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CAUSA PREJUDICIAL
INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PARA OBTER A SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário
I - Uma causa é prejudicial a outra quando a decisão da primeira pode afetar ou destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. II - A ordem da propositura das acções é irrelevante, podendo a suspensão da instância ser decretada pelo tribunal mesmo que a acção prejudicial seja proposta posteriormente à instauração da acção dependente; o que é relevante é que as duas acções se encontrem pendentes à data em que se ordena a suspensão. III - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada exclusiva ou precisamente para se obter a suspensão da instância da causa dependente (art. 272º, n.º 2, 1ª parte, do CPC).
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I. Relatório
AA intentou ação especial de divisão de coisa comum contra BB, e CC, peticionando:
“(…) ser declarada a indivisibilidade dos prédios em questão, prosseguindo os autos os ulteriores termos consignados no nº 2 do art. 929º do CPC, com a designação de conferência de interessados”.
Alega que a Requerente e os Requeridos são proprietários em comum e na proporção de 1/3 para cada um de dois imóveis que identificam, tendo adquirido as suas quotas-partes nos indicados bens por partilha por óbito de DD e mulher EE.
Não pretende permanecer mais tempo na indivisão e diz que nenhum dos prédios é passível de divisão.
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Citados, os requeridos apresentaram contestação, concluindo:
a) Pela improcedência da ação por falta de junção insuprível de um documento essencial para a procedência da ação- a escritura de partilha notarial;
b) Pela procedência da exceção dilatória de litispendência, e, em consequência, absolvição dos Requeridos da instância, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 576º, n.º 2 e 577º, al. i) do CPC, dado que o efeito jurídico a obter na ação de partilha judicial n º 810/21.... de ... pode contradizer a decisão a obter nestes autos;
c) Pela procedência da exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, face ao pedido formulado pela Requerente absolvendo os Requeridos da instância, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 278º, n.º1 al. b) ex vi do artigo 186º, n.º 1 e n.º 2 al. a) do CPC.
Subsidiariamente,
d) Pela verificação da existência de uma questão prejudicial, ordenando a suspensão da instância, nos termos do artigo 272º, n.º 1, do CPC, até que exista decisão final transitada em julgado relativamente à ação de simulação da partilha que serviu de base à compropriedade que ora se pretende dividir e ao registo da ap. ...09 de 24.02.2015 atendendo a que a decisão da causa prejudicial se revela necessária e indispensável ao prosseguimento dos presentes autos e à decisão do mérito da presente ação.
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Exercido o contraditório sobre a matéria de excepção invocada na contestação, a requerente apresentou resposta, pugnando pela improcedência de todas as questões e exceções suscitadas, pelo indeferimento da suspensão e pugnando pelo prosseguimento dos autos para designação da conferência a que alude o artigo 929º do CPC.
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Realizada audiência prévia, a tentativa de conciliação revelou-se infrutífera.
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Posteriormente, foi proferido despacho saneador, que julgou inverificada a excepção de ineptidão da petição inicial, bem como as excepções de falta de documento essencial para a procedência da acção e de litispendência
Mais indeferiu a suspensão dos presentes autos por causa prejudicial, aduzindo a seguinte fundamentação (que se transcreve): «(…) Dispõe o artigo 272.º, n.º 1, do CPC, que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”. A suspensão da instância, por determinação do Tribunal, depende, no seu exercício, da verificação do condicionalismo imposto por lei, ou seja, a existência de causa prejudicial idónea ou a ocorrência de motivo justificado, diferente da causa prejudicial e que, a seu ver, justifique a suspensão. Pode ocorrer quer, oficiosamente, logo que o Juiz se aperceba do facto determinante da suspensão, ou a requerimento das partes, sendo certo que estas podem acordar na suspensão da instância que, então, se impõe ao Tribunal, ao abrigo do princípio dispositivo, mas não por prazo superior a três meses, como decorre do n.º 4, daquele artigo 272.º, do CPC. Só pode concluir-se por uma relação de dependência ou prejudicialidade quando a decisão de uma causa depende do julgamento de outra já anteriormente instaurada, ou seja, quando esta última tenha por objecto a apreciação de uma concreta questão cuja solução final seja susceptível de afectar a consistência jurídica ou prático-económica da situação dirimenda do pleito instaurado em segundo lugar (causa dependente), quando o julgamento da acção “dependente” possa ser atrasado ou decisivamente influenciado pela decisão a proferir na causa prejudicial (conforme Ac. do STJ de 04.06.2002, Agr. nº 1663/02.6ª, Sumários, 6/2002). Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a procedência da primeira tira razão de ser à existência da segunda. Ora, se analisarmos os presentes autos, constatamos que deram entrada em juízo a 14.06.2023 e os requeridos foram citados a 20.06.2023 – vide AR’s de fls. 9 e 10 -, tendo apresentado contestação a 05.09.2023, cinco dias após instaurarem a acção declarativa com o nº 2522/23..... Daqui se conclui que esta última acção não foi anteriormente instaurada e, inclusive, foi instaurada com o objectivo claro de paralisar a presente acção. Assim sendo, concluímos, tal como alegou a requerente na resposta à contestação, que o juiz deve negar a suspensão fundada na prejudicialidade quando se demonstrar que a acção foi intentada precisamente para se obter a suspensão da outra, o que resulta à saciedade da consulta de ambos os processos (no mesmo sentido, leia-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 07.12.2023 e disponível in www.dgsi.pt). Termos em que, indefiro a suspensão dos presentes autos por causa prejudicial».
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Inconformados com a decisão na parte em que julgou improcedente a invocação de existência de causa prejudicial, os requeridos dela interpuseram recurso, tendo formulado, no final das respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se reproduzem): «A) Nos presentes autos a Recorrida requereu a divisão de um bem comum que adquiriu por escritura de partilha realizada no dia de 12 de fevereiro de 2015, outorgada no Cartório Notarial ..., mediante a qual os herdeiros de DD e EE – aqui Recorrida e Recorrentes - procederam à partilha dos bens da herança. B) A referida escritura de partilha foi simulada.- O que se encontra a ser discutido e decidido na ação judicial com o n.º 2522/23.... no Juiz ... do Juizo Central Cível do Tribunal da comarca de Viana do Castelo. C) Os Recorrentes requereram à Mma. Juiz a quo que reconhecesse a existência de uma causa prejudicial ( ação de simulação da escritura n.º 2522/23.... no Juiz ... do Juizo Central Cível do Tribunal da comarca de Viana do Castelo) e que, em consequência, ordenasse a suspensão da instância até decisão final transitada em julgado na causa prejudicial. D) Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira (causa prejudicial) possa destruir o fundamento ou razão de ser da segunda (causa subordinada ou dependente)”. E) Entende-se por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.” – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 24.10.2019, no âmbito do processo n.º 25645/18.9T8LSB.L1-6. F) Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira (causa prejudicial) pode destruir o fundamento ou razão de ser da segunda(causa subordinada ou dependente)”. O que se verifica no presente caso. G) In casu, verifica-se a existência de uma questão prejudicial (a ação de simulação da escritura), a ser decidida previamente á divisão dos bens adquiridos por essa escritura, e cuja solução é necessária para que possa ser decidido do mérito da presente ação. H) Pelo que sempre deveria, data vénia, ter sido reconhecida a existência de causa prejudicial e ter sido suspensa a instância, ao abrigo do disposto no artigo 272º n.º 1 do CPC, uma vez que a decisão da presente causa- divisão dos bens em compropriedade decorrente de partilha se encontra dependente do julgamento de outra já proposta que afeta a validade dessa escritura de partilha. I) Entendeu o Tribunal a quo que: “Só pode concluir-se por uma relação de dependência ou prejudicialidade quando a decisão de uma causa depende do julgamento de outra já anteriormente instaurada. Ora se analisarmos os presentes autos constatamos que deram entrada em juízo a 14.06.2023 e os requeridos foram citados a 20.06.2023 – tendo apresentado contestação a 05.09.2023, cinco dias após instaurarem a ação declarativa com o n.º 2522/23..... Daqui se conclui que esta última ação não foi anteriormente instaurada e, inclusive, foi instaurada com o objetivo claro de paralisar a presente ação.” J) Entendeu a Mma. Juiz a quo que só pode concluir-se existir uma relação de dependência ou prejudicialidade se a ação prejudicial tiver sido anteriormente instaurada, como escreveu e sublinhou no texto da decisão, explicando e sustentando que a ação de simulação não foi anteriormente instaurada. K) Como resulta do Ac. da Relação de Lisboa de 10.11.2022, Relator juiz Desembargador Pedro Martins: “Não é pressuposto da possibilidade de suspensão que a acção prejudicial tenha sido instaurada em primeiro lugar” L) Por isso mal decidiu a Mma. Juiz a quo que decidiu não suspender a instância, não com base na conveniência dessa decisão para os fins do processo mas sim por entender que a decisão de uma causa depende da outra ter sido anteriormente instaurada. E que, porque a ação de simulação n.º 2522/23.... não foi anteriormente instaurada indeferiu a suspensão. M) Ou seja a Mma. Juiz decidiu não com base em critérios discricionários mas na necessidade da anterioridade da ação prejudicial. O que está errado. N) Pelo exposto, deve ser revogado o despacho recorrido, ficando decidido que a acção de simulação n.º 2522/23.... é uma causa prejudicial a estes autos e que não é pressuposto da possibilidade de suspensão que a acção prejudicial tenha sido instaurada em primeiro lugar. O) A Mma. Juiz decidiu, erradamente e assente em critérios errados (não anterioridade da ação prejudicial), não suspender a instância. P) Nos termos do art. 644º, nº2, al. h), do CPC é admissível a interposição do recurso do despacho que não suspendeu a instância nos termos do art. 272º, nº2, do CPC.– Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 18- 05-2023 relator Juiz Desembargador Paulo Duarte Teixeira - Ação de divisão de coisa comum. Q) Acresce que, estabelece o n.º 2 do art.º 272º do C.P.C. que: “Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que (a) aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou( b) se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens. R) Como bem refere a Jurisprudência “O que obsta ao efeito suspensivo é o intentar duma ação prejudicial com o propósito único de obter a suspensão, não o propósito concorrente ou o propósito secundário em relação a um outro juridicamente relevante.” S) Assim deverá ser decidido que a acção 2522/23.... é uma causa prejudicial a esta ação e que não é pressuposto da possibilidade de suspensão que a acção prejudicial tenha sido instaurada em primeiro lugar, e que só posteriormente ao reconhecimento da existência dessa causa prejudicial pode ser aferido se o único propósito da ação de simulação é obter a suspensão, não sendo claramente a suspensão apenas um propósito concorrente ou o propósito secundário em relação a um outro juridicamente relevante.” T) Ou seja depois de ser declarada a existência de causa prejudicial, haverá que decidir se a ação deve ou não ser suspensa, e fundamentar essa decisão, caso venha a ser proferida, de suspensão demonstrando-se que a ação de simulação não pode ter outro propósito senão o da suspensão destes autos. U) Ora, na verdade, a ser decidido na ação de simulação n.º 2522/23.... que a escritura de partilha teve apenas lugar porque era necessária para a elaboração do processo de investimento PRODER de apoio ao alojamento turístico, e que nada foi partilhado, não pode entender-se que o propósito da ação de simulação foi apenas obter a suspensão da ação de divisão de coisa comum. V) E mais, o facto de se instaurar uma ação de simulação de uma escritura só depois de requerida a ação de divisão dos bens divididos nessa escritura não demonstra de per si que o objetivo seja paralisar a divisão. Significa sim que, quando todos os demais intervenientes na escritura tomam conhecimento de que foi requerida uma divisão de bens que nunca haviam sido divididos só aí se torna necessária a arguição da simulação de bens que nunca dividiram! (…)
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Pelo exposto deve ser revogada a decisão recorrida, ficando decidido que a acção de simulação da escritura de partilha n.º 2522/23.... é uma causa prejudicial à dos presentes autos de divisão dos bens que partilharam e que não é pressuposto da possibilidade de suspensão que a acção prejudicial tenha sido instaurada em primeiro lugar devendo ainda ser ordenada a suspensão dos presentes autos até que exista decisão transitada em julgado na causa prejudicial».
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Contra-alegou a recorrida pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido, pela Mm.ª Julgadora “a quo”, como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo (ref.ª ...21).
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Considerando que nas contra-alegações a recorrida/requerente suscitou a inadmissibilidade do recurso interposto, nos termos conjugados dos arts. 655º, n.ºs 1 e 2 e 654º, n.º 2 do Código de Processo Civil foi dada a oportunidade aos recorrentes/requeridos para exercerem, querendo, o contraditório quanto a essa pretensão (ref.ª ...76).
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Em resposta, os recorrentes pugnaram pela admissibilidade do recurso.
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Por despacho de 11/11/2024 do ora relator, foi julgada inviável a questão atinente à inadmissibilidade do recurso interposto, tendo o mesmo sido admitido (ref.ª ...69).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objeto do recurso.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste tribunal é a de saber se deve, ou não, ser decretada a suspensão da instância por existência de causa prejudicial (art. 272º do CPC).
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto.
As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos), a que acrescem os seguintes factos/incidências processuais [(resultantes da pesquisa, através do Citius (processo Viewer), dos autos n.º 616/23.... de que o presente recurso emerge)]:
1. - Em 12 de fevereiro de 2015, a Requerente e os Requeridos, na qualidade de herdeiros de DD e EE, outorgaram escritura de partilha, no Cartório Notarial ..., nos termos da qual adjudicaram em comum a cada um deles uma terça parte indivisa, dos prédios descritos na C.R.P. ... sob o n.º ...37, e do prédio n.º ...76, freguesia ..., registados em comum e sem determinação de parte ou direito pela inscrição Ap ...7 de 1996/12/18;
2. - A ação de divisão de coisa comum da qual o presente recurso emerge foi apresentada em juízo a 14.06.2023.
3. - Os requeridos foram citados a 20.06.2023 e apresentaram contestação a 05.09.2023.
4. - A 31.08.2023, os requeridos instauraram contra a requerente acção declarativa, sob o n.º 2522/23...., a correr temos no Juízo Central Cível - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, que tem por objecto obter a declaração de nulidade da escritura de partilhas celebrada em 12 de fevereiro de 2015 (que deu origem ao registo da propriedade dos imóveis a favor de ambas as partes nos presentes autos), com fundamento em simulação.
5. - Em 09 de setembro de 2021, a Requerente instaurou um processo de inventário, sob o n.º de processo 810/21...., que correu termos no Juízo Local Cível de Ponte de Lima do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, para partilha dos bens deixados por óbito de DD e mulher EE.
6. - No âmbito do aludido inventário, em 06-12-2021 os ora recorrentes deduziram oposição e impugnação, ao abrigo do disposto no art. 1104º do CPC, pugnando que, por ter sido outorgada entre os herdeiros uma escritura de partilha, o meio processual adequado era a divisão de coisa comum.
7. - O referido processo de inventário foi declarado extinto por deserção, mediantesentença proferida a 30.08.2023 e transitada em julgado a 04.10.2023.
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V - Fundamentação de Direito
A questão que está aqui em apreciação é a de saber se deverá (ou não) ser determinada a suspensão da instância da ação de divisão de coisa comum, em virtude da pendência de ação declarativa, que tem por objecto obter a declaração de nulidade da escritura de partilha celebrada em 12 de fevereiro de 2015 (que deu origem ao registo da propriedade dos imóveis a favor de ambas as partes nos presentes autos), com fundamento em simulação, entendendo os recorrentes que esta última constitui uma causa prejudicial.
A instância suspende-se, entre outros casos, quando o tribunal ordenar a suspensão ou houver acordo das partes (art. 269º, n.º 1, al. c) do CPC).
Sob a epígrafe “Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes”, estipula o art. 272º do CPC: «1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. 2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens. 3 - Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância. 4 – (…)».
Nos termos do citado normativo, para que o tribunal ordene a suspensão da causa com fundamento em causa prejudicial é necessário que[1]:
- a causa a suspender esteja dependente do julgamento de outra;
- que a acção prejudicial esteja já proposta;
- não haja fundadas razões para crer que a acção prejudicial foi intentada apenas para obter a suspensão da causa dependente; ou
- que a causa dependente não esteja tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
O preceito em análise concede ao tribunal o poder de ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, isto é, com o fundamento de pendência de causa prejudicial.
Nesse caso, a suspensão cessará com o julgamento definitivo da causa prejudicial, isto é, quando transitar em julgado a sentença proferida nessa causa (art. 276º, n.º 1, al. c), do CPC).
Se a decisão da causa prejudicial fizer desaparecer o fundamento ou a razão de ser da causa que estivera suspensa (causa dependente), é esta julgada improcedente (n.º 2 do mesmo artigo).
Permanece actual a noção do Prof. Alberto dos Reis[2] de que "uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda (...)", ou “quando a procedência tira a razão de ser à existência da segunda”, referindo ainda que "sempre que numa ação se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra ação, aquela é prejudicial em relação a esta".
Tal situação ocorre quando a causa prejudicial tenha por objeto uma questão cuja decisão possa modificar ou destruir o fundamento ou a razão de ser da causa dependente ou quando “tenha por objeto pretensão que constitui pressuposto da formulada”[3] nesta última. Dá-se como exemplo o da acção de nulidade de um contrato que será prejudicial em relação a outra em que se exija o cumprimento das obrigações dele emergentes.
Quando isso sucede, as duas causas não se reúnem, nem se apensam: «suspende-se o julgamento da causa subordinada até que se decida a causa prejudicial». No caso da coligação (art. 36º, n.º 1), a dependência reveste o caráter de acessoriedade (há um pedido principal e um pedido acessório, dependendo o êxito deste da procedência daquele); no caso do art. 272º, a dependência pertence ao tipo prejudicial: há uma ação prejudicial que, se for julgada procedente, inutiliza a acção subordinada ou dependente[4].
Também Miguel Teixeira de Sousa[5] considera que “a prejudicialidade refere-se a hipóteses de objectos processuais que são antecedentes da apreciação de um outro objecto que os inclui como premissas de uma decisão mais extensa” e que a “prejudicialidade (...) pode definir-se como a situação proveniente da impossibilidade de apreciar um objecto processual, o objecto processual dependente, sem interferir na análise de um outro, o objecto processual prejudicial”.
Podemos assim concluir, em tese geral, que a dependência ou nexo de prejudicialidade entre duas causas justificativa da suspensão da instância ocorre “quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito”[6].
Deste modo, “verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é a reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal»[7]. «Há efectivamente casos em que a questão pendente na causa prejudicial não pode discutir-se na causa subordinada; há outros em que pode discutir-se nesta. Na primeira hipótese o nexo de prejudicialidade é mais forte, na segunda mais frouxo; na primeira há uma dependência necessária, na segunda uma dependência meramente facultativa ou de pura conveniência»[8].
Sendo que, mesmo neste último caso, a suspensão é ou pode ser admissível, pois que a sua razão de ser é a «economia e coerência de julgamentos»[9], por se evitar estar a discutir o mesmo pressuposto em duas acções e por se criar as condições para respeitar a autoridade do caso julgado da acção prejudicial[10][11].
Este conceito é reforçado pela redação do n.º 2 do art. 276º do CPC, segundo o qual “[s]e a decisão da causa prejudicial fizer desaparecer o fundamento ou a razão de ser da causa que estivera suspensa, é esta julgada improcedente”.
Em comentário a este regime, escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa[12] o seguinte: “A suspensão da instância fora dos casos referidos nos preceitos anteriores constitui uma vicissitude que, face aos efeitos que projecta, deve ser interpretada com moderação. Assim acontece quando o motivo para a suspensão for centrado na pendência de uma causa prejudicial. (…) Por outro lado, deve comprovar-se uma efectiva relação de dependência, de tal modo que a apreciação do litígio esteja efectivamente condicionada pelo que venha a decidir-se na acção prejudicial, a qual constitui um pressuposto da outra decisão (vg, acção para cumprimento de um contrato e acção em que se invoque a nulidade desse contrato). (…) O nexo de prejudicialidade define-se assim: estão pendentes duas acções e dá-se o caso de a decisão de uma poder afectar o julgamento a proferir noutra; a razão de ser da suspensão, por pendência de causa prejudicial, é a economia e a coerência de julgamentos; uma causa é prejudicial em relação à outra quando a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda (…)”. Ainda que esses dois requisitos se verifiquem, o juiz deve negar a suspensão fundada na prejudicialidade quando se demonstra que a ação foi intentada precisamente para se obter a suspensão da outra ou, independentemente disso, quando o estado da causa tornar gravemente inconveniente a suspensão. É que não se pode ignorar que a suspensão obsta a que a instância prossiga naturalmente, o que pode revelar-se gravoso para os interesses que o autor procurou acautelar. Daí que, nessas situações, cumpra apreciar na ação todas as questões que tenham sido suscitadas».
É por uma questão de conveniência que o juiz suspende a instância. A lei dá ao juiz a faculdade, mas não lhe impõe a obrigação de suspender a instância, quando haja pendência de causa prejudicial.
Atento o critério acima enunciado importa verificar se a decisão que vier a ser proferida na acção n.º 2522/23.... (dita prejudicial) pode decisivamente influenciar a decisão que nesta (dita dependente), por seu turno, venha a ser exarada.
Para tanto será indispensável proceder à delimitação das duas ações em causa.
O processo cuja suspensão da instância é requerida, consubstanciando uma ação especial de divisão de coisa comum, tem por finalidade a divisão de coisa comum, sendo peticionada a declaração de indivisibilidade dos identificados prédios.
Como causa de pedir, alegou a requerente/recorrida que, juntamente com os requeridos, são proprietários em comum e na proporção de 1/3 para cada um de dois imóveis que identifica, tendo adquirido as suas quotas-partes nos indicados bens por partilha por óbito de DD e mulher EE, a qual foi outorgada por escritura de partilhas celebrada em 12 de fevereiro de 2015.
Diz não pretender permanecer mais tempo na indivisão e que nenhum dos prédios é passível de divisão.
Acontece que, antecipadamente à dedução da contestação apresentada nos autos de divisão de coisa comum, os requeridos/recorrentes intentaram uma acção declarativa com o n.º 2522/23...., que corre temos no Juízo Central Cível - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a qual tem por objecto obter a declaração de nulidade da escritura de partilhas celebrada em 12/02/2015 (da qual proveio a alegada compropriedade sobre os prédios e que deu origem ao registo da propriedade dos imóveis a favor de ambas as partes nos presentes autos), com fundamento em simulação.
Como é sabido, a ação especial de divisão de coisa comum destina-se a pôr termo à contitularidade de direitos reais (arts. 925º do CPC e 1412.º do CC).
Tem como objetivo proceder à divisão em substância da coisa ou, quando se apure ser esta indivisível, à respetiva adjudicação a um dos consortes ou venda a terceiros, com repartição do valor.
Na verdade, o processo especial de divisão de coisa comum previsto nos arts. 925º e seguintes do CPC, que adjetiva o regime substantivo geral do art. 1412º do Código Civil (segundo o qual qualquer comproprietário pode exigir a divisão, sem prejuízo da convenção de indivisibilidade, nos termos do seu n.º 2), tem como pressuposto a compropriedade sobre um bem e como objetivo a efetivação do direito à divisão, sendo considerada uma ação de natureza pessoal, que visa a modificação subjetiva e objetiva do direito de compropriedade, podendo extinguir a compropriedade[13].
O pedido respetivo consiste na divisão material da coisa de harmonia com os quinhões que forem fixados ou, sendo a coisa indivisível, na sua adjudicação ou venda, com a subsequente partilha do valor na proporção das quotas de cada um dos consortes (art. 925º do CPC).
Diversamente do que sucede na herança impartilhada – em que cada co-herdeiro tem direito a uma quota, fracção ideal, sobre o acervo de bens que a integram, mas não sobre bens determinados –, na compropriedade cada consorte tem o direito a uma quota, fracção ideal, sobre bens determinados, ainda que de coisas compostas se trate (art. 206° do CC)[14].
Acresce que põe-se termo à herança impartilhada[15]:
a) - mediante os procedimentos simplificados de sucessão hereditária previstos nos arts. 210º-A a 210º-R do C.Registo Civil ou por escritura pública de partilhas, se envolver bens imóveis - art. 2102°, n.º 1, do CC, quando:
- exista acordo de todos os interessados;
- e não haja lugar a inventário por imperativo do art. 2102°, n.º 2, do CC;
b) - por inventário judicial, quando:
- não haja acordo de algum dos interessados;
- ou, independentemente de acordo, haja lugar a inventário por força do disposto no art. 2102°, n.º 2, do CC.
Por sua vez, põe-se termo à compropriedade (sendo a coisa comum um imóvel):
a) - por escritura pública de divisão ou documento particular autenticado, quando se trate de imóveis e haja acordo entre todos os interessados (arts. 1413°, n.ºs 1 e 2, e 875º, ambos do CC);
b) - por acção de divisão de coisa comum, quando não exista acordo - arts. 1413°, n.º 1, do CC e 925° e segs. do CPC.
Por fim, dizer que a acção de divisão de coisa comum não é forma processualmente adequada para a partilha de herança indivisa.
Ora, no caso sub judice, afigura-se que a referida ação n.º 2522/23.... constitui, efetivamente, uma causa prejudicial em relação à ação de divisão de coisa comum.
É inquestionável que a causa a suspender (a ação de divisão de coisa comum) está dependente do julgamento da causa a correr termos na acção n.º 2522/23...., porquanto na presente ação não se questiona a validade da escritura de partilhas e pretende-se a divisão dos prédios comuns, dos quais as partes são comproprietários; já naqueloutra ação (proc. n.º 2522/23....) questiona-se a validade e eficácia da escritura de partilha celebrada em 12/02/2015, sendo pedido a título principal a declaração da nulidade da referida escritura (que serve de título ao direito de compropriedade dos contitulares feito valer na presente ação e que deu origem ao registo da propriedade dos imóveis a favor de ambas as partes nos presentes autos), com fundamento em simulação.
Assim, e em princípio, existirá um nexo de prejudicialidade entre uma ação em que se pretende efetivar a divisão de bens comuns alicerçada no direito de compropriedade estabelecidona escritura de partilha, cuja validade é discutida noutra ação (sendo idênticas as partes, ainda que em posições invertidas).
A divisão de coisa comum pressupõe a compropriedade dos contitulares; por isso estando pendente duas ações, uma destinada a colocar em causa a validade da partilha alcançada na escrituracelebrada em 12/02/2015, fundada em simulação, outra destinada a alcançar a divisão de bens comuns, aquela é prejudicial em relação a esta porque, uma vez anulada e declarada sem efeito a escritura de partilha, o pedido de divisão de coisa comum deixará de ter razão de ser, já que não terá suporte legal. O mesmo é dizer que a procedência da ação de simulação da escritura de partilhas prejudica o conhecimento da ação de divisão de coisa comum. Ou seja, a ação de divisão de coisa comum mostra-se dependente da decisão que vier a ser proferida na acção em que é alegada a simulação do acordo subjacente à escritura de partilhas.
Caso consigam naquela ação demonstrar a invocada causa de invalidade da partilha, a presente ação, tendo como pressuposto a validade da partilha formalizada na escritura, resultará fracassada.
Como vimos, este é um dos exemplos clássicos apontados pela doutrina para ilustrar o nexo de prejudicialidade ou dependência entre duas ações, posto estar em causa a acção de anulação de contrato de partilhas em relação à acção destinada a dividir os bens comuns.
A causa prejudicial tem por objeto a discussão duma questão central, saber se é ou não válida a partilha que determinou o direito de compropriedade sobre os imóveis em discussão, fundamento dos pedidos formulados.
Em suma, está-se, realmente, perante uma acção prejudicial.
Importa de seguida centrar a nossa atenção no segundo requisito atinente à anterioridade da ação prejudicial.
Segundo resulta do n.º 1 do art. 272º do CPC, a causa prejudicial há-de estar já proposta no momento em que a suspensão é ordenada. Não basta invocar que vai ser proposta uma causa prejudicial.
Contrariamente à posição sufragada na decisão recorrida – que entendeu só poder «concluir-se por uma relação de dependência ou prejudicialidade quando a decisão de uma causa depende do julgamento de outra já anteriormente instaurada», ou seja, pressupõe que a causa prejudicial tenha sido deduzida previamente à ação subordinada ou dependente –, quer-nos parecer que o que é necessário é que a causa prejudicial esteja proposta no momento em que se ordena a suspensão, nada interferindo a circunstância de ainda não estar proposta no momento em que se instaurou a causa dependente[16].
Na verdade, a expressão "já proposta" respeita manifesta e claramente ao momento em que o juiz profere o despacho de suspensão, visto estar em correlação com a outra prévia "o tribunal pode ordenar a suspensão".
Além disso, o n.º 2 do citado preceito mostra claramente que igualmente se quis admitir a suspensão com o fundamento de pendência de causa prejudicial proposta depois da causa a suspender, ao prever a hipótese de aquela ter sido intentada unicamente para se obter a suspensão ou de a causa dependente se encontrar tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
Não é, pois, pressuposto da possibilidade de suspensão que a acção prejudicial tenha sido instaurada em primeiro lugar[17].
A ordem da propositura das acções é irrelevante, pelo que a suspensão da instância pode ser decretada pelo tribunal mesmo que a acção prejudicial seja proposta quando a acção dependente já se encontre instaurada. O que é relevante é que as duas acções se encontrem pendentes[18].
Assim sendo, e no caso, também se verifica o enunciado segundo requisito, porquanto quando a Mm.ª juíza “a quo” apreciou o requerimento de suspensão da instância com fundamento em causa prejudicial já a ação n.º 2522/23.... tinha sido instaurada.
Portanto, a interpretação sistemática da lei não legitima a leitura que a Mm.ª Juíza da 1ª instância e a recorrida preconiza no sentido de que a suspensão só poderia ser ordenada para efeitos da 1ª parte do n.º 2 do art. 272.º quando a causa prejudicial fosse anterior à causa dependente.
Vejamos, por fim, se, no caso concreto, se encontra demonstrada alguma das duas situações previstas no n.º 2 do art. 272.º do CPC para obstar à suspensão: a ação prejudicial ter tido como único propósito obter a suspensão da causa dependente ou o adiantamento tal da causa dependente que os prejuízos com a suspensão superam as suas vantagens.
Centraremos a nossa análise no primeiro dos mencionados fundamentos que servem de obstáculo à suspensão, visto apenas este ter sido ponderado na decisão recorrida e ser objeto de impugnação na apelação deduzida.
A citada disposição significa, em primeiro lugar, que a circunstância de a causa prejudicial ser proposta depois da causa dependente não obsta, só por si, a que esta se suspenda; significa, por outro lado, que se o tribunal tiver fundadas razões para crer que com a proposição da causa prejudicial só se teve em vista conseguir a suspensão da causa dependente, ou, noutras palavras, se o juiz se convencer de que a causa prejudicial não tem probabilidades algumas de êxito (“não tem base séria”[19]) e foi proposta unicamente para fazer suspender a instância na causa dependente ou subordinada, deve indeferir o requerimento em que se peça a suspensão[20].
Vejamos, pois, se a requerente logrou demonstrar que aacção que constitui causa prejudicial foi proposta durante a pendência da acção dependente “unicamente” para obter a suspensão desta acção.
Para o efeito sobreleva o facto de, a 9 de setembro de 2021, a ora recorrida/requerente ter intentado um processo de inventário que correu termos sob n.º 810/21...., visando a partilha dos bens deixados por óbito de seus pais, incluindo-se nessa herança indivisa os prédios objeto da ação de divisão de coisa comum, tendo alegado existirem bens a partilhar e não haver acordo entre os interessados quanto à partilha.
No âmbito do aludido inventário, em 06-12-2021, os ora recorrentes apresentaram oposição e impugnação, ao abrigo do disposto no art. 1104º do CPC, onde referiram que, por ter sido outorgada entre os herdeiros uma escritura de partilha, o meio processual adequado era a divisão de coisa comum. Mais concluíram que:
“24º Pelo que, o presente inventário não é admissível, por não existirem quaisquer bens a partilhar, devendo os interessados serem absolvidos da instância. 25º Se a alegada cabeça de casal, pretende colocar fim à compropriedade, o meio idóneo para o efeito é a divisão de coisa comum e não a partilha”.
O referido inventário veio a findar por deserção da instância.
Sucede que, citados para a ação de divisão de coisa comum e cinco dias antes de apresentarem a respetiva contestação, os ora recorrentes intentaram uma ação declarativa autónoma – a aludida acção n.º 2522/23.... – na qual peticionam a declaração de nulidade da escritura de partilha, fundada em simulação.
A verdade é que essa postura dos recorrentes não só reveste foros de novidade – visto que jamais havia sido anunciada ou invocada –, como inclusivamente é contrária à posição processual por si anteriormente assumida no referido processo de inventário, posto que aí expressamente invocaram não existirem bens a partilhar, pois que os mesmos haviam sido partilhados por escritura de partilha de 12/02/2015, outorgada por todos os herdeiros e que a situação jurídica em causa se tratava de uma compropriedade, sendo que o meio jurídico adequado para pôr fim à compropriedade dos bens conferida pela escritura de partilhas seria a ação especial de divisão de coisa comum, e não a partilha.
Instaurada esta ação especial – que eles próprios consideraram ser o meio processual idóneo para fazer terminar a compropriedade –, pugnam agora os recorrentes pela nulidade da referida escritura de partilha, fundada em simulação.
Ora, na decorrência do que expusemos, ao intentarem a referida acção visando obter a declaração de nulidade da escritura de partilha, afigura-se-nos ser legitimo subscrever o juízo firmado pela Mm.ª Juíza “a quo” no sentido de ser inferir que o propósito único por eles pretendido é o de impedir o regular andamento da ação de divisão de coisa comum, através da qual a recorrida visa pôr fim à compropriedade.
Propendemos, pois, a considerar que a ação de simulação foi proposta pelos Recorrentes com uma única ou exclusiva finalidade, qual seja, a de paralisar o normal andamento da ação.
Os recorrentes vão redefinindo o seu posicionamento em função dos processos com que são confrontados, desdizendo ou contrariando o que antes haviam propugnado.
Assim, como bem concluiu a recorrida, “o seu intuito é manifestamente dilatório, vertendo nos seus articulados a versão dos factos consoante aquilo que, naquele processo, mais lhes é conveniente”.
A acrescer – e sem pretendermos influir ou condicionar no que virá a ser decidido na acção n.º 2522/23...., ressalve-se –, em face da causa de pedir invocada afigura-se-nos que não se mostram sequer alegados factos constitutivos dos requisitos da simulação conducentes à nulidade da partilha.
Segundo o n.º 1 do art. 240º do CC, “se, por acordo entre declarante e declaratário e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”.
O negócio simulado, diz-nos o n.º 2 do art. 240º do Código Civil, é nulo.
A simulação é a divergência intencional entre o que se quer (a vontade) e o que se diz (a declaração), procedente de um acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros.
São requisitos da simulação:
1º - A divergência intencional entre a declaração negocial e a vontade real (o declarante não só tem consciência da divergência entre a vontade declarada e a real, mas quer ainda, de uma forma livre e propositada, emiti-la nesses termos);
2º - A existência de um conluio simulatório (pactum simulationis) em que as partes declaram ter realizado um acto que, na verdade, não quiseram realizar;
3º - O intuito de enganar ou iludir terceiros (o animus decipiendi), que não se confunde com o intuito de prejudicar, isto é, de causar um dano ilícito (animus nocendi).
Para que haja simulação é necessário que os três apontados requisitos se verifiquem cumulativamente.
Ora, no caso, tomando por base a causa de pedir que serve de fundamento à acção n.º 2522/23....[21] e atendendo à alegação aduzida pelos recorrentes na presente ação com vista a obter a suspensão da instância[22], deles não se evidencia o requisito atinente ao intuito de enganar ou iludir terceiros (o animus decipiendi), além de que laboram em erro quanto aos efeitos jurídicos anteriores e subsequentes à outorga da escritura de partilha.
Isto porque, como se disse, até à partilha os herdeiros são apenas titulares de um direito sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados. Enquanto não se fizer a partilha, os herdeiros têm sobre os bens que constituem a herança indivisa um direito indivisível, recaindo tal direito sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados desta. Só após a atribuição dos bens em partilha e a individualização de um direito de propriedade sobre uma quota de um prédio é que cada consorte passa a ser titular de um direito a uma quota sobre bens concretos e determinados[23]. Donde se entenda que «a compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, ao invés do que sucede na contitularidade do direito à herança que recai obre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará»[24].
Assim, e ao contrário do que supõem os recorrentes, antes da partilha apenas eram titulares de um direito sobre a herança que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota; já após a partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, passaram a ser donos, em regime de compropriedade, dos bens dessa universalidade que lhes foram adjudicados. Não é por isso curial afirmar que, apesar das partes terem declarado na escritura que procediam à partilha dos imóveis cuja divisão aqui é requerida, nada partilharam porque se mantiveram proprietários de uma terça parte indivisa dos aludidos imóveis.
Serve isto para concluir que as probabilidades de êxito da referida ação são ténues ou diminutas, pois não se afigura ter “base séria”.
Acresce ainda que o processo especial para divisão de coisa comum comporta duas fases fundamentais[25]:
a) Uma de natureza declarativa (arts. 925º a 928º do CPC), que visa decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão que foi invocado.
É nesta fase declarativa que se apreciam as questões relativas à natureza comum da coisa e das suas características materiais, dos quinhões e da divisibilidade material e jurídica da coisa dividenda.
b) Uma de natureza executiva (art. 929º do CPC), na qual se vai materializar, fundamentalmente por meio de perícia, o direito que foi definido na fase declarativa ou afirmado sem contestação pelo autor.
Por referência à fase declarativa, resulta do art. 926.º, n.º 1, do CPC que, deduzida pelo requerente a pretensão de pôr termo à indivisão de coisa comum, será o requerido citado para contestar no prazo de 30 dias a ação.
Na contestação, o requerido poderá, nomeadamente, deduzir exceções dilatórias; impugnar a compropriedade arrogando-se, por exemplo, proprietário exclusivo da coisa; negar ao autor ou aos demais requeridos o direito a qualquer quota-parte; contrariar o volume de quotas indicado pelo autor; suscitar a questão da indivisibilidade material da coisa; suscitar questões que tenham a ver com as características físico-materiais da coisa, como sejam confrontações, áreas, etc.
No caso de se suscitar alguma destas questões, o Tribunal terá de as conhecer e decidir na fase declarativa da ação de divisão de coisa comum, ou por meio incidental, nos termos do disposto no art. 926º, n.º 2 do CPC, que remete para os arts. 294º e 295º do mesmo diploma, revestindo a questão de simplicidade, ou, entendendo que a questão se reveste de complexidade, deverá ordenar o prosseguimento dos autos segundo a tramitação prevista para o processo comum.
Ora, no caso em apreço não estavam os recorrentes impedidos de invocar, em sede de contestação, a título de excepção, a nulidade da escritura de partilha, com fundamento em simulação.
Ao invés, optaram antes por suscitar essa questão em ação autónoma instaurada na véspera – cinco dias antes – da dedução da contestação na ação de divisão de coisa comum.
Por conseguinte, está configurada uma situação de prejudicialidade ou causa prejudicial em sentido fraco, nos termos sobreditos, a qual não impunha, necessariamente, a suspensão da presente acção.
As mencionadas incidências jurídico-processuais reforçam a convicção no sentido de que a propositura da causa prejudicial teve como propósito único ou exclusivo paralisar ou obstaculizar o regular enormal andamento da ação de divisão de coisa comum, através da sua suspensão.
Assim, não obstante a verificação da causa prejudicial e da pendência dessa ação à data da apreciação do requerimento de suspensão da instância, é de negar a suspensão fundada na prejudicialidade por estar demonstrado que a acção foi intentada precisamente para se obter a suspensão da outra.
Nada há por isso a censurar ao juízo que concluiu pela verificação do obstáculo à suspensão da instância previsto na 1ª parte do n.º 2 do art. 272º do CPC, malgrado a pendência de uma causa prejudicial.
Termos em que, concluindo-se pela improcedência da apelação interposta pelos requeridos, é de confirmar a decisão recorrida.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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VI. Decisão
Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo dos recorrentes.
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Guimarães, 21 de novembro de 2024
Alcides Rodrigues (relator)
Maria dos Anjos Nogueira (1ª adjunta)
António Figueiredo (2º adjunto)
[1] Cfr. Acs. desta Relação de 15/06/2022 (relatora Sandra Melo) e de 7/12/2023 (relatora Anizabel Sousa Pereira), in www.dgsi.pt. [2] Cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, pp. 268 e 206 e Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1982, p. 384. [3] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, 2018, pp. 550/551(anotação ao art. 272º). [4] Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pp. 206/207. [5] Cfr. Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXIV, p. 306. [6] Cfr. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume II, 3ª ed., 2000, p. 43; Ac. do STJ de 06/07/2005 (relator Araújo Barros), Ac. da RC de 2019.06.11 (relator Carlos Moreira) e da Ac. RP de 27/03/2014 (relator Amaral Ferreira), disponíveis in www.dgsi.pt. [7] Cfr. Manuel de Andrade, Lições Elementares de Processo Civil, pp. 491/492. [8] Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, p. 269.
Como exemplos de dependência necessária indica os casos da ação de anulação de casamento e ação de divórcio ou de separação; ação de anulação de testamento e ação de petição de herança proposta pelo herdeiro testamentário. E, como exemplos de dependência facultativa, dá o caso da ação de anulação de contrato e ação a exigir o respetivo cumprimento; ação de divida e ação paulina proposta pelo autor daquela. [9] Cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, p. 268/269/272. [10] Cfr. Ac. da RL de 10.11.2022 (relator Pedro Martins), in www.dgsi.pt. [11] A decisão de suspender a acção dependente, segundo a fundamentação do Ac. da RE de 10-11-2022 (relatora Anabela Luna de Carvalho), in www.dgsi.pt., «tem em vista evitar que, para salvaguarda da unidade do sistema jurídico e da harmonia das decisões judiciais, sejam proferidas decisões contrárias e incompatíveis entre si. Subjacente à suspensão da instância por prejudicialidade estão considerações de racionalidade processual, pois se a decisão de uma das ações retira a razão de ser à outra, então não faz sentido desenvolver atividade jurisdicional na ação que resultará prejudicada por tal decisão». [12] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pp. 314 e 315. [13] Cfr. Ac. da RL de 2/03/2023 (relator Carlos Castelo Branco), in www.dgsi.pt. [14] Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2017, Almedina, pp. 18/19. [15] Na exposição seguiremos de perto Manuel Tomé Soares Gomes, Acção de Divisão de Coisa Comum, CEJ, policopiado. [16] Cfr. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pp. 288/291; Ary de Almeida Elias da Costa, Fernando Carlos Ramalho da Silva Costa, João A. Gomes Figueiredo de Sousa, Código de Processo Civil Anotado e Comentado, 3º vol., Almedina, 1974, pp. 478/479; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo (…), Vol. 1.º, p. 551 (anotação ao art. 272º). [17] Cfr. Ac. da RL de 10.11.2022 (relator Pedro Martins), in www.dgsi.pt. [18] Cfr. MTS CPC ONLINE CPC - LIVRO II, p. 156. [19] Cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, (…), p. 384. [20] Cfr. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, p. 289 e Ary de Almeida Elias da Costa, Fernando Carlos Ramalho da Silva Costa, João A. Gomes Figueiredo de Sousa, Código de Processo Civil Anotado e Comentado, 3º vol., Almedina, 1974, p. 481. [21] Cuja cópia da petição inicial consta de fls. 32 a 39. [22] Resumidamente, alegam os recorrentes que:
Na partilha outorgada em 12.02.2015 as partes adjudicaram em comum a cada um dos aqui Recorrida e Recorrentes uma terça parte indivisa dos prédios que identificam, registados em comum e sem determinação de parte ou direito pela inscrição Ap ...7 de 1996/12/18;
Até à data da escritura de partilha todos os herdeiros, aqui Recorrentes e Recorrida, eram proprietários de uma terça parte indivisa da herança de seus Pais e depois da escritura de partilha celebrada no dia 12.02.2015, todos se mantiveram titulares de uma terça parte indivisa da herança de seus pais.
Na prática nada mudou depois da escritura de partilha.
Não obstante as partes terem declarado na escritura que procediam à partilha dos imóveis cuja divisão aqui é requerida, na verdade nada partilharam porque se mantiveram proprietários de uma terça parte indivisa dos aludidos imóveis.
Nada partilharam de facto embora tivessem declarado partilhar.
As partes decidiram aparentar uma partilha do património deixado pelos seus pais, quando na verdade nada partilharam, nem nada pretendiam partilhar, declarando-o apenas por tal documento de partilha ser necessário para apresentarem a sua candidatura ao programa de incentivos PRODER-Programa de desenvolvimento rural, a fim de beneficiarem dos incentivos tinham de comprovar ser proprietários dos imóveis.
Ora, apesar das declarações de vontade emitidas na aludida escritura, os Autores e a Ré nada partilharam, nem quiseram partilhar! [23] Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2017, Almedina, pp. 18/19. [24] Cfr. Ac. do STJ de 30/01/2013 (relator Álvaro Rodrigues), in www.dgsi.pt.. [25] Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2017, Almedina, pp. 86/87.