I – Não decorre do art. 131º do CIRE que as impugnações deduzidas contra a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos tenham que ser notificadas ao administrador da insolvência por parte da secretaria do tribunal onde pendem os autos de insolvência.
II – Cabe ao administrador da insolvência, dentro das suas funções, zelar pela contagem do prazo referido no art. 131º, nº 3 do CIRE, tendo em vista a possibilidade de oferecer resposta.
III – Se a resposta à impugnação da lista de créditos é apresentada extemporaneamente pelo administrador da insolvência, sem respeitar o prazo de dez dias a que se refere o art. 131º, nº 3 do CIRE, os factos alegados na impugnação deverão ser admitidos por acordo, mas o juiz não está dispensado de proceder às diligências necessárias e adequadas à verificação do crédito.
Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 3
Apelação (em separado)
Recorrente: “Hospital ..., SA”
Recorrida: Massa Insolvente de “A..., SA”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Anabela Dias da Silva e João Diogo Rodrigues
RELATÓRIO
Em 9.4.2022 o ora recorrente “Hospital ..., SA”, com sede na Rua ..., ..., tendo sido notificado pelo Sr. Administrador da Insolvência, nos termos do art. 129º, nº 4 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas [doravante CIRE], de que o crédito que reclamara não fora reconhecido no âmbito da insolvência da sociedade “A... S.A.”, veio, ao abrigo do art. 130º do mesmo diploma, impugnar a lista de credores reconhecidos.
Pediu assim que no despacho saneador ou a final se considerassem verificados e reconhecidos os créditos reclamados, pelo valor global de 1.470.320,72€, incluindo o impugnante na Lista de Credores Reconhecidos, por forma a ser graduado o seu crédito no lugar que por lei lhe competir.
Como questão prévia alegou o seguinte:
“I) – QUESTÃO PRÉVIA
1º O Credor Impugnante reclamou oportunamente nos autos o seu crédito comum no montante líquido de €1.470.320,72 (um milhão, quatrocentos e setenta mil, trezentos e vinte euros e setenta e dois cêntimos).
2º O AI incluiu o crédito reclamado pelo Impugnante na Lista de Créditos não Reconhecidos indicando como motivo do não reconhecimento que “o reclamante é devedor e não credor”.
3º Tal afirmação não traduz, porém, qualquer justificação para o não reconhecimento do crédito reclamado.
4º Na verdade, o AI só pode incluir um crédito reclamado na lista dos credores não reconhecidos com a indicação dos “motivos justificativos do não reconhecimento” – cfr. artº 129º, nº 3, do CIRE.
5º O não reconhecimento pelo AI de um crédito reclamado tem portanto, de ser motivada, justificada.
6º Ora, a simples afirmação de que o credor “reclamante é devedor e não credor” é manifestamente inidónea e insuficiente para motivar ou justificar a inclusão do crédito reclamado na lista dos credores não reconhecidos e a consequente exclusão desse crédito da relação de créditos reconhecidos.
7º O ora Impugnante reclamou oportunamente o seu crédito por meio de requerimento dirigido ao AI, acompanhado de todos os documentos probatórios de que dispunha e indicou, como lhe competia, a sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e a sua natureza comum, cumprindo os requisitos discriminados no artº 128º, nº 1 e nº 2 do CIRE.
8º Deve por isso, na ausência de motivação ou justificação suficiente para incluir tal crédito na lista dos credores não reconhecidos, ser o crédito reclamado pela Impugnante incluído na relação dos créditos reconhecidos.
9º Assim, não tendo o AI dado cumprimento ao disposto no artº 129º, nº 3 do CIRE, deve ser judicialmente ordenada, sem mais delongas, a inclusão do crédito reclamado pelo Impugnante na Lista dos Credores Reconhecidos, nos termos em que o mesmo foi reclamado.”
Em 20.5.2022 o Sr. Administrador da Insolvência apresentou resposta à impugnação apresentada pelo “Hospital ..., SA”.
Em 21.6.2022 o ora recorrente, tendo sido notificado desta resposta, veio apresentar o seguinte requerimento:
“1º Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, o Hospital ... apresentou a Reclamação dos seus créditos, dirigida ao AI.
2º Tal crédito foi incluído pelo AI na Lista de Créditos não Reconhecidos, tendo sido indicado como motivo do não reconhecimento que “o reclamante é devedor e não credor”.
3º Tal afirmação não traduz, manifestamente, a indicação dos “motivos justificativos do não reconhecimento” exigida pelo artº 129º, nº 3, do CIRE.
4º Renova-se por isso, aqui, o que já se alegou no Título “I) – QUESTÃO PRÉVIA”, artigos 1º a 9º da Impugnação da Lista de Credores Reconhecidos apresentada nos autos em 9/04/2022, nomeadamente, no sentido de que, na ausência de motivação ou justificação suficiente para incluir o crédito reclamado na lista dos credores não reconhecidos, deve ser judicialmente ordenada, sem mais delongas, a inclusão do crédito reclamado pelo Impugnante na Lista dos Credores Reconhecidos, nos termos em que o mesmo foi reclamado.
5º Sem prejuízo, acresce que o artº 131º, nº 3 do CIRE estipula que a Resposta à Impugnação “deve ser apresentada dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no artigo anterior (...) sob pena de a impugnação ser julgada procedente”.
6º O prazo referido no artº 130º, nº 2 do CIRE, de 10 dias contados a partir do 3º dia útil posterior à data da expedição da carta registada remetida aos credores não reconhecidos, expirou no dia 11/04/2022.
7º Pois que o Hospital ... foi avisado pelo AI, nos termos do artº 129º, nº 4 do CIRE, por carta remetida em 28/03/2022, de que o seu crédito não foi reconhecido.
8º Assim, a Resposta do AI à Impugnação deduzida pelo Hospital ... contra a Lista de Credores Reconhecidos devia ter sido apresentada nos autos até ao dia 21/04/2022, sob pena, reitera-se, de a impugnação ser julgada procedente.
9º Ora, a Resposta do AI foi junta aos autos apenas em 20/05/2022, tendo sido ainda, complementada pelo Requerimento de 3/06/2022, em qualquer dos casos, muito depois de decorrido aquele prazo de 10 dias.
10º Sendo certo que “o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato” – cfr. artº 139º, nº 3, do CPC.
11º Deve por isso, ser considerada extemporânea a Resposta apresentada pelo AI em 20/05 e em 3/06/2022, à Impugnação deduzida pelo Hospital ... contra a Lista de Credores Reconhecidos.
12º E em consequência, conforme determina o artº 131º, nº 3 do CIRE, deve a Impugnação deduzida pelo Hospital ... ser julgada, desde já, no despacho saneador, integralmente procedente.
13º Caso assim se não entenda e seja admitida nos autos a Resposta à Impugnação apresentada pelo AI em 20/05/2022, no que se não concede, o Hospital ... não prescinde do decurso do prazo em curso, desde a notificação, elaborada em 7/06/2022, da dita Resposta e do Requerimento complementar de 3/06/2022, para exercer, ao abrigo do disposto no artº 3º, nº 3 do CPC, o direito ao contraditório.
14º Quer quanto aos factos alegados naqueles articulados pelo AI, quer quanto aos documentos juntos.
TERMOS EM QUE Requer a Vª Exª se digne julgar, já no despacho saneador, integralmente procedente a Impugnação deduzida pelo Requerente contra a Lista de Credores Reconhecidos, julgando verificados os créditos reclamados pelo Hospital ..., nos termos em que foram reclamados e graduando-os em harmonia com as disposições legais.”
Nesse mesmo dia efetuou-se tentativa de conciliação, tendo ficado consignado que “quanto ao credor Hospital ..., SA, não é possível chegar a acordo pelo que é do entendimento que os autos deverão prosseguir os seus ulteriores termos.”
Em 29.6.2022 o impugnante “Hospital ..., S.A.” veio, no exercício do contraditório, expor ainda o seguinte:
1º Estipula o artº 131º, nº 3 do CIRE que a Resposta à Impugnação “deve ser apresentada dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no artigo anterior (...) sob pena de a impugnação ser julgada procedente”.
2º O prazo referido no artº 130º, nº 2 do CIRE, de 10 dias contados a partir do 3º dia útil posterior à data da expedição da carta registada remetida aos credores não reconhecidos, expirou no dia 11/04/2022.
3º Pois que o Hospital ... foi avisado pelo AI, nos termos do artº 129º, nº 4 do CIRE, por carta remetida em 28/03/2022, de que o seu crédito não foi reconhecido.
4º Assim, a Resposta do AI à Impugnação deduzida pelo Hospital ... contra a Lista de Credores Reconhecidos devia ter sido apresentada nos autos até ao dia 21/04/2022, sob pena, reitera-se, de a impugnação ser julgada procedente.
5º Ora, a Resposta do AI foi junta aos autos apenas em 20/05/2022, tendo sido ainda, complementada pelo Requerimento de 3/06/2022, em qualquer dos casos, muito depois de decorrido aquele prazo de 10 dias.
6º Sendo certo que “o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato” – cfr. artº 139º, nº 3, do CPC.
7º Deve por isso, ser considerada extemporânea a Resposta apresentada pelo AI em 20/05 e em 3/06/2022, à Impugnação deduzida pelo Hospital ... contra a Lista de Credores Reconhecidos.
8º E em consequência, conforme determina o artº 131º, nº 3 do CIRE, deve a Impugnação deduzida pelo Hospital ... ser julgada, desde já, no despacho saneador, integralmente procedente.
(…)”
Em 7.10.2022 o Sr. Administrador da Insolvência veio expor o seguinte:
“(…)
6. Nesta medida, face aos acordos alcançados com os sobreditos credores, permanecem controvertidos os créditos de B..., Lda., Hospital ..., S.A. e C..., Lda.;
Dito isto,
7. A Massa Insolvente é titular de créditos sobre as três referidas impugnantes (B..., Lda., Hospital ..., S.A. e C..., Lda.);
8. Pelo que é sua intenção instaurar ação declarativa de condenação contra as ditas impugnantes;
9. Na referida ação serão, certamente, objeto de apreciação as questões aqui suscitadas pelas partes;
10. Em consequência, de modo a evitar a tomada de decisões contraditórias – nestes autos e na ação a instaurar pela massa insolvente – entendemos que haveria utilidade na suspensão da decisão da causa;
11. Na verdade, dispõe o art. 272.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que o Tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado;
12. Nesta conformidade, e atentas as razões invocadas, entendemos, com o devido respeito por opinião diversa (e que é muito!), que existe motivo justificado para a suspensão da decisão da causa;
13. O que, todavia e com a devida vénia, submetemos à superior (…) deste douto Tribunal.”
Em 18.10.2022 foi proferido o seguinte despacho judicial:
“Por relação ao atrás impetrado pelo Exmo. A.I. à luz do estatuído no art.272º nº1 do C.P.Civil, determino a notificação dos credores B..., Lda., Hospital ..., S.A. e C..., Lda. no sentido de oferecerem o que lhes aprouver quanto a tal adjectivo particular, posto o que se determinará em conformidade.”
Em 9.11.2022 o impugnante “Hospital ..., S.A.” respondeu pela seguinte forma:
“1º A requerida suspensão da decisão da Impugnação deduzida pelo Hospital ... contra a lista de credores reconhecidos não tem qualquer cabimento legal.
2º Desde logo, porque até hoje, não foi proposta qualquer Acção pela Massa Insolvente contra o Hospital ..., peticionando a condenação deste a pagar àquela qualquer crédito.
3º Acresce que existem questões processuais suscitadas pelo Hospital ... na sua Impugnação de 9/04/2022 (Refª: 41909697) e nos Requerimentos de 21/06 (Refª: 42620783) e de 29/06/2022 (Refª: 42723062), cuja decisão, em caso de procedência, devem levar ao imediato reconhecimento e verificação dos créditos do Hospital ..., tal como foram reclamados.
4º Obstando, assim, à discussão e julgamento da matéria de facto atinente à constituição de tais créditos e às razões e objecções de facto alegadas em sentido contrário pela Massa Insolvente.
TERMOS EM QUE deve ser indeferido o requerimento do Administrador de Insolvência, de suspensão da instância, e conhecer-se das questões prévias suscitadas pelo Credor Reclamante, julgando-se já no despacho saneador ou a final, integralmente procedente a Impugnação deduzida pelo Requerente contra a Lista de Credores Reconhecidos e, consequentemente, julgando verificados os créditos reclamados pelo Hospital ..., nos termos em que foram reclamados e graduando-os em harmonia com as disposições legais.”
Em 5.12.2022 o Sr. Administrador da Insolvência veio expor o seguinte:
“1. Salvo melhor opinião, e pelas razões que indicaremos, em seguida, não assiste razão às Requerentes;
2. Na verdade, alegam as Requerentes B..., Lda. e C..., Lda. de que a suspensão da instância não seria admissível face ao disposto no art. 8.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE);
3. De acordo com a citada disposição a instância do processo de insolvência não é passível de suspensão, excepto nos casos expressamente previstos neste Código;
4. Pelo que não sendo o caso em apreço enquadrável nas exceções previstas no art. 8.º, n.º 1 do CIRE, alegam as Requerentes que não seria admissível a suspensão da instância;
5. Dito isto, realçamos que tenderíamos, de facto, a partilhar da opinião das Requerentes se estivesse em discussão a suspensão do processo de insolvência;
6. Todavia, in casu, não estamos a apreciar a suspensão do processo de insolvência, mas antes a suspensão de um apenso do processo de insolvência (v.g., de reclamação de créditos);
7. Tal distinção, embora subtil, é da maior importância;
8. Na verdade, além do disposto no art. 8.º, n.º 1 do CIRE, devemos relevar o preceituado no art. 9.º, n.º 1 do CIRE;
9. Segundo o art. 9.º, n.º 1 do CIRE o processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, tem carácter urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal;
10. O art. 9.º, n.º 1 do CIRE alude, pois, ao processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos;
11. O art. 8.º, n.º 1 do CIRE alude, apenas, ao processo de insolvência;
12. Assim, ao mencionar que a instância do processo de insolvência não é passível de suspensão, o legislador não pretendeu conferir a mesma abrangência que imprimiu ao at. 9.º, n.º 1 do CIRE;
13. De outro modo, como explicaríamos as redações distintas do art. 8.º, n.º 1 e do art. 9.º, n.º 1 do CIRE?;
14. Não estamos, portanto, autorizados a pressupor que em ambos os casos o legislador pretendeu abranger o processo de insolvência, mas também os seus incidentes, apensos e recursos;
15. Face à distinção entre as redações das duas normas, devemos presumir que o legislador pretendeu excluir do art. 8.º, n.º 1 do CIRE os apensos do processo de insolvência;
16. Ora, como referimos anteriormente, in casu, não discutimos a suspensão do processo de insolvência, mas antes a suspensão do apenso de reclamação de créditos;
17. Pelo que, à luz do art. 8.º, n.º 1 do CIRE, nenhum impedimento existe a que a mesma seja aceite;
18. Nesta conformidade, importa relevar que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador (…) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art. 9.º, n.º 3 do Código Civil);
19. Ainda de acordo com os princípios gerais de interpretação da lei previstos no art. 9.º do Código Civil, sem prejuízo dos elementos histórico e sistemático, devemos realçar que a letra da lei é o primeiro e último elemento a considerar;
20. Na verdade, nos termos do art. 9.º, n.º 2 do Código Civil não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso;
21. Assim, uma vez que a questão em crise respeita ao apenso de reclamação de créditos – e não ao processo de insolvência propriamente dito –, da conjugação de todos estes elementos, mas sobretudo do elemento literal, resulta que não existe nenhum impedimento à admissão da suspensão da instância;
22. Devemos, ainda, dizer que, sob pena da produção de resultados insanavelmente contraditórios entre si e com prejuízo para os interesses tutelados pela insolvência, salvo melhor entendimento, a suspensão da instância é a solução mais conforme aos critérios de gestão do processo previstos no art. 6.º do Código de Processo Civil;
Por outro lado, e quanto à existência de causa prejudicial,
23. Cumpre recordar que as Requerentes alegam serem titulares de créditos sobre a insolvente;
24. Pelo contrário, o aqui signatário entende que as Requerentes não são titulares de crédito sobre a insolvência, sendo antes a Massa Insolvente quem é titular de créditos sobre aquelas;
25. A divergência de posições reside na interpretação das partes quanto às vicissitudes ocorridas no decurso dos contratos de empreitada celebrados;
26. Ora, o presente apenso tem por fim verificar e graduar os créditos da insolvente;
27. De facto, os artigos 128.º e seguintes do CIRE estão inseridos no Capítulo I do Título V que tem por epígrafe «verificação de créditos»;
28. O procedimento de verificação de créditos é iniciado através da reclamação de créditos (cfr. art. 128.º do CIRE) e é concluído com a prolação de sentença de verificação e graduação de créditos (cfr. art. 146.º do CIRE);
29. Sendo apto para verificar os créditos que as Requerentes alegam deter sobre a insolvente, o presente apenso não poderia, salvo melhor opinião, decidir sobre os créditos de que a Massa Insolvente é titular;
30. Tal apreciação teria, sempre, de ser efetuada no âmbito de uma ação autónoma, a correr por apenso ao processo de insolvência;
31. Neste sentido, cumpre informar que, tal como resulta dos documentos comprovativos que anexamos, a Massa Insolvente procedeu à instauração de ações declarativas de condenação contra B..., Lda. (cfr. documento n.º 1), Hospital ..., S.A. (cfr. documento n.º 2) e C..., Lda. (cfr. documento n.º 3);
32. Assim, bem vemos que a decisão a tomar neste apenso quanto às impugnações das Requerentes prejudicaria o julgamento das ações instauradas pela Massa Insolvente;
33. A economia e coerência dos julgamentos a tomar em ambas as causas reclama, pois, a suspensão da presente instância no que toca às impugnações das Requerentes;
34. Por conseguinte, e face ao exposto, não assiste razão às Requerentes, não existindo qualquer impedimento à suspensão da instância, sendo, aliás, tal solução aquela que melhor conviria à economia e coerência dos julgamentos face à causa prejudicial existente;
35. Nesta conformidade, uma vez que não assiste razão às Requerentes, requeiro que seja suspensa a decisão das impugnações das Requerentes.”
Em 4.1.2023 o impugnante “Hospital ..., SA” veio expor o seguinte, no exercício do contraditório:
“1º Reitera-se, quanto à questão da suspensão da instância o já alegado no Requerimento de 8/11/2022.
2º Acresce que, além da falta de fundamento legal, não é sequer lógico que se suspenda a instância do presente Apenso de Reclamação de Créditos até à decisão da Acção finalmente instaurada pela Massa Insolvente.
3º Recorda-se que todos os credores da Insolvência devem reclamar os seus créditos no prazo fixado na sentença declaratória da insolvência, mesmo que tal crédito tenha sido já reconhecido por decisão definitiva – cfr. artº 128º, n1 e nº 3 do CIRE.
4º O presente Apenso é pois, o processo próprio para a verificação, reconhecimento e graduação de todos os créditos sobre a Insolvente, nomeadamente, dos créditos reclamados nos autos pelo Credor “Hospital ...”.
5º Assim, suspender a presente instância até que na Acção tramitada no Apenso AL seja proferida sentença sobre a pretensão da Massa Insolvente de lhe ser reconhecido um crédito sobre o “Hospital ...”, constitui em si, um risco de simplesmente protelar a decisão a proferir nos presentes autos.
6º Na verdade, o “Hospital ...” pode ser credor da Insolvente, seja pelo valor reclamado nos autos, seja por valor inferior.
7º Como pode igualmente, a Massa Insolvente ser credora do “Hospital ...”, seja pelo valor peticionado no Apenso AL, seja por valor inferior.
8º O objecto de ambos os procedimentos não constitui entre si, causa prejudicial.
9º Nem sequer existe o risco de serem proferidas decisões contraditórias.
10º Quando muito terá apenas de se avaliar se os eventuais créditos recíprocos devem ser compensados e em que medida!
TERMOS EM QUE se reitera que deve ser indeferido o requerimento do Administrador de Insolvência, de suspensão da presente instância, e, ao invés, conhecer-se das questões prévias suscitadas pelo Credor Reclamante, julgando-se já no despacho saneador ou a final, integralmente procedente a Impugnação deduzida pelo Requerente contra a Lista de Credores Reconhecidos e, consequentemente, julgando verificados os créditos reclamados pelo Hospital ..., nos termos em que foram reclamados e graduando-os em harmonia com as disposições legais.”
Em 5.1.2023 o Sr. Administrador da Insolvência veio expor o seguinte, relativamente ao requerimento apresentado pelo “Hospital ..., S.A.”:
“(…)
15. Por economia processual, reproduzimos, na íntegra, os argumentos que supra aduzimos quanto à admissibilidade da suspensão;
16. Sem prescindir, acrescentamos, ainda, o seguinte;
17. A impugnante refere que não existe o risco de serem proferidas decisões contraditórias pois apenas haveria a avaliar se os eventuais créditos recíprocos deveriam ser compensados e em que medida;
18. Discordamos, respeitosamente mas frontalmente, de tal entendimento;
19. Como referimos supra, para este douto Tribunal, a Massa Insolvente não poderia deduzir, nesta sede, uma acoplada contra-pretensão (cfr. despacho saneador proferido no Apenso G);
20. Razão pela qual instaurou ação contra o Hospital ..., S.A. de forma a fazer valer os seus direitos;
21. Na referida ação são indicadas as razões de facto e de direito que legitimam não só a pretensão da Massa Insolvente a que seja reconhecido o seu crédito, como também as que fundamentam a inexistência de qualquer putativo contra-crédito do Hospital ..., S.A.;
22. Assim, por não poder formular tal pedido nesta sede, entendemos, assim, que haveria, pelo contrário, todo o interesse na suspensão da apreciação da impugnação sob pena de ser prejudicado o julgamento da ação interposta pela Massa Insolvente;
23. O que, em última instância, redundaria em prejuízo de todos os credores;
Em suma, e face ao exposto,
24. Entendemos que o pedido de suspensão da decisão quanto às impugnações é admissível, nada obstando ao seu deferimento (pelo contrário, entendemos que tal solução é aquela que melhor conviria à economia e coerência dos julgamentos face à causa prejudicial existente).”
Em 20.1.1023 o impugnante “Hospital ..., S.A.”, invocando o contraditório, apresentou mais o seguinte requerimento:
“1º Insiste o AI com a sua pretensão de suspensão da instância relativa à Impugnação deduzida pelo Credor Reclamante Hospital ... contra a Lista de Credores Reconhecidos.
2º Reitera-se, mais uma vez, quanto a tal questão, o já alegado nos Requerimentos de 8/11/2022 e de 3/01/2023.
3º E sublinha-se o seguinte: o Hospital ... já apresentou a sua Contestação na Acção instaurada pela Massa Insolvente, tramitada no Apenso AL.
4º Aí se defendendo por impugnação e por excepção, invocando a existência de créditos seus, de montante muito superior aos reconhecidos à Massa Insolvente e a consequente compensação, até ao valor dos créditos que o Credor reconhece à Massa Insolvente.
5º Mas, da mesma forma que a Massa Insolvente não pôde deduzir nos presentes autos, uma contra-pretensão contra a Impugnação/Reclamação de Créditos deduzidos pelo Hospital ..., também a este estava vedado formular naquela Acção um pedido reconvencional contra a Massa Insolvente.
6º Pois que, como se sabe, todos os credores da Insolvente têm a obrigação de reclamar no processo de insolvência os seus créditos, tendo o incidente de verificação de créditos por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva – cfr. artº 128º, nº 1 e nº 3 do CIRE.
7º Por isso, sempre estaria vedado ao Tribunal declarar e reconhecer naquela Acção, os créditos do Hospital ..., ocorrendo, consequentemente, uma impossibilidade legal de formulação, naquele Apenso AL, do correspondente pedido reconvencional.
8º Tal não significa que, para além da impugnação dos créditos peticionados pela Massa Insolvente (alguns, de resto, já reconhecidos pelo Hospital ... na sua Reclamação/Impugnação de Créditos), o Hospital ... não se possa ali defender por excepção.
9º Nomeadamente, excepcionando precisamente, a existência dos seus créditos, de montante muito superior aos créditos que o Hospital ... reconhece à Insolvente e que o Tribunal deverá igualmente reconhecer, e a respectiva compensação, até esse montante.
10º Ou seja, a verificação e reconhecimento dos créditos reclamados pelo Hospital ... sempre terá de ser feita no presente Apenso de Verificação de Créditos.
11º E não se descortina qualquer razão jurídica que justifique que se suspenda a instância neste Apenso, se conheça em 1º lugar da existência eventual de um qualquer crédito da Massa Insolvente sobre o Hospital ... (para mais numa Acção instaurada muito depois de o Hospital ... ter deduzido a sua pretensão nestes autos) e só depois, independentemente até, da improcedência ou da procedência parcial ou total daquela Acção, se julgue finalmente, a pretensão deduzida pelo Hospital ... nestes autos!
12º E nesta fase processual, não pode o Tribunal reconhecer maior mérito às “razões de facto e de direito que legitimam (...) a pretensão da Massa Insolvente” do que às razões de facto e de direito que legitimam a pretensão deduzida pelo Hospital ... nestes autos e que fundamentam os seus invocados créditos contra a Insolvente, em montante muito superior aos créditos que o Hospital ... reconhece à Insolvente, relativamente aos quais opera a declarada compensação, até ao valor destes últimos.
13º Além disso, do prosseguimento dos presentes autos nenhum prejuízo resulta para aquela Acção nem para a pretensão da Massa Insolvente, pois que esta poderá sempre realizar nestes autos, caso aqui se proceda à Audiência de Julgamento, toda a produção de prova que pretende demonstrar naquela Acção.
14º Já a suspensão dos presentes autos até que na aludida Acção seja proferida sentença sobre a pretensão da Massa Insolvente constitui um efectivo risco de protelar a decisão a proferir nos presentes autos.
15º E consequentemente, de protelar a decisão a proferir a final neste Apenso, de verificação de todos os créditos reclamados e da sua graduação.
16º Isso sim, com prejuízo de todos os credores.
TERMOS EM QUE se reitera que deve ser indeferido o requerimento do Administrador de Insolvência, de suspensão da presente instância.”
Em 31.1.2023 o Sr. Administrador da Insolvência veio ainda dizer o seguinte, a propósito deste requerimento:
“1. Sem prejuízo do que diremos em seguida, consignamos que reiteramos tudo quanto afirmamos quanto à suspensão da decisão quanto às impugnações apresentadas pelo Hospital ..., S.A, B..., Lda. E C..., Lda. nos requerimentos juntos a 5 de Janeiro de 2023, 5 de Dezembro de 2022 e 7 de Outubro de 2022;
2. De facto, e como referimos anteriormente, a Massa Insolvente instaurou ações declarativas de condenação contra as impugnantes;
3. Ora, atendendo a que os créditos reclamados pelas impugnantes e os créditos reclamados pela Massa Insolvente derivam da execução dos contratos de empreitada entre as partes, não vislumbramos que, em nome da economia e coerência dos julgamentos, fosse conveniente a prossecução dos presentes autos;
4. De facto, tal solução implicaria a produção de prova no presente apenso, mas também na ação instaurada pela Massa Insolvente;
5. O que, certamente, prejudicaria a marcha processual e a boa (e célere) decisão da causa;
6. Nessa medida, reiterando as nossas posições anteriores, entendemos que a suspensão da decisão quanto às impugnações pendentes de decisão é aquela que melhor conviria.”
Em 18.2.2023 foi proferido o seguinte despacho judicial:
“Com cópia dos requerimentos de 20 e 31 de Janeiro que antecedem - e por relação às eventuais consequências jurídico-patrimoniais dos controvertidos particulares aí em crise - entendo por bem auscultar a C. de Credores a tal propósito.
Igualmente à M.Distinta Magistrada do M.P. (credor )”
Em 17.3.2023 o Digno Magistrado do Min. Público promoveu o seguinte:
“Analisado o requerimento de pedido de suspensão deste apenso, e os seus fundamentos, nada temos a opor ao seu deferimento, ou seja, suspensão da tramitação deste apenso.”
Em 28.3.2023 o Sr. Administrador da Insolvência veio reiterar o seu pedido de suspensão do presente apenso e no dia 10.4.2023 o impugnante “Hospital ..., S.A.” referiu mais uma vez a inexistência de fundamentos para tal suspensão.
Em 11.6.2023 foi proferido o seguinte despacho judicial:
“Relativamente ao atrás requerido pela Massa Insolvente em sede de suspensão da presente instância declarativa relativamente ao postergamento da aferição jurídica do crédito esgrimido “Hospital ..., S.A.” (Credor Reclamante e Impugnante nestes autos), sou a considerar que (e sempre com o maior respeito por divergente opinião) não subsiste estribo “de jure” bastante que tal permita, na medida em que é os presentes autos configuram o adjectivo meio tendente a operar a verificação, reconhecimento e graduação de todos os créditos sobre a Insolvente, nomeadamente do crédito reclamado pelo sobredito credor.
Ou seja: cumpre dirimir se o “Hospital ...” é (ou não) credor da da Insolvente, seja pelo valor reclamado nos autos, seja por valor inferior (probandum est”- cfr. o postulado no art.342º do código Civil).
Por outro lado, cumpre aquilatar se a Massa Insolvente pode (ou não) configurar-se como ser credora do “Hospital ...”, seja pelo valor peticionado no Apenso “AL”, seja por valor inferior, não detectando qualquer prejudicialidade à luz do preceituado no art.272ºdo CPC (vd. a divergente configuração das demandas e os seus diferentes patrimoniais desideratos),cumulativamente não detectando o latente risco da prolação de decisões de cariz contraditório.
Destarte, indeferindo tudo o que atrás veio propugnado depondo em divergente sentido, determino o prosseguimento deste apenso.
(…)”
Em 11.3.2024 o Mmº Juiz “a quo” proferiu despacho saneador dele constando o seguinte:
“ (…)
Não detecto a existência de excepções que possa- e deva-conhecer no presente momento processual (cfr. o postulado no art.595º nº4 do CPC), mais não descortinando, questões prévias e/ou incidentais, nem evidentes nulidades,”hic et nunc” entendendo que o conhecimento de mérito está dependente de ulterior produção de prova.
A causa trilhará os seus ulteriores termos adjectivos por relação ao estatuído nos arts. 136º nº1/nº5/nº6 do CIRE, considerando-se desde já como reconhecidos os créditos oportunamente incluídos pela Exma. AI. na listagem à qual faz alusão o art. 129º do citado diploma e não impugnados, bem como o resultado jurídico-patrimonial dos vários contratos de transação atrás lavrados e homologados.
OBJECTO DO LITÍGIO
Apurar se subsiste de facto e de direito fundamento bastante que sustente a pretensão exarada no âmbito do presente incidente (“probandum est”- art.342º do C.Civil).
TEMA DA PROVA nº 1.
A produção de prova versará sobre a concreta aferição sobre se existe (ou não) estribo de facto e de direito bastante para o impetrado reconhecimento na titularidade da credora C..., Lda. de um crédito sob condição da reclamante no valor total de €11.013,45 (onze mil e treze euros e quarenta e cinco cêntimos), bem como que seja declarada a inexistência de quaisquer montantes em dívida devidos pela credora reclamante à insolvente ou à massa insolvente.
TEMA DE PROVA nº 2
A produção de prova versará sobre a concreta aferição sobre se existe (ou não) estribo de facto e de direito bastante para o impetrado reconhecimento na titularidade do Hospital .... de um crédito no valor global de €1.470.320,72, crédito este de natureza comum.
(…).
Em 2.4.2024 o credor impugnante “Hospital ..., SA” veio interpor recurso desde despacho, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª) Por Requerimento de 09/04/2022, reiterado em 21/6/2022, o “Hospital ...” após ter sido notificado de que o seu crédito reclamado não foi reconhecido pelo Administrador da Insolvência, impugnou a Lista de Credores Reconhecidos e suscitou a questão prévia de incumprimento pelo AI da indicação necessária dos “motivos justificativos do não reconhecimento” do crédito reclamado.
2ª) O crédito reclamado pelo “Hospital ...” foi incluído na Lista de Créditos não Reconhecidos com a simples e singela indicação, como motivo do não reconhecimento, de que “o reclamante é devedor e não credor”.
3ª) Tal afirmação não traduz, manifestamente, a indicação legalmente exigida dos “motivos justificativos do não reconhecimento” do crédito reclamado, o que postula a alegação de factos e/ou razões de facto e de direito que justifiquem fundadamente a exclusão do crédito.
4ª) A simples afirmação de que o credor “reclamante é devedor e não credor” é manifestamente inidónea e insuficiente para motivar ou justificar a inclusão do crédito reclamado na lista dos credores não reconhecidos e a consequente exclusão desse crédito da relação de créditos reconhecidos.
5ª) Assim,
verificando-se por um lado que o Impugnante reclamou oportunamente o seu crédito (por meio de requerimento dirigido ao AI, acompanhado de todos os documentos probatórios de que dispunha e indicando a sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e a sua natureza comum, cumprindo os requisitos discriminados no art. 128º, nº 1 e nº 2 do CIRE);
e constatando-se por outro lado a ausência de motivação ou justificação suficiente para incluir o crédito na Lista dos Credores Não Reconhecidos;
deveria ter sido judicialmente ordenada, no despacho saneador, a inclusão de créditos reclamados pelo Impugnante na Lista de Credores Reconhecidos.
6ª) Acresce que o Administrador da Insolvência apresentou Resposta à Impugnação do Recorrente, apenas em 20/05/2022.
7ª) Ora, por requerimento de 21/6, reiterado em 29/6/2022, o Recorrente suscitou também a questão da extemporaneidade e consequente inadmissibilidade de tal articulado.
8ª) Com efeito, tendo o “Hospital ...” sido notificado pelo AI, por carta remetida de 28/03/2022, de que o seu crédito não foi reconhecido, o prazo para deduzir a Impugnação da Lista de Credores Reconhecidos terminou em 11/04/2022, e o subsequente, para responder à Impugnação, teve o seu termo em 21/04/2022.
9ª) A resposta do AI à Impugnação deduzida pelo Recorrente, apresentada cerca de um mês após ter decorrido o respetivo prazo, é portanto extemporânea.
10ª) O incumprimento de tal prazo peremptório tem como consequência legal a procedência da impugnação, desde logo porque o seu decurso extingue o direito de praticar o ato.
11ª) Consequentemente, devia ter sido julgada procedente, no despacho saneador, a Impugnação deduzida pelo “Hospital ...” e determinada a inclusão do Recorrente na Lista de Créditos Reconhecidos.
12ª) Sobre estas duas questões devia ter-se pronunciado o Tribunal Recorrido no Despacho Saneador, porque se trata de questões suscitadas por uma das partes, que obstam a que o Tribunal conheça do mérito da Resposta do AI à Impugnação deduzida pelo Recorrente e que conduzem à integral procedência desta Impugnação.
13ª) Não tendo o Tribunal recorrido apreciado tais questões, não resta senão concluir pela nulidade do Despacho Saneador, precisamente porque o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que devia ter apreciado.
14ª) Nulidade que deve ser decretada pelo Tribunal ad quem, caso o Tribunal recorrido não a declare e não reforme a decisão impugnada.
15ª) Em qualquer caso, a decisão recorrida deve ser rectificada, apreciando-se e decidindo-se as questões suscitadas, devendo ser ordenada a inclusão do crédito reclamado pelo Recorrente na Lista dos Credores Reconhecidos, por total procedência da Impugnação deduzida.
16ª) Seja porque o AI não justificou fundadamente os motivos do não reconhecimento do crédito do Recorrente.
17ª) Seja por extemporaneidade da Resposta do AI à Impugnação do Recorrente e decorrente preclusão do direito de praticar tal ato, com a consequência legalmente advertida, de procedência da Impugnação.
18ª) Foram violados ou incorretamente interpretados os artigos 129º, nº 3, 131º, nº 3 do CIRE e os artigos 139º, nº 3, 595º, nº 1, alínea a) e 615º, nº 1, alínea d) do CPC.
Pretende assim o recorrente que seja declarado nulo o despacho saneador recorrido, por omissão de pronúncia, e que o mesmo seja substituído por outro que aprecie e decida as questões oportunamente suscitadas, ordenando a inclusão do crédito por si reclamado na lista de créditos reconhecidos, por total procedência da impugnação deduzida.
A recorrida Massa Insolvente de “A..., SA” apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela manutenção do despacho saneador nos termos exarados.
Formulou as seguintes conclusões:
1. Dispõe o artigo 129.º, n.º 3 do CIRE que a lista dos credores não reconhecidos indica os motivos justificativos do não reconhecimento.
2. O administrador da insolvência analisada a reclamação de créditos apresentada pelo Recorrente/Credor Hospital ... e contrapondo com a contabilidade da insolvente em que inexistia qualquer crédito relacionado, entendeu que o motivo justificativo para o não reconhecimento era que o “reclamante é devedor e não credor” da Insolvente. Pois, na contabilidade da insolvente o Recorrente/Credor Hospital ... constava como devedor.
3. Nos termos previstos no 129.º, n.º 4 do CIRE, o administrador da insolvência, notificou o Recorrente/Credor Hospital ... do não reconhecimento do crédito reclamado, para querendo impugnar a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos. E, nesse seguimento, o Recorrente/Credor Hospital ... apresentou impugnação à lista de créditos reconhecidos.
4. Compulsada a Reclamação de Créditos do Recorrente é manifesto que este percebeu o motivo da não inclusão do crédito que reclamou na lista, porquanto não só faz referência na sua impugnação à resolução do contrato de empreitada operada pela insolvente (ponto 31.º da Impugnação), como à existência de faturas não pagas pelo Recorrente/Credor à insolvente (ponto 34.º da Impugnação).
5. O administrador da insolvência mantém o entendimento expresso na resposta à impugnação apresentada que:
i. a insolvente dispunha de justa causa para proceder à resolução do contrato de empreitada (ponto 202 da resposta à impugnação);
ii. não aceita a existência dos créditos reclamados pela Recorrente, pois todos eles são provenientes de um alegado incumprimento das obrigações da insolvente (ponto 203 da resposta à impugnação);
iii. que a insolvente não incumpriu as suas obrigações (ponto 203 da resposta à impugnação);
, pelo que não devem serem reconhecidos quaisquer créditos ao Recorrente, sendo, pelo contrário, a insolvente titular de créditos sobre aquele.
6. No apenso AL do processo de insolvência corre termos ação movida pela Massa Insolvente contra o Hospital ..., aqui Recorrente, com vista a:
i. declarar a licitude da resolução do contrato de empreitada operada pela insolvente;
ii. condenar a ré a pagar à autora a quantia de 1.038.664,20€, referente a faturas emitidas pela insolvente e não pagas pela ré;
iii. condenar a ré na obrigação do pagamento de juros moratórios calculados à taxa legal, vencidos no valor 62.434,50€ e vincendos;
iv. condenar a ré à devolução de todas as quantias retidas para boa execução da empreitada no montante de 126.359,85€;
v. condenar a ré a entregar à autora a bancária prestada pela insolvente no valor de 357.500,00€.
7. Assim, ao contrário do que o Reclamante discorre no recurso apresentado, o motivo justificativo do não reconhecimento do crédito reclamado era por si integral e plenamente conhecido.
8. O motivo justificativo indicado pelo administrador da insolvência é manifestamente objetivo e claro, conferindo ao Reclamante/Recorrido todas as informações necessárias para que pudesse exercer o seu contraditório apresentando impugnação à lista de créditos, como fez.
9. A impugnação apresentada, pelo seu teor, como acima referido, demonstra por si só a idoneidade, suficiência e inteligibilidade do motivo justificativo aposto na lista de créditos pelo administrador da insolvência, razão pela qual não deverá ser dado provimento ao recurso apresentado pelo Reclamante que incide sobre o despacho saneador exarado, devendo-se manter os termos exarados, deixando assim o conhecimento de mérito para ulterior produção de prova, como determinado.
10. O administrador da insolvência não foi notificado da impugnação apresentada pelo Recorrente à lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, sendo certo que, a fim de fazer cumprir o contraditório, deveria o administrador da insolvência haver sido notificado para tomar posição sobre as impugnações, nos termos do art. 3.º, n.º 3 do CPC.
11. O princípio do contraditório do qual decorre, em primeira linha, a chamada regra da proibição da indefesa postula que a ambas as partes seja assegurada possibilidade de participar no desenrolar do processo e de influir na dirimição do litígio, em termos de cada uma delas «poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras» (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 444/91).
12. A omissão da notificação ao Administrador da Insolvência das impugnações gera uma situação de desigualdade, sendo que tal situação de desigualdade seria tanto mais incompreensível porquanto é o administrador da insolvência quem, numa fase inicial, reconhece os créditos.
13. Se é ao administrador da insolvência quem compete, numa fase inicial, o reconhecimento ou não reconhecimento dos créditos seria destituído de sentido que o mesmo não fosse notificado para tomar posição sobre impugnações que tenham sido apresentadas aos créditos que reconheceu ou não reconheceu.
14. O administrador da insolvência não recebe (por impossibilidade do citius) notificações electrónicas relativas às impugnações apresentadas pelos impugnantes, credores e/ou seus mandatários via citius, pelo que teria sempre de ser a secretaria do Tribunal a realizar a notificação. O que no caso não aconteceu!
15. A título meramente exemplificativo, juntamos em anexo 8 notificações recebidas pelo Dr. AA, em processos para os quais foi nomeado, e em que os Tribunais notificam o Administrador da Insolvência das impugnações apresentadas tendo em vista o exercício do contraditório, relevando, assim, a praxis processual.
16. O Tribunal recorrido agendou tentativa de conciliação ainda antes do Administrador da Insolvência apresentar a sua resposta às impugnações, pois então, o mesmo entendeu que não poderia ser atribuído efeito cominatório à ausência de resposta às impugnações. De facto, se assim não fosse, qual a razão para haver sido convocada tentativa de conciliação?
17. Seria ferir o princípio da segurança jurídica, ínsito ao Estado de Direito (art. 2.º da Constituição da República Portuguesa), que fosse colocada em causa a tempestividade da resposta às impugnações apresentada pelo Administrador da Insolvência, porquanto o administrador da insolvência não foi notificado das impugnações apresentadas à lista de credores, nem foi notificado para querendo, responder às impugnações apresentadas.
18. Só aquando da preparação da diligência de tentativa de conciliação pelo administrador da insolvência, compulsou o administrador da insolvência todo apenso de reclamação de créditos e aí verificou a existência das impugnações apresentadas nos autos e conheceu o seu teor.
19. Em causa estavam 10 impugnações apresentadas por 10 diferentes credores, cujos créditos somavam a quantia global de 1.764 682,76€, razão pela qual a análise das impugnações teve de ser criteriosa e extensiva, analisando todos os argumentos e documentos apresentados pelos credores em contraposição com os documentos existentes na contabilidade da insolvente para organização de uma resposta clara e assertiva às impugnações apresentadas.
20. A resposta às impugnações foi apresentada pelo administrador da insolvência imediatamente após o conhecimento da existência das impugnações, em 20 de Maio de 2022, apenas tendo tomado o tempo necessário à organização da resposta às mesmas. Note este Tribunal que a resposta apresentada às impugnações partiu da sua própria iniciativa, antes de realizada a tentativa de conciliação, agendada para dia 24 de Maio de 2022, sem que a secretaria do Tribunal tenha em algum momento notificado o administrador da insolvência para o efeito.
21. Foi omitida uma formalidade prescrita pela lei geradora de nulidade uma vez que tal omissão influi no exame ou na decisão da causa (art. 195.º, n.º 1 do CPC), a referida nulidade foi, todavia, sanada depois de o administrador da insolvência, ao preparar a diligência agendada de tentativa de conciliação, ter compulsado o processo e conhecido o teor das impugnações, apresentando resposta às mesmas em ato contínuo.
22. Ao contrário do que alega o Recorrente, não existiu extemporaneidade na resposta às impugnações apresentada em 20 de Maio de 2022, porquanto, nunca foi o administrador da insolvência notificado nos autos para apresentação de resposta às impugnações como entende que deveria ter sido nos termos do artigo 3.º, n.º3 do CPC.
23. Pelo contrário, existiu a preterição de uma formalidade prescrita na lei geradora de nulidade, a qual foi suprida aquando da apresentação da resposta por parte do administrador da insolvência, pelo que o despacho saneador não padece de qualquer mácula, o que se impõe reconhecer.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
Subiu ao Tribunal da Relação do Porto em 19.7.2024.
Em 1.8.2024 foi determinada a remessa dos autos à 1ª Instância para os efeitos do art. 617º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, tendo o Mmº Juiz “a quo” proferido o seguinte despacho em 9.9.2024:
“Modestamente pensando dar integral cumprimento ao Superiormente Ordenado pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, sou decidir que (sempre salvo mais Versada óptica decisória) que não detecto as invalidades “de jure” arguidas em recursiva sede.
Concretizando - e no que ao imputado incumprimento por parte do Exmo. A.I. do estatuído no art.131º nº1/nº3 do CIRE (e ao que logro retirar da economia do pleito) – não detecto que o Exmo. A.I. tenha sido utilmente notificado da impugnação apresentada pelo Hospital ... (aqui recorrente),”démarche” adjectiva esta condição essencial para espoletar o adveniente contraditório nos termos do art. 3.º, n.º 3 do CPC, sendo que, à míngua de tal, veio a oferecer a legal resposta (“motu proprio”) na medida em que foi unicamente notificado do agendamento de tentativa de conciliação aos 29/04/2022, oferecendo (então) em conformidade.
Destarte, rejeito a nulidade estribada na natureza extemporânea da apresentação da resposta à matéria impugnatória por parte da Massa.
Tal posto - e no tange à remanescente invalidade “de jure” (e sempre sem prejuízo de mais Douto Julgamento) - verifico que subsiste arreigada controvérsia ente a Massa Insolvente e o Hospital ... no que tange à existência patrimonial do crédito esgrimido por esta entidade, daí derivando a premente necessidade de ser ulteriormente produzida prova na adjectiva sede a tal orientada (“probandum est”), neste segmento (ao que colho) sendo a verificar que a Massa arguiu (no seu entender) circunstanciados motivos justificativos (de facto e de direito) que, se provados, colocam em causa a sobredita pretensão,
Aqui chegados - e como silogístico corolário das supra expendidas razões e no que entendo ser o integral respeito do plasmado no art.641º nº1 do CPC - devolva o presente apenso ao Venerando Tribunal da Relação do Porto para Superior Apreciação Jurisdicional.“
O recorrente, em relação a este despacho, nada disse, designadamente, para os efeitos do art. 617º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil.
Os autos regressaram ao Tribunal da Relação do Porto em 2.10.2024.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
A admissibilidade do recurso interposto pelo impugnante “Hospital ..., S.A.”
Dispõe o art. 644º, nº 1, al. b) do Cód. de Proc. Civil que cabe recurso de apelação do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
Sucede que o despacho saneador, de que foi interposto recurso, determinou o prosseguimento dos autos no que concerne ao crédito reclamado pelo “Hospital ..., S.A.”, inserindo o reconhecimento deste crédito como tema da prova nº 2.
Não pôs, por isso, termo ao processo, nem tão-pouco dele resultou decisão sobre o mérito da causa ou de absolvição da instância, donde decorreria, em primeira linha, a sua irrecorribilidade.
Porém, das conclusões 6ª a 11ª do seu recurso constata-se que o impugnante suscita também a questão da inadmissibilidade, por extemporaneidade, do articulado apresentado pelo Administrador da Insolvência em 20.5.2022, que entende não ter sido objeto de apreciação judicial, o que nos remete para o campo de aplicação do art. 644º, nº 2, al. d) do Cód. de Proc. Civil.
Aí se estatui que cabe recurso de apelação do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova.
Por conseguinte, neste segmento em que o recorrente alega ter ocorrido omissão de pronúncia por parte do Mmº Juiz “a quo” no tocante ao requerimento que apresentou no sentido de o articulado de resposta à impugnação do Administrador da Insolvência ser havido como extemporâneo, o recurso sempre será admissível com fundamento no referido art. 644º, nº 2, al. d).
O presente recurso ficará assim circunscrito à apreciação da alegada omissão de pronúncia, cometida pela 1ª Instância, relativamente a esta questão a que se reportam as conclusões 6ª a 11º.
Simultaneamente, não se tomará conhecimento da matéria a que se referem as conclusões 1ª a 5ª.
Com esta restrição passaremos então à apreciação do mérito do recurso, sendo a seguinte a questão a decidir:
- Omissão de pronúncia quanto à questão da extemporaneidade da resposta à impugnação apresentada pelo Administrador da Insolvência e, entendendo-se que esta nulidade ocorre, apurar se se verifica a invocada extemporaneidade e, em caso, afirmativo, quais os seus efeitos.
Por isso, a resposta do administrador da insolvência, ocorrida em 20.5.2022 é extemporânea, o que, na perspetiva do recorrente, terá como consequência a imediata procedência da impugnação que apresentou, já no despacho saneador, com a sua inclusão na lista de créditos reconhecidos.
Acontece que no despacho saneador proferido em 11.3.2024 a questão da extemporaneidade da dita resposta não foi objeto de apreciação por parte do Mmº Juiz “a quo”, o que levou o recorrente, na sua alegação recursiva, a suscitar, quanto a ela, a nulidade de omissão de pronúncia prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, o presente relator determinou o regresso dos mesmos à 1ª Instância, ao abrigo do art. 617º, nºs 1 e 5 do Cód. Proc. Civil, a fim de o Mmº Juiz “a quo” se pronunciar obre a arguida nulidade de omissão de pronúncia.
Ora, este, depois de ter referido logo na parte inicial deste despacho não detetar “as invalidades “de jure” arguidas em recursiva sede”, conheceu logo a seguir da questão da extemporaneidade do articulado de resposta à impugnação apresentado pelo administrador da insolvência, escrevendo o seguinte:
“(…) no que ao imputado incumprimento por parte do Exmo. A.I. do estatuído no art.131º nº1/nº3 do CIRE (e ao que logro retirar da economia do pleito) – não detecto que o Exmo. A.I. tenha sido utilmente notificado da impugnação apresentada pelo Hospital ... (aqui recorrente),”démarche” adjectiva esta condição essencial para espoletar o adveniente contraditório nos termos do art. 3.º, n.º 3 do CPC, sendo que, à míngua de tal, veio a oferecer a legal resposta (“motu proprio”) na medida em que foi unicamente notificado do agendamento de tentativa de conciliação aos 29/04/2022, oferecendo (então) em conformidade.
Destarte, rejeito a nulidade estribada na natureza extemporânea da apresentação da resposta à matéria impugnatória por parte da Massa.”
Deverá, assim, concluir-se que o Mmº Juiz “a quo” supriu a arguida nulidade de omissão de pronúncia, decidindo no sentido de que o articulado de resposta à impugnação apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência não era extemporâneo, razão pela qual iremos agora analisar esta questão.
2. Em primeiro lugar vejamos os preceitos do CIRE aplicáveis ao presente caso.[1]
Art. 129º (Relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos)
«1 - Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento.
2 - Da lista dos credores reconhecidos consta a identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável, as eventuais condições suspensivas ou resolutivas e o valor dos bens integrantes da massa insolvente sobre os quais incidem garantias reais de créditos pelos quais o devedor não responda pessoalmente.
3 - A lista dos credores não reconhecidos indica os motivos justificativos do não reconhecimento.
4 - Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respetiva reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador de insolvência, por carta registada ou um por um dos meios previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 128º e tratando-se de credores conhecidos que tenham a residência habitual, o domicílio ou a sede estatutária num Estado-Membro diferente daquele em que foi aberto o processo, incluindo as autoridades fiscais e os organismos da segurança social desses Estados-Membros, o aviso é efetuado, ainda, em conformidade com o artigo 54.º do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015.
5 – A comunicação referida no número anterior pode ser feita por correio eletrónico nos casos em que a reclamação de créditos haja sido efetuada por este meio e considera-se realizada na data do seu envio, devendo o administrador da insolvência juntar aos autos comprovativo do mesmo.»
Art. 130.º (Impugnação da lista de credores reconhecidos)
«1 – Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.
2 – Relativamente aos credores avisados por carta registada, o prazo de 10 dias conta-se a partir do 3.º dia útil posterior à data da respetiva expedição.
3 - Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.»
Art. 131.º (Resposta à impugnação)
«1 – Pode responder a qualquer das impugnações o administrador da insolvência e qualquer interessado que assuma posição contrária, incluindo o devedor.
2 – Se, porém, a impugnação se fundar na indevida inclusão de certo crédito na lista de credores reconhecidos, na omissão da indicação das condições a que se encontre sujeito ou no facto de lhe ter sido atribuído um montante excessivo ou uma qualificação de grau superior à correta, só o próprio titular pode responder.
3 – A resposta deve ser apresentada dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no artigo anterior ou à notificação ao titular do crédito objeto da impugnação, consoante o caso, sob pena de a impugnação ser julgada procedente.»
Art. 134.º (Meios de prova, cópias e dispensa de notificação)
«1 – Às impugnações e às respostas é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 25.º.
2 – São apenas oferecidos pelo requerente ou, no caso de apresentação em suporte digital, extraídos pela secretaria, dois duplicados dos articulados e dos documentos que os acompanhem, um dos quais se destina ao arquivo do tribunal, ficando o outro na secretaria judicial, para consulta dos interessados.
3 – Excetua-se o caso em que a impugnação tenha por objeto créditos reconhecidos e não seja apresentada pelo próprio titular, em que se juntará ou será extraída uma cópia adicional, para entrega ao respetivo titular.
4 – As impugnações apenas serão objeto de notificação aos titulares de créditos a que respeitem, se estes não forem os próprios impugnantes.
5 – Durante o prazo para impugnações e respostas, o processo é mantido na secretaria judicial para exame e consulta dos interessados.»
3. Decorre dos arts. 129º e 130º do CIRE que é ao administrador da insolvência que a lei atribui, numa primeira fase, o reconhecimento, ou não reconhecimento, dos créditos da massa insolvente e respetivos credores, sendo também ele que, através do envio de cartas registadas ou de comunicação por meios eletrónicos, controla o prazo e a tempestividade de impugnações que poderão ser efetuadas no prazo de dez dias referido no nº 2 do art. 130º.
O administrador da insolvência, a quem é atribuído o domínio do processo nesta fase, tem assim o controlo da data em que se inicia o prazo para a apresentação de eventuais respostas às impugnações, ao abrigo do art. 131º do CIRE, e da data em que o mesmo cessa.
Não se alcança destes normativos qualquer exigência no sentido de que o teor das impugnações deduzidas contra a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, tenha que ser notificado ao administrador da insolvência por parte da secretaria do tribunal onde pendem os autos de insolvência.
Com efeito, as impugnações são apenas notificadas ao titular de crédito que delas é objeto e desde que este não seja o impugnante – art. 134º, nº 4 -, solução que se compreende em virtude do disposto no art. 131º, nº 2, parte final, acrescendo que o processo, durante os prazos para a impugnação e resposta, sempre se manterá na secretaria judicial para exame e consulta por parte dos interessados – art. 134º, nº 5.[2]
Deste modo, o conhecimento das impugnações pelo administrador da insolvência deverá advir do exame e consulta do processo realizada na secretaria do tribunal e não de uma notificação expressamente efetuada para esse efeito.
Esta terá sido a vontade do legislador, pois se assim não fosse não fazia sentido apenas a exigência de apresentação de dois duplicados dos articulados e dos documentos que os acompanham destinados um ao arquivo do tribunal e outro à secretaria judicial, para consulta dos interessados – art. 134º, nº 2 -, até porque a única exceção prevista é a vertida no nº 3 deste art. 134º, em que a reclamação não seja apresentada por titular de créditos reconhecidos e tenha por objeto estes.[3]
Por conseguinte, a resposta à impugnação por parte do administrador da insolvência deve ser apresentada dentro do prazo de dez dias subsequente ao termo do prazo para apresentação de impugnações à lista de credores reconhecidos e não reconhecidos e não a contar de qualquer notificação que lhe devesse ser feita, até porque a lei apenas abre uma exceção para o titular do crédito objeto da impugnação – art. 131º, nºs 2 e 3.
4. De regresso ao caso dos autos, o que se verifica é que tendo a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos sido apresentada em 28.3.2022 e surgindo a impugnação deduzida por “Hospital ..., S.A.” em 9.4.2022, há que indagar da tempestividade da resposta do Sr. Administrador da Insolvência, uma vez que esta data apenas de 20.5.2022.
Ora, tendo em atenção as considerações acabadas de fazer em 3., uma vez que a lei não prevê a realização de qualquer notificação ao administrador da insolvência no sentido de responder às impugnações apresentadas contra a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, terá naturalmente que se concluir que a sua resposta é intempestiva, tendo excedido largamente o prazo de dez dias previsto no art. 131º, nº 3 do CIRE, o que implica, nesta parte, a procedência do recurso interposto.
Solução esta que, a nosso ver, não contende com o direito à tutela jurisdicional efetiva previsto no art. 20º da Constituição da República. Aliás, cremos que defender a obrigatoriedade da notificação ao administrador da insolvência das impugnações apresentadas no sentido de lhes responder seria advogar uma solução contrária àquela que decorre dos preceitos legais aplicáveis.
De resto, o legislador não desconhecendo os problemas que poderiam surgir relativamente à contagem dos prazos neste tipo de situações, quis regulá-la nos precisos termos em que o fez, não se nos afigurando que possa decorrer daqui qualquer violação do princípio do contraditório como consequência da não realização de tal notificação.
5. Assente a extemporaneidade da resposta apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, enquanto representante da Massa Insolvente da “A..., S.A.” nos termos do art. 81º, nº 1 do CIRE[4], no que se concorda com a argumentação apresentada pelo recorrente “Hospital ..., S.A.”, há agora que apurar se desta extemporaneidade resulta, desde logo, como este pretende, a integral procedência da impugnação deduzida, com a inclusão do seu crédito na lista de créditos reconhecidos.
Ou seja, haverá que indagar se no art. 131º, nº 3 do CIRE se consagra um efeito cominatório pleno.
Sobre esta questão teremos em conta o que se mostra exposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.10.2018 (p. 650/12.2TBCLD-B.C1.S1, relatora CATARINA SERRA, disponível in www.dgsi.pt.), que passaremos a seguir.
A cominação constante da parte final do nº 3 do art. 131º do CIRE [“…sob pena de a impugnação ser julgada procedente.”] foi introduzida pelo Dec. Lei nº 200/2004, de 18.8. Com esta alteração, conforme se afirma no Preâmbulo deste diploma, quis o legislador “esclarecer que todas as impugnações das reclamações de créditos serão imediatamente consideradas procedentes quando às mesmas não seja oposta qualquer resposta, assim obviando a eventuais dúvidas que a anterior redacção pudesse suscitar”.
Porém, “[a]pesar desta alteração, continuaram a dizer Carvalho Fernandes e João Labareda que a norma não é suficientemente esclarecedora e que as dúvidas que a norma suscite quanto às consequências da falta de resposta devem ser encontradas nas regras do processo ordinário de declaração e que, designadamente, “em geral, os factos alegados na impugnação não contraditados na resposta ter-se-ão por admitidos e isso será tomado em conta na selecção da matéria de facto assente e na fixação da base instrutória, a não ser que se verifiquem as circunstâncias que excepcionam esse efeito cominatório”[5]. Segundo os autores, o disposto no artigo 131.º, n.º 3, do CIRE não dispensa, portanto – continua a não dispensar, mesmo depois daquela alteração – o juiz de desenvolver a típica actividade jurisdicional tendente a verificar os créditos, não devendo, portanto, associar-se à falta de resposta à impugnação um efeito cominatório pleno.
A mesma ideia é formulada pelos mesmos autores, ainda mais claramente, a propósito do artigo 130.º, n.º 3, do CIRE, que regula os efeitos da ausência de impugnações: “deve interpretar-se em termos amplos o conceito de erro manifesto, não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar, para o que pode solicitar ao administrador da insolvência os elementos de que necessite”.[6]
Quer dizer: nem mesmo na hipótese prevista no artigo 130º. n.º 3, do CIRE (em que não há impugnações da lista de créditos), o juiz fica dispensado de desenvolver uma mínima actividade jurisdicional, devendo proceder à apreciação dos créditos antes de declarar o seu reconhecimento. Além de impor que a comissão de credores emita um parecer sobre os créditos, a lei previne os riscos do (eventual) reconhecimento “cego” assegurando que os créditos incluídos na lista de créditos (examinados e previamente reconhecidos pelo administrador da insolvência) não serão definitivamente reconhecidos em caso de erro manifesto[7] (cfr. artigos 130.º, n.º 3, e 136.º, n.º 1, do CIRE). Isto comprova que o juiz nunca está dispensado de proceder à apreciação dos créditos antes de declarar o seu reconhecimento em definitivo.”
Por conseguinte, não tendo havido resposta à impugnação no prazo de dez dias previsto no art. 131º, nº 3 do CIRE, contado pela forma acima exposta, os factos alegados nesta devem ser admitidos, mas o crédito não pode deixar de ser objeto de apreciação judicial.
6. Continuando a acompanhar o referido Ac. STJ de 23.10.2018 neste escreveu-se ainda o seguinte sobre a via interpretativa adotada:
“É esta a única solução compaginável, aliás, como o disposto no n.º 5 da norma (geral) do artigo 136.º do CIRE, que é aplicável a todos os créditos com excepção dos incluídos na lista e não impugnados (e, ainda assim, quando o juiz não encontre erro manifesto) (cfr. artigo n.º 1 do artigo 136.º do CIRE) e dos que mereçam a aprovação de todos os presentes na tentativa de conciliação (cfr. n.º 3 do artigo 136.º do CIRE). Diz-se aí que “[só] se consideram ainda reconhecidos os demais créditos que possam sê-lo em face dos elementos de prova contidos nos autos”.
Se não fosse aquela a interpretação do artigo 131.º, n.º [3], do CIRE, qualquer sujeito que se arrogasse a titularidade de um direito de crédito sem dispor de título válido conseguiria ver a sua pretensão acolhida por mero efeito da inércia dos contrainteressados. Constituir-se-ia um crédito onde só existia um crédito fictício, o que não pode ser um resultado pretendido ou tolerado pelo Direito. Em caso algum o valor (formal) da celeridade ou outros valores do tipo podem prevalecer sobre valores de natureza diversa (substancial) como o apuramento da verdade e a justiça material.
(…)
Uma interpretação da qual resulte do artigo 131.º, n.º 3, do CIRE um efeito cominatório pleno é, além do mais, (…), dificilmente sustentável no plano constitucional, por implicar, justamente, um efeito cominatório pleno, que é susceptível de violar o acesso ao direito e à tutela jurisdicional fixados no artigo 20.º da CRP.
Há – é certo – quem, apesar de reconhecer estas reservas e criticar, por isso, a norma, lhe impute a consagração de um efeito cominatório pleno. Neste grupo integra-se, entre outros, Mariana França Gouveia. Diz a autora que “[c]omo comentário a esta norma, deve, em primeiro lugar, estranhar-se a consagração de um efeito cominatório pleno. Sabe-se que o CIRE, enquanto projecto, continha diversas normas restaurando o efeito cominatório pleno, efeito que foi eliminado, por considerado inconstitucional, do Código de Processo Civil na reforma de 95/96. Estas normas, criticadas pela doutrina, desapareceram do texto final do Código da Insolvência, tendo sido substituídas pela regra geral da admissão (…). Mais uma vez, o objectivo parece ser o de aliviar o trabalho do juiz – se não há impugnações homologa-se a lista; se há, mas não há respostas 'homologa-se' as impugnações. Este raciocínio é de admissibilidade discutível e suporta dificilmente as teias da constitucionalidade. E não falamos tão-só do direito de defesa, que estará em causa quanto a credores prejudicados pela não respostas, mas também do princípio constitucional da reserva de função jurisdicional, nos termos do qual cabe ao tribunal resolver os litígios entre as partes de acordo com o direito”.[8]
Subscrevendo a tese e os argumentos da inconstitucionalidade do efeito cominatório pleno aduzidos pela autora, recorda-se que, em face da evolução legislativa, os casos (remanescentes) de efeito cominatório pleno são excepcionais e devem ser tolerados apenas quando a lei expressamente o preveja. Ora, nem expressis verbis nem por outra via alude a norma do artigo 131.º, n.º 3, do CIRE a um efeito cominatório pleno, dispondo somente, como se viu, que a impugnação seja “julgada procedente”. Existe, pois, margem para uma interpretação diversa daquela – uma interpretação (mais) conforme à Constituição – e, existindo esta, está o intérprete constituído no dever de a adoptar.
7. Deste modo, não se podendo considerar como tempestiva a resposta à impugnação apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, daí resultará que se deverão ter como admitidos os factos alegados naquela impugnação, mas tal não dispensa o juiz de posterior atividade judicial com vista à verificação do crédito reclamado pelo “Hospital ..., S.A.”.
Assim, atendendo a que não é possível neste momento processual considerar como totalmente procedente a impugnação deduzida pelo ora recorrente e integrar, desde já, o seu crédito na lista de créditos reconhecidos, prosseguirão os autos a sua tramitação para apreciação do crédito reclamado, tendo em conta o contexto agora delineado, em que se deverá ter a resposta à impugnação como intempestiva.
O que significa, nesta parte, a improcedência do recurso interposto.
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Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo “Hospital ..., S.A.” e, em consequência:
a) Julga-se intempestivo o articulado de resposta à impugnação apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência;
b) Determina-se que os presentes autos prossigam a sua tramitação com vista à apreciação judicial do crédito reclamado pelo “Hospital ..., S.A.”, tendo-se em atenção as considerações feitas em 5., 6. e 7.
Custas do presente recurso a cargo da Massa Insolvente.
Porto, 19.11.2024
Rodrigues Pires
Anabela Dias da Silva
João Diogo Rodrigues
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[1] Não se tiveram em conta as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 57/2022, de 25.8., nos arts. 129º e 130º, posteriores à apresentação de lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos.
[2] Cfr. MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, “Manual de Direito da Insolvência”, 8ª ed., págs. 291/292.
[3] Cfr. Ac. Rel. Évora de 7.4.2011, p. 1146/08.2 TBELV-NA.E1, relator MATA RIBEIRO, disponível in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Ac. Rel. Évora de 7.12.2023, p. 35/22.2 T8LGA-E.E1, relatora ISABEL IMAGINÁRIO, disponível in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. “CIRE Anotado”, 2ª ed., pág. 558.
[6] Cfr. “CIRE Anotado”, 2ª ed., pág. 555. Na jurisprudência, cfr. os Acórdãos do STJ de 25.11.2008, Proc. 08A3102 (SILVA SALAZAR) e de 30.09.2014, Proc. 3045/12.4TBVLG-B.P1.S1 (ANA PAULA BOULAROT), disponíveis in www.dgsi.pt.
[7] Sustentam Carvalho Fernandes e João Labareda (in “CIRE Anotado”, pág. 556), que “pode acontecer que o erro consista em o crédito estar indevidamente incluído na lista de créditos reconhecidos. Se este for o caso, tal implica que o crédito deve ser considerado como não reconhecido”
[8] MARIANA FRANÇA GOUVEIA, “Verificação do passivo”, in: AA. VV., Themis, Edição Especial — Novo Direito da Insolvência, 2005, pp. 158-159. Manifesta concordância com esta posição LUÍS MENEZES LEITÃO [Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Coimbra, Almedina, 2018 (10.ª edição), pág. 205].