INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS
COMODATÁRIO EQUIPARADO AO POSSUIDOR
Sumário


1 – Nos poderes do Tribunal da Relação cabe o de alterar a matéria de facto fixada quando tal se justifique em face do que foi alegado e da prova produzida.
2 - São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.
3 - Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados pelas benfeitorias necessárias e tem direito a levantar as benfeitorias úteis ou se esse levantamento não for possível sem detrimento da coisa, a receber o seu valor, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa
4 - O artigo 1138.º do Código Civil estabelece que o comodatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja efetuado na coisa emprestada.
5 - Sendo o comodatário equiparado ao possuidor da má-fé, não tem direito às benfeitorias voluptuárias que haja feito (art. 1275º, nº 2 do C. P. Civil).

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

Relatório:

AA, casada, residente na Avenida ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB E CC, ambos solteiros, residentes na Travessa ..., ..., ... ..., do concelho ..., pedindo a condenação destes a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial, a restituir-lho, livre de pessoas, bens e animais, a pagarem-lhe o montante de € 400,00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais originados pelo abate de árvores e no pagamento de uma sanção pecuniária de valor não inferior a € 100,00 por cada dia de atraso na restituição.

Alega, em síntese, que é proprietária do prédio urbano composto por casa térrea, para habitação, com quintal, sito no Lugar ... e ..., inscrito na matriz urbana da Freguesia ... e ... sob o artigo ...51, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição nº ...12, que adveio à sua posse por sucessão e sobre o qual exerce, por si e antepassados, atos de posse há mais de 20, 30, 40, 50, 100 anos, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, convicta de que exerce um direito próprio, pelo que ainda que outro título não tivesse sempre o teria adquirido por usucapião.
Mais alega que, no verão de 2017, permitiu que os Réus residissem gratuitamente naquela casa, durante o prazo de 4 anos, assumindo eles o compromisso de, durante esse período, cuidar e tratar do quintal. Todavia, não só não cumpriram aquele compromisso como abateram 4 árvores de fruto, causando um prejuízo de cerca de € 400,00.
Alega ainda que, decorrido o período fixado, os Réus mantêm-se a ocupar aquela casa de forma abusiva e não consentida, mesmo após terem sido interpelados para procederem à sua entrega.

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Regularmente citados, os Réus contestaram.
Invocaram a exceção da ilegitimidade ativa da A..
No mais, impugnam, na generalidade, os factos alegados na petição inicial, aceitando apenas a celebração de um contrato de comodato e alegando, em síntese, que a Autora lhes pediu que realizassem as obras necessárias para habitar esse imóvel, tendo ficado combinado que o seu custo e valorização do imóvel lhes seriam restituídos quando entregassem o imóvel e que o corte das árvores foi feito a pedido daquela.
Mais alegam que as obras por eles realizadas a pedido da Autora consistiram na reconstrução do prédio em causa, não podendo ser separadas do solo onde ficaram incorporadas sem o seu detrimento e valorizam-no, ascendendo estas benfeitorias ao montante de € 20 000,00.
A final, deduzem reconvenção, pedindo que a Autora seja condenada a pagar-lhes a quantia correspondente ao valor das benfeitorias por eles executadas no prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial ou, subsidiariamente, a restituir-lhes a quantia de € 23 500,00 por força da aplicação do instituto do enriquecimento sem causa e ainda a reconhecer-lhes o direito de retenção do prédio enquanto não lhes for pago aquele valor.
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A Autora veio deduzir incidente de intervenção principal provocada com vista ao chamamento do seu cônjuge DD à lide, como seu associado, como forma de suprir a exceção de ilegitimidade ativa invocada pelos Réus, que foi julgado procedente e a sua intervenção admitida como seu associado, o qual veio aderir aos articulados desta.
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A Autora apresentou réplica, invocando a ineptidão da reconvenção e o abuso de direito, pugnando pela improcedência da reconvenção.
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Findos os articulados, por despacho de 22 de junho de 2022, os Réus reconvintes foram convidados a aperfeiçoar o articulado de reconvenção, descriminando o valor que cada uma das obras acrescentadas ao locado, o respetivo custo e a medida do seu beneficio, tendo estes eles respondido ao solicitado.
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Foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, despacho de fixação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova.
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Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:
           
“Em face do exposto, decide-se julgar a ação parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência:
6.1. Condenam-se os Réus a reconhecerem que a Autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito em ..., composto de casa térrea com quintal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...51 [atual artigo ...02] e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...12, na Freguesia ....
6.2. Condenam-se os Réus a restituírem o prédio urbano referido em 6.1. livre de pessoas e bens.
6.3. Absolvem-se os Réus do demais peticionado.
6.4. Absolve-se a Autora de todos os pedidos reconvencionais”
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Inconformados vieram os Réus recorrer formulando as seguintes conclusões:

1. Com o devido respeito, os ora recorrentes não podem concordar com a sentença proferida pelo Tribunal a quo que, julgando a ação intentada pela A. parcialmente procedente e a reconvenção apresentada pelos RR. totalmente improcedente.
2. O presente recurso visa colocar em crise a decisão do Tribunal a quo no que respeita à errada análise dos factos dados como não provados que, pelo contrário deveriam ser considerados como provados e que impunham uma decisão diversa da proferida, a incorreta avaliação das benfeitorias empreendidas pelos RR. e o incorreto julgamento do direito de retenção dos RR..
3. O Tribunal a quo, e com o devido respeito, considerou como não provados factos alegados na reconvenção apresentada pelos RR. que, bem pelo contrário, da prova produzida em audiência de julgamento, resultam inequivocamente provados e que impunham necessariamente uma decisão diversa no que diz respeito ao pedido reconvencional.
4. Considerando os depoimentos prestados em audiência de julgamento e o relatório pericial junto aos autos o Tribunal a quo andou mal ao não considerar provados os factos relacionados com as benfeitorias empreendidas pelos RR..
5. Para prova das obras encetadas pelos RR., e aceites pelo Tribunal, atente-se no relatório pericial junto aos autos bem como nas declarações prestadas pelo perito nomeado, não pelas partes, mas pelo próprio tribunal.
6. Naquele relatório se lê que “relativamente aos custos das benfeitorias, estimam-se em 8.100,00€ …”
7. Não levanta qualquer dúvida, portanto, de que os RR. promoveram a renovação do espaço, na medida do que lhes era possível, e que tal renovação foi avaliada, pelo senhor perito em 8.100,00€.
8. Razão pela qual deveria o Tribunal a quo haver considerado como provados os factos descritos de 3.2.14 a 3.2.29 dando como assente o gasto de, pelo menos, 8.100,00€ por parte dos RR. em benfeitorias realizadas.
9. Ouça-se o depoimento prestado pelo senhor perito, em audiência de julgamento ocorrida no dia 9 de fevereiro de 2024, pelas 11h23m (aos 15m30s a 17m32s).
10. Refere ainda o relatório pericial “Em conclusão, reconhece-se que foram realizadas obras cujo carácter se reconhece como úteis e necessárias, ainda que se reconheça a elementaridade e baixo nível das obras executadas.”
11. E termina dizendo que “Relativamente ao seu estado e valor atual, com incremento do seu valor comercial, o perito reconhece que é resultante das obras realizadas pelos réus/reconvintes.”
12. Não se compreende, por tal, como pode o Tribunal a quo não dar como provado o facto 3.2.29, de que as benfeitorias valorizaram o imóvel.
13. Insiste, porém, o Tribunal a quo que os RR. não lograram fazer prova do custo havido por aqueles com o material e mão de obra para a execução das benfeitorias.
14. Para além do relatório pericial, que afirma a estimativa com os custos daquelas, parecendo-nos suficiente para determinar o custo total havido pelos RR., também as declarações de parte do R. BB, prestadas de forma isenta ainda que interessado no resultado dos autos, demonstraram os custos que aquele houve com as benfeitorias. (declarações de parte do R. prestadas a 12 de março de 2024 de 05m00s a 9m00s e 10m27s a 11m19s).
15. E, nesta parte cumpre discordar-se da motivação do Tribunal a quo que considera que as declarações de parte só terão valor probatório determinante para a decisão a proferir quando coadjuvadas com outros meios de prova.
16. E ainda que se admita tal interpretação, de que as declarações de parte só terão validade probatória quando coadjuvadas por um outro qualquer meio de prova, sempre o relatório pericial e as declarações do subscritor do mesmo cumprem a exigida, pelo Tribunal a quo, complementaridade da prova.
17. Considerados provados os factos acima elencados e cuja argumentação supra pretendeu demonstrar, outra solução não restaria ao Tribunal a quo que não considerar que os RR., em benfeitorias gastaram a quantia estimada de 8.100,00€.
18. Na sua motivação, erradamente, o Tribunal a quo desconsidera como úteis e necessárias praticamente todas as benfeitorias realizadas pelos RR. à exceção do telhado ali colocado por estes.
19. O Tribunal a quo considerou in casu, na motivação explanada, aceita a prova da realização das obras e que antes destas o imóvel encontrava-se degradado, com o telhado caído.
20. Desta motivação só poderia resultar uma decisão diferente por parte do Tribunal a quo.
21. As obras realizadas, para além do telhado, e aceites como o tendo sido pelo Tribunal a quo, poderão não se incluir nas benfeitorias necessárias.
22. Mas sempre o serão na categoria das benfeitorias úteis porque incorporadas no imóvel, dele fazendo parte integrante e aumentaram o seu valor.
23. Efectivamente, para além do telhado, toda a empreitada empreendida pelos RR. constitui benfeitorias úteis.
24. E isso mesmo ficou demonstrado no teor do acima já mencionado relatório pericial que demonstrou, à saciedade, que o bem ficou valorizado com as obras realizadas pelos RR..
25. Mais uma vez, o depoimento prestado pelo perito EE, prestado no dia 9 de fevereiro de 2024 a instâncias da Meretíssima Juiz (aos 1m15s a 1m58s) onde o mesmo responde que calculou o valor das benfeitorias realizadas no imóvel atento o valor deste, deduzido do valor que o mesmo havia antes da reabilitação.
26. Assim sendo, só podem ser consideradas como úteis as benfeitorias.
27. Os RR. são possuidores do imóvel, ainda que de má fé (por tal serem equiparados os comodatários), através do contrato de comodato celebrado com a A e não apenas meros detentores ou possuidores precários como parece fazer crer o Tribunal a quo.
28. Sendo possuidores, ainda que de má fé, têm os RR. reconvintes, nos termos do artigo 1273º do CC
“…direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.”.
29. Atenta a inevitável destruição do imóvel caso os RR. pretendessem retirar as benfeitorias úteis, restava apenas ao Tribunal a quo determinar que a A. satisfizesse os RR. pelo valor daquelas e que, repita-se, foi calculado, ainda que sem discriminação rigorosa dos montantes de cada uma das obras realizadas.
30. Considerando, então, o Tribunal a quo, como devia no nosso modesto entender, que os RR., possuidores através de contrato de comodato, realizaram benfeitorias necessárias e úteis no imóvel no valor de 8.100,00€, outra decisão não se esperava daquele que não a procedência, ainda que parcial, do pedido reconvencional, condenando a A. a satisfazer os RR. na quantia de 8.100,00€.
31. Determinado aquele direito a serem ressarcidos das benfeitorias, preceitua o artigo 754º do Código Civil que “O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.”
32. E como flui da alínea e), do nº1 do art.º 755.º do C. Civil, o comodatário goza do direito de retenção sobre a coisa que lhe tiver sido entregue em consequência do respetivo contrato de comodato, pelo crédito dele resultante.
33. Considerando procedente o pedido reconvencional dos RR. no pagamento, por parte da A. da quantia de 8.100,00€, sempre teria o Tribunal que condenar na restituição do imóvel à A., ainda que eventualmente suspensa por força do direito de retenção.
34. Se assim é, e atenta a natureza do direito de retenção já enunciado, realizado o pagamento do valor apurado das benfeitorias, os RR. deixariam de ter fundamento legal recusar a sua entrega imediata.
35. Decidindo como decidiu violou o Tribunal a quo os normativos constantes dos artigos 216º, 754º, 755º, 1138º e 1273º do CC.

Nestes termos, revogando V. Exas. a douta sentença proferida pelo douto Tribunal de 1ª Instância, julgando procedente os pedidos reconvencionais dos recorrentes farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA
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Os AA apresentaram contra-alegações pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
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Questões a decidir:
           
- Analise do recurso de impugnação da matéria de facto;
- Analisar se a questão de mérito foi bem decidida na 1ª instância;
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Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

[Da Petição Inicial]
3.1.1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...12, na Freguesia ..., o prédio urbano sito em ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...51 [atual artigo ...02], composto de casa térrea com quintal, a confrontar de norte com FF, de sul com GG, de nascente com caminho público e de poente com HH, com inscrição de aquisição a favor da Autora datada de 16 de setembro de 2008.
3.1.2. O prédio urbano identificado em 3.1.1., veio à posse da Autora por lhe ter sido adjudicado no processo de inventário que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde, sob nº 56/06...., por óbito de seus pais BB e mulher HH.
3.1.3. Há mais de 20, 30, 40, 50, 100 anos que a Autora, por si e os seus ante possuidores detém o prédio identificado em 3.1.1., colhendo os frutos que são suscetíveis de produzir, procedendo à sua limpeza, pagando os respetivos impostos devidos, suportando os seus encargos, diante de toda a gente, sem nunca ter havido quaisquer questões ou perturbações ou oposições, dia a dia, ano a ano, sem interrupção, com a fé e o espírito de quem é verdadeiro dono e adquiriu os prédios através do justo título.
3.1.4. No verão de 2017, a Autora permitiu que o Réu BB e a sua família, a pedido daquele, residissem gratuitamente no prédio identificado em 3.1.1., por um período de 4 anos.
3.1.5. Nessa altura, o referido imóvel estava devoluto e necessitava de obras de conservação.
3.1.6. Durante o período em que lá residissem, os Réus comprometeram-se a cuidar e tratar do quintal e a deixá-lo em boas condições, limpo e asseado.
3.1.7. Nesse mesmo quintal, os Réus cortaram uma oliveira, um castanheiro, uma cerejeira e uma macieira, as quais tinham mais de 40 anos de existência, sem oposição da Autora e do chamado.
3.1.8. No dia 2 de julho de 2021, a Autora interpelou os Réus para procederem à entrega do prédio referido em 3.1.1. no prazo de 60 dias, livre de pessoas e bens, mas estes recusaram a fazê-lo, continuando a ocupá-lo.

[Da Reconvenção]
3.1.9. Os Réus, sem oposição dos Autores, realizaram diversas obras no prédio referido em 3.1.1.
3.1.10. Antes das obras realizadas pelos Réus o imóvel encontrava-se degradado, com o telhado caído.
3.1.11. Os Réus, quando ocuparam o prédio, procederam à limpeza da vegetação existente no quintal.
3.1.12. Os Réus colocaram um telhado em folhas de fibrocimento assente em barrote de madeira.
3.1.13. Os Réus forraram em pladur o teto do quarto.
3.1.14. Os Réus forraram em ripado de madeira o teto da casa de banho, com azulejo no chão.
3.1.15. Os Réus colocaram, na casa de banho, um chuveiro, sanita, lavatório, azulejos e uma porta e forraram a parede em pladur.
3.1.16. Os Réus colocaram no imóvel uma soleira na porta de entrada e três degraus na entrada da cozinha, revestidos a mármore.
3.1.17. Os Réus forraram o teto da cozinha com pladur e revestiram a parede a azulejo.
3.1.18. Os Réus colocaram pavimento em azulejo de cor preta na cozinha.
3.1.19. Os Réus colocaram barrotes em madeira e placas no teto da cozinha.
3.1.20. As obras realizadas pelos Réus não podem ser separadas do imóvel sem o seu detrimento.

[Da Réplica]
3.1.21. O telhado referido em 3.1.12. foi feito com recurso a materiais usados e de fraca qualidade e realizada de forma deficiente e muito irregular.
3.1.22. Nas obras descritas em 3.1.13. a 3.1.20. foram utilizados materiais usados e de fraca qualidade e foram executadas em desrespeito com as boas práticas de construção.
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3.2. Factos Não Provados:

[Da Petição Inicial]
3.2.1. Apesar de os Réus terem assumido o compromisso de cuidar do quintal, não cumprem, pois não o limpam nem o cultivam.
3.2.2. Atualmente o quintal encontra-se abandonado à vegetação e repleto de lixo, sem qualquer asseio ou cuidado.
3.2.3. As árvores referidas em 3.1.8. foram cortadas sem conhecimento nem autorização da Autora.
3.2.4. O abate destas 04 (quatro) fruteiras causou à Autora um prejuízo de € 400,00.
3.2.5. Os Réus procederam à construção de barracos, sem autorização da Autora, sem qualquer valor arquitetónico e ilegais.
3.2.6. A Autora pretende vender o prédio referido em 3.1.1. que a cada dia que passa se desvaloriza mais no mercado imobiliário.

[Da Reconvenção]
3.2.7. O imóvel referido em 3.1.1. à data em que foi entregue aos Réus, apenas tinha ruínas de parede.
3.2.8. A Autora pediu aos Réus que realizassem as obras que eram urgentes e necessárias e que, após realizadas, poderiam ir para lá viver.
3.2.9. Entre Autora e Réus ficou combinado que o custo das obras e valorização do imóvel seria restituído quando o entregassem.
3.2.10. Os Réus sempre mantiveram o quintal em boas condições, limpo e asseado.
3.2.11. O terreno do imóvel tem no chão restos de obra, porquanto a Autora solicitou, ainda, aos Réus que cimentassem o quintal, trabalho que começou a ser executado até os Réus terem rececionado uma missiva, a interpelar para restituição do prédio, altura em que suspenderam a execução dos trabalhos.
3.2.12. No quintal a única construção/barraco que existe é pré-existente à data em que os Réus começaram a habitar o prédio urbano, e não foi por estes executada, mas apenas recuperado consoantes instruções da Autora.
3.2.13. Pela limpeza da vegetação referida em 3.1.11., os Réus despenderam a quantia de € 3 500,00.
3.2.14. Para execução da obra referida em 3.1.12. os Réus gastaram em materiais e força de trabalho o montante de € 2 500,00.
3.2.15. Os Réus fizeram o revestimento das paredes da habitação em estuque e conserto e reboco de paredes pré-existentes e pintura no que gastaram materiais e força de trabalho próprios no valor de € 2 500,00, para tornar a casa mais habitável com isolamento às chuvas, frio e calor.
3.2.16. Para execução da obra referida em 3.1.13, os Réus gastaram materiais e força de trabalho próprios no valor de 600 euros, sendo esta uma obra necessária ao isolamento do frio para a habitação no prédio dos autores.
3.2.17. Para execução da obra referida em 3.1.14, os Réus gastaram materiais e força de trabalho próprios no valor de 150 euros.
3.2.18. Os Réus fizeram a pavimentação do chão em cimento e depois aplicaram flutuante no quarto do casal e colocação de uma porta no que gastaram materiais e força de trabalho próprios no valor de 600 euros.
3.2.19. Para execução da obra referida em 3.1.15., os Réus gastaram materiais e força de trabalho próprios no valor de 1200 euros.
3.2.20. Os Réus colocaram no hall da entrada ripado em madeira, com revestimento em esferovite, no que gastaram materiais e força de trabalho próprios no valor de 60 euros.
3.2.21. Para execução das obras referidas em 3.1.16., os Réus gastaram materiais e força de trabalho próprios no valor de 100 euros.
3.2.22. Os Réus colocaram uma banca em pedra da cozinha, com armários em cima, com lava loiças de uma pia.
3.2.23. Para execução das obras na cozinha, os Réus gastaram materiais e força de trabalho próprios no valor de 1 500,00 euros.
3.2.24. Para execução das obras referidas em 3.1.18., os Réus gastaram materiais e força de trabalho próprios no valor de 250 euros.
3.2.25. Para execução das obras referidas em 3.1.19., os Réus gastaram materiais e força de trabalho próprios no valor de 400 euros.
3.2.26. Os Réus colocaram uma chaminé na lareira revestida com ripado de madeira, com barrotes de castanho a fazer o molde da lareira, no que gastaram materiais e força de trabalho próprios no valor de 300 euros.
3.2.27. Os Réus iniciaram a execução de base em restos de obra como terraço no quintal no que gastaram materiais e força de trabalho próprios no valor de 400 euros.
3.2.28. Os Réus fizeram a instalação de água potável com ligação de rede pública à casa e quintal, com canalização de esgoto, em três aduelas, no que gastaram materiais e força de trabalho próprios no valor de 500 euros.
3.2.29. As obras realizadas pelos Réus valorizaram o imóvel.

[Da Réplica]
3.2.30. Os Réus colocaram telhas de amianto.
3.2.31. Foi o marido da Autora que comprou e pagou três sacos de cimento e três metros cúbicos de areia para o revestimento das paredes dos quartos.
3.2.32. Foi o marido da Autora que doou aos Réus a madeira para a forra do teto do quarto, da entrada e da casa de banho e duas portas usadas.
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Cumpre apreciar e decidir:

Da impugnação da matéria de facto:

No que respeita à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, obrigatoriamente e sob pena de rejeição, o seguinte (v. artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Analisadas as alegações de recurso formuladas pelo Recorrente, verifica-se que este observa o formalismo imposto pelo mencionado art. 640º do C. P. Civil, pelo que se vai conhecer de seguida do recurso de impugnação da matéria de facto.
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Resulta do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Conforme explica Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3ª Edição, pág. 245), a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações na matéria provada e não provada. Acrescentando que, em face da redação do art. 662º do C. P. Civil, fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe a sua própria convicção, mediante reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade.
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Os Recorrentes entendem que a matéria considerada não provada sob os pontos 3.2.14 a 3.2.29 deve ser considerada provada.
           
Os pontos em causa dizem respeito ao valor dos materiais e mão de obra que dizem ter gasto na reabilitação da casa para lá habitarem.
O Réu, no seu depoimento, falou num valor total de cerca de 15.000,00€, mas referiu que os materiais utilizados eram todos em segunda mão. Quanto a valores concretos de cada material, não os referiu, tendo apenas dito que pagou 60€ à Câmara Municipal para colocar o contador, que relativamente às telhas, trocou o seu carro por outro “mais fraco” e pelas telhas, referindo um valor de 400,00€ referente a estas, mas sem que pormenorizasse, por exemplo, os valores dos carros em causa, para se conseguir aferir da credibilidade dessa afirmação. Por outro lado, não apresentou qualquer documento referente à compra e venda dos mencionados veículos, ou a qualquer outra compra de material e/ou pagamento de mão de obra, nem qualquer outra prova dos gastos, a não ser as suas declarações. Acresce que o Réu é “Sucateiro”, como ele próprio afirmou, pelo que, muitos dos materiais que utilizou na reabilitação da casa podem ter-lhe sido doados ou pode tê-los recolhido de desperdícios de obras. Relativamente ao telhado, é mesmo muito provável que tenha sido isso que aconteceu já que o mesmo é em fibrocimento, material que contém amianto e que por isso é pouco provável que o Réu o tivesse comprado.
O Chamado DD, que na altura da propositura da ação era marido da A. mas atualmente é seu ex-cônjuge, disse que foi o próprio que pagou a instalação de eletricidade e pagou à Câmara Municipal 90€ para a ligação de água, na casa onde vivem os Réus e deu-lhe madeira (que tinha guardada de quando trabalhava na construção civil) para que o Réu colocasse no teto.
O Sr. Perito disse que a casa tinha “uma qualidade habitacional desprezível”, com “condições deploráveis” e que as obras se encontram mal executadas e com materiais de fraca qualidade. Qualquer intervenção na casa tem de implicar a demolição do interior. Referiu que o valor das obras mencionado no relatório pericial não resultou de uma avaliação concreta dos materiais e mão de obra necessários a cada intervenção no imóvel, mas sim ao seguinte método: avaliou o imóvel antes das obras (que considerou em ruína) e subtraiu-o ao valor atual do mesmo. Ora, tal como se realça na sentença recorrida, o valor utilizado como sendo o do imóvel antes das obras, não ficou comprovado “porquanto o que resultou provado é que o imóvel tinha o telhado caído, o que é bem distinto do conceito de ruína. Por outro lado, tendo sido avaliado à data da cedência, não levou em consideração a evolução do mercado imobiliário que, necessariamente, terá levado a um incremento do valor do imóvel que nada teve a ver com as obras realizadas pelos Réus. Por fim, esta sua conclusão é totalmente contraditória com as demais conclusões que foi retirando ao longo do relatório, designadamente, quando concluiu que as obras efetuadas foram feitas com recurso a materiais usados, deteriorados e sem qualidade e executadas com graves deficiências e em desrespeito com as boas normas de construção, e também com os esclarecimentos prestados em sede de audiência final, ao referir que a qualidade habitacional atual é “desprezível”, que as “condições habitacionais são altamente precárias” e que qualquer intervenção naquele edifício implica a demolição de todo o seu interior.”. Assim, o valor encontrado pelo Sr. Perito, não pode ser tido em conta para a fixação do valor das obras realizadas no imóvel.
Por outro lado, também não pode ser considerado o valor referido pelo Réu, pelas razões acima referidas aquando da análise ao depoimento do Réu.

Mantém-se, assim, a matéria fixada na decisão recorrida.
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Das Benfeitorias:
           
Como decorre do disposto no art. 216º, nº 1, do C. Civil, benfeitorias são as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

De acordo com o disposto no art. 216º nº 3 do C. Civil são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.
Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados pelas benfeitorias necessárias e tem direito a levantar as benfeitorias úteis ou se esse levantamento não for possível sem detrimento da coisa, a receber o seu valor, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 1273º, nº 1 e 2 do C. Civil).   O artigo 1138.º do Código Civil estabelece que o comodatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja efetuado na coisa emprestada.
         
No caso, provou-se que antes das obras realizadas pelo RR, o imóvel encontrava-se degradado, com o telhado caído.

Ficou ainda provado que os RR. efetuaram as seguintes obras no imóvel:
- Colocação de um telhado em folhas de fibrocimento assente em barrote de madeira.
- Colocação de pladur a forrar o teto do quarto.
- Colocação de ripado de madeira a forrar o teto da casa de banho, com azulejo no chão.
- Colocação, na casa de banho, de um chuveiro, sanita, lavatório, azulejos, uma porta e pladur na parede da casa de banho.
- Colocação de uma soleira na porta de entrada e três degraus na entrada da cozinha revestidos a mármore.
- Colocação de pladur a forrar o teto da cozinha e azulejo a revestir a parede.
- Colocação de pavimento em azulejo de cor preta na cozinha.
- Colocação de barrotes em madeira e placas no teto da cozinha.
          
Tal como se entendeu na decisão recorrida, a benfeitoria respeitante à colocação do telhado, tem de ser qualificada de benfeitoria útil, já que se provou que a casa não tinha telhado. Ora, como é sabido, o telhado protege o interior do imóvel e os que lá residem, por exemplo, das intempéries, do vento, da radiação solar, da poeira e detritos, sendo um elemento essencial de uma casa.
Tal como se pode ler na decisão recorrida “Sendo benfeitorias necessárias, os Réus teriam, em princípio, direito à indemnização respetiva, equivalente ao montante das despesas realizadas. Todavia, os Réus não lograram provar as quantias despendidas na sua realização, designadamente, o valor dos materiais usados.
Para além disso, independentemente da categoria das benfeitorias, o seu regime tem sempre como pano de fundo o princípio geral da proibição do enriquecimento do proprietário por despesas. Sucede que o presente caso é peculiar na medida em que a benfeitoria em causa, para além de não se ter provado que tenha implicado qualquer despesa para o seu autor, também não poupam a proprietária de qualquer despesa, dado que, devido à sua deficiente execução e à fraca qualidade dos materiais, implicará necessariamente nova reparação.
Assim, é de concluir que não assiste o direito aos Réus de pedir indemnização pela realização desta obra.”.

As restantes obras não podem ser consideradas benfeitorias necessárias, pois não se provou que tivessem como fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, nem tal decorre da natureza das obras em causa. Por outro lado, não podem ser qualificadas de úteis, pois não se provou que a sua realização tenha aumentado o valor do imóvel.
Ainda que se qualificassem as benfeitorias como voluptuárias, sempre os RR não teriam direito a levantá-las ou ao seu valor, pois, sendo o comodatário equiparado ao possuidor da má-fé, não tem direito às benfeitorias voluptuárias que haja feito (art. 1275º, nº 2 do C. P. Civil).
Improcede, assim, o pedido dos RR. de serem indemnizados pelo valor das obras realizadas no imóvel.

Direito de retenção:

Diz-nos o art. 754º do C. Civil que “O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”

No caso em apreço, não havendo direito à indemnização por benfeitorias, não há direito de crédito dos RR. sobre a A., pelo que, aqueles não têm direito a reter o imóvel desta.
       
Improcede, pois, a Apelação, confirmando-se a decisão recorrida
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
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Guimarães, 21 de novembro de 2024

Alexandra Rolim Mendes
Maria Luísa Duarte Ramos
António Beça Pereira