EXCEÇÃO DILATÓRIA DO CASO JULGADO
ELEMENTOS IDENTIFICADORES
Sumário


I. “A excepção dilatória do caso julgado, reflectindo a função negativa do caso julgado, pressupõe a verificação cumulativa da tríplice identidade de sujeitos, pedidos e causas de pedir, nos termos do art.º 581.º do CPC”.
II. “Os limites do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença”- M. Andrade, Noções, fls.285.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

AA e outros, Autores nos autos de acção declarativa, com processo comum, em curso, em que são Réus, BB e esposa, CC, notificados do despacho saneador-sentença proferido que absolveu os Réus da instância por verificação de excepção dilatória de caso julgado, de tal decisão vieram interpor recurso de apelação.
O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes Conclusões:

a) Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls., que julgou procedente a excepção de caso julgado deduzida pelos RR. e absolveu-os da instância.
b) Essa decisão não está correcta, padecendo de contradição com a fundamentação usada para a sua prolação, ainda, de manifesto erro de julgamento, bem como padece de errada aplicação do direito;
c) Na sentença, o Meritíssimo Juiz “a quo” fez uma apreciação do caso julgado na sua vertente material ou da autoridade do caso julgado, decidindo pela absolvição dos RR. da instância;
d) Porém, a apreciação e fundamentação pelo caso julgado material não conduz, a esta situação jurídica, mas antes se fosse o caso (que não é) da sua verificação, importaria a absolvição do pedido;
e) Daí que é notório que a fundamentação inserta na sentença ante a decisão proferida é equivoca e contraditória, estando ferida de nulidade;
f) Com efeito, o Tribunal “a quo” fez uma errada apreciação da matéria em discussão nos autos, pois ante a causa de pedir e o pedido formulado pelos AA., não pode afirmar-se a existência de caso julgado e, em consequência, impedir o prosseguimento dos autos;
g) Ademais, existe erro de julgamento da factualidade alegada e do pedido, formulados na presente acção em contraponto com a factualidade e pedido na acção com o nº 699/16.....
h) Contrariamente ao decidido, não há caso julgado porque o pedido formulado na presente acção tem por fundamento a prática de actos - destruição do muro e ocupação do caminho, pelos RR., em data posterior à sentença da acção anterior (699/16....);
i) Decorre da factualidade expressa na petição inicial, que os factos ilícitos foram perpetrados pelos RR. em 23 de Maio de 2023, no caso, os réus, a partir do seu prédio rústico, com o uso de uma máquina retroescavadora, decidiram demolir e demoliram o muro de divisão que ali se encontra edificado, tendo feito escavações e retirado as pedras numa extensão de 8,5 metros; Iniciaram e procederam à demolição do muro, na parte da entrada do prédio dos autores, junto à estrada, tendo removido as pedras que eram parte integrante do muro, em cerca de 8,5 metros de comprimento, no sentido sul – norte; Transportaram para o local, pedras de grande porte, colocando-as a ocupar parte do caminho referido supra e que permite o acesso ao prédio dos autores; Essa actuação dos réus, tem como propósito, naquela parte, a apropriação da área ocupada pelo muro, que pertence aos autores, pondo ainda em causa o caminho que por estes é utilizado diariamente, diminuindo a largura do seu leito; Os autores não autorizaram nem autorizam a intervenção dos réus, na demolição do muro de divisão que ali está como sempre esteve edificado; Os réus demoliram o muro na extensão de 8,50 metros, com 0,90 metros de largura e cerca de 1,00 metros de altura, de forma abusiva, removendo e apropriando-se de todas as pedras que o integravam, mesmo sabendo que aquelas pedras não são sua pertença exclusiva e com a sua conduta prejudicavam a parte das pedras pertencente aos autores; Os réus ao terem demolido e removido as pedras que integravam o muro, junto à entrada do prédio, numa extensão de cerca de 8,5 metros e 0,90 metros de largura, inequivocamente pretendiam e pretendem ocupar aquela área de terreno, apropriando-se de terreno que não lhes pertence e também por essa via, passarem a dispor de uma entrada de maior dimensão, para o seu prédio, à custa do dito prédio dos AA. e das ditas heranças; Ao terem removido as pedras, deixaram de respeitar o limite da sua propriedade e atentaram contra a propriedade dos autores relativamente ao muro que é meeiro e ainda daquele seu prédio rústico, melhor identificado supra sob o artigo 7º al. a); Pelo que, pretendem os AA. que os RR. restituam o muro à situação anterior, reconstruindo-o no exacto local e com a mesma configuração;
j) Sendo, por isso, inegável que se tratam de factos ocorridos após a sentença proferida naquela outra acção e que atentam contra o direito dos AA., enquanto meeiros do dito muro e donos do caminho que integra o seu prédio;
k) Pelo que, é legitimo que os AA. reivindiquem o seu direito e peçam a reintegração da situação, como seja a declaração e reconhecimento que o muro identificado sob os artigos 22º e 23º é meeiro, e serve de divisão dos prédios identificados sob a alínea a) do artigo 7.º propriedade das ditas heranças e dos AA. e sob a alínea a) do artigo 20.º dos RR., respectivamente; que os Réus sejam condenados a reconstruir o muro, restituindo-o ao seu estado anterior, divisório dos dois prédios (respeitando as características e áreas originais), como referido sob os artigos 33º e 37º da p.i; que sejam os Réus condenados desocupar o leito do caminho identificado sob os artigos 24º e seguintes da p.i.;
l) Na verdade, trata-se de factualidade nova e pedidos distintos da acção anterior;
m) Como resulta da p.i., quanto ao muro em apreço, o pedido que é feito, é a condenação na sua reconstrução e que foi demolido em 23 de Maio de 2023, ou seja, já depois da sentença proferida nos autos com o nº 699/16...., bem como a desocupar o leito do caminho, o que ocorreu na na mesma data, sendo que, tal pedido, nem sequer foi feito ou era objecto daquela outra acção;
n) Mais resulta que, na presente acção é formulado um pedido novo, quando comparada a situação com a acção anterior, no caso, é alegado e peticionado que o muro é de divisão dos prédios de AA. e RR.. Na verdade, este novo pedido, não encontra eco na acção anterior, impondo-se a sua apreciação quanto ao fim e ou funcionalidade do muro e o respeito que é devido quanto ao mesmo e que os RR. com a sua acção puseram em causa;
o) Aliás, se atentarmos e analisarmos os pedidos formulados na presente acção, teremos que convir que, o pedido formulado pelos AA. sob a alínea b) do petitório é diferente de qualquer outro formulado na acção anterior e tem uma componente extra, no caso, como agora se alega, serve de divisão entre os prédios de AA. e RR.;
p) O pedido formulado sob a al. c) do petitório, embora seja similar com o da acção anterior, é baseado na prática de actos – destruição, praticados pelos RR. em data posterior à sentença;
q) O pedido formulado sob a aliena d), de condenação dos RR. a desocupar o leito do caminho identificado sob o artigo 24.º da p.i., é absolutamente novo; e
r) O pedido formulado sob a al. f) também é novo, por se tratar de outros danos, fundados na prática dos novos factos;
s) Sendo esta a situação que verdadeiramente importa considerar, pois os demais pedidos formulados, designadamente sob as al.s a) e e), quanto ao reconhecimento do direito de propriedade e a abstenção de praticar actos que atentam contra esse direito, constituem ou são de natureza instrumental;
t) Pelo que, não existe uma identidade quanto ao pedido e à causa de pedir em ambas as acções, o que determina a inexistência de caso julgado.
u) Não se pode olvidar e perder de vista que os factos que fundamentam a presente acção – causa de pedir, são posteriores aos alegados e discutidos naquela outra acção. Sendo que tais factos se reportam à destruição do muro meeiro pelos RR. e ocupação do leito do caminho, na data indicada na p.i.;
v) Assim, o Tribunal “a quo” fez um errado julgamento da factualidade e do pedido formulado na presente acção, acabando por decidir erradamente.
w) Ademais, considerando a factualidade alegada – causa de pedir e o pedido formulado na presente acção, que, como exposto supra, são diferentes, na justa medida do já explanado, do constante na acção que correu termos sob o nº 699/16...., é facto que, não estão preenchidos os requisitos do caso julgado;
x) Assim, a integração dos factos ao direito, a subsunção dos factos e aplicação da lei, está errada, pois não se mostra por verificado o caso julgado como se refere por aplicação dos artigos 619.º, nº 1 e 580.º, nº 1 do CPC.
y) Donde a sentença apelada ter violado, além das citadas disposições legais, o disposto nos artºs 576.º e 577º do CPC e ainda, os artºs 1305.º, 1311.º, 1371.º do Código Civil.
z) Funda-se, ainda, o presente recurso no disposto nos artºs, 607º, 615º nº 1 al. b) e c) do CPC.

Não foram proferidas contra – alegações.
O recurso veio a ser admitido neste Tribunal da Relação nos termos e com efeitos fixados pelo Tribunal de 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

Atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- invocada nulidade de decisão nos termos do art. 615º nº 1 al. b) e c) do CPC.
- reapreciação da decisão recorrida que absolveu os Réus da instância por verificação de excepção dilatória de caso julgado.

FUNDAMENTAÇÃO ( de facto e de direito ):

I. Invocada nulidade de decisão nos termos do art. 615º nº 1 al. b) e c) do CPC.
Invocam os apelantes que é nula a sentença nos termos do disposto no art. 615º nº 1 al. b) e c) do CPC, invocando ocorrer contradição entre a fundamentação e decisão, alegando que “Na sentença, o Meritíssimo Juiz “a quo” fez uma apreciação do caso julgado na sua vertente material ou da autoridade do caso julgado, decidindo pela absolvição dos RR. da instância; Porém, a apreciação e fundamentação pelo caso julgado material não conduz, a esta situação jurídica, mas antes se fosse o caso (que não é) da sua verificação, importaria a absolvição do pedido; Daí que é notório que a fundamentação inserta na sentença ante a decisão proferida é equivoca e contraditória, estando ferida de nulidade”.
Nos termos do artº 615.º n.º 1 do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando, nomeadamente, al.b) – “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; al.c) “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. 
Os vícios previstos no citado art.º 615º do Código de Processo Civil, geradores de nulidade da sentença, são vícios de cariz adjectivo ou processual e que afectam a decisão na sua estrutura processual, invalidando-a ou tornando-a incompleta ou incompreensível, relativamente aos vícios ora apontados, “Trata-se de um mero vício formal (e não de erro de substância ou de julgamento)” - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 23/5/2006, Proc. n.º 06A10 90, in  www.dgsi.pt.
Assim, a omissão referida na al.b) deverá ser absoluta, e, no tocante à oposição referida na alínea. c) do n.º1, do artigo 615º, é a que se verifica no processo lógico formal ( v. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, 1992, art.º 668º ), refere-se á própria estrutura de elaboração da sentença, resultando de forma manifesta desta, correspondendo a frontal oposição entre  a decisão e os respectivos fundamentos.“ Apenas ocorre a nulidade da sentença prevista na alínea. c) do nº1 do art.º 668º quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier expresso na sentença “ – Ac. TRP, de 13/11/74, in BMJ 241/344, sendo que não determina a nulidade de sentença prevista na citada alínea, a subsunção dos factos às normas jurídicas julgadas aplicáveis, não obstante se possa vir a demonstrar verificar-se existir erro de julgamento em caso de errada aplicação legal ( v. Ac, Tribunal da Relação de Coimbra, de 8/4/2003, n.º convencional JTRC 01959, in www.dgsi.pt ), “Trata-se de um mero vício formal (e não de erro de substância ou de julgamento)” - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça , de 23- -05-2006, Proc. n.º 06A10 90, in  www.dgsi.pt..
No caso em apreço as indicadas causas de nulidade não ocorrem pois reportam-se já os apelantes não a vício formal mas a vício de julgamento, a conhecer oportunamente.
Improcedendo, assim, nesta parte, os fundamentos da apelação.
II. AA e outros, Autores nos autos de acção declarativa, com processo comum, em curso, em que são Réus, BB e esposa, CC, notificados do despacho saneador-sentença proferido que absolveu os Réus da instância por verificação de excepção dilatória de caso julgado, de tal decisão vieram interpor recurso de apelação.
II. São os seguintes os factos com interesse à apreciação do recurso:
A) a) AA, casada, intervindo por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seus pais, DD, falecido em ../../2010 e AA, falecida em ../../2021; EE; DD;  FF; GG; HH, intentaram contra BB e esposa CC, a acção declarativa com processo comum, em curso, formulando os seguintes pedidos:
 a) Ser declarado e reconhecido o direito de propriedade das heranças aludidas por óbito de DD e de AA, sobre os prédios melhor identificados sob o artigo 7º;
b) Ser declarado e reconhecido que o muro identificado sob os artigos 22º e 23º é meeiro, e serve de divisão dos prédios identificados sob a alínea a) do artigo 7.º propriedade das ditas heranças e dos AA. e sob a alínea a) do artigo 20.º dos RR., respectivamente;
c) Serem os Réus condenados a reconstruir o muro, restituindo-o ao seu estado anterior, divisório dos dois prédios (respeitando as características e áreas originais), como referido sob os artigos 33º e 37º supra;
d) Serem os Réus condenados desocupar o leito do caminho identificado sob os artigos 24º e seguintes supra;
e) Serem os Réus condenados a absterem-se de praticar quaisquer actos que atentem contra o direito de propriedade das heranças;
f) Serem os Réus condenados a pagar aos Autores a título de indemnização de danos não patrimoniais a quantia de €5.000,00.

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B) Consta dos autos sob ref. ...68 certidão das decisões proferida no processo nº 699/16...., onde as partes são as mesmas e os AA. peticionaram:
a. Seja declarado e reconhecido o direito de propriedade da 1ª Autora e da herança por óbito de DD, sobre os prédios melhor identificado sob o artigo 6º;
b. Seja declarado e reconhecido o direito de servidão de vistas a favor do prédio melhor identificado sob o artigo 6º alínea b) e a onerar o prédio melhor identificado sob o artigo 19º alínea a) supra;
c. Seja declarado e reconhecido o direito de propriedade da 1ª autora e da herança sobre o muro de vedação referido sob o artigo 28º supra;
d. Sejam os réus condenados a reconstruirem o muro de vedação, junto ao caminho referido sob os artigos 23º e 24º supra, de acesso ao prédio da autora e da herança, melhor identificado sob o artigo 6º alínea a) supra, na parte que o demoliram, conforme alegado sob o artigo 35º supra;
e. Sejam os Réus condenados a proceder à consolidação do muro de vedação do prédio melhor identificado sob o artigo 6º alínea a) supra, nas partes em que o mesmo ruiu;
f. Sejam os Réus condenados a demolir o muro edificado sobre o muro do prédio da autora e da herança, no prédio melhor identificado sob o artigo 6º alínea b) supra, na zona do pátio/terraço referido sob os artigos 50º e 51º supra, numa extensão de 4,50m de comprimento e 2,25 de altura, conforme alegado os artigos 61º e 63º supra;
g. Sejam os Réus condenados a absterem-se de praticar quaisquer actos que atentem contra o direito de propriedade da autora e da herança;
h. Sejam os Réus condenados a absterem-se de praticar quaisquer actos que atentem contra a servidão de vistas que se encontra constituída a favor do prédio melhor identificado sob o artigo 6º alínea b) e a onerar o prédio melhor identificado sob o artigo 19º aliena a);
i. Sejam os Réus condenados a pagar aos Autores a título de indemnização de danos não patrimoniais a quantia de €5.000,00
*
III. Decidindo-se na sentença recorrida, designadamente:

 “Com o trânsito da sentença em julgado, produz-se o caso julgado. É o que resulta do disposto no n.º 1 do art. 619, onde está plasmada a noção de caso julgado material. Aí se diz que “[t]ransitada em julgado a sentença (…), a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581...”
Através deste instituto pretende-se evitar que uma mesma ação seja instaurada várias vezes, obstando a que sobre uma mesma situação recaiam decisões contraditórias. Trata-se, no fundo, de um meio de garantir a boa administração da justiça, funcionalidade dos tribunais e salvaguarda da paz social, o que só é possível alcançar se sobre os litígios recaírem decisões definitivas. Sem esta proteção, a função jurisdicional seria meramente consultiva; as opiniões – resoluções, na verdade – dos juízes e dos tribunais, não seriam obrigatórias, já que podiam ser provocadas e repetidas de acordo com a vontade dos interessados. Em especial as sentenças, produto mais relevante do poder judicial, deixariam de sujeitar as partes; a sua execução seria sempre provisória; enfim, a segurança do tráfico entre os homens ficaria terrivelmente ameaçada. Não está, portanto, em causa a ideia de que a decisão transitada em julgado é expressão da verdade dos factos, mas a segurança jurídica.
Para saber em que medida a decisão transitada em julgado obsta à propositura de nova ação sobre a mesma questão, importa averiguar os limites do caso julgado.
Neste sentido, diz o art. 580 que as exceções dilatórias da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa e acrescenta o art. 581/1 repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
Não suscita dúvida que estamos perante uma ação de reivindicação, conforme prevista no art. 1311 do Código Civil: a Autora, arrogando-se titular do direito de propriedade sobre o prédio que descreve, afirma que este é ocupado pelos Réus, sem qualquer título que justifique a compressão do seu direito; em consequência, pede a condenação dos Réus na restituição do prédio.
A lei não estabelece nenhuma especialidade no que respeita aos limites subjetivos do caso julgado na ação de reivindicação (Oliveira Ascensão, “Ação de Reivindicação”, ROA, Ano 57, Abril de 1997, pp. 511-545). Vale na plenitude a regra consagrada no art. 581/1, da qual resulta que, em regra, o caso julgado vincula apenas as partes na ação, não afetando terceiros.
(…) Conforme já invocado em sede de contestação, no processo que correu termos neste Tribunal, com o n.º 699/16...., na sequência do qual foi proferido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, dos artigos 23.º a 32.º da Petição Inicial, quanto ao terreno onde está implantado o caminho descrito no artigo 24.º da PI, já antes os Autores invocaram os mesmos factos que agora invocam dos artigos 24.º a 32.º, bem como, peticionaram que fosse declarada a propriedade dos Autores sobre tal parcela de terreno, por a mesma pertencer ao prédio descrito no artigo 7.º, alínea a) da PI.
E assim, nos termos do art.º 581.º n.º 1 do CPC é, nesta parte, a presente ação uma repetição da ação que correu termos neste Tribunal, com o n.º 699/16...., ação esta com decisão transitada em julgado.
Quanto ao muro descrito pelos Autores no artigo 22.º da PI, na ação que correu termos neste Tribunal, com o n.º 699/16...., dos artigos 23.º a 32.º da Petição Inicial, já antes os Autores invocaram os mesmos factos que agora invocam dos artigos 22.º a 32.º, bem como, peticionaram que fosse declarada a propriedade plena dos Autores sobre o mesmo, por integrar o prédio descrito no artigo 7.º, Alínea a) da PI.
É certo que, no pedido formulado pelos Autores na presente ação reclamam apenas parte do direito de propriedade sobre o dito muro, ou seja, o direito à meação.
Contudo, embora que parcial, na presente ação peticionam os Autores a declaração do mesmo direito de propriedade que peticionaram na ação que correu termos neste Tribunal, com o n.º 699/16.....
Pelo que, nos termos do art.º 580.º n.º 1 do CPC ocorre a exceção de caso julgado (…)”.
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IV. – da excepção de caso julgado  

A) Nos termos dos artº 580º e 581º do CPC, a excepção de caso julgado pressupõe, sempre, a repetição de uma mesma causa, e, uma causa repete-se quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

Dispõe o art.º 581º do Código de Processo Civil, o qual define os “Requisitos da litispendência e do caso julgado”:

“ 1. Repete-se uma causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido é à causa de pedir.
2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (…). “

Os limites do caso julgado são, assim, determinados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objecto e a causa de pedir.
“É através desta tríplice identidade – de sujeitos, do pedido e da causa de pedir – que se define a extensão do caso julgado” _ A. Varela, in Manual de Processo Civil, pg. 691.
“As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; (…) se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar á excepção de caso julgado” – artº 580º do Código de Processo Civil.
Relativamente à identidade dos sujeitos diz A. Reis, in Código de Processo Civil, anotado, volume III, pg.97/98: “A exigência da identidade subjectiva (…) corresponde ao princípio da relatividade do caso julgado. O caso julgado só tem a eficácia que lhe é peculiar em relação às pessoas que figuraram como partes na acção em que ele se formou; para com terceiros é res inter alios acta, e por isso nem lhes aproveita, nem os prejudica; “sendo, ainda indiferente a posição processual que cada um ocupa, “ as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico, desde que são portadoras do mesmo interesse substancial.”
No tocante à identidade do pedido e da causa de pedir, há que concluir que “o caso julgado se forma directamente sobre o pedido, que a lei define como o efeito jurídico pretendido pelo autor (ou pelo réu, através da reconvenção) (…) é sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento, que se forma o caso julgado (…) a força de caso julgado cobre apenas a resposta dada a essa pretensão e não o raciocínio lógico que a sentença percorreu para chegar a essa resposta“ A. Varela, obra citada, pg.693 e sgs.
Nos termos do disposto no artº 619º do CPC :
 “Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artº 497º e seguintes(…)”.
No caso sub judice, não se verifica a identidade e repetição de causas que pressupõe o caso julgado, entre a acção declarativa em curso e relativamente à acção de processo nº 699/16...., onde as partes são as mesmas.
Inexistindo identidade entre os pedidos e identidade das respectivas causas de pedir, não se acompanhando a decisão recorrida.
Com efeito, formulando-se na presente acção o pedido de condenação, sob a al.d): “ d) Serem os Réus condenados desocupar o leito do caminho identificado sob os artigos 24º e seguintes supra;”, na acção de processo nº 699/16...., nenhum pedido é formulado no tocante ao indicado caminho, cfr. supra exposto II.B).
E, formulando-se na indicada acção nº 699/16...., sob a al.c), o pedido de condenação: “c. Seja declarado e reconhecido o direito de propriedade da 1ª autora e da herança sobre o muro de vedação referido sob o artigo 28º supra;” na presente acção se peticiona: “b) Ser declarado e reconhecido que o muro identificado sob os artigos 22º e 23º é meeiro, e serve de divisão dos prédios identificados sob a alínea a) do artigo 7.º propriedade das ditas heranças e dos AA. e sob a alínea a) do artigo 20.º dos RR., respectivamente;”, a distintas realidades factuais e jurídicas se reportando os pedidos formulados e respectivas causas de pedir.
Nestes termos se mostrando não ocorrerem os requisitos ou legais pressupostos da excepção dilatória de caso julgado previstos no art.º 581º do Código de Processo Civil.

– Como se refere no Ac. STJ de 30/4/2019, P.4435/18.4T8MAI.S1, in www.dgsi.pt:
I - A excepção dilatória do caso julgado, reflectindo a função negativa do caso julgado, pressupõe a verificação cumulativa da tríplice identidade de sujeitos, pedidos e causas de pedir, nos termos do art.º 581.º do CPC.
II - Já a autoridade do caso julgado, diferente daquela, exerce a função positiva do caso julgado e tem a ver com a existência de prejudicialidade entre objectos processuais, tendo como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, como se depreende dos art.os 619.º e 62l.º, ambos do mesmo Código.
IV - A causa de pedir, como facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, consubstancia-se na factualidade alegada pelo demandante como fundamento do efeito prático-jurídico visado, com a significação resultante do quadro normativo a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5.º, n.º 3, e nos limites do art.º 609.º, n.º 1, do CPC.
V - O autor não está sujeito a qualquer ónus de concentração de todas as possíveis causas de pedir na acção que seja proposta, o que está de acordo com o princípio do dispositivo”.
B. No tocante à apreciação dos efeitos e extensão do caso julgado material, determina o artº 621º do Código de Processo Civil “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)”, igualmente não se verificando tal excepção, entre a presente ação declarativa e a acção de processo nº 699/16.....
Com efeito, “O caso julgado material forma-se mediante uma sentença de mérito, isto é, mediante sentença que conheça da relação jurídica substancial, declarando os direitos e obrigações respectivos” – A. Reis, in Código de Processo Civil, anotado, vol. III, pg. 96., nenhuma decisão condenatória constando do dispositivo da acção nº 699/16.... relativamente à concreta factualidade dos presentes autos, e, pedidos formulados (excepto no tocante ao pedido formulado em a), idêntico em ambas as acções).
Referindo-se à sentença, no tocante aos seus efeitos, após transitada em julgado, diz M. Andrade, Noções, fls.285 – “Ela tem autoridade – faz lei – para qualquer processo futuro, mas só na exacta correspondência com o seu conteúdo”.
“Os limites do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença”- M. Andrade, Noções, fls.285.
E, ainda, os efeitos do caso julgado reportam-se à própria decisão e não aos respectivos fundamentos ( entre muitos outros, Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 23/2/78, in BMJ 274/191; de 22/3/78, in BMJ 235/158; de 21/7/72, in BMJ 219/158; Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, pg, 317 e sgs.;  A. Varela, ob. Citada, pg.692 e sgs. ), muito menos os fundamentos de facto (Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 1/10/96, sumariado, in www.dgsi.pt).
“O caso julgado forma-se directamente sobre o pedido, que a lei define como o efeito jurídico pretendido pelo Autor. (…) Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia de caso julgado (…) O caso julgado não cobre, entretanto, toda a causa de pedir, da qual podem decorrer muitos outros efeitos além do deduzido pelo Autor na acção “A. Varela, in Manual de Processo Civil, pg. 690 e sgs.).
Não se demonstrando no caso sub judice.
Concluindo-se, nos termos expostos, pela procedência do recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal, em julgar procedente o recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelados.
                                                          
Guimarães, 21 de Novembro de 2024

( Luísa D. Ramos )
( António Figueiredo de Almeida )
( Carla Sousa Oliveira )