cláusulas contratuais logo revela que não era assim, já que a plataforma tinha efectivamente de estar regularizada para a 2ª Apelada entrar em obra com os seus equipamentos e pessoas, mas mais importante do que isso é que a plataforma tinha de ser estável ou segura para que tal pudesse ocorrer. (…) A Apelante convoca para a análise desta questão um conjunto de argumentos tendentes a anular, ou quase anular, a obrigação de preparação de uma plataforma de trabalho segura que contratualmente assumiu, tentado transferir a responsabilidade pela sua correcta execução para a 2ª Apelada ou, pelo menos mitigá-la, através de uma co-responsabilização, criando a ideia de que esta seria a detentora única e exclusiva de conhecimentos específicos para avaliar da correcta execução da plataforma, e tentando transferir para a esfera própria do contrato o risco pelo evento ocorrido, como se as condições de segurança que deveriam ter sido por si reunidas estivessem cumpridas. A única contratante que tinha obrigação de preparar a plataforma de trabalho era a Apelante”.
Não iremos perder tempo com as qualificações dos contratos celebrados entre as partes, por ser matéria pacífica, remetendo para a sentença recorrida.
Estamos diante de uma causa onde se quer efectivar a responsabilidade civil contratual, ou seja, o ressarcimento dos danos causados a um dos contraentes pelo incumprimento do outro. Como se diz na sentença recorrida, está em causa a violação de direitos de crédito ou de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também deveres secundários ou acessórios.

Vamos então directamente aos pontos que a recorrente impugnou:

1. Que não se verificou uma violação, por parte da EMP03..., do contrato por esta celebrado com a EMP02..., designadamente, da obrigação de “preparação da plataforma”, nem ficou demonstrada a culpa da ré nessa violação.
Em traços gerais, podemos dizer que o incumprimento contratual pode assumir três feições: a) a não realização definitiva da prestação; b) a mora ou retardamento do cumprimento; c) e o cumprimento defeituoso.
Como vimos, entre as obrigações da EMP03... estavam as de fornecer à EMP02... o relatório geotécnico, desenhos do projecto, memória do projecto e plano de trabalhos,  retirar edificações e instalações preexistentes no Terminal de Contentores e preparar uma plataforma de trabalho segura, com a «eliminação de todos os obstáculos subterrâneos, na superfície ou no ar, e o desvio ou reconsideração exacta, quando tal não for possível, de todos os serviços públicos, tais como linhas eléctricas, esgotos ou qualquer outro obstáculo que afecte o trabalho a realizar, executar «enchimentos e achatamentos necessários para criar um plano de trabalho horizontal e estável, livre de obstáculos e passível de passagem para os meios normais de trabalho, mesmo no caso de chuvas. A plataforma de trabalho deve estar pelo menos 1,5m acima da altura máxima do lençol freático.
Assim, por mais que se tente negar, é óbvio o que se afirma na sentença: por força do contrato, era a EMP03... a responsável pela disponibilização dos estudos geotécnicos e pela verificação do estado do subsolo, para um correcto planeamento dos trabalhos e preparação prévia do local de trabalho da EMP02....
Não se tente esgrimir com o ponto 33 (ser obrigação da 2.ª Autora «Conhecer, como declarou conhecer, antes ainda da realização dos trabalhos, “perfeitamente o local onde irá desenvolver-se a subempreitada, bem como os encargos e riscos inerentes à natureza dos trabalhos e todas as circunstâncias que possam influenciar o normal andamento dos trabalhos e respectivo custo», pois esse conhecimento estava dependente, como resulta do mesmo texto, da «informação fornecida pela EMP03...: Relatório Geotécnico, desenhos de projecto, memoria de projecto e Plano de Trabalhos”; e ainda ser obrigação da 2.ª Autora solicitar à EMP03... «o esclarecimento de quaisquer dúvidas relativas à obra objecto do contrato e a todos os documentos referidos no ponto 5.1 ou que respeitem à obra subempreitada, bem como se obriga a comunicar quaisquer erros, omissões, contradições ou quaisquer outos vícios ou incorrecções que neles detecte (…)» (cláusula 5.1.1.); e ainda, obrigação da 2.ª Autora «restituir a plataforma de trabalho à EMP03... para seu reperfilamento, nivelamento, compactação, remoção, … sempre que a plataforma de trabalho sofresse alguma variação de nível (cláusula 11.2.4 1.ª parte).
Nada disto foi incumprido pela EMP02.... Os problemas que se verificavam com o terreno no local do acidente eram ao nível do subsolo, e não só não eram perceptíveis à vista desarmada, como não estavam detectáveis nos documentos que a EMP03... disponibilizou à EMP02... (ponto 52 dos factos provados).
A tentativa da recorrente de atribuir o acidente a uma actuação do funcionário da EMP02... foi totalmente afastada pela prova e não foi contaminar os factos provados.
Nenhum incumprimento contratual ocorreu por parte da EMP02....
Quem manifestamente incumpriu o contrato foi a EMP03..., que tinha a obrigação de preparar a plataforma de trabalho e deixá-la segura, e tanto não o fez que o terreno afundou e a máquina da EMP02... desequilibrou-se e tombou. Parece-nos ser claro que estamos perante um cumprimento defeituoso da prestação.
Tudo isto está explicado na sentença recorrida.
Acrescentamos ainda que a alegação da recorrente de que a obrigação de “preparação da plataforma”, tal como se encontra definida no contrato, constituía, não uma obrigação de resultado, mas uma obrigação de meios, salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido. Essa dicotomia aplica-se a obrigações em que o contraente, por mais omnipotente e omisciente que seja, não pode garantir o resultado, por este estar dependente de outros factores que lhe escapam em absoluto. Um bom exemplo de uma obrigação de meios é o do contrato de mandato forense, em que entre as obrigações do Advogado não está a de ganhar a causa, mas apenas a de defender os interesses do mandante diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide. Não é exigível ao mandatário que vença a lide, porque isso implicaria que este tivesse controlo absoluto sobre vários factores que lhe escapam em definitivo: que tivesse controlo absoluto sobre os factos que o seu cliente lhe relata, sobre a relação entre esses factos e a realidade empírica, sobre os meios de prova que vai apresentar, sobre o que a parte contrária está a fazer nos autos, sobre a legislação aplicável ao caso, e sobre o entendimento ou interpretação que dessa legislação irá fazer o Juiz do processo. Como se vê, total impossibilidade de garantir o resultado pretendido.
Se olharmos agora para o caso dos autos, o que nós vemos é o oposto. A EMP03... tinha ao seu dispor a informação toda que estava disponível quanto à plataforma onde os trabalhos da EMP02... iriam decorrer, tinha acesso total à dita plataforma, podia lá ir as vezes que quisesse durante o tempo que quisesse, e portanto, exercendo a diligência e os cuidados a que estava obrigada, controlava todas as condições necessárias para garantir o resultado pretendido, uma plataforma estável, por muito trabalho que isso lhe desse. A única variável que não controlava era a de ocorrer um sismo ou um evento meteorológico extremo, mas isso está fora do objecto deste processo.
A obrigação da ré EMP03... era, sem tirar nem pôr, uma obrigação de resultado.
Continuando.
A EMP03..., onerada com uma presunção de culpa no incumprimento (art. 799º,1 e 342º,2 CC), não conseguiu ilidi-la. Tudo como também está devidamente explicado na sentença recorrida. Veja-se que a certa altura a sentença refere que o estado degradado do terreno não pode servir de desculpa para a ré tentar alijar a presunção de culpa. Não só porque era esse estado do terreno a razão de ser da existência deste contrato, para o tornar sólido e resistente, como porque esse estado era conhecido de ambas as partes, desde o início das negociações, pelo que, estando a Ré obrigada a preparar e manter uma plataforma de trabalho segura, cabia-lhe contar com tais características do terreno, prever a natural movimentação de terras e evitá-la, mais a mais, sendo conhecedora do peso da máquina que sobre ele iria estar.
Igualmente damos aqui por reproduzida a argumentação certeira da sentença quanto à alegada falta de comunicação do Dono da Obra das infra-estruturas existentes no solo, não sendo preciso repetir aqui a mesma.
Está assim correcta a sentença, ao atribuir à EMP03... o incumprimento contratual, ilícito e culposo.
De notar que a recorrente afirma ainda que o Tribunal a quo errou ao desconsiderar que a máquina escolhida pela EMP02... para a realização dos trabalhos era inadequada às concretas circunstâncias em que se realizaram os trabalhos.
Ora, como nota a EMP02... nas suas contra-alegações, esta questão da adequação da máquina aos trabalhos contratados é uma questão nova, que não foi suscitada na contestação da EMP03....
E com efeito, assim é.
A ora recorrente, ao longo de toda a sua contestação, nunca suscitou esta questão da máquina usada pela EMP02... não ser adequada aos trabalhos contratados. E como tal, ela não foi discutida durante toda a tramitação dos autos na primeira instância, e, consequentemente, não foi tratada pela sentença recorrida.
Ora, os recursos não servem para suscitar questões novas. Sendo assim, como indubitavelmente é, esta Relação não poderá conhecer da mesma, porque se trata de questão nova, que não foi apreciada pela primeira instância. É questão que não faz parte do objecto do processo: não foi suscitada por nenhuma das partes, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida. É uma nova questão que a recorrente se lembrou de trazer agora em sede de recurso. Ora, por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido. Só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido. Escreve a propósito Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, fls. 109): “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas”.
A única excepção a esta regra, como bem se compreende, são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes. Não é manifestamente o caso.
Assim, não se conhece desta parte do recurso.

2. Que não ficou demonstrada a existência do nexo de causalidade.

Vislumbramos aqui um duplo nexo de causalidade: entre a preparação defeituosa ou incompleta do terreno e o acidente com a máquina, e entre o acidente e os danos a esta causados.
É difícil encontrar coisa mais óbvia que esse nexo. O terreno, que não tinha sido devidamente preparado pela ré EMP03... para aguentar o peso daquela máquina em cima cedeu, o que fez com que a máquina se enterrasse, perdesse sustentação e tombasse. O montante necessário para reparar essa máquina, acrescido da realização de transportes e de aluguer de equipamentos, ficou em € 362.357,47.
Está assim totalmente demonstrada a existência do nexo causal entre a não preparação adequada do terreno para que a EMP02... nele pudesse trabalhar e a queda da máquina. Como se afirma na sentença, “tivesse a Ré preparado convenientemente a plataforma, analisando o subsolo, removendo infra-estruturas e águas e enchendo/compactando cavidades existentes, a mesma estaria como nas demais zonas de trabalho: suficientemente forte e densa para suportar o peso da máquina ... da 2.ª Autora”.
Improcedem assim estas pretensões da Apelante.

Finalmente, a última questão que a Apelante coloca é a de saber se a sua responsabilidade contratual de reparação dos danos causados à EMP02... deve transitar para a EMP04..., nos termos do contrato de seguro celebrado com esta entidade.
Como vimos, a Interveniente EMP04..., em sede de contestação invocou que os valores reclamados pelas Autoras se encontram excluídos da cobertura do contrato de seguro de responsabilidade civil que celebrara com a Ré sob a apólice n.º ...72 e peticionou, em consequência, a respectiva absolvição do pedido (cf. artigos 29.º a 38.º da respectiva Contestação). Ainda alegou que os danos estão expressamente excluídos da cobertura.
Vejamos. Entre a Ré EMP03... e a Interveniente EMP04... foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil associado à exploração da actividade de “Construção Civil e Obra Publicas” encontrando-se cobertos pelo seguro os riscos associados à actividade de “Construção Civil e Obras Públicas”, incluindo-se em tal actividade a realização de danos derivados de “Trabalhos de Escavação” (artigo 2.1.1. das Condições Particulares) e danos derivados de “Laboração de máquinas, incluindo gruas” (artigo 2.1.3. das Condições Particulares, dadas como provadas de 7 a 12.
Uma das principais e mais relevantes características dos contratos de seguro são as cláusulas de exclusão, ou seja, aquelas que excluem do âmbito da cobertura contratual determinados tipos de danos em concreto que, não fora essa expressa exclusão, estariam abrangidos na cláusula geral de cobertura do risco.
Neste caso está provado que ficaram ajustadas as seguintes exclusões (com relevo para o caso presente): art.º 8.º «bb) os danos causados às obras ou instalações, máquinas e equipamentos objecto dos trabalhos»; «cc) danos causados a máquinas, veículos ou materiais que se encontrem em poder do Segurado para uso próprio» e «kk) danos causados por inadequação ou falta de meios de segurança e de escoramento para evitar descompressões de terrenos».
A sentença recorrida analisa assim a questão: “as AA reclamam o ressarcimento por prejuízos sofridos numa máquina que pertence à 2.ª Autora e que esta estava a usar no porto ..., na concreta actividade de perfuração que desenvolvia e para a qual fora contratada. Logo, não é nenhum dano derivado de trabalhos de escavação, pelo que não se aplica a condição particular 2.1.1. Quanto à condição particular 2.1.3, tal como defende a Ré, não se trata de nenhuma máquina “objecto dos trabalhos” em curso, tão pouco uma máquina que estivesse no uso próprio da Ré, segurada. Não é, portanto, de aplicar tais exclusões ao caso concreto. Já, porém, será de ser aplicável a exclusão prevista na al. kk), na medida em que ficou provado que os danos na máquina da 2.ª Autora foram causados pela falta de meios de segurança e de escoramento para evitar a descompressão do terreno devido à carga exercida pela presença (peso) da máquina. Deste modo, não pode a Interveniente ser por esta condição particular responsabilizada”.
A recorrente não aceita que seja aplicável a exclusão prevista na alínea kk) do artigo 8.º das Condições Particulares (prevista, ipsis verbis, no artigo 2.º, alínea n) da Condição Especial 41), segundo a qual estariam excluídos do âmbito da apólice os “danos causados por inadequação ou falta de meios de segurança e de escoramento para evitar descompressões de terrenos”. E isto porque, em seu entender, tal exclusão só seria de se aplicar caso a falta de meios de segurança fosse imputável à EMP03... – o que, para além de não suceder in casu, como vimos, também não resulta da matéria de facto dada como provada na Sentença Recorrida qualquer falta da adopção de medidas de segurança da EMP03....
Porém, como vimos supra, o acidente ocorreu mesmo por inadequação ou falta de meios de escoramento para evitar descompressões do terreno. Repetindo-nos, foi o cumprimento defeituoso dessa obrigação de garantir a tal plataforma de trabalho segura por parte da EMP03... que originou a descompressão do terreno, ergo a queda da máquina da EMP02.... Donde, não podemos dar razão à recorrente.

Continuando a seguir a sentença:

“Poderá a Interveniente ser responsabilizada pela condição especial 41? (…) Ainda que assim não se entendesse, sempre tal cobertura ficaria afastada pela exclusão 2 al. b), pois não se trata de máquina que estivesse em poder da Ré e para uso desta, e pela exclusão 2 al. f) da mesma condição especial: «danos causados aos subempreiteiros.»”.
Pretende a recorrente que ao contrário do entendimento vertido na Sentença Recorrida, quando se estabelece na alínea f), 2.1., do artigo 2.º, da Condição Especial 41, que estão excluídos os “danos causados aos sub-empreiteiros”, é evidente que a referida alínea se reporta a danos provocados por terceiros aos subempreiteiros contratados pela EMP03..., o que não é, manifestamente, o caso.
Não sabemos onde a recorrente foi buscar esta restrição à exclusão, que mais parece uma outra cláusula de exclusão.
A chamada “Condição Especial 41 apenas garante a responsabilidade civil extracontratual da Ré e de acordo com os termos ali definidos. Só isto significa que tal cobertura nunca seria aplicada ao caso dos autos, que é um caso de responsabilidade contratual.
Mas mesmo que assim não fosse, vejamos o seguinte: o ponto 1 prevê o Objecto, Âmbito e Garantia do contrato, e aí prevê-se que “nos termos desta condição especial e em harmonia com as Condições Gerais do contrato, a EMP13... garante a responsabilidade civil extra-contratual do tomador do seguro inerente à actividade especificada na proposta”, e depois seguem-se os vários cenários de cobertura.
E no ponto 2 estão previstas as exclusões. Assim é que, além das exclusões referidas nas Condições Gerais do contrato, ficam também excluídos os danos causados aos sub-empreiteiros[3] (alínea f).
E quer-nos parecer que a ideia de prever uma cláusula de exclusão dos danos provocados por terceiros aos subempreiteiros contratados pela EMP03... não faz muito sentido, pois isso significaria que ab initio, tais danos deveriam estar cobertos pelo seguro, para ser compreensível a necessidade de incluir uma cláusula específica a excluí-los. E não vemos como é que terceiros, ou seja, qualquer outra pessoa que não a EMP04... e a EMP03..., poderiam, e em que circunstâncias, beneficiar da cobertura proporcionada pelo contrato de seguro celebrado entre a EMP04... e a EMP03.... Dito de outra forma, porque é que a EMP03... haveria de se preocupar em pagar um seguro para proporcionar a terceiros a tranquilidade de saber que se causarem danos aos sub-empreiteiros daquela, a sua responsabilidade (dos terceiros) será assumida pela Seguradora ?
Salvo o devido respeito, não parece fazer muito sentido.
Assim, também esta última parte do recurso não merece provimento.
O recurso improcede na totalidade.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC)

Data: 21.11.2024

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Eva Almeida)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)


[1] Que, apesar de tudo, não são impeditivas de uma reapreciação total da prova com vista à formação da convicção do Juíz da Relação.
[2] Conselheiro Abrantes Geraldes, ob cit, fls. 286.
[3] Realce nosso