CONFLITO DE COMPETÊNCIA
DECISÕES
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário

I- A consideração da existência do trânsito de duas decisões postula a existência de conflito de competência. Caso contrário, não haverá conflito de competência a decidir, como resulta do disposto no artigo 109.º, n.º 3, do CPC.
II - Sendo prévia a apreciação da existência de conflito entre duas decisões transitadas, não se vê como possa influir na decisão do conflito, na aferição da existência do trânsito em julgado, alguma consideração sobre “a questão de fundo”, que não atina com a aludida aferição prévia.
III - A teleologia do n.º 2 do artigo 105.º do CPC é clara: A decisão que se tenha pronunciado sobre a questão da incompetência relativa e que tenha transitado em julgado, mostra-se definitiva, no sentido de vincular tal decisão a definição da questão de incompetência correspondente.
IV - As decisões sobre a relação jurídica processual transitadas em julgado ao longo do processo, ou seja, as que não foram adequada e tempestivamente impugnadas, formam caso julgado sendo vinculativas para todos os sujeitos e intervenientes processuais, incluindo os próprios tribunais, como não podia deixar de ser.
V - A norma ínsita no n.º 2 do artigo 111.º do Código do Processo Civil, que determina que a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência territorial, não afronta outros interesses dotados de tutela constitucional, designadamente a organização hierárquica dos tribunais.

Texto Integral

I. O Juízo do Trabalho de Loures – Juiz “X” suscita a resolução de conflito negativo de competência entre ele próprio e o Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz “Y” para a tramitação do presente processo para Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, com fundamento em que ambos se declararam incompetentes para dele conhecer.
O Juízo do Trabalho de Loures – Juiz “X”, por decisão de 20-12-2023, declarou-se incompetente, em razão do território, com fundamento, em síntese, em que a entidade empregadora, sujeito passivo ou ré na presente ação, tem a sua sede em Lisboa, na área de competência territorial do Juízo do Trabalho de Lisboa.
Por sua vez, o Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz “Y”, por decisão de 19-03-2024, declarou-se incompetente em razão do território para a tramitação do presente processo, com fundamento, em síntese, em que a competência territorial para conhecer das ações propostas pelo Ministério Público para reconhecimento da existência de contrato de trabalho de prestador de atividade, na sequência de participação remetida pela Autoridade para as Condições do Trabalho, cabe ao tribunal do local onde é prestada a atividade que alegadamente constitui um contrato de trabalho, atividade exercida na área jurisdicional de Loures.
O processo foi continuado com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 112.º, n.º 2, do CPC, que – em 16-10-2024– se pronunciou concluindo que, “(…) tendo em conta o previsto no artigo 625.º do CPC, de acordo com o qual, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, deve cumprir-se a que passou em julgado em primeiro lugar, deverá ser decidido que o tribunal competente para a tramitação dos autos é o Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz “Y””.
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II. Mostra-se apurado, com pertinência para a resolução do conflito, o seguinte:
1) Em 05-12-2023 foi remetida pela Autoridade para as Condições do Trabalho ao Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Loures, participação relativa a indícios de situação de prestação de atividade, aparentemente autónoma, em condições análogas a contrato de trabalho;
2) Em 15-12-2023 o Ministério Público instaurou ação, com processo especial, para reconhecimento da existência de contrato de trabalho, ao abrigo do disposto no art.º 15º-A, n.º 3 da Lei nº 107/09 de 14/09 e art.º 186º-K e seguintes do CPT, contra a ré, pedindo seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre o trabalhador “A” e a ré.
3) Em 20-12-2023, o Juízo do Trabalho de Loures – Juiz “X” proferiu decisão em que se declarou incompetente em razão do território, dela constando, nomeadamente, escrito o seguinte:
“(…) Dispõe o n.º 1 do artigo 13.º do CPT, enquanto regra geral de atribuição de competência territorial na jurisdição laboral, que “as ações devem ser propostas no tribunal do domicílio do réu, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes.” Os números seguintes dizem respeito a ações intentadas pelo trabalhador, ações emergentes de acidente de trabalho e despedimento coletivo, o que não é o caso.
Com efeito e conforme se referiu estamos perante uma ação especial em que é autor o Ministério Público, a quem não é conferida a faculdade de optar por outro Tribunal que não seja o do domicílio da Ré. O Tribunal do domicílio da Ré é, in casu, o Juízo do Trabalho de Lisboa.
Importa referir que a tal não obsta o estabelecido no 15.º-A, n.º 3 da Lei n.º 107/2009, de 14.09, pois que esta norma se limita a determinar quais os serviços do Ministério Público para onde a ACT deve remeter a participação dos factos, mas não encerra a mesma norma de atribuição de competência para julgar a ação a intentar nos termos do art.º 186.º-K do CPT (havendo que recorrer às normas previstas no art.º 13.º e seguintes do CPT).
A violação da competência territorial em sede de processo laboral é de conhecimento oficioso – n.º 2 do art.º 19.º do CPT.
É, pois, o presente tribunal incompetente em razão do território para apreciação do presente processo, devendo o processo ser remetido, para o Juízo do Trabalho de Lisboa (artigo 105.º, n.º 3 do CPC, ex vi do n.º 2 do art.º 19.º do CPT) (…).
4) A decisão referida em 3) foi notificada – cfr. notificação endereçada ao autor em 21-12-2023 - e transitou em julgado;
5) Remetidos os autos ao Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz “Y”, e após despacho determinativo de citação da ré, por decisão de 19-03-2024 foi excecionada a incompetência desse tribunal, em razão do território, por se considerar competente o Juízo do Trabalho de Loures, tendo a referida decisão sido notificada– cf. notificação expedida em 26-03-2024 - e transitado em julgado.
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III. Conhecendo:
Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir (cfr. artigo 111.º, n.º 1, do CPC).
Os tribunais divergem, quanto à aplicação à situação dos autos, do disposto no artigo 13.º do Código de Processo do Trabalho ou do disposto no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro (que veio estabelecer o regime jurídico do procedimento aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social).
Dispõe o artigo 13.º do CPT – com a epígrafe “Regra geral” em sede de competência territorial – que:
“1 - As ações devem ser propostas no juízo do trabalho do domicílio do réu, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes.
2 - As entidades empregadoras ou seguradoras, bem como as instituições de previdência, consideram-se também domiciliadas no lugar onde tenham sucursal, agência, filial, delegação ou representação”.
Por seu turno, o artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro- com a epígrafe “Procedimento a adotar em caso de inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho” – estatui do seguinte modo:
“1 - Caso o inspetor do trabalho verifique, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 2.º, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente.
2 - O procedimento é imediatamente arquivado caso o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente, mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral, mas não dispensa a aplicação das contraordenações previstas no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 10 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho.
3 - Findo o prazo referido no n.º 1 sem que a situação do trabalhador em causa se mostre devidamente regularizada, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
4 - A ação referida no número anterior suspende até ao trânsito em julgado da decisão o procedimento contraordenacional ou a execução com ela relacionada”.
Tem-se entendido que, estando em questão ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, instaurada ao abrigo do disposto no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o tribunal competente, em razão do território, será o juízo do trabalho da área territorial onde é exercida a respectiva actividade da pessoa em causa.
Assim, se têm pronunciado, uniformemente, os Tribunais da Relação quando chamados a decidir reclamações deduzidas ao abrigo do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC, de que são exemplo as seguintes prolações:
- Decisão sumária do Presidente do Tribunal da Relação do Porto de 27-02-2024 (Processo n.º 4455/23.7T8AVR.P1, rel. JOSÉ IGREJA MATOS): “I - A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho decorrente do disposto no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro que regula o procedimento a adotar em caso de inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho deve ser intentada pelo Ministério Público no juízo do trabalho da área territorial onde a pessoa em causa presta a respetiva atividade.
II - Estando em causa uma lei especial e face ao nela preceituado, a presente exceção impõe-se à regra geral do art. 13º n.º 1 do Cód. de Processo de Trabalho que determina ser competente territorialmente o juízo do trabalho do domicílio do réu”;
- Decisão sumária da Presidente do Tribunal da Relação de Évora de 21-03-2024 (Processo n.º 1958/23.7T8TMR.E1, rel. ALBERTINA PEDROSO): “O tribunal territorialmente competente para conhecer das ações interpostas pelo Ministério Público para reconhecimento da existência de contrato de trabalho do prestador de atividade, na sequência de participação remetida pela Autoridade para as Condições de Trabalho é o do local onde é prestada a atividade que alegadamente constitui um contrato de trabalho, e não o do domicílio do réu”; e
- Decisão sumária do Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-04-2024 (Processo n.º 6941/23.0T8GMR.G1, rel. ANTÓNIO SOBRINHO): “I – O tribunal competente, em razão da divisão territorial, para julgar a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, intentada pelo Ministério Público, ao abrigo do artº 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, é o juízo do trabalho da área territorial onde é exercida a respectiva actividade da pessoa em causa.
II – A competência assim definida, emanando de lei especial que rege o procedimento relativo à inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho, prevalece sobre a regra geral do artº 13º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, que define como territorialmente competente o juízo do trabalho do domicílio do réu”.
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IV. No caso, não é controvertido que a atividade da pessoa em questão é exercida em Loures e que a ré tem domicílio em Lisboa.
Contudo, o dissídio cinge-se à determinação do pressuposto processual da competência territorial, sendo que, a incompetência foi suscitada oficiosamente por dois tribunais.
Sucede que, relativamente à decisão primeiramente tomada por um Tribunal em tal matéria, não foi deduzida qualquer reclamação.
Ora, de acordo com o disposto no n.º 2, do artigo 105.º, do CPC, a decisão sobre a competência relativa, transitada em julgado, resolve definitivamente a questão, mesmo que tenha sido suscitada oficiosamente.
Conforme salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 135), “[o] que for decidido resolve definitivamente a questão, sendo vedado ao tribunal para onde for remetido o processo recusar a competência que lhe tenha sido atribuída ou endossá-la a um terceiro tribunal, com ou sem invocação de outro fundamento (cf. o Ac. do Trib. Const. de 26-5-09, DR, II Série, de 7-7-09, decidindo que não era inconstitucional o art. 111º, n.º 2, do CPC de 1961, segundo o qual a decisão transitada em julgado resolvia definitivamente a questão da competência territorial)”.
Referem os mesmos Autores (ob. cit., pp. 135-136) que, “[s]e, contrariando o regime legal que prescreve a definitividade da decisão transitada em julgado, for proferida decisão de teor inverso sobre a competência relativa, a situação resolver-se-á segundo os parâmetros gerais: a segunda decisão fere o caso julgado formal previsto no art. 620.º; mesmo que porventura dela não seja interposto recurso (o qual é sempre admissível, de acordo com o art. 629.º, n.º 2, al. a) – caso julgado formal), deve prevalecer a competência definida na primeira decisão (art. 625.º)”.
O sentido normativo orientador tem sido, reiteradamente, sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente nas decisões de 20-11-2019 (Pº 2027/11.8TBPNF.S1), de 29-05-2020 (Pº 4165/20.7T8LSB-B.S1), de 30-12-2020 (pº 159/20.0T8BRR.S1), de 03-02-2021 (Pº 3918/19.3T8STS.S1) e de 19-05-2021 (Pº 1718/21.0T8GMR.G1.S1).
Tendo ocorrido o trânsito em julgado das duas decisões em conflito sobre a competência em razão do território, prevalecerá a que primeiro tiver transitado em julgado, nos termos do disposto no artigo 625.º do CPC.
Pode concluir-se – como se fez na decisão de 10-05-2005 do Tribunal da Relação de Coimbra (Pº 705/05, rel. ISAÍAS PÁDUA) que:
“No domínio da competência territorial dos tribunais, a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que tenha sido oficiosamente suscitada, devendo o processo ser remetido para o tribunal que foi julgado competente. Uma vez transitada em julgado a decisão que conheça dessa excepção, ela impõe-se dentro e fora do processo, tornando-se definitivamente vinculativa não só para o tribunal que a profere, como também para aquele outro que venha a ser julgado competente por essa decisão”.
Ora, não se aceita a interpretação de que apenas a decisão proferida pelo Juízo de Trabalho de Lisboa transitou em julgado, porque notificada às partes já constituídas e que tal não sucedeu com a precedente decisão tomada pelo Juízo de Trabalho de Loures.
Vejamos:
A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho traduz um processo especial, regulado no Capítulo VIII do Título VI do Código de Processo do Trabalho (cfr. artigo 186.º-K e seguintes).
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho, após a receção da participação prevista no n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o Ministério Público dispõe de 20 dias para propor ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Na petição inicial, o Ministério Público expõe sucintamente a pretensão e os respetivos fundamentos, devendo juntar todos os elementos de prova recolhidos até ao momento, sendo o empregador citado para contestar no prazo de 10 dias. A petição inicial e a contestação não carecem de forma articulada, devendo ser apresentadas em duplicado, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º do Código de Processo Civil. Os duplicados da petição inicial e da contestação são remetidos ao trabalhador simultaneamente com a notificação da data da audiência final, com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário (cfr. artigo 186.º-L do Código de Processo do Trabalho).
Nos termos do disposto nos artigos 186.º-M e 186.º-N do Código de Processo do Trabalho, se o empregador não contestar, o juiz profere, no prazo de 10 dias, decisão condenatória, a não ser que ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente. Se a ação tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa e a audiência final realiza-se dentro de 30 dias (não sendo aplicável o disposto nos n.os 1 a 3 do artigo 151.º do Código de Processo Civil), sendo as provas oferecidas na audiência, podendo cada parte indicar até três testemunhas.
O julgamento inicia-se com a produção das provas que ao caso couberem. Se ao juiz parecer indispensável, para boa decisão da causa, que se proceda a alguma diligência, suspende a audiência na altura que reputar mais conveniente e marca logo dia para a sua continuação, devendo o julgamento concluir-se dentro de 30 dias. A sentença é sucintamente fundamentada, regendo-se a sua gravação e transcrição para a ata pelo disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil e a sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral (cfr. artigo 186.º-O, n.ºs. 1, 5, 7 e 8 do Código de Processo do Trabalho).
“Na acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, o impulso processual cabe ao Ministério Público e só a este, incumbindo-lhe a apresentação da petição inicial, onde expõe sucintamente a pretensão e os respectivos fundamentos, devendo juntar todos os elementos de prova recolhidos até ao momento (art.º 186.º-L) e apresentar até três testemunhas (art.º 186.º - N), actuando o mesmo ao longo de todo o processo em representação do Estado colectividade, na defesa dos interesses que lhe estão confiados por lei, bem como na defesa da legalidade democrática (art.º 3.º do EMP e art.º 219.º da CRP). O trabalhador, pode alhear-se da acção e nela nem sequer intervir (artigos 186.º-M e 186.º-O). E, caso o faça, a sua intervenção consubstancia-se em aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário (art.º 186.º- L), do que resulta assumir o mesmo uma posição “complementar” ou “acessória”, do Ministério Público, que, no essencial, o reconduz à condição de assistente” (cfr., Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-10-2015, Pº 940/14.0TTLSB.L1-4, rel. ALBERTINA PEREIRA).
Ora, na data em que foi prolatado o despacho de 20-12-2023, nem a ré, nem o trabalhador tinham qualquer intervenção no processo.
Nessa medida, da decisão correspondente apenas foi – apenas, e bem, - notificado o autor (o Ministério Público).
De facto, na referida data, a ação pendia apenas relativamente ao autor (o Ministério Público), pelo que, o ato da proposição não produzia ainda efeitos em relação à ré e ao trabalhador (cfr. artigo 259.º, n.º 2, do CPC) e, logicamente, não teria que operar a notificação a uma parte ainda não objeto de citação ou com respeito a um sujeito sem intervenção processual nos autos (e, logo, sem a qualidade de parte/interveniente processual).
Contudo, o estado dos autos aquando da prolação de tal decisão não impede o trânsito em julgado – que, como se sabe, é o efeito da decisão logo que a mesma não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (cfr. artigo 628.º do CPC) – da decisão proferida, pois, nesse contexto, apenas a parte que se encontrava na lide, poderia obstar à ocorrência de tal trânsito, nomeadamente, interpondo o correspondente recurso ordinário ou reclamação.
De facto, assumindo o trânsito em julgado o efeito de sanção para a inação ou omissão daqueles a quem a decisão impõe prejuízo e que têm legitimidade para dela recorrer (conforme se aludiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-11-2020, Pº 1193/07.1TBBNV.E1.S1, rel. MARIA CLARA SOTTOMAYOR), na lide em que, à data da prolação da decisão, apenas se encontre o autor (Ministério Público), apenas este carece de ser notificado da referida decisão. E, ocorrida tal notificação, dela não foi interposto recurso ou reclamação, pelo que, decorrido o prazo legalmente previsto para o efeito, a decisão correspondente transitou em julgado.
Assim, tendo a decisão proferida sobre a competência territorial, emitida em 20-12-2023, pelo Juízo do Trabalho de Loures - Juiz “X”, bem ou mal, transitado em julgado em primeiro lugar (face à que, ulteriormente, veio a ser prolatada pelo Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz “Y”) – sendo certo que, então, apenas a ação pendia relativamente ao autor, pelo que, o ato da proposição não produzia efeitos em relação à ré e ao trabalhador (cfr. artigo 259.º, n.º 2, do CPC) -, sem que tenha ocorrido alguma reclamação de harmonia com o previsto no n.º 4 do artigo 105.º do CPC (impeditiva de tal trânsito), tal é a decisão que prevalece.
Conforme se salientou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-11-2020 (Pº 866/14.7TBPVZ.P1, rel. CARLOS QUERIDO) “(…) verifica-se o conflito de competência quando dois tribunais, chamados a decidir um determinado pleito, se declaram ambos competentes ou incompetentes para o efeito, sendo o conflito positivo quando ambos os tribunais se declaram competentes e negativo quando ambos declinam a competência. O conflito de competência apenas se pode suscitar nas situações de competência absoluta (alínea a) do art.º 96.º do CPC), considerando que as decisões sobre incompetência relativa são, nos termos do artigo 105.º, n.º 2 do CPC, vinculativas para o tribunal designado como competente” (aliás, na linha de consistente jurisprudência do STJ, como sejam os Acórdãos de 02-02-2000, Pº 99S246, rel. JOSÉ MESQUITA, de 08-05-2003, Pº 03B234, rel. SALVADOR DA COSTA, de 29-01-2004, Pº 03B3747, rel. FERREIRA GIRÃO, de 10-02-2004, Pº 03A3748, rel. PONCE DE LEÃO, de 20-05-2005, Pº 04B885, rel. LUCAS COELHO, de 05-11-2009, Pº 461/09.2YFSLSB.S1, rel. LOPES DO REGO e de 09-11-2011, Pº 130/11.6YFLSB.S1, rel. PEREIRA MADEIRA).
A consideração da existência do trânsito de duas decisões postula a existência de conflito de competência. Caso contrário, não haverá conflito de competência a decidir, como resulta do disposto no artigo 109.º, n.º 3, do CPC.
Sendo prévia a apreciação da existência de conflito entre duas decisões transitadas, não se vê como possa influir na decisão do conflito, na aferição da existência do trânsito em julgado, alguma consideração sobre “a questão de fundo”, que não atina com a aludida aferição prévia.
Por outro lado, a teleologia do n.º 2 do artigo 105.º do CPC é clara: A decisão que se tenha pronunciado sobre a questão da incompetência relativa e que tenha transitado em julgado, mostra-se definitiva, no sentido de vincular tal decisão a definição da questão de incompetência correspondente.
A teleologia da norma é precisamente a de obviar, de forma clara e evidente, a que diversos tribunais suscitem, indefinidamente a questão da incompetência relativa, por forma a que, tendo ocorrido tal conhecimento – e verificado o trânsito em julgado de tal decisão – a mesma se torne definitiva/vinculativa.
Não ocorre o perigo de supremacia decisória, já apreciado negativamente pelo Tribunal Constitucional.
Conforme se decidiu no Acórdão do TC n.º 260/1009 (Pº 120/07, rel. CARLOS PAMPLONA DE OLIVEIRA), a respeito do precedente artigo 111.º, n.º 2 do CPC anterior (correspondente à do atual artigo 105.º, n.º 2, do CPC vigente): “O que está em causa nesta norma não é, por conseguinte, a insusceptibilidade de recurso da decisão sobre a questão da competência territorial, mas sim o valor dessa decisão, uma vez transitada em julgado, pois a vinculação do tribunal declarado competente para decidir o processo deriva do trânsito em julgado da decisão sobre a competência. Dito de outro modo: a vinculação do tribunal para o qual é remetido o processo decorre da força do caso julgado, ou seja, da força obrigatória da decisão que recaiu sobre um dos pressupostos da relação processual, transitada em julgado.
Na verdade, no julgamento da excepção de incompetência relativa, em razão do território, ao contrário do que se verifica no julgamento da excepção de incompetência absoluta, a procedência da excepção não conduz à extinção da instância, por absolvição do réu da instância ou por indeferimento em despacho liminar, apenas determinando a remessa do processo ao tribunal competente, nele prosseguindo os seus trâmites.
Ora, como é incontroverso, as decisões sobre a relação jurídica processual transitadas em julgado ao longo do processo, ou seja, as que não foram adequada e tempestivamente impugnadas, formam caso julgado sendo vinculativas para todos os sujeitos e intervenientes processuais, incluindo os próprios tribunais, como não podia deixar de ser.
Em suma, o que o nº 2 do referido artigo 111º implica é atribuir a uma decisão transitada sobre matéria processual força de caso julgado. E é deliberadamente assim, por serem regras menos relevantes no que toca à organização da competência (territorial), do que as que determinam a competência absoluta.
E a verdade é que o tribunal recorrido está no mesmo plano hierárquico do tribunal onde a questão ficou julgada, sendo por isso desajustada a invocação de regras de competência hierárquica; o que de útil se retira daquela norma nada tem a ver com a hierarquia, porque o regime que dela consta tanto vale para os casos em que a decisão definitiva sobre incompetência relativa provém da 1ª instância como quando provém de um tribunal de recurso.
Deste modo, a norma ínsita no n.º 2 do artigo 111.º do Código do Processo Civil, que determina que a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência territorial, não afronta outros interesses dotados de tutela constitucional, designadamente a organização hierárquica dos tribunais.
A norma não padece, em suma, da apontada inconstitucionalidade material”.
Finalmente, também não procede nenhuma objeção a respeito da decisão proferida pelo Juízo do Trabalho de Loures relativamente à legitimidade do conhecimento oficioso efetuado, de harmonia com o disposto no artigo 104.º do CPC, questão de natureza processual, que sempre seria prévia à do respetivo trânsito em julgado de tal decisão, não colidindo com este, nem obviando ao mesmo.
De facto, se é certo que, “[a]inda que na generalidade das nulidades processuais a sua verificação deva ser objeto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre esta incidir, tal solução é inadequada quando estão em causa situações em que o próprio juiz, ao proferir a decisão, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório ou implicitamente dá cobertura a essa omissão. Nesses casos, a nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve comunica-se ao despacho ou decisão proferidos, pelo que a reação da parte vencida passa pela interposição de recurso dessa decisão em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-12-2022, Pº 469/20.7T8AVV-A.G1, rel. ANIZABEL SOUSA PEREIRA).
Ora, a questão do momento do conhecimento da incompetência relativa sempre deveria ser objeto de oportuna dedução impugnatória, o que, contudo, não sucedeu, mostrando-se inconsequente a sua apreciação no âmbito do presente processo de resolução do conflito.
Em face de tudo o exposto e porque prevalecerá a decisão primeiramente transitada em julgado, será, pois, competente para a tramitação dos autos, o Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz “Y”.
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V. Pelo exposto, decido este conflito, declarando competente para apreciação e prosseguimento do presente processo, o Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz “Y”.
Sem custas.
Notifique-se (cfr. artigo 113.º, n.º 3, do CPC).
Baixem os autos.

Lisboa, 17-10-2024,
Carlos Castelo Branco.
(Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, pub. D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março).