REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DA RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUPERIOR INTERESSE DO MENOR
Sumário

I - A partilha de responsabilidades, que a lei determina aos progenitores, impõe que ambos se esforcem para que o menor, apesar da separação, cresça com o sentimento de que continua a ser protegido e alvo de afecto.
II - O interesse superior do menor emerge, assim, do relevante dever, que incumbe aos pais, de promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos (cfr. art. 1885.º, n.º 1 do CC), que só poderá ser alcançado se for evitado o conflito interparental.
III - Este dever articula-se com a mencionada partilha de responsabilidades, tendo em vista, como objectivo primordial, o bem-estar da criança.
IV - No regime de visitas deve ser assegurado, em moldes efectivos, o convívio com o progenitor não guardião, sem prejuízo do interesse do menor, nomeadamente do seu bem-estar e saúde.

Texto Integral

Processo n.º 4834/21.4T8MAI.P1

Relatora: Anabela Andrade Miranda

Adjunto: Artur Dionísio Oliveira

Adjunto: João Proença


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Sumário

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

O Ministério Público, em representação de AA, nascido a ../../2021, requereu a regulação do exercício das responsabilidades parentais, sendo requeridos os progenitores, BB, residente na Rua ..., em ... – ..., e CC, residente na Rua ..., ..., ... e ..., em ..., ..., ....

Os requeridos foram citados, realizaram-se duas conferências de pais, com fixação de regimes provisórios.

Os progenitores foram remetidos para intervenção de psicologia, e foi elaborado o relatório.

Por não ter sido obtido acordo foram os progenitores notificados para alegar.

Realizou-se audiência de julgamento com observância de todos os formalismos legais, tendo os progenitores prestado declarações.


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Proferiu-se decisão que fixou o seguinte regime relativo ao exercício das responsabilidades parentais:

a) Fixo a residência da criança com a mãe, sendo as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos mesmos exercidas por ambos os progenitores;

b) a criança estará com o progenitor, em fins-de-semana alternados, desde quinta-feira, no final as actividades escolares, até segunda-feira, ao início dessas mesmas actividades;

c) estará ainda com o pai, na semana seguinte a esse fim-de-semana, desde o final das actividades escolares de quinta-feira, até ao início dessas mesmas actividades, na sexta-feira, sendo as conduções sempre de e para o estabelecimento de ensino;

d) este regime iniciar-se-á de imediato, levando em conta a alternância dos fins-de-semana já em execução;

e) O AA passará metade dos períodos de férias escolares de Natal, Páscoa e Verão, e ainda a interrupção de aulas no período do Carnaval, com cada um dos progenitores;

f) Para o efeito, e nas férias do Natal, estará com um dos progenitores desde o final das actividades escolares do último dia de aulas até às 12h00 do dia de Natal;

g)Sendo que entre as 12h00 do dia de Natal e as 12h00 do dia de Ano Novo estará com o outro progenitor;

h) Voltando a estar com o progenitor com quem passou o primeiro período de férias entre as 12h00 do dia de Ano Novo e o início das actividades escolares do primeiro dia de aulas do mês de janeiro;

i) Este regime iniciar-se-á neste ano de acordo com a alternância já existente, passando o primeiro período de férias com o progenitor com quem deva passar a véspera de Natal, e assim sucessivamente;

j) Nas férias de Páscoa passará com cada um dos progenitores desde o final das actividades escolares do último dia de aulas, até às 12h00 do sábado correspondente ao fim-de-semana seguinte àquele em que se iniciam tais férias,

k) E desde as 12h00 de tal sábado até ao início das actividades escolares com o outro progenitor;

l) Sendo que, para a determinação desta alternância, terá de ser assegurada a passagem da criança do Domingo de Páscoa, alternadamente, com cada um dos progenitores;

m) Este regime inicia-se em 2025, levando em conta o regime que vigorou neste ano, por forma a assegurar, desde já, tal alternância;

n) Na interrupção das aulas no Carnaval, a criança passará, alternadamente, tal período com cada um dos progenitores, desde o final das actividades escolares da sexta-feira antes do dia de Entrudo, até ao início das actividades escolares do primeiro dia seguinte, iniciando-se este regime com o pai, em 2025;

o) O AA passará ainda com cada um dos progenitores metade do período das férias escolares do Verão (compreendido entre o último dia de aulas, no mês de Junho, e o primeiro dia de aulas no ano lectivo seguinte, no mês de Setembro).

p) Tais períodos – que podem corresponder a períodos de uma ou duas semanas seguidas com cada um dos progenitores - serão marcados pelos progenitores, e comunicados um ao outro, até 31 de Março de cada ano. Em caso de sobreposição de períodos nos anos pares prevalecerá a escolha da mãe, e nos anos ímpares a escolha do pai;

q) No corrente ano de 2024 os períodos de férias em causa deverão ser acertados até dia 15 de Julho, passando a primeira semana de Julho com o progenitor com quem passar este fim de semana, alternando na segunda semana, sendo as trocas às sextas-feiras;

r) Em todas as situações as entregas e recolhas devem ocorrer no estabelecimento de ensino que a criança frequentar sendo que, estando o mesmo fechado, as entregas e recolhas ocorrerão na casa onde a criança se encontrar, sendo da responsabilidade do progenitor que passar estar consigo, e deverão ocorrer às 19h00 do dia em causa;

s) O AA estará com os pais no dia de aniversário destes, bem como nos dias do pai e da mãe.

t) No seu dia de aniversário o AA almoçará e jantará com cada um dos progenitores, sendo que o jantar caberá ao progenitor com quem, nos termos do regime fixado, deva pernoitar nesse dia;

u) Tratando-se de um fim-de-semana a criança estará com o progenitor com quem deva almoçar desde as 12h00 até às 19h00.

v) Tratando-se de dia de semana, e enquanto não estiver no ensino obrigatório, estará com o progenitor com quem deve almoçar entre as 12h00 e as 19h00.

a) A título de alimentos o pai pagará, em favor do seu filho, a quantia mensal de cem euros (100,00 €), até ao dia oito de cada mês, através de transferência bancária, para conta a indicar pela progenitora

b) Tal quantia deverá ser actualizada em Janeiro de cada ano, com início de 2025, no montante de cinco euros (5,00 €) por ano.

c) Cada um dos progenitores suportará metade de todas as despesas de saúde, educação, e de actividades extra-escolares, em qualquer caso que mereçam a concordância de ambos (excepto aquelas que resultem de prescrição médica ou de determinação do estabelecimento de ensino).

d)As despesas terão de ser apresentadas até ao último dia do mês em que tenham sido realizadas, e pagas até ao último dia do mês seguinte.


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Inconformado com a decisão, o Requerido interpôs recurso finalizando com as seguintes

Conclusões

1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida (ref.ª 46128256), através da qual o Tribunal a quo fixou a residência da Criança AA com a Progenitora.

2. Impugna-se, desde já, nos termos do CPC-640-1, a matéria de facto dada como assente nos pontos 13 e 22 dos factos provados.

3. O ponto 13 dos factos provados deverá ser alterado e passar a ter a seguinte redação:

“Os rendimentos do agregado familiar do progenitor ascendem a €1.575,00”, situação que deriva, inequivocamente, do Relatório Social elaborado pela Técnica DD, constante nos autos, sob ref.ª 30637984.

4. O ponto 22 dos factos provados deverá ser modificado e passar a ter a seguinte redação: “No que se refere ao primeiro regime fixado, a progenitora, durante, pelo menos, dois meses, incumpriu injustificadamente o regime fixado”, porquanto as razões apresentadas pela Progenitora para as recusas de entrega sistemáticas foram parcas e insuficientes.

5. Sem prescindir, mal andou o Tribunal a quo, ao não dar como provado que a progenitora está pronunciada pela prática de um crime de subtração de menor, p. e p. pelo artigo 249º, n.º 1, a. c) do Código Penal visto que tal decorre do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, em 14 de junho de 2024, se juntou aos autos, sob ref.ª 49197222.

6. O Tribunal deveria ter dado como provado também que “ O Progenitor, caso seja necessário, tem o apoio de familiares para o auxiliar a cuidar da Criança”, nomeadamente, o auxílio da companheira, do sogro e dos bisavós.

7. É o que decorre dos depoimentos do Recorrente, min. 25.08 a 25.25; do depoimento da testemunha EE, min. 2.58 a 3.23 e do depoimento da testemunha FF, min. 3.50 a 4.00, constantes na ata de audiência de julgamento, realizada em 4 de junho de 2024, pelas 14 horas.

8. Também devia ter sido dado como provado que: “O Progenitor cumpriu rigorosamente o regime provisório que regulava as responsabilidades parentais do AA” visto que não constam nos autos quaisquer incumprimentos do Recorrente ao regime provisório que regulava as responsabilidades parentais.

9. E, por último, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o seguinte: “Não obstante as sistemáticas recusas de entrega da Criança, o Progenitor, nas datas estipuladas para o efeito, deslocou-se sempre à casa da Progenitora com o intuito de trazer o seu filho”.

10. Ainda que a Progenitora recusasse a entrega, o Recorrente deslocava-se sempre até à residência desta na expectativa de conviver com o seu filho, o que não sucedia.

11. No passado mês de maio de 2024, a Progenitora impediu, novamente, a entrega da Criança, contudo o Recorrente tentou incessantemente recolhê-la, o que não se vinha a concretizar, conforme consta do Ofício da PSP ..., de 13 de maio de 2024, (ref.ª 39018997); do Aditamento n.º 1, de 20 de maio de 2024, (ref.ª 39089286); do Aditamento n.º 2, de 24 de maio de 2024 (ref.ª 39147024); do Aditamento n.º 3, de 04 de junho de 2024 (ref.ª 39240601), todos constantes nos presentes autos.

12. Volvendo ao caso em apreço, em virtude de a Criança residir com a mãe e com a respetiva família materna desde o seu nascimento.

13. Pese embora tal circunstância tenha um valor relevante, devem ser objeto de ponderação, para a fixação da residência da Criança, as demais circunstâncias que caracterizam o caso.

14. Desde logo, deve ser tido em consideração que o Recorrente no decurso do processo reside em moradia que tem todas as condições de habitabilidade e conforto necessárias para a Criança residir, nomeadamente, contém quarto próprio para o AA.

15. Ao contrário da Progenitora, o Recorrente é autónomo financeiramente e com os seus rendimentos consegue satisfazer as necessidades de uma Criança sem depender de terceiros.

16. Tal como a Progenitora, o Recorrente conta com uma rede de apoio familiar que se encontra, inteiramente, disponível para o auxiliar na educação e no crescimento do AA, caso seja necessário.

17. O Progenitor, caso a residência seja fixada junto de si, mostra-se disponível para viabilizar os contactos e convívios entre a mãe e o filho por forma a preservar e manter a relação de proximidade que ambos têm.

18. O mesmo não pode ser dito em relação à Progenitora visto que os factos que constam no processo denotam que nunca foi capaz de promover o contacto entre o seu filho e o Recorrente com sucessivos pedidos de suspensão do regime, arguição de nulidades processuais e pedidos de condenação em multa.

19. Sobre esta temática importa ter em consideração o que refere Susana Santos Silva: “Com efeito, o progenitor, que permite que a criança mantenha uma relação positiva com o outro, revela mais maturidade humana e capacidade para superar o conflito entre ambos, enquanto homem e mulher, privilegiando a relação que mantém com a criança enquanto pai. O progenitor que prescinde da criança a favor do outro, põem o interesse da criança acima do seu, em ordem a evitar conflitos”.

20. Na zona residencial do Progenitor há escolas disponíveis para matricular o AA, caso a residência seja fixada junto deste.

21. Acreditamos que a acontecer uma mudança de estabelecimento de ensino, a idade ideal para o fazer é a do AA que, atualmente, tem três anos.

22. Isto porque rapidamente o AA criará laços com os novos colegas, educadores e demais profissionais que frequentam o mesmo estabelecimento de ensino, sendo que nada impede que continue a conviver com os amigos de outro infantário quando estiver com a Progenitora.

23. A residência da Criança deve ser fixada junto do pai.

24. Subsidiariamente, se tal não se vier a concretizar, entendemos que a decisão em apreço carece de ser modificada para salvaguarda do superior interesse da Criança, nomeadamente no que toca às seguintes cláusulas:

”b) a criança estará com o progenitor, em fins-de-semana alternados, desde quinta-feira, no final as actividades escolares, até segunda-feira, ao início dessas mesmas actividades;

c) estará ainda com o pai, na semana seguinte a esse fim-de-semana, desde o final das actividades escolares de quinta-feira, até ao início dessas mesmas actividades, na sexta-feira, sendo as conduções sempre de e para o estabelecimento de ensino;”.

25. As residências dos Progenitores distam, aproximadamente, 25 km e o tempo médio de viagem ronda os trinta minutos.

26. Em virtude do estabelecimento de ensino da Criança se situar na ... e o local do trabalho do Recorrente ser em ..., a Criança, nesses dias, terá de acordar bastante mais cedo do que o habitual, alterando, abruptamente, a sua rotina diária.

27. Naturalmente, que tal mudança na sua vida quotidiana, interfere no rendimento da Criança, que ficará mais cansada e irrequieta.

28. Ademais, tais medidas não se afiguram razoáveis, justas e proporcionais uma vez que os custos associados ao regime impendem, única e exclusivamente, sobre o Recorrente.

29. A Progenitora vê os seus gastos inalterados dado que o estabelecimento escolar da Criança se situa perto da sua zona residencial.

30. Portanto, pugnamos que as cláusulas b) e c) do regime fixado devem ser, respetivamente, alteradas da seguinte forma:

b) A criança estará com o Progenitor, em fins de semana alternados, desde quinta-feira, no final das atividades escolares, até domingo às 21 horas, sendo entregue em casa da Progenitora OU a meio do caminho para ambos os progenitores em local a designar, por exemplo, NorteShopping;

c) A criança estará com o pai, na semana seguinte a esse fim de semana, desde o final das atividades escolares de sexta-feira onde é recolhida pelo Progenitor, até sábado às 16 horas, sendo recolhido em casa do Recorrente pela Progenitora.

31. Por último, devido ao facto de a Criança, durante os períodos escolares, residir alternadamente com ambos os Progenitores, deve a pensão de alimentos a pagar à Progenitora ser reduzida, nesse período, para metade - €50,00 (cinquenta euros).

32. A decisão em apreço viola das disposições conjugadas dos artigos 36º, n.º 3 e 69º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, o artigo 1906º, n.º 5 e n.º7 do Código Civil e o artigo 40º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.


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O Ministério Público respondeu propugnando pela confirmação da decisão.

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II—Delimitação do Objecto do Recurso

As questões principais decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, para além da pretendida modificação da decisão sobre a matéria de facto, consistem em saber se deve ser alterado o regime de residência ou de visitas e se o montante de alimentos é excessivo na hipótese de procedência da residência alternada.


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Da modificabilidade da decisão de facto

De harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do C.P.Civil “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Na reapreciação da prova, o Tribunal da Relação goza de ampla liberdade de movimentos para, em face do suporte magnético, modificar, sendo caso disso, a matéria provada em 1.ª instância, após ter ponderado casuisticamente o relevo do princípio da imediação.[1]

Assim, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo tribunal[2] e ainda de outros que se mostrarem pertinentes, essa operação não pode nunca olvidar os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.

O Recorrente pretende que sejam alterados os pontos 13) e 22) respectivamente sobre o valor dos seus rendimentos e incumprimentos do regime provisório por parte da Recorrida.

O tribunal deu como provado em 13) que o Recorrente aufere o equivalente ao salário mínimo nacional.

No entanto, o Recorrente sugere a alteração desse ponto no sentido de serem incluídos os rendimentos do seu agregado familiar que ascendem a €1.575,00, baseando-se, para tanto, no Relatório Social elaborado pela Técnica DD.

Neste relatório consta que o Recorrente aufere o vencimento mensal de €810,00 e a companheira recebe o vencimento mensal de €765,00, pelo que estes valores serão incluídos no ponto 13) por forma a completá-lo.

Sobre o ponto 22) pretende que seja modificado nos seguintes termos: “No que se refere ao primeiro regime fixado, a progenitora, durante, pelo menos, dois meses, incumpriu injustificadamente o regime fixado”, por considerar que as razões apresentadas pela Progenitora para as recusas de entrega sistemáticas foram parcas e insuficientes.

Não assiste razão ao Recorrente porquanto resulta abundantemente dos autos, concretamente das declarações da progenitora, das técnicas sociais e dos documentos médicos, que os incumprimentos de entrega da criança resultaram de, na altura, se encontrar a amamentar e em consequência de doença do menor. Sobre a situação de amamentação, a Recorrida permitiu inclusivamente que fosse averiguado junto da entidade competente sobre o processo de amamentação do menor.

Defende o aditamento de que a progenitora está pronunciada pela prática de um crime de subtração de menor, e que, caso seja necessário, tem o apoio de familiares para o auxiliar a cuidar do filho nomeadamente, o auxílio da companheira, do sogro e dos bisavós, tendo cumprido sempre o regime provisório, deslocando-se até à casa da Recorrida mesmo quando esta recusou entregar-lhe a criança e na expectativa de o trazer consigo.

A pronúncia do crime de subtracção de menor não tem relevância para a decisão de regulação do exercício das responsabilidades parentais.

Quanto ao mais, já se encontra provado que a casa, onde reside o Recorrente, tem um quarto preparado para a criança e estão assegurados todos os cuidados ao nível dos afectos, alimentação e saúde. Também foi incluído no elenco fáctico que o regime de visitas pai/filho tem vindo a ser cumprido.

Assim sendo, nada mais se impõe alterar nesta decisão.


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III — FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS (elencados na sentença)

1. No dia 2 de Julho de 2021 nasceu o AA, o qual tem a paternidade e maternidade registadas em nomes dos aqui requeridos;

2. Quando a criança nasceu, os pais já tinham terminado a sua relação de namoro, que durou 3 meses;

3. O progenitor não assistiu ao parto, tendo conhecido o filho alguns dias depois do nascimento;

4. Até, pelo menos, ao ano de idade, o pai nunca acompanhou a criança nas consultas no pediatra;

5. O pai nunca acompanhou a criança nas consultas no médico de família;

6. Nunca obteve informações da escola.

7. A criança vive com a mãe, com um tio, menor de idade, e com os avós maternos;

8. A criança dorme no mesmo quarto da mãe;

9. Advindo os rendimentos do agregado do trabalho dos avós maternos;

10. Que ascendem a cerca de 2.000,00 € por mês;

11. O progenitor vivia com os pais, e uma irmã, maior de idade;

12. Tendo, já no decurso do processo, autonomizado, vivendo agora com a sua companheira;

13. Auferindo de €810,00 e a companheira recebe o vencimento mensal de €765,00;

14. Sendo que a casa tem um quarto preparado para a criança;

15. Tendo assegurados todos os cuidados ao nível dos afectos, alimentação e saúde;

16. Os progenitores mantêm uma relação tensa, com desconfianças mútuas, e desvalorizando as capacidades parentais um do outro;

17. Têm ambos dificuldade em aceitarem a alteração pontual do regime proposto, quando o outro efectua tal pedido;

18. O progenitor não aceitou participar em sessões conjuntas com a progenitora da criança, no âmbito da intervenção técnica realizada neste processo, alegando não querer estar ao pé da mesma;

19. Não acreditando na possibilidade de diálogo entre ambos;

20. O progenitor encontra-se muito focado no conflito com a progenitora, muito autocentrado;

21. Manifesta a vontade em que o filho passe a residir consigo;

22. No que se refere ao primeiro regime fixado, a progenitora, durante, pelo menos, dois meses, nem sempre o cumpriu, alegando que estava a amamentar a criança, o que não era compatível com o regime fixado;

23. O regime de visitas pai/filho tem vindo a ser cumprido;

24. Sendo que nem sempre o pai consegue estar com o filho na quarta-feira, por questões laborais suas;

25. Sendo que, em inícios de Maio, a mãe apresentou queixa crime contra o pai e a sua companheira, alegando que esta havia desferido um estalo na cara do filho;

26. Desde essa data, a progenitora deixou de permitir os contatos entre pai e filho;

27. Contatos retomados após a primeira data da audiência de julgamento, após decisão judicial;

28. A criança frequenta Jardim de Infância;

29. Apresenta bom relacionamento com o pai e com a companheira deste;

30. Bem como com a mãe e os avós maternos;

31. A criança está com os avós paternos quando está com a mãe, uma vez que estes estão de relações cortadas com o filho;

32. Corte de relações relacionado com mau relacionamento entre aqueles e a companheira do filho;

33. A criança é seguida em consultas de psicologia clínica, por iniciativa da mãe;

34. Entendendo a respetiva técnica que deve manter esse acompanhamento

35. Acompanhamento desvalorizado pelo pai, que não o considera necessário, não tendo aceite comparecer em consulta com a psicóloga, apesar de contactado por esta para o efeito;


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B) Factos não provados;

a) que o progenitor e a sua companheira tenham comportamentos agressivos para com a criança.


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IV - DIREITO

As questões principais que o Recorrente suscita em relação à regulação do exercício das responsabilidades parentais cingem-se à residência do menor, ao regime das visitas e aos alimentos cujo montante considera excessivo no caso de ser fixada a residência alternada.

Da Residência e regime das Visitas

Nesta matéria rege o disposto no art. 1906.º, n.º 5 do C.Civil:“O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.”

Acrescentando o n.º 7 do citado preceito legal que “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.”

A lei concretizou, desta forma, o princípio constitucional que proíbe a separação dos filhos dos pais (cfr. art. 36.º, n.º 6).

A Convenção sobre os Direitos da Criança, no seu art. 9.º, n.º 3, determina aos Estados que seja cumprido o respeito do direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança.

O designado “direito de visita” pode traduzir-se no direito/dever do pai, não residente, de conviver com o menor por forma a assegurar a continuidade da relação familiar, absolutamente fundamental para o seu desenvolvimento e formação.

Perante o quadro factual e todos os incidentes que os autos espelham, acompanhamos integralmente a decisão e os respectivos fundamentos.

Na verdade, o clima de conflito intenso que se tem verificado entre os progenitores desde o nascimento do menor e que se mantém na actualidade, impede que, atendendo a que se trata de um menor com apenas três anos de idade que sempre residiu com a mãe, seja fixado o pretendido sistema de residência alternada.

Vejamos.

O menor nasceu numa altura em que os pais já tinham terminado a sua relação de namoro, que durou 3 meses; o progenitor não assistiu ao parto, tendo conhecido o filho alguns dias depois do nascimento.

Até, pelo menos, ao ano de idade, o pai nunca acompanhou a criança nas consultas no pediatra, no médico de família e nunca obteve informações da escola.

Apesar de poder assegurar todos os cuidados ao nível dos afectos, alimentação e saúde, tendo inclusivamente um quarto preparado para a criança, a verdade é que os progenitores mantêm uma relação tensa, com desconfianças mútuas, desvalorizando as capacidades parentais um do outro.

Não aceitou participar em sessões conjuntas com a progenitora da criança, no âmbito da intervenção técnica realizada neste processo, alegando não querer estar ao pé da mesma e não acreditando na possibilidade de diálogo entre ambos.

O relatório da Psicóloga é desfavorável à alteração da residência da criança justificando a sua posição nos seguintes termos:

“Atendendo ao conflito intenso, à tenra idade do menor, e à falta de juízo crítico do progenitor para a importância de ambos os progenitores estarem devidamente envolvidos na vida do AA, não se entende como adequado uma mudança brusca do contexto atual da criança. Neste sentido urge alertar os progenitores (em especial o progenitor) que, independentemente dos diferendos existentes entre ambos, devem objetivar o interesse e preocupação verbalizados com o bem-estar do filho, mediante a adopção de uma atitude equilibrada e que favoreça a estabilidade psicoemocional do mesmo.”

Como bem observa o Ministério Público, o que interessa é o bem-estar do menor: “O AA tem 3 anos e sempre viveu com a mãe. A fixação da residência junto desta, não se trata aqui de uma primazia da mãe como critério.”

Em resumo, o progenitor, com esta atitude, prejudica gravemente o equilíbrio emocional do filho, de apenas três anos de idade.

Pese embora não haver qualquer dúvida que o convívio com o Recorrente deve ser assegurado, em moldes efectivos, o interesse do menor deve ser sempre preservado, como resulta claramente do citado artigo 1905.º, n.º 7 do C.Civil.

Compete ao tribunal, nas suas decisões, o especial dever de garantir a manutenção de uma relação de grande proximidade do menor com os dois progenitores, à luz do referido preceito legal e do princípio de tratamento igualitário, tendo presente as circunstâncias do caso, mas sempre norteado pelo interesse do menor.

A este propósito, Ana Bolieiro e Paulo Guerra[3] advertem que nesta norma sobrevaloriza-se o interesse da criança em detrimento do interesse do próprio progenitor visitante em se realizar na sua parentalidade.

Portanto, o convívio regular com o pai mostra-se crucial para garantir o bem-estar emocional e desenvolvimento harmonioso do menor, e com esse desiderato, é exigível um aprofundamento da relação afectiva, sobretudo numa situação de separação dos progenitores, sendo que o Recorrente, após um período inicial de afastamento, mostrou-se preocupado e interessado em assegurar e manter essa ligação afectiva.

Reitera-se que não é o interesse dos pais, dos avós ou de outros familiares que está em causa na regulação do exercício dos poderes parentais mas tão só o interesse superior do menor.

O regime fixado pelo tribunal mostra-se perfeitamente adequado às circunstâncias concretas apuradas e promove o convívio e contactos regulares do filho com o pai.

Aliás, foi o relacionamento que se estabeleceu de maior proximidade entre pai e filho que permitiu ao tribunal aumentar o período de tempo nos contactos entre estes, estabelecendo-se que a criança passaria a estar com o pai, de 15 em 15 dias, desde quinta a segunda-feira, estando ainda com aquele de quinta para sexta-feira, na semana que antecede o fim de semana com a mãe.

Todavia, o Recorrente sustenta que as cláusulas b) e c) deviam ser alteradas por forma a poder entregar o menor na residência da progenitora, aos domingos, nos fins de semana que passa consigo, até às 21 horas para evitar que a criança acorde demasiado cedo na segunda-feira para iniciar as actividades escolares; e na semana seguinte ao fim-de-semana que o menor passa na sua companhia, a substituição da sexta-feira pelo sábado, até às 16 horas.

Para esse efeito, invocou que as residências dos progenitores distam, aproximadamente, 25 km e o tempo médio de viagem ronda os trinta minutos e que em virtude do estabelecimento de ensino da criança se situar na ... e o local do trabalho do Recorrente ser em ..., o menor, nesses dias, terá de acordar bastante mais cedo do que o habitual, alterando, abruptamente, a sua rotina diária, o que interfere no seu rendimento, que ficará mais cansada e irrequieta.

A este respeito, concordamos que se afigura prejudicial para o menor uma alteração da rotina nos termos fixados em que necessariamente teria de acordar demasiado cedo para chegar à escola.

Por outro lado, especificamente sobre a cláusula c), terá de se conciliar o bem-estar do menor com o direito/dever da mãe passar com ele o fim-de semana, pelo que o regime será alterado tendo em consideração esses pressupostos, permitindo-se que o progenitor recolha o menor na escola à sexta-feira, após as actividades (cláusulas b) e c)) e o entregue impreterivelmente à progenitora no dia seguinte, às 10 horas, no Norteshopping (cláusula c)).

Cumpre alertar que a progenitora deve colaborar no sentido de promover uma proximidade afectiva do filho com o Recorrente, absolutamente essencial para que se torne adulto responsável e equilibrado, evitando uma atitude de desconfiança relativamente àquele.

Na verdade, o desenvolvimento harmonioso da personalidade exige a contribuição de ambos os progenitores por forma a que a criança se sinta amada e segura.

Como se sabe, um clima de conflito interparental entre pessoas que deviam ser o suporte emocional do filho, é facilmente aprendido pela criança, determinando graves danos no seu estado emocional, mental e psíquico, que urge evitar sem demora.

Portanto, a partilha de responsabilidades que a lei determina impõe que ambos se esforcem para que o menor, apesar da separação, cresça com o sentimento de que é protegido pelos pais uma vez que lhes incumbe promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos (cfr. art. 1885.º, n.º 1 do CC).

Este dever articula-se com a mencionada partilha de responsabilidades, tendo em vista, como objectivo primordial, o bem-estar da criança.

Em suma, o conflito existente entre os progenitores deve terminar para bem do próprio filho, sendo que, se tal suceder, e for comprovado durante um período temporal significativo, a decisão pode e deve ser alterada.

Finalmente, o conhecimento da questão da redução dos alimentos ficou prejudicada porquanto não foi fixada residência alternada ao menor.


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V - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso, e em consequência, alteram o regime fixado apenas nas mencionadas cláusulas b) e c), mantendo as demais:

a) Fixo a residência da criança com a mãe, sendo as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos mesmos exercidas por ambos os progenitores;

b) A criança estará com o progenitor, em fins-de-semana alternados, desde sexta-feira, no final as actividades escolares, até domingo, devendo entregá-la na residência da progenitora até às 21 horas;

c) estará ainda com o pai, na semana seguinte a esse fim-de-semana, desde o final das actividades escolares de sexta-feira até sábado, às 10 horas, devendo entregar a criança à mãe no Norteshopping;

d) este regime iniciar-se-á de imediato, levando em conta a alternância dos fins-de-semana já em execução;

e) O AA passará metade dos períodos de férias escolares de Natal, Páscoa e Verão, e ainda a interrupção de aulas no período do Carnaval, com cada um dos progenitores;

f) Para o efeito, e nas férias do Natal, estará com um dos progenitores desde o final das actividades escolares do último dia de aulas até às 12h00 do dia de Natal;

g) Sendo que entre as 12h00 do dia de Natal e as 12h00 do dia de Ano Novo estará com o outro progenitor;

h) Voltando a estar com o progenitor com quem passou o primeiro período de férias entre as 12h00 do dia de Ano Novo e o início das actividades escolares do primeiro dia de aulas do mês de janeiro;

i) Este regime iniciar-se-á neste ano de acordo com a alternância já existente, passando o primeiro período de férias com o progenitor com quem deva passar a véspera de Natal, e assim sucessivamente;

j) Nas férias de Páscoa passará com cada um dos progenitores desde o final das actividades escolares do último dia de aulas, até às 12h00 do sábado correspondente ao fim-de-semana seguinte àquele em que se iniciam tais férias,

k) E desde as 12h00 de tal sábado até ao início das actividades escolares com o outro progenitor;

l) Sendo que, para a determinação desta alternância, terá de ser assegurada a passagem da criança do Domingo de Páscoa, alternadamente, com cada um dos progenitores;

m) Este regime inicia-se em 2025, levando em conta o regime que vigorou neste ano, por forma a assegurar, desde já, tal alternância;

n) Na interrupção das aulas no Carnaval, a criança passará, alternadamente, tal período com cada um dos progenitores, desde o final das actividades escolares da sexta-feira antes do dia de Entrudo, até ao início das actividades escolares do primeiro dia seguinte, iniciando-se este regime com o pai, em 2025;

o) O AA passará ainda com cada um dos progenitores metade do período das férias escolares do Verão (compreendido entre o último dia de aulas, no mês de Junho, e o primeiro dia de aulas no ano lectivo seguinte, no mês de Setembro).

p) Tais períodos – que podem corresponder a períodos de uma ou duas semanas seguidas com cada um dos progenitores - serão marcados pelos progenitores, e comunicados um ao outro, até 31 de Março de cada ano. Em caso de sobreposição de períodos nos anos pares prevalecerá a escolha da mãe, e nos anos ímpares a escolha do pai;

q) No corrente ano de 2024 os períodos de férias em causa deverão ser acertados até dia 15 de Julho, passando a primeira semana de Julho com o progenitor com quem passar este fim de semana, alternando na segunda semana, sendo as trocas às sextas-feiras;

r) Em todas as situações as entregas e recolhas devem ocorrer no estabelecimento de ensino que a criança frequentar sendo que, estando o mesmo fechado, as entregas e recolhas ocorrerão na casa onde a criança se encontrar, sendo da responsabilidade do progenitor que passar estar consigo, e deverão ocorrer às 19h00 do dia em causa;

s) O AA estará com os pais no dia de aniversário destes, bem como nos dias do pai e da mãe.

t) No seu dia de aniversário o AA almoçará e jantará com cada um dos progenitores, sendo que o jantar caberá ao progenitor com quem, nos termos do regime fixado, deva pernoitar nesse dia;

u) Tratando-se de um fim-de-semana a criança estará com o progenitor com quem deva almoçar desde as 12h00 até às 19h00.

v) Tratando-se de dia de semana, e enquanto não estiver no ensino obrigatório, estará com o progenitor com quem deve almoçar entre as 12h00 e as 19h00.

a) A título de alimentos o pai pagará, em favor do seu filho, a quantia mensal de cem euros (100,00 €), até ao dia oito de cada mês, através de transferência bancária, para conta a indicar pela progenitora

b) Tal quantia deverá ser actualizada em Janeiro de cada ano, com início de 2025, no montante de cinco euros (5,00 €) por ano.

c) Cada um dos progenitores suportará metade de todas as despesas de saúde, educação, e de actividades extra-escolares, em qualquer caso que mereçam a concordância de ambos (excepto aquelas que resultem de prescrição médica ou de determinação do estabelecimento de ensino).

d) As despesas terão de ser apresentadas até ao último dia do mês em que tenham sido realizadas, e pagas até ao último dia do mês seguinte.

Custas a cargo do Recorrente e Recorrida, na proporção respectivamente de 2/3 e 1/3.

Notifique.

Porto, 19/11/2024.

Anabela Miranda

Artur Dionísio Oliveira

João Proença

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[1] cfr. Acórdão do STJ de 29/01/2014 in www.dgsi.pt.
[2] Cfr. Geraldes, António Santos Abrantes, Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., pág. 256.
[3] A Criança e a Família, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 213.