SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
FALECIMENTO DE PARTE
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário

I - Suspensa a instância por falecimento de uma parte, o tribunal não pode proferir despacho a declarar extinta a instância por deserção, sem previamente ouvir a parte sobre o elemento subjetivo da sua inatividade, sob pena de violação do princípio do contraditório.
II - Ao não ouvir previamente a parte, o tribunal ao declarar extinta a instância por deserção comete a nulidade de excesso de pronúncia.

Texto Integral

Apelação
Processo n.º 4284/22.5T8GDM.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Gondomar - Juiz 1
Recorrente – AA
Recorrido – BB
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Maria da Luz Seabra
Desemb. Eduardo Taveira

I – CC intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Gondomar a presente ação declarativa constitutiva sob a forma de processo comum contra DD pedindo que fosse anulado o contrato celebrado entre o autor e a ré, em relação à transmissão das quotas com valor nominal de €4.987,97, €4.900,00 e €88,00 da sociedade A... Ld.ª, devendo a ré ser condenada à restituição da propriedade das referidas quotas e ao pagamento de todos os encargos com o processo.
A ré, pessoal e regularmente citada veio contestar a ação assim interposta por seu pai, pedindo a improcedência da mesma.
Para tanto, invocou, além do mais, as exceções da ilegitimidade sua e do autor e da caducidade do direito à ação.
O autor veio responder e, requerer a intervenção principal provocada de sua mulher - EE - e dos demais outorgantes no contrato em apreço nos autos - BB, FF, GG e AA.
Foi de seguida proferido despacho que admitiu a intervenção principal provocada de:
a) EE, como associada do autor;
b) BB, como associado da ré;
c) FF, como associado da ré;
d) GG, como associada da ré; e,
e) AA, como associado da ré e foi ordenada a citação dos chamados.
Os chamados – co-réus - AA e GG, vieram aderir à posição do autor.

Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se considerou ultrapassada a questão da ilegitimidade das partes e se relegou para sede de sentença final o conhecimento da exceção da caducidade.
Fixou-se o objeto do litígio e elencaram-se os temas da prova.
Chegou ao conhecimento dos autos a 4.10.2023 o óbito da ré, pelo que foi, em 13.10.2023, proferido o seguinte despacho: “Atento o falecimento da ré DD, declaro suspensa a instância – cfr. artigo 270.º n.º 1 do CPC.
Atenta a proximidade da data designada para a audiência final e o tempo que previsivelmente poderá durar o incidente de habilitação de herdeiros, dou sem efeito a audiência final agendada para o dia 31 de Outubro de 2023.
Notifique”.
Notificado às partes tal despacho e nada tendo sido requerido nos autos, foi em 15.05.2024 proferido o seguinte despacho, ora recorrido:
“Nos termos do disposto no artigo 281.º n.º 1 do Código de Processo Civil, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
É o caso dos presentes autos, que aguardam o impulso processual das partes, designadamente dos autores que, desde que foi declarada a suspensão da instância por falecimento da ré DD por despacho de 13/10/2023 (ref.ª 452517064) nada mais vieram requerer ou promover, designadamente a habilitação de herdeiros.
Atento o exposto, declaro a extinção da instância por deserção cfr. artigos 281.º n.º 1 e 277.º c) do Código de Processo Civil.
Custas pelos autores - cfr. 527.º do CPC.
Notifique”.
Em 21.05.2024 veio o autor (entretanto, na realidade, já falecido, mas sendo tal facto desconhecido então dos autos) revelar a sua, alegada, surpresa, pela deserção “automática” da instância, dizendo, além do mais que “…cumpre referir que se entende que era sobre a Ré que impendia o ónus de promover o “seu” incidente de habilitação de herdeiros, uma vez que a responsabilidade de tal incidente recai sobre a mesma (mas por razões de cooperação e proatividade, irá proceder-se à abertura do incidente de habilitação de herdeiros da Ré DD). Os presentes autos foram instaurados porque sempre existiu total interesse em que fosse proferida decisão de mérito sobre o pedido formulado pelo Autor” e termina pedindo que seja o mesmo despacho revogado, por nulo, e deferida a requerida habilitação de herdeiros.
Foi em 22.05.2024, apensado o incidente de habilitação de herdeiros da falecida ré.
Por requerimento de 2.06.2024, veio chamado BB informar que o autor da presente ação (seu avô) faleceu no dia 9.04.2014, requerendo que se considere caducado o mandato que o falecido conferiu ao seu mandatário.
Mais uma vez, os chamados – co-réus - AA e GG, vieram aderir à posição do autor, pedindo a nulidade do despacho de deserção da instância.
O chamado BB veio opor-se à “revogação” do despacho em apreço, por eventual nulidade.
O chamado, AA, inconformado com a decisão, de deserção da instância veio, em 19.06.2024, recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que concedendo prazo aos intervenientes processuais para se pronunciarem sobre uma tal promoção ou intenção judicial e, desse modo, “aferir” pela colaboração e cooperação perante o Tribunal “a quo” e demais intervenientes processuais, respeitando-se o princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, evitando-se uma decisão surpresa.
O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
A. O recorrente não se conforma com o despacho que declara a extinção da instância, por deserção, uma vez que o mesmo é contrário à Lei, é injusto, desadequado e desproporcional, bem como constitui uma verdadeira decisão surpresa.
B. Não existe a mínima dúvida que a ausência de qualquer despacho a sinalizar/advertir que a omissão da prática do ato será sancionada com a extinção da instância, por deserção, tal consubstancia uma nulidade processual, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 195.º, n.º 1, com os artigos 3.º, n.º 3, 6.º e 7.º, todos do CPC.
C. Sem prescindir, sempre se entende que deverá ser revogado o despacho datado de 15.05.2024, de fls… dos autos (ref.ª citius 459990296), concedendo prazo aos intervenientes processuais para se pronunciarem sobre uma tal promoção ou intenção judicial e, desse modo, “aferir” pela colaboração e cooperação perante o Tribunal “a quo” e demais intervenientes processuais, respeitando-se o princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, e o principio da cooperação, previsto no artigo 7.º do CPC, evitando-se uma decisão surpresa.

O chamado BB juntou aos autos suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.

II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.

III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.

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Ora, visto o teor das alegações do réu/apelante é questão a apreciar no presente recurso:
- Da alegada (i)legalidade da decisão de deserção da instância.

Com relevância afirma o apelante que “não existe a mínima dúvida que a ausência de qualquer despacho a sinalizar/advertir que a omissão da prática do ato será sancionada com a extinção da instância, por deserção, tal consubstancia uma nulidade processual, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 195.º, n.º 1, com os artigos 3.º, n.º 3, 6.º e 7.º, todos do CPC”.
Remete-nos, assim, o apelante para a eventual violação do princípio do contraditório e da génese de uma “decisão surpresa”. Ou seja, a situação colocada pelo apelante seria de nulidade processual – omissão de um ato que a lei não prevê e cuja omissão teve influência na decisão, cfr. art.º 195.º do C.P.Civil.
Ora, dispõe o art.º 3.º n.º 3 do CPC que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Este normativo pretende impedir que o tribunal emita pronúncia ou profira decisão nova sem que, previamente, acione o contraditório. Este princípio é corolário ou consequência do princípio do dispositivo, emergente, para além de outras disposições, do n.º1 deste preceito, destinando-se a proteger o exercício do direito de ação e de defesa.
O princípio do contraditório, consagrado no art.º 3.º n.º 3, é um dos princípios basilares que enformam o processo civil. No entanto este princípio não é de aplicação absoluta, havendo situações em que ele poderá não ser atendido, ou mitigado, como ocorre nos processos urgentes, em que a audição da parte contrária pode ser dispensada, ou por manifesta desnecessidade.
Como é sabido, estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte, pelo menos, uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente, relevante e inovatório daquele em que a parte o havia feito.
A violação do princípio do contraditório pode determinar a nulidade nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do C.P.Civil, quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Dúvidas não temos que atentas as circunstâncias dos autos enunciadas no supra elaborado relatório, era dever do tribunal que pretendia declarar a deserção da instância por falta de impulso processual das partes ouvi-las sobre essa intenção e só após decidir, o que não se verificou.
Também a generalidade da jurisprudência e a doutrina vêm exigindo ainda, pelo menos nos casos em que seja menos evidente que o prosseguimento da instância está dependente do impulso das partes, a prévia prolação de despacho judicial que sinalize a necessidade desse impulso e as consequências da sua falta, cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, pág. 329.
Também o Prof. Lebre de Freitas, in “Introdução ao Processo Civil”, n.ºs 1.3.4, refere que no âmbito deste princípio de cooperação compreende-se um dever de prevenção do juiz, sendo manifestações do mesmo a advertência às partes das possíveis consequências desvantajosas de certas atuações, cfr. art.ºs 590.º n.º4 e 591.º, al. c), ambos do C.P.Civil, e a própria garantia, pelo juiz, de um contraditório efetivo, cfr. art.º 3.º n.º 3 do C.P.Civil.
E também Ac. do STJ de 19.03.2024, in www.dgsi.pt, onde se expressa que “(…) Falecida uma das partes, a instância suspende-se (artigo 269º,1,a), do Código de Processo Civil; serão deste código os artigos ulteriormente citados sem diferente menção).
Preceitua o artigo 270º,1 que junto ao processo documento que prove o falecimento ou a extinção de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância, salvo se já tiver começado a audiência de discussão oral ou se o processo já estiver inscrito em tabela para julgamento. Neste caso a instância só se suspende depois de proferida a sentença ou o acórdão.
Quando a suspensão da instância ocorre por virtude de falecimento de uma das partes, ela cessa quando for notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida ou extinta (artigo 276º,1,a)).
O que acontece se a parte interessada no retomar da instância nada fizer?
(…)
Atualmente são requisitos da deserção:
1.º O decurso de seis meses;
2.º A inatividade negligente da parte durante esse tempo;
3.º A declaração judicial.
A inatividade da parte divide-se em dois sub-requisitos: i) a prática de atos tendentes a fazer andar o processo, pela parte onerada com o impulso processual (ibidem:329); ii) a negligência dessa parte.
O que significa, de acordo com Miguel Teixeira de Sousa, «que a deserção da instância pressupõe um elemento objetivo (falta de impulso do processo pela parte) e um elemento subjetivo (negligência da parte na falta do impulso do processo) (MTS,CPC, ONLINE: 173).
Dado que a «negligência da parte» é um sintagma cuja verificação depende das circunstâncias do caso, o juiz, antes de se decidir pela deserção, deve ouvir as partes, ex artigo 3.º, 3, o qual preceitua: O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo casos de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Não levanta dúvidas o núcleo essencial da proposição normativa: a indicação às partes das questões a decidir constitui uma obrigação do juiz e não uma mera faculdade, um simples dever deontológico; o juiz deve observar o princípio do contraditório.
Por outro lado, a lei é expressa ao dizer que esta obrigação vincula o juiz ao longo de todo o processo e não apenas numa fase dele, o que já resultaria da inclusão do preceito nas disposições e princípios gerais, aplicáveis portanto a todos os processos e suas fases.
A norma vincula o juiz à prévia audição das partes quando tiver de «decidir questões de direito ou de facto» o que abrange todas as decisões, qualquer que seja a sua forma, mediante as quais o juiz toma conhecimento ou decide de uma questão, de um incidente ou de uma causa, desde que verificados os demais condicionalismos legalmente exigidos.
Neste artigo 3.º, 3 o termo questão refere-se aos temas de decisão que podem ser objeto de uma pronúncia por parte do juiz, seja ela de facto ou de direito, de natureza substancial ou processual, não abrangendo, porém, os meros motivos, argumentos, considerações ou juízos de valor constantes dos fundamentos da decisão.
Maioritariamente, as questões que devem ser previamente sujeitas ao contraditório prévio, são as questões de direito e de entre estas as que são de conhecimento oficioso.
Não há dúvida que a decisão que decreta a extinção da instância por deserção preenche estes elementos da referida factispecie abstracta”.
No mesmo sentido, vide Acs. do STJ de 14.12.2016 e de 13.10.2022, ambos in www.dgsi.pt.
Em suma, e de forma relevante, para que o julgador possa aquilatar da “inatividade” ou “negligência” da parte não se pode limitar a ter em conta a passagem do tempo e a omissão do ato, ou seja, a falta de impulso processual, deve ele também apurar qual a razão (elemento subjetivo dessa inatividade) dessa falta de impulso processual.
Ou seja, e revertendo para o caso em apreço, não se pode concluir, sem mais, que houve negligência das partes, mormente do autor, em não dar início ao incidente de habilitação dos herdeiros da falecida ré, desde a notificação do despacho de 13.10.2023 até à data da prolação do despacho recorrido. Pelo que, ao proferir-se despacho a declarar extinta a instância, por deserção, sem se ouvir previamente as partes, mormente o autor, está-se a violar o preceituado no art.º 3.º n.º3 do C.P.Civil.
E assim, no caso, entende-se que a omissão da notificação das partes para se pronunciarem pela eventual decisão de deserção da instância, por falta de impulso processual, influiu na decisão da causa, pois que impediu as partes de esgrimirem os argumentos quanto ao acontecido.
Dúvidas não temos de esta nulidade pode ser suscitada por via recursória e colocada diretamente a este Tribunal da Relação.
Já o Prof, Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 424, ensinava que “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem atos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão do tribunal, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infração de disposição de lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (…) e não por meio de arguição de nulidade de processo”.
Ora, “in casu” a omissão foi praticada pelo tribunal, que proferiu decisão sem ouvir previamente as partes, estando coberta pela decisão judicial, a decisão recorrida, pelo que a nulidade pode ser suscitada em recurso e declarada por este mesmo tribunal.
Contudo, ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação, a não ser que não disponha de todos os elementos para o fazer.
No que concerne ao dever de impulso processual que recai sobre as partes, relativamente ao regime anterior, a atual lei processual civil, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, de que a parte dispunha para impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, ou seja, a instância fica deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses sem passar, portanto, pelo estádio intermédio da interrupção da instância.
Em suma, atualmente, julgamos que o atual regime, sendo diferente é também mais severo ao sancionar a negligência das partes em promover o andamento do processo, colimando logo com a “deserção” e consequente “extinção da instância”, cfr. art.º 277.º, al. c) do C.P.Civil] a falta de impulso processual das partes.
É evidente que a deserção da instância configura um mecanismo processual baseado no princípio da auto-responsabilidade das partes, destinado a obstar à eternização do processo quando a parte se desinteressa da lide, não promovendo o andamento do processo nas situações em que lhe compete fazê-lo, e que visa tutelar o regular funcionamento dos tribunais e a celeridade processual, enquanto interesses de natureza pública. Como refere Paulo Ramos de Faria in O julgamento da deserção da instância declarativa – breve roteiro jurisprudencial”, in Julgar, online, abril 2015, pág. 4, “a deserção da instância é um efeito direto do tempo sobre a instância, pressupondo uma situação jurídica preexistente: a paragem do processo – situação indesejada, como vimos, que fundamenta objetivamente este instituto. Como resposta legal para o impasse processual, a extinção da instância só se justifica, no entanto, quando tal impasse não possa (não deva) ser superado oficiosamente pelo tribunal. Assim, determina a lei que a paragem do processo que empresta relevo ao decurso do tempo deve ser o efeito, isto é, o resultado (causalmente adequado) de uma conduta típica integrada por dois elementos: a omissão de um ato que só ao demandante cabe praticar; a negligência deste”.
A deserção da instância depende, assim, da verificação dos seguintes pressupostos:
- Que o prosseguimento da instância dependa do impulso das partes;
- Que o processo esteja parado há mais de seis meses por falta desse impulso;
- Que essa falta se deva a negligência das partes.
In casu” não se discute que o processo esteve parado durante mais de 6 meses.
Como acima já se deixou consignado, quanto à “negligência das partes”, segundo a previsão legal, ela não se basta com o mero decurso do prazo previsto na lei ou a simples verificação de uma não atuação, sendo necessário existir contraditório prévio à prolação da decisão de deserção, sendo ainda que ela pressupõe uma efetiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto, não podendo, assim, vingar uma qualquer responsabilidade automática/objetiva suscetível de abranger a mera paralisação processo.
Assim e em conclusão, entendemos que, a omissão de audição das partes, constitui nulidade processual, consumida pela decisão, ora recorrida, e assim, nesta verifica-se a nulidade de sentença, cfr. art.º 615.º n.º 1 al. d), “ex vi” do n.º 3 do art.º 613.º, ambos do C.P.Civil, por excesso de pronúncia.
Considerando que, entretanto, já foram apensos aos presentes autos a necessária habilitação de herdeiros da falecida ré, tornando-se inútil a prévia audição das partes no que concerne à alegada falta de impulso processual em apreço neste recurso, resta-nos revogar a decisão recorrida, ordenando que os autos prossigam os seus normais termos.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar as presentes apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e, considerando que já foram apensos aos presentes autos a necessária habilitação de herdeiros da falecida ré, ordenando que os autos prossigam os seus ulteriores e normais termos.
Custas pela parte vencida a final

Porto, 2024.11.19
Anabela Dias da Silva
Maria da Luz Seabra [Voto de vencido:
Voto vencido por considerar que embora a deserção da instância exija que a falta de impulso processual decorra da negligência das partes, esta deve ser avaliada casuisticamente, sendo que no presente caso de suspensão da instância por falecimento de uma das partes o prosseguimento da instância dependia em exclusivo do impulso das partes dirigido à habilitação de herdeiros, e as partes sabiam ou não podiam ignorar, para mais estando devidamente representadas por advogado, que se não procedessem à habilitação no prazo de 6 meses ou não dessem conta ao tribunal de eventuais dificuldades impeditivas de requerer a habilitação dentro daquele prazo, a instância extinguir-se-ia por deserção ao abrigo do art.º 281.º do CPC, extraindo-se a negligência a que alude o art.º 281.º n.º 1 do CPC dos referidos elementos que resultam objetivamente dos autos.
Resultando diretamente da lei a consequência do não cumprimento do ónus de habilitação de herdeiros por negligência das partes (arts. 269.º, n.º 1, al. a), 276.º, n.º 1, al. a), e 281.º do CPC), afigura-se-me que não havia que proceder à audição prévia da parte (secundando a posição assumida, entre outros, no Ac STJ de 7.12.2023, Proc 18860/16.1T8LSB.L2.S1, Ac STJ de 10.10.2023, Proc. n.º 1783/17.4T8AVR.P1.S1, Ac STJ de 20.6.2023, Proc. n.º 19176/16.9T8LSB.L3.S1, Ac STJ de 16.03.2023, Proc. n.º 543/18.0T8AVR.P1.S1).
Nestes termos, entendo que recaindo sobre as partes o ónus de providenciar pela habilitação, não estava o Tribunal obrigado a cumprir previamente o contraditório antes de decidir pela extinção da instância por deserção, não consubstanciando esta uma decisão surpresa.
Por tais razões, julgaria improcedente o recurso e confirmaria a sentença recorrida.]
Alberto Taveira