PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
MEDIDA DE APOIO JUNTO DOS PAIS
APOIO ECONÓMICO
Sumário


I - A medida de apoio junto dos pais consiste em proporcionar à criança ou jovem apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda económica (art. 39.º da Lei n.º 147/99, de 1/09).
II - Assume aqui particular importância o apoio económico estabelecido no art. 13.º do Dec. Lei n.º 12/2008, de 17 de janeiro, que «consiste na atribuição de uma prestação pecuniária, a pagar pelos serviços distritais da segurança social, para a manutenção da criança ou do jovem, ao agregado familiar com quem reside, tendo como fundamento a necessidade de garantir os cuidados adequados ao desenvolvimento integral da criança ou jovem».
III - Numa situação em que a prestação de apoio económico foi erigida como essencial à execução da medida de promoção e proteção aplicada e inexistindo dos autos qualquer elemento que aponte no sentido da desnecessidade de manutenção dessa prestação, é de manter a sua atribuição.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

O Magistrado do Ministério Público junto do Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a 29/03/2023 requereu, nos termos dos arts. 3.º, n.ºs 1 e 2, als. a), c) e g), 9.º, n.º 8, 11.º, n.º 1, alínea c), 34.º, alíneas a) e b), 72.º, n.º 1, 79.º, n.º 1, 81º, 91.º, 101.º, n.º 1 e 105.º, n.º 1, todos da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, a abertura judicial de processo de promoção e protecção a favor do jovem AA, nascido a ../../2009.

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Em conferência de pais realizada no dia 03/07/2023, foi homologado o acordo de promoção e proteção, na qual ficou determinada a aplicação à criança AA da medida de apoio junto dos pais, prevista no art. 35º, n.º 1 al. a), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, na pessoa da mãe, que assegurará os cuidados de alimentação, higiene, educação e saúde.
A medida aplicada teria a duração de seis meses, devendo a técnica gestora do processo apresentar relatório um mês antes do termo do prazo para a revisão da medida.
Ficou ainda estabelecido que a Segurança Social prestaria apoio económico em meio natural de vida no montante de 200,00€ mensais, quantia que também seria utilizada para as despesas extra curriculares que o jovem frequentasse.
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No relatório apresentado a Segurança Social deu o seguinte parecer técnico:
«Pelo exposto, consideramos que os pressupostos que determinaram a instaurarão do presente processo de promoção e proteção persistem, continuando o AA a necessitar do acompanhamento que lhe tem vindo a ser proporcionado pela escola e a progenitora a ser sensibilizada para não assumir uma atitude de permanente confronto com a escola e de abordar os técnicos envolvidos no acompanhamento do filho de forma intempestiva, alegando que estes se intrometem na sua vida pessoal e familiar».
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Cumprido o disposto no art. 85º da Lei n.º 47/99, a mãe do jovem, a 11/12/2023, pronunciou-se no sentido da prorrogação da medida de apoio junto dos pais nos termos estabelecidos no acordo de promoção e protecção.
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Datado de ../../2023, foi proferido despacho que determinou “a manutenção da medida de apoio junto dos pais aplicada à criança AA, nos termos dos artigos 35º 1 a), 39º, 61º, 62º, nº 1 e 3 c) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, pelo período de um ano”.
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Do referido despacho não foi apresentado recurso.
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A ../../2024, a Segurança Social solicitou esclarecimento se, em face daquele despacho, deveria continuar a atribuir o apoio económico em meio natural de vida que vinha a ser atribuído.
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A ../../2024, o Ministério Público promoveu a prolação de «despacho sobre a questão suscitada, afigurando-se que será de manter o apoio económico à família».
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Datado de ../../2024, foi proferido despacho que determinou a solicitação de esclarecimentos acerca da necessidade de prorrogação da aplicação da medida de apoio económico em meio natural de vida, porquanto nem no requerimento de ../../2024, «nem na informação social de 23/11/2023 que motivou o despacho de revisão da medida de ../../2023, se fundamenta[va] a necessidade de manutenção de tal apoio económico».
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Notificada, a mãe do jovem informou o Tribunal de que a Segurança Social apenas pagou o apoio económico no montante de 200,00€ correspondente aos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro do ano de 2023, faltando receber dois meses daquele período inicial de seis meses.
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A 2/05/2024, a Segurança Social apresentou parecer no sentido de que, «tendo em consideração que a atribuição do apoio económico em meio natural de vida tinha como objetivo o pagamento de atividades extra-curriculares que o menor frequentasse e uma vez que a frequência de atividades extra-curriculares pelo menor não se concretizaram», não se justifica a prorrogação do referido apoio económico».
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O Ministério Público deu a sua adesão ao referido parecer.
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Datado de 6/05/2024, foi proferido o seguinte despacho:
«Emails do ISS, IP de 23/4/2024 e 2/5/2024: por desnecessidade, cessa a medida de apoio económico em meio natural de vida, que aliás já não estava prevista no despacho de revisão de ../../2023, não sendo devido desde essa data.
Notifique».
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Cumprido o disposto no art. 85º da Lei n.º 47/99, a mãe do jovem, a 12/09/2024, requereu:
«- Que se ordene o pagamento dos meses em falta relativamente ao apoio económico no valor de 200€/mensais que a Segurança Social deveria ter pago e que não pagou, no total de 2000,00€ correspondente a 10 meses em falta.
- Que se determine a cessação da medida de promoção e protecção aplicada nos presentes autos».
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O Ministério Público promoveu o indeferimento dessa pretensão.
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Datado de 20/09/2024, foi proferido despacho com a seguinte fundamentação/decisão (na economia do recurso em apreço):
«A progenitora requer o pagamento do apoio económico que diz não receber desde dezembro de 2023, sem razão que o justifique.
Opõe-se o Ministério Público, porquanto foi cessado tal apoio em dezembro de 2023 como ordenado no despacho de 6/5/2024: cessa a medida de apoio económico em meio natural de vida, que aliás já não estava prevista no despacho de revisão de ../../2023, não sendo devido desde essa data.
Assim, indefiro o pedido de pagamento de tal apoio.
(…)».
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No referido despacho foi também declarada cessada a medida aplicada de apoio junto da mãe ao abrigo do disposto no art. 62.º n.º 3 a) e 4 da Lei n.º 47/99.
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Inconformada, a mãe do menor interpôs recurso daquela decisão – no tocante unicamente ao segmento que indeferiu o pedido de pagamento de apoio económico – e, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1º
Nos presentes autos, foi realizado acordo de Promoção e Proteção, em conferência de pais no dia 03/07/2023, tendo ficado determinado que era aplicada ao menor AA a medida de apoio junto dos pais nos termos prevista no artigo 35º nº 1 al. a) da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo na pessoa da mãe que asseguraria os cuidados de alimentação, higiene, educação e saúde.

Ficou ainda estabelecido que a Segurança Social prestaria apoio económico em meio natural de vida no montante de 200,00€ mensais a ser utilizada para as despesas extra curriculares que o jovem frequentasse.

O Tribunal proferiu douto despacho datado de ../../2023 onde determinou “a manutenção da medida de apoio junto dos pais aplicada à criança AA, nos termos dos artigos 35º 1 a), 39º, 61º, 62º, nº 1 e 3 c) da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, pelo período de um ano.

Pelo que medida aplicada renovou-se nos exactos termos em que funcionava até ali, sem qualquer alteração.

Daquele douto despacho não foi apresentado recurso, pelo que, salvo o devido respeito transitou em julgado.

Posteriormente, em 28/02/2024 a recorrente foi notificada do douto despacho com a referencia ...71 onde ordena que sejam solicitados esclarecimentos acerca da manutenção/prorrogação do apoio económico.

A recorrente teve oportunidade de informar este tribunal do facto de a Segurança Social apenas ter pago o apoio económico no montante de 200,00€ correspondente aos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro do ano de 2023, não tendo obtido resposta por parte do Tribunal “ a quo”.

Já no pretérito mês de setembro a requerente no momento em que se pronunciou para os efeitos do artigo 85º da lei nº 147/99 sobre a aplicação de revisão ou cessação da medida de promoção e proteção, e depois de expor a falta de pagamento do referido apoio monetário e requereu ao Tribunal que “se ordene o pagamento dos meses em falta relativamente ao apoio económico no valor de 200€ /mensais que a segurança social deveria ter pago e que não pagou, no total de 2000,00€ correspondente a 10 meses em falta.”

Ora o Tribunal pronunciou-se agora relativamente a pedido da progenitora concluindo que “A progenitora requer o pagamento de apoio económico que diz não receber desde dezembro de 2003, sem razão que justifique. Opõe-se o Ministério Público, porquanto foi cessado tal apoio em dezembro de 2023 como ordenado no despacho de 6 de maio 2024: cessa a medida de apoio económico em meio natural de vida que aliás já não se encontrava prevista no despacho de revisão de ../../2023, não sendo devido desde essa data. Assim indefiro o pedido de pagamento de tal apoio”.
10º
Na verdade o Tribunal “a quo” remete a sua decisão para o douto despacho alegadamente proferido em 06/05/2024, despacho que alegadamente havia cessado a medida de apoio económico em meio natural de vida.
11º
Sucede porém que a recorrente não teve conhecimento daquele douto despacho de 06/05/2024 porque não lhe foi notificado, nem a ela nem ao patrono nomeado.
12º
Ora não tendo conhecimento daquele despacho, bem como das razões que determinaram a cessação do apoio económico, por dele não ter sido notificado, ficou desde logo a requerente/progenitora impedida de exercer o direito ao contraditório e dele apresentar a respectiva reclamação ou recurso conforme faculdade que tinha.
13º
E como tal o douto despacho de 06/05/2024 não pode produzir os seus efeitos e não pode agora ser invocado como resposta ao peticionado pela requerente/recorrente, pelo que é nulo, nulidade que se deixa desde já invocada para os devidos efeitos legais.
14º
Por conseguinte, é nulo também o douto despacho do qual agora se recorre, nulidade que se deixa desde já invocada, devendo em consequência serem declarados nulos todos os actos praticados depois de 06/05/2024 e que tenham na sua base aquele douto despacho.
15º
Devem, V. Exas. em consequência ordenar o Tribunal “a quo” a cumprir todos os formalismos legais e dar conhecimento de todos os eventuais despachos proferidos, e que tenham interesse na decisão de cessação da medida de apoio económico para que a recorrente dele possa tomar posição.
16º
Sem ter conhecimento daquilo que se passa no processo, a recorrente não pode exercer o contraditório, nomeadamente aduzir os fundamentos que entenda como convenientes e que possam contradizer o eventual entendimento tanto da Segurança social, como do Ministério publico como ainda do Tribunal no que se refere à manutenção ou cessação do apoio económico.
Sem prescindir…
17º
Por outro lado, salvo melhor entendimento, o despacho de revisão da medida de promoção e proteção, datado de 20/12/2023 e que prorrogou a medida de apoio junto dos pais por um ano, é total e completamente omisso relativamente ao valor devido a título de apoio económico.
18º
Na verdade aquele douto despacho decidiu pela manutenção da medida anteriormente aplicada, nos exactos termos em que havido sido inicialmente aplicada, ou seja, materializava-se pelo acompanhamento junto da mãe, com o cumprimento das orientações transmitidas pela técnica gestora do processo, com o acompanhamento psicológico do AA e ainda com a prestação de um apoio económico em meio natural de vida no montante de 200.00€.
19º
O Tribunal “a quo” jamais notificou a recorrente para se pronunciar acerca da eventual cessação do apoio económico que teria de receber nos termos e para os efeitos do citado artigo 85º.
20º
A recorrente ficou, por isso, impedida de se pronunciar acerca desta questão anteriormente porque dela não teve conhecimento, mas caso o tivesse teria certamente apresentado recurso porque com ela não pode concordar.
21º
Portanto o referido apoio económico cessou sem qualquer justificação que o determinasse, e sem que a recorrente tivesse sido informado de tal facto e se pudesse defender ou contradizer os motivos da eventual cessação.
22º
O despacho agora proferido e do qual se recorre enferma de uma nulidade, tanto porque violou-se o direito do contraditório e de resposta da recorrente, como por total falta de fundamentação quando decide indeferir o pagamento do apoio económico devido tendo por base uma cessação desse apoio, que em si também não podia ser decretada.
23º
Nestes termos, face ao exposto, violou o douto despacho proferido o disposto nos artigos 35º nº 1 al. a), 36º, 39º, 56º, 59º, e 85º da LPCJP.
24º
Assim, nestes termos, requer-se aos Venerandos Juízes Desembargadores que, declarando-se a nulidade do despacho seja o mesmo substituído por outro que ordene o pagamento dos meses em falta relativamente ao apoio económico no valor de 200€ /mensais que a segurança social deveria ter pago e que não pagou, no total de 2.000,00€ correspondente a 10 meses em falta.

TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXAS. CONCEDAM PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO E CONSEQUENTEMENTE REVOGEM O DOUTO DESPACHO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE PAGAMENTO DE APOIO ECONÓMICO NÃO PAGO PELA SEGURANÇA SOCIAL, DECLARANDO A NULIDADE DESSE BEM COMO DO DOUTO DESPACHO PROFERIDO EM 06/05/2024 ANULANDO-SE TODOS OS DEMAIS ACTOS PRATICADOS NO PROCESSO TENDO POR BASE AQUELE REFERIDO DESPACHO, COMO É DE INTEIRA
JUSTIÇA».
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O Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso e confirmação da decisão recorrida (ref.ª ...98).
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª ...52).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso       
      
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal através da presente apelação consistem em saber:

1. Nulidade(s) da decisão recorrida;
2. Da prestação do apoio económico.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.
As incidências fáctico-processuais relevantes para a decisão do presente recurso são as que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos). 
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V. Fundamentação de direito.

1. Nulidade(s) da decisão recorrida.
Pugna a recorrente pela violação do contraditório, porquanto não teve conhecimento do despacho de 06/05/2024, bem como das razões que determinaram a cessação do apoio económico – por não lhe ter sido notificado, nem a si, nem ao patrono nomeado –, o que a impediu de exercer o direito ao contraditório e dele apresentar a respectiva reclamação ou recurso conforme faculdade que tinha.
E – acrescenta – não podendo tal despacho produzir os seus efeitos, por ser nulo, essa nulidade estende-se ao despacho recorrido (de 20/09/2024), posto este ter na sua base aqueloutro despacho.
Mais pugna pela nulidade do despacho recorrido, quer por violação do direito do contraditório e de resposta da recorrente – pois o Tribunal “a quo” jamais notificou a recorrente para se pronunciar acerca da eventual cessação do apoio económico nos termos e para os efeitos do art. 85º da LPCJP –, quer por total falta de fundamentação quando decide indeferir o pagamento do apoio económico devido tendo por base uma cessação desse apoio, que não podia ser decretada.
Vejamos como decidir.
Como é sabido, as nulidades processuais “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa dos actos processuais[1], na medida em que os atos processuais são atos instrumentais que se inserem na complexa unidade de um processo, de tal sorte que cada ato é, em certo sentido, condicionado pelo precedente e condicionante do subsequente, repercutindo-se mais ou menos acentuadamente no ato terminal do processo, pondo em risco a justiça da decisão[2].
Porém, como refere Alberto dos Reis[3], há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos.
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos arts. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e, por sua vez, as irregularidades (nulidades secundárias, atípicas ou inominadas) estão incluídas na previsão geral do art. 195º do CPC.
Atento o disposto no referido art. 195º e segs. do CPC, as nulidades processuais (inominadas) podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Não se trata de vícios que respeitem ao conteúdo do ato, mas tão só de vícios atinentes à sua existência ou formalidades[4].
Tais irregularidades só determinam a nulidade do processado a) quando a lei assim expressamente o declare ou b) quando o vício cometido possa influir no exame ou na decisão da causa (ou seja, quando se repercutem na sua instrução, discussão ou julgamento ou, no processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento)[5].
E se o primeiro caso não levanta dúvidas, no segundo caso é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa[6].
Este sistema remete o juiz para uma análise casuística, suscetível de só invalidar o ato que não possa, de todo, ser aproveitado, sendo certo que a nulidade de um ato acarreta a invalidação dos atos da sequência processual que daquele dependam absolutamente[7].
A verificação dos pressupostos da nulidade processual não se basta com uma apreciação em abstrato, carecendo, sim, de ser aferida em função das circunstâncias do caso concreto, de modo a poder concluir-se que a irregularidade verificada era suscetível de influir no exame ou na decisão da causa.
Não obstante a distinção entre a nulidade processual e a nulidade da sentença, não ignoramos que dentro de certa linha de entendimento[8] se tem considerado que a “omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa”, configura a nulidade da sentença/despacho, por excesso de pronúncia. Nestas circunstâncias, o juiz está a tomar conhecimento de questão não suscitada pelas partes, sem prévio exercício do contraditório, o mesmo é dizer que se pronuncia sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir as partes sobre a matéria. Noutros termos, a violação da proibição das decisões-surpresa implica a nulidade da própria decisão-surpresa[9].
Sob a epígrafe “Necessidade do pedido e da contradição”, prevê o art. 3º do CPC:
«1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
(…)».
Atenta a manifestação positiva do princípio do contraditório plasmada no citado art. 3º, n.º 3, do CPC, às partes deve ser garantido o direito de influenciar o desenvolvimento e o resultado final da atividade jurisdicional.
Explicam Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[10] que o n.º 3 do art. 3º do CPC consagra o princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão-surpresa, acrescentando que «não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito de fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão».
Refere o Tribunal Constitucional[11] que o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder «deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras».
Com esse contexto, consagra a lei processual civil, na leitura que dela vem sufragando o Tribunal Constitucional, que a correcta compreensão do princípio não se basta com a garantia de que as partes tenham a possibilidade de intervir no processo, tendo conhecimento e possibilidade de pronúncia quanto aos pedidos que deduzem ou contra si são deduzidos. Incluindo tal garantia, implica ainda que as partes possam pronunciar-se quanto a questões determinantes para a decisão a proferir e que, constituindo novidade no processo, não tenham sido objecto de pronúncia no decurso do normal contraditório previsto na tramitação processual.

Nos termos do art. 85.º (“Audição dos titulares das responsabilidades parentais”) da LPCJP:
«1 - Os pais, o representante legal e as pessoas que tenham a guarda de facto da criança ou do jovem são obrigatoriamente ouvidos sobre a situação que originou a intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção.
2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as situações de ausência, mesmo que de facto, por impossibilidade de contacto devida a desconhecimento do paradeiro, ou a outra causa de impossibilidade, e os de inibição do exercício das responsabilidades parentais».
Assegura-se, com o citado normativo, a concretização do princípio da audição obrigatória e participação, enquanto princípio orientador da intervenção, previsto na al. j) do art. 4º da LPCJP.

O art. 104.º (“Contraditório”) da LPCJP prescreve:
«1 - A criança ou jovem, os seus pais, representante legal ou quem tiver a guarda de facto têm direito a requerer diligências e oferecer meios de prova.
(…)
3 - O contraditório quanto aos factos e à medida aplicável é sempre assegurado em todas as fases do processo, designadamente na conferência tendo em vista a obtenção de acordo e no debate judicial, quando se aplicar a medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º».

O art. 122.º-A (“Notificação da decisão”) prevê:
«A decisão é notificada às pessoas referidas no n.º 2 do artigo seguinte, contendo informação sobre a possibilidade, a forma e o prazo de interposição do recurso».

E o art. 123.º (“Recursos”) da LPCJP estatui:
«1 - Cabe recurso das decisões que, definitiva ou provisoriamente, se pronunciem sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas de promoção e proteção e sobre a decisão que haja autorizado contactos entre irmãos, nos casos previstos no n.º 7 do artigo 62.º-A.
2 - Podem recorrer o Ministério Público, a criança ou o jovem, os pais, o representante legal e quem tiver a guarda de facto da criança ou do jovem.
(…)».
Delineado o quadro legal relevante, vejamos agora o caso concreto sob apreciação.
Tendo a recorrente sido notificada do despacho de ../../2023 que determinou a «manutenção da medida de apoio junto dos pais aplicada à criança AA, nos termos dos artigos 35º 1 a), 39º, 61º, 62º, nº 1 e 3 c) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, pelo período de um ano», a verdade é que não foi notificada – nomeadamente na pessoa do seu patrono – do despacho de 6/05/2024, que declarou a cessação, por desnecessidade, da medida de apoio económico em meio natural de vida.
Embora no referido despacho tenha sido expressamente determinada a sua notificação, constata-se não ter sido cumprida essa determinação.
Dir-se-ia, pois, assistir razão à recorrente quando refere que essa omissão a impediu de apresentar a respectiva impugnação à decretada cessação da medida de apoio económico.
Contudo, se bem atentarmos no despacho subsequente de 20/09/2024 (que consubstancia o despacho recorrido), o Mm.º Juiz “a quo”, ainda que com uma fundamentação não integralmente decalcada da que aduziu no despacho de 6/05/2024, acaba por reiterar a cessação da medida e daí que julgue improcedente o pedido de pagamento do apoio económico formulado pela progenitora do menor.
Ora, tendo interposto recurso do referido despacho (de 20/09/2024), a recorrente não deixou de colocar em causa os fundamentos da cessação da prestação de apoio económico, afirmando para o efeito que o referido apoio cessou sem qualquer justificação que o determinasse.
Daí que, em concreto, não se possa concluir que a verificada omissão – traduzida na não notificação do despacho de 6/05/2024 – tenha influído na decisão da causa, porquanto na decorrência do despacho de 20/09/2024 a recorrente ficou legitimada a questionar – como questiona – da bondade dos fundamentos da cessação da atribuição de apoio económico.
Acresce que, contrariamente ao propugnado pela recorrente, não foi omitido o cumprimento do disposto no art. 85º da LPCJP, pois a mesma teve oportunidade de se pronunciar – como efetivamente se pronunciou (respetivamente a 11/12/2023 e a 12/09/2024) – sobre a aplicação de revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção.
E aquando desta última pronúncia a recorrente tinha já conhecimento de estar em discussão nos autos da necessidade de prorrogação (ou não) da aplicação da prestação de apoio económico em meio natural de vida, porquanto havia sido notificada do despacho de ../../2024, em que o Mm.º Julgador determinou a solicitação de esclarecimentos acerca da necessidade de prorrogação da aplicação da medida de apoio económico em meio natural de vida, porquanto, nem no requerimento de ../../2024, «nem na informação social de 23/11/2023 que motivou o despacho de revisão da medida de ../../2023, se fundamenta[va] a necessidade de manutenção de tal apoio económico».
Tão pouco se poderá concluir pela nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, a sentença (ou qualquer decisão - art. 613º, n.º 3, do CPC) é nula quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
Como tem sido reiteradamente apontado pela doutrina[12] e jurisprudência[13], só integra o apontado vício a falta absoluta de fundamentação da sentença (ou despacho), que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, incompleta, medíocre, não convincente ou mesmo errada. A insuficiência ou mediocridade da motivação pode afetar «o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade»[14].
De facto, o vício da alínea b) do n.º 1 do art 615.º do CPC supõe o silenciar dos seus fundamentos de facto e de direito da questão “sub judicio”, não ocorrendo perante uma motivação aligeirada, não exaustiva, menos eivada de erudição ou tirada com menor minúcia e cuidado formal[15].
No caso, embora se possa concluir que a fundamentação é escassa, diminuta e incompleta, a verdade é que não poderá dizer-se que ocorre completa ausência ou falta de fundamentação, o que sempre nos reconduziria à inverificação da invocada nulidade da decisão impugnada. Como se disse, só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC[16].
Se o faz de forma correcta ou não é matéria que pode revestir a forma de erro de julgamento, mas não integra qualquer deficiência processual.
Nesta conformidade, conclui-se pela improcedência das invocadas nulidades da decisão recorrida.
*
2. Da prestação do apoio económico.

O Tribunal “a quo” indeferiu o pedido de pagamento de apoio económico, aduzindo para o efeito que foi cessada a medida de apoio económico em meio natural de vida, que já não estava prevista no despacho de revisão de ../../2023, não sendo devido desde essa data.
Do assim decidido discorda a recorrente/progenitora, sustentando que o referido apoio económico cessou sem qualquer justificação que o determinasse.

Urge questionar – e decidir – se:
i) Por não ter sido mencionado no despacho de revisão de ../../2023, será que deve ter-se por excluída a atribuição da prestação do apoio económico ?
ii) E, na afirmativa, será que estavam, efetivamente, verificados os fundamentos para a cessação dessa prestação de cariz económica ?
Comecemos por uma breve referência ao essencial do quadro legal a considerar na apreciação do recurso.
Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, não podendo estes deles ser separados, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial (art. 36.º, n.ºs 5 e 6, da Constituição da República Portuguesa - CRP). Incumbe, ainda, aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação até à respetiva maioridade ou emancipação (arts. 1877.º e 1878.º do CC).
O art. 69.º, n.º 1, da CRP reconhece às crianças o direito “(...) à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão (…)”.
Dando consecução a esse princípio constitucional, a Lei n.º 147/99, de 1/09, aprovou a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, designada por LPCJP – entretanto alterada pela Lei n.º 31/2003, de 22/08, pela Lei n.º 142/2015, de 08/09, pela Lei n.º 23/2017, de 23/05 e pela Lei n.º 26/2018, de 05/07 –, a qual tem por objecto “a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral” (art. 1.º).
A intervenção para a promoção dos direitos e a proteção da criança e do jovem em perigo cabe às entidades com competência em matéria de infância e juventude, às comissões de proteção de crianças e jovens e aos tribunais [art. 6.º da LPCJ], sendo legítima quando se verifiquem os pressupostos enunciados na lei [art. 3.º da LPCJ], nomeadamente, “quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo” [n.º 1], exemplificando o legislador várias situações em que se considera que a criança ou jovem está em perigo, designadamente quando está abandonada ou vive entregue a si própria, não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal, assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação [n.º 2, als. a), c) e g)].
As finalidades das medidas de promoção dos direitos e proteção das crianças e dos jovens em perigo encontram-se enunciadas no art. 34º da LPCJ, consistindo em “afastar o perigo em que estes se encontram” [al. a)]; “proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral” [al. b)]; e “garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso” [al. c)].
A lei tipifica as diferentes medidas de promoção e proteção (art. 35.º, n.º1), distinguindo, em função da sua natureza, entre as medidas a executar em meio natural de vida e as medidas de colocação (art. 35.º, n.ºs 2 e 3).
A medida de “apoio junto dos pais” (art. 35º, n.º 1, al. a)) – que é a aplicada em maior número – corresponde a uma modalidade de medida a executar em meio natural de vida (n.º 3 do art. 35º), o tipo de medidas que visa «manter a criança ou o jovem no seu meio natural, proporcionando condições adequadas ao seu desenvolvimento integral, através de apoio psicopedagógico e social e, quando necessário, de apoio económico» (art. 3.º do Decreto-Lei n.º 12/2008, de 17 de janeiro[17]).
O apoio junto dos pais – bem como as  demais medidas a executar no meio natural, como seja o apoio junto de outro familiar, a confiança a pessoa idónea ou o apoio para a autonomia de vida –, por ter «por pressuposto essencial o direito da criança e do jovem a serem educados numa família, de preferência a sua, implica que sejam considerados os apoios a conceder àquela, bem como o suporte a proporcionar à família para que desempenhe o papel que lhe incumbe» (cfr. o relatório do citado Decreto-Lei n.º 12/2008). Deve, por isso, ser orientada no sentido do reforço ou aquisição por parte dos pais das competências para o exercício da função parental adequadas à superação da situação de perigo e suas consequências e à conveniente satisfação das necessidades de proteção e promoção da criança (art. 41º da LPCJP e arts. 3.º e 16.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 12/2008).
Como se consigna no art. 39.º da LPCJ, sob a epígrafe “Apoio junto dos pais”, a «medida de apoio junto dos pais consiste em proporcionar à criança ou jovem apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda económica».
Este apoio concedido às famílias tem por base um dos princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, o da prevalência da família, ou seja, deve ser dada prevalência às medidas que integrem a criança na família (art. 4.º, al. h) da LPCJP).
A família constitui o meio privilegiado para a concretização do superior interesse da criança, substanciado no direito fundamental a um desenvolvimento harmonioso num ambiente estável e de afeto, apenas podendo ser retirada da sua família quando se encontrar comprometida de forma séria a continuidade das ligações afetivas.
Preside ainda à aplicação desta medida o princípio da proporcionalidade e atualidade, segundo o qual a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade (art. 4.º, al. e) da LPCJP).
Neste sentido, a circunstância de uma família viver com mais dificuldade não significa que não possa e deva ter consigo, criar e educar os seus filhos, contando neste caso com a ajuda da sociedade e do Estado para obviar àquelas desigualdades, fazendo-o através de apoios económicos. em conformidade com as suas posses e condição social, sob pena de grave violação do princípio da igualdade e da cidadania previstos nos arts 12.º, n.º 1, e 13.º CRP[18].

Assume aqui particular importância o estabelecido no art. 13.º (“Apoio económico”) do Dec. Lei n.º 12/2008, que prescreve:
«1 - O apoio económico consiste na atribuição de uma prestação pecuniária, a pagar pelos serviços distritais da segurança social, para a manutenção da criança ou do jovem, ao agregado familiar com quem reside, tendo como fundamento a necessidade de garantir os cuidados adequados ao desenvolvimento integral da criança ou jovem.
2 - O montante do apoio económico tem por limite máximo o equivalente a 50 /prct. do valor do apoio pecuniário referido no n.º 2 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - Quando se trate de crianças até aos 6 anos de idade ou de crianças ou jovens com problemáticas e necessidades específicas relacionadas com situações de deficiência e/ou de doença crónica, o montante do apoio económico tem por limite máximo o equivalente a 50 /prct. do valor do apoio pecuniário referido nos n.ºs 2 e 3 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro.
4 - A requerimento das pessoas que, nos termos do presente decreto-lei, são 'pais e mães', 'familiar acolhedor' e 'pessoa idónea', e verificada a situação de especial carência, pode ser atribuído pelos serviços da segurança social um montante de apoio económico adicional correspondente a 15 /prct. do valor do apoio pecuniário referido no n.º 2 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro.
5 - A atribuição dos apoios referidos nos números anteriores não prejudica o pagamento de despesas relacionadas com a aquisição do equipamento indispensável ao alojamento da criança ou do jovem, sempre que se justifique, tendo em conta as disponibilidades orçamentais.
6 - O apoio económico previsto no âmbito da medida de apoio para a autonomia de vida é atribuído directamente ao jovem no contexto do respectivo plano de intervenção».
Como tem sido salientado, o apoio económico tem ajudado as famílias mais carenciadas e tem contribuído de forma significativa para o êxito da aplicação da medida de apoio junto dos pais.

Por sua vez, segundo o art. 56.º (“Acordo de promoção e proteção relativo a medidas em meio natural de vida”) da LPCJ:
«1 - No acordo de promoção e de proteção em que se estabeleçam medidas a executar no meio natural de vida devem constar nomeadamente as cláusulas seguintes:
a) Os cuidados de alimentação, higiene, saúde e conforto a prestar à criança ou ao jovem pelos pais ou pelas pessoas a quem sejam confiados;
b) A identificação do responsável pela criança ou pelo jovem durante o tempo em que não possa ou não deva estar na companhia ou sob a vigilância dos pais ou das pessoas a quem estejam confiados, por razões laborais ou outras consideradas relevantes;
c) O plano de escolaridade, formação profissional, trabalho e ocupação dos tempos livres;
d) O plano de cuidados de saúde, incluindo consultas médicas e de orientação psicopedagógica, bem como o dever de cumprimento das diretivas e orientações fixadas;
e) O apoio económico a prestar, sua modalidade, duração e entidade responsável pela atribuição, bem como os pressupostos da concessão.
(…)».
A mencionada medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais pode ser aplicada a título cautelar (art. 35.º, n.º 2), tem um prazo (art. 61.º) e está sujeita a revisão (art. 62.º).
As medidas previstas na alínea a) do n.º 1 do art. 35.º têm a duração estabelecida no acordo ou na decisão judicial, não podendo ter duração superior a um ano, podendo, todavia, ser prorrogadas até 18 meses se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar e desde que se mantenham os consentimentos e os acordos legalmente exigidos. (art. 60º, n.ºs 1 e 2, da LPCJ).

Nos termos do art. 62.º (“Revisão das medidas”) da LPCJ:
«1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 37.º, as medidas aplicadas são obrigatoriamente revistas findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses, inclusive as medidas de acolhimento residencial e enquanto a criança aí permaneça.
2 - A revisão da medida pode ter lugar antes de decorrido o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, oficiosamente ou a pedido das pessoas referidas nos artigos 9.º e 10.º, desde que ocorram factos que a justifiquem.

Nos termos do n.º 3 do citado normativo, a «decisão de revisão determina a verificação das condições de execução da medida e pode determinar, ainda»:
a) A cessação da medida – sempre que se mostre desnecessária a sua continuação;
b) A substituição da medida por outra mais adequada – mudança de medida;
c) A continuação ou a prorrogação da execução da medida – continuação da mesma medida, caso a revisão tenha ocorrido antes do final do seu prazo ou aplicação da mesma medida findo tal prazo[19].

A «decisão de revisão deve ser fundamentada de facto e de direito, em coerência com o projeto de vida da criança ou jovem» (n.º 4).
As decisões tomadas na revisão constituem parte integrante dos acordos de promoção e proteção ou da decisão judicial (n.º 6 do art. 62º)[20].
Feita esta abordagem do quadro legal, é altura de analisarmos o caso dos autos.
Em conferência de pais, realizada no dia 03/07/2023, foi homologado o acordo de promoção e proteção, na qual ficou determinada a aplicação à criança AA da medida de apoio junto dos pais, prevista no art. 35º, n.º 1 al. a), da LPCJ, na pessoa da mãe, que asseguraria os cuidados de alimentação, higiene, educação e saúde.
A medida aplicada teria a duração de seis meses, devendo a técnica gestora do processo apresentar relatório um mês antes do termo do prazo para a revisão da medida.
Ficou ainda estabelecido que a Segurança Social prestaria apoio económico em meio natural de vida no montante de 200,00€ mensais, quantia que também seria utilizada para as despesas extra curriculares que o jovem frequentasse.
Posteriormente, e datado de ../../2023, foi proferido despacho que determinou “a manutenção da medida de apoio junto dos pais aplicada à criança AA, nos termos dos artigos 35º 1 a), 39º, 61º, 62º, nº 1 e 3 c) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, pelo período de um ano”.
O referido despacho de revisão da medida de promoção e proteção, que prorrogou a medida de apoio junto dos pais por um ano, é total e completamente omisso quanto à manutenção ou cessação da prestação de apoio económico a efetivar pela Segurança Social.
Sucede que, na sequência da interpelação da Segurança Social a solicitar esclarecimento se, em face daquele despacho, deveria continuar a atribuir o apoio económico em meio natural de vida que vinha a ser atribuído, o Mm.º Julgador decidiu cessar a medida de apoio económico em meio natural de vida, por desnecessidade, acrescentando que a mesma já não estava prevista no despacho de revisão de ../../2023 e não ser devida desde essa data.
Com o devido respeito, propendemos a discordar do assim decidido.
Nesta temática assumem especial relevância os pressupostos da concessão do apoio económico.
Desde logo, e ao contrário do propugnado pela Segurança Social, não é adequado concluir que «a atribuição do apoio económico em meio natural de vida tinha como objetivo o pagamento de atividades extra-curriculares que o menor frequentasse», pelo que uma vez que a frequência de atividades extra-curriculares pelo jovem não se concretizaram não se justificaria a prorrogação do referido apoio económico.
O clausulado no acordo de promoção e proteção, no qual ficou determinada a aplicação ao jovem AA da medida de apoio junto dos pais, prevista no art. 35º, n.º 1 al. a), da LPCJP, na pessoa da mãe, foi o de que a execução dessa medida implicaria apoio económico ou ajuda económica em meio natural de vida, no montante de 200,00€ mensais, a prestar pela Segurança Social, «quantia que também seria utilizada para as despesas extra curriculares que o jovem frequentasse».
Ou seja, tendo por referência o advérbio utilizado (“também[21]), extrai-se do referido clausulado que o propósito da atribuição do apoio económico em meio natural de vida não se destinou exclusivamente ao pagamento de atividades extra-curriculares que o jovem frequentasse; dito por outras palavras, podendo ser afecto ao pagamento de atividades extra-curriculares frequentadas pelo jovem, a atribuição do referido apoio económico não ficou única e tão só imputado a esse fim; pelo contrário, resulta, sim, que se destinou, primacialmente, a dotar a família, no seu meio natural, com as condições materiais para que lograsse desempenhar o papel que lhe incumbe, sendo orientada no sentido da adequada satisfação das necessidades de protecção da criança ou do jovem, mas que também secundária ou acessoriamente, portanto «seria utilizada para as despesas extra curriculares que o jovem frequentasse».
Aliás, as atividades extra-curriculares do jovem não só não se mostram calendarizadas, como nem sequer foram minimamente enunciadas no acordo de promoção e proteção. E do relatório da Segurança Social igualmente não se especifica a que atividades extra-curriculares em falta pretende reportar-se.
Subjacente à atribuição do apoio económico esteve, assim, a manutenção do jovem, no agregado familiar com quem reside, tendo como fundamento a necessidade de garantir os cuidados adequados ao desenvolvimento integral do jovem.
O que permite concluir que essa componente da prestação do apoio económico em meio natural de vida constituía um factor relevante ou decisivo na execução da medida de apoio junto dos pais.
Por outro lado, do teor do despacho de revisão, ao prever “a manutenção da medida de apoio junto dos pais aplicada à criança AA, nos termos dos artigos 35º 1 a), 39º, 61º, 62º, nº 1 e 3 c) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, pelo período de um ano”, sem qualquer menção excludente da prestação de apoio económico, e levando em consideração o “iter genético” da decisão que aplicou a medida de promoção e proteção e das circunstâncias anteriores que lhe subjazem, um declaratário normal, colocado na situação do declaratário real[22], seria levado a deduzir que o sentido decisório foi o de prorrogar a medida aplicada nos exatos termos em que tinha sido inicialmente acordada e aplicada. Ou seja, comtemplando também a inicialmente acoplada prestação de apoio económico.
Por sua vez, se tomarmos em consideração os elementos que foram tidos como relevantes para a manutenção da medida de apoio junto dos pais, deles resulta que o comportamento do AA tem sido mais adequado e colaborante com o apoio prestado, parecendo emocionalmente mais estável. 
Apesar da menção a um episódio disruptivo do jovem com uma docente, que foi objeto da instauração de um processo disciplinar, nada constava de menos abonatório quanto à execução da medida, tendo o Mm.º Julgador concluído pela necessidade da continuação do acompanhamento que lhe tinha vindo a ser proporcionado pela escola e pela manutenção dessa medida.
Por fim, do último relatório apresentado pela Segurança Social, que serviu de base à decisão da declaração de cessação da medida aplicada ao jovem, resulta que o acompanhamento se revelou adequado a assegurar a situação de perigo em que o jovem se encontrava, estando o mesmo atualmente a residir com a mãe, cujo agregado se pauta por alguma instabilidade na dinâmica familiar e das dificuldades no exercício da parentalidade reveladas pela mãe.
Verificou-se «um envolvimento do AA e da progenitora nas medidas implementadas pelos técnicos envolvidos no acompanhamento ao jovem, criando uma relação de empatia, que lhe permitiu a melhoria do seu comportamento e aproveitamento escolar, pelo que» se considerou não subsistir «a situação de perigo que levou à instauração do presente processo de promoção e proteção», impondo-se o seu arquivamento.
 Igualmente desse relatório nada se retira donde possa concluir-se que o propósito que presidiu à atribuição da prestação de apoio económico tenha deixado de subsistir no período em que vigorou a aplicação da medida de apoio junto dos pais.
Sendo assim, somos levados a concluir que, aquando da prolação do despacho de revisão da medida de promoção e proteção, que prorrogou a medida de apoio junto dos pais por um ano, deve entender-se incluída nessa prorrogação a prestação de apoio económico. Não só porque a mesma foi erigida como essencial à execução da medida de promoção e proteção aplicada, mas também porque inexiste dos autos qualquer elemento que aponte no sentido de ter deixado de subsistir o fundamento da sua atribuição ou, noutras palavras, da desnecessidade de manutenção dessa prestação.
 Nesta conformidade, afigura-se-nos que a prestação de apoio económico deveria ter-se mantido na vigência da medida de apoio junto dos pais aplicada.
Portanto, e tal como concluiu a recorrente, o referido apoio económico cessou sem qualquer justificação que o determinasse.
Consequentemente, impondo-se a revogação do despacho que declarou cessada a medida de apoio económico em meio natural de vida desde ../../2023, é devida a referida prestação, no montante de 200,00€ mensais, até à data da declaração da cessação da medida aplicada de apoio junto da mãe (operada pela decisão de 20/09/2024).
A apelação será, pois, de proceder.
*
VI. Decisão

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, e, em consequência, revogando a decisão recorrida, determinam o pagamento, pela Segurança Social, da prestação relativa ao apoio económico no valor de 200€/mensais, no total de 2.000,00€ (dois mil euros), correspondente a 10 meses em falta.
Sem custas, por o Ministério Público delas estar isento (art. 4º, n.º 1, al. a) do Regulamento das Custas Processuais).
*
Guimarães, 21 de novembro de 2024 

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Maria Luísa Duarte (2ª adjunta)



[1] Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, p. 176.
[2]  Cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, p. 103.
[3]  Cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra Editora, 1945, p. 357.
[4]  Cfr. Lebre de Freitas, Introdução Ao Processo Civil - Conceitos e Princípios Gerais À luz do Novo Código, 4ª ed., Gestlegal, 2017, p. 24.
[5] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, 2017, p. 401.
[6] Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pp. 484/485.
[7] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, Almedina, p. 235.
[8] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 25/26, Teixeira de Sousa, in blogippc.blogspot.pt, datado de 23/03/2015 e Ac. da RP de 8/10/2018 (relatora Ana Paula Amorim), in www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume I, 2022, AAFDL Editora, p. 102.
[10] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 4.ª edição, 2018, Almedina, p. 29.
[11] Cfr. Acórdão do TC n.º 86/88 (relator Messias Bento), in www.dgsi.pt.
[12] Cfr., entre outros, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, Coimbra Editora, p. 140, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 736, Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, obra citada, p. 603.
[13] Cfr. Acs. da RP de 28/10/2013 (relator Oliveira Abreu) e de 2/05/2016 (relator Correia Pinto), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. Alberto dos Reis, Código …, vol. V, p. 140.
[15] Cfr. Ac. do STJ de 16/02/2016 (relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt.
[16] Cfr. Ac. do STJ de 2/06/2016 (relatora Fernanda Isabel Pereira), in www.dgsi.pt.
[17] Diploma que estabelece o regime de execução das medidas de promoção e protecção das crianças e jovens em perigo em meio natural de vida, previstas nos artigos 39.º, 40.º, 43.º e 45.º do anexo à LPCJP.
[18] Cfr. Comentário à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Procuradoria Geral Regional do Porto, Almedina, 2020, pp. 225/226, cuja fundamentação seguimos de perto na explanação supra.
[19] Cfr. Paulo Guerra, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada, 5ª ed., Almedina, 2023, p. 181. 
[20] Prescreve o n.º 5 do art. 114º, que, para efeitos do disposto no art. 62.º não há debate judicial, exceto se estiver em causa:
a) A substituição da medida de promoção e proteção aplicada; ou
b) A prorrogação da execução de medida de colocação (acolhimento familiar ou acolhimento residencial).
[21] Usa-se para acrescentar um ou mais elementos a outro ou vários outros anteriormente referidos (cfr. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, de Academia das Ciências de Lisboa, vol. II, G – Z, 2001, Verbo, p. 3507).
[22] Sobre os termos da interpretação de uma decisão judicial, importando a imputação do sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto – art. 236º, n.º 1, do CC –, mas conformando-se esse princípio geral à regra segundo a qual a sentença ou acórdão não pode ter um sentido que não tenha no documento ou escrito que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, de acordo com o estatuído pelo art. 238º, n.º 1, do CC para os «negócios formais», veja-se o Ac. do STJ de 24 de Novembro de 2020 (relator Ricardo Costa), in www.dgsi.pt.
Como aí se explicita, essa tarefa interpretativa terá que lançar mão da adequação da sentença ao pedido e à causa de pedir, assim como aos seus próprios fundamentos e à parte dispositiva; «nessa fundamentação encontram-se os “antecedentes lógicos” dessa mesma decisão judicial, que tornaram a parte dispositiva possível e inteligível. Ademais, poderá ser necessário perscrutar o “iter genético” da decisão, atendendo ao desenvolvimento e às vicissitudes do processo concreto, e recorrer, como meios auxiliares, a outras circunstâncias, mesmo que posteriores à decisão, das quais se retire uma conclusão sobre o sentido que se averigua».