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CONFLITO DE COMPETÊNCIA
DECISÃO SUMÁRIA
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário
I. Conforme resulta do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC, a decisão da reclamação, nos termos aí consignados, é definitiva e decidindo o Presidente da Relação definitivamente, deixou de ser admissível recurso. II. A definitividade da decisão singular proferida, nos termos do mencionado preceito legal, por um lado, decide em último termo e de forma definitiva a reclamação e, por outro lado, obsta quer à consideração do regime previsto no artigo 666.º do CPC, quer do previsto no n.º 3 do artigo 652.º do CPC, sendo que, relativamente ao primeiro preceito, está em questão uma decisão singular e, não, um acórdão e, quanto ao segundo preceito, prevendo a lei um regime específico para a decisão da reclamação pelo Presidente do Tribunal da Relação, com ele não se coaduna tal disposição referente à emissão de decisões por relator em sede recursória.
Texto Integral
I.
1) Em 12-08-2024, pelo Juízo de Família e Menores de Cascais - Juiz “X”, foi proferida a seguinte decisão: “Uma vez que a criança “A” reside na zona do Porto, declaro a incompetência relativa deste Tribunal, em razão do território, para conhecer do presente pleito, por ser competente os Juízos de Família e Menores de Gondomar – Tribunal Judicial da Comarca do Porto, e, em consequência, determino a imediata remessa dos presentes autos aos referidos Juízos. Dou ainda sem efeito a diligência agendada para o dia 16-8-2024. Valor: € 30.000,01. Sem custas. Dn. Notifique.”.
2) Notificado da decisão referida em 1), o requerente, por requerimento apresentado em juízo em 26-08-2024, veio apresentar reclamação, nos termos do artigo 105.º, n.º 4, do CPC.
3) Em 02-10-2024 foi proferida decisão – sumária - da reclamação pelo signatário, decidindo pela parcial procedência da reclamação deduzida e, em consequência: “a) Não se conhece da nulidade arguida, atinente à violação do direito ao contraditório relativamente à desmarcação da conferência de pais, por não se inserir no objeto a que se dirige a reclamação; b) Conclui-se não se verificar a outra nulidade arguida pelo reclamante; c) Não se conhece da pretensão formulada no sentido da determinação do “regresso da Criança à sua residência habitual”; e d) Decidindo-se revogar o despacho reclamado, fixa-se como tribunal territorialmente competente para prosseguir a lide, o Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “X””.
4) Notificada da decisão referida em 3), em 16-10-2024, a requerida/reclamada apresentou requerimento no qual vem pretender “RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA da decisão proferida pelo Juiz Relator nos termos e com os seguintes fundamentos: I) - Conforme consta na Petição inicial apresentada pelo Requerente, o menor, “A”, filho de ambos, nasceu em 16/12/2023. II) – Certo é que o menor nasceu no Porto, (…), tendo sido registado na cidade do Porto, conforme assento de nascimento que o próprio que já se encontra junto aos autos. III) – Certo é ainda que a mãe do menor reside em Gondomar e que o pai reside em Lisboa. IV) - Assim, dúvidas inexistem que no momento do nascimento da criança, os progenitores já não coabitavam, residindo em cidades diferentes que distam mais de 300 quilómetros. V) – A criança “A” sempre residiu com a mãe, na morada indicada na Certidão de Nascimento, cuja declaração foi feita pelo próprio progenitor, aqui requerente, pelo que, dúvidas inexistem que a morada do menor (agora com 10 meses de idade, frise-se, mais uma vez), foi em Gondomar. VI) - Aliás, a progenitora coabita com o filho, desde o seu nascimento, sempre com o conhecimento do Requerente, no norte do país. VII) - Ora, diz-nos o Artigo 9º da Lei nº 141/2015, de 08 de Setembro relativa ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível que para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado. VIII) - Deste modo, dúvidas inexistem que, o tribunal competente para apreciar a questão que ora se discute é o Tribunal de Gondomar. VIX) - Dos documentos juntos pelo progenitor aquando do seu requerimento datado de 12.07.2024, resulta que:
1) O documento nº 1 ali apresentado indica que a mãe, aqui requerida, irá deslocar-se ao Porto, para retomar a sua vida. “Na próxima semana irei para o Porto, já pedi ajuda, porque é humanamente impossível estar aqui neste contexto apenas com a Cláudia e quero retomar a minha vida”. 2) Daqui resulta que a mãe, ora requerida, irá voltar para o local que nunca deixou, de forma definitiva, ou seja, o norte do país. 3) Em relação ao documento nº 2 e nº 3, resulta que no dia 02.07.2024, o menor “A” esteve numa consulta em Cascais, entre as 17h e as 18h10m, acompanhado por ambos os progenitores. 4) Daqui resulta apenas e só que naquele dia e hora, o menor foi a uma consulta em Cascais, o que não significa que o mesmo reside em Cascais. Aliás, bastaria estar de férias no Algarve para que, numa situação de doença, tivesse de se deslocar a uma unidade de saúde daquela região. Mas isso não significa, obviamente, que o menor residisse lá. 5) O documento nº 3 indica que o menor teve uma consulta no domicílio, em Linda-a-Velha no dia 14.02.2024. Se o menor visitava o progenitor, com alguma regularidade, e se estava com uma infeção respiratória, é normal que a criança fosse atendida no local em que se encontrava, na casa do pai. Mas isto, mais uma vez, não significa que o menor resida na zona do centro do país. No documento nº 4 apresentado nesse requerimento, e que não se encontra nem assinado, nem datado, não faz prova alguma de que o requerente pretende, engenhosamente, fazer constar. 6) Em relação ao documento nº 7, diremos que, em primeiro lugar, trata-se de devassa da vida privada, violando a lei da proteção de dados, porquanto indica que a requerida foi acompanhada em consultas de ginecologia obstetrícia entre 22 de abril de 2023 e 28 de outubro de 2023. Ora, este documento viola frontalmente os direitos da requerida, sendo certo que, também faz prova que o final da gravidez não aconteceu na clínica que consta do dito documento. 7) Esse final de gravidez é, obviamente, fase crucial de uma gestação. Significa isto que, pese embora este documento viole a legislação que supra se indicou, também é bem demonstrativo de que a requerida durante a gestação e durante um determinado período foi seguida em uma clínica no centro do país, muito antes de o menor ter nascido. 8) Ademais, e prova inequívoca de que o menor reside no norte do país é o boletim de vacinas do mesmo todas tomadas na unidade de saúde de Gondomar, bem como a própria declaração do progenitor no assento de nascimento que dá conta que a residência do menor é, efetivamente, no norte do país. 9) Assim sendo, uma mensagem e duas consultas médicas efetuadas no centro do país não significa a residência do menor naquela zona. VX) - Desta forma, e pelo que supra se indicou, devem os presentes autos ser remetidos à Comarca de Família e Menores de Gondomar, por ser o tribunal territorialmente competente, declarando-se a incompetência do Juízo de família e Menores de Cascais. VXI) - Pelo exposto, requer sejam os autos remetidos ao Juízo de Família e Menores de Gondomar para distribuição e respetiva tramitação, conforme resulta expressamente da lei: Conforme mostra o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 12.06.2023, sob o processo nº 669/06.2PBGMR-A.G1: "1 - A Reclamação para a Conferência de Decisão Sumária proferida, não constitui uma forma de conferir o direito a uma dupla apreciação, em sede de recurso. 2 - Trata-se sim, de uma forma de impugnar a Decisão Sumária do Juiz relator, agora perante o Tribunal Coletivo. TERMOS EM QUE, REQUER QUE SEJA PROFERIDO ACORDÃO QUE REVOGUE A DECISÃO SUMÁRIA PROFERIDA E JULGUE COMPETENTE PARA A APRECIAÇÃO DA CAUSA O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE GONDOMAR (…)”.
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II. Conhecendo (sendo que, por se afigurar dever ser desatendida a pretensão formulada – como infra se escreverá - , mostra-se manifestamente desnecessária a observância do contraditório relativamente ao requerimento em apreço – cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC):
Dispõe o nº. 4 do artigo 105.º do CPC – preceito integrado na secção intitulada “Incompetência relativa” - que, da decisão que aprecie a competência cabe reclamação, com efeito suspensivo, para o presidente da Relação respetiva, o qual decide definitivamente a questão.
Trata-se de um mecanismo expedito de resolução de conflitos sobre incompetência relativa.
A decisão que afirma ou que negue a competência relativa de um Tribunal é passível de impugnação.
Contudo, “em lugar de a sujeitar ao recurso de apelação previsto no art. 644.º (cujo n.º 2, al. b), apenas abarca as decisões sobre competência absoluta), o CPC de 2013 prevê a reclamação dirigida ao Presidente da Relação, à semelhança do que está previsto para a resolução de conflitos de competência. Para além da maior rapidez associada a este instrumento de impugnação, colhem-se do novo regime benefícios potenciados quer pela uniformidade de critério relativamente à resolução de questões idênticas, quer pela definitividade do que for decidido” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 148).
Conforme salientam os mesmos Autores (ob. cit., p. 149), o que for decidido pelo Presidente do Tribunal da Relação “resolve definitivamente a questão, sendo vedado ao tribunal para onde for remetido o processo recusar a competência que lhe tenha sido atribuída ou endossa-la a um terceiro tribunal, com ou sem invocação de outro fundamento (…)”.
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III. No caso em apreço, por decisão sumária proferida em 02-10-2024 foi julgada parcialmente procedente a reclamação, deduzida nos termos do artigo 105.º, n.º 4, do CPC, decidindo-se, nomeadamente, revogar o despacho reclamado e fixar-se como tribunal territorialmente competente para prosseguir a lide, o Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “X”.
A requerida/reclamada vem pretender “RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA” da decisão de 02-10-2024.
Sucede que, conforme resulta do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC, a decisão da reclamação, nos termos aí consignados, é definitiva (cfr., também, neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa; Código de Processo Civil online, em anotação ao artigo 105.º, p. 117, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2024/02/cpc-online-19.html). Conforme salientam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2014, p. 216), decidindo o Presidente da Relação “definitivamente, deixou de ser admissível recurso”.
E, tal como se escreveu no Acórdão do T.C. n.º 593/2007 (Pº 939/07, rel. CURA MARIANO), a respeito da razão de um tal regime referente às decisões proferidas no exercício de funções jurisdicionais atribuídas por lei aos Presidentes dos Tribunais superiores, “não justificando o cargo que estas entidades exercem que as mesmas sejam objecto duma segunda apreciação jurisidicional. Antes, pelo contrário, sendo o seu autor o Presidente do Tribunal situado no topo da hierarquia de determinada jurisdição, tal circunstância é uma razão acrescida para que a opção do legislador de estabelecer a irrecorribilidade dessas decisões não possa ser considerada arbitrária ou desproporcionada, apesar de ser proferida por juiz singular”.
A definitividade da decisão singular proferida, nos termos do mencionado preceito legal, por um lado, decide em último termo e de forma definitiva a reclamação e, por outro lado, obsta quer à consideração do regime previsto no artigo 666.º do CPC, quer do previsto no n.º 3 do artigo 652.º do CPC, sendo que, relativamente ao primeiro preceito, está em questão uma decisão singular e, não, um acórdão e, quanto ao segundo preceito, prevendo a lei um regime específico para a decisão da reclamação pelo Presidente do Tribunal da Relação, com ele não se coaduna tal disposição referente à emissão de decisões por relator em sede recursória.
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IV. Pelo exposto, de harmonia com os termos e fundamentos expendidos, indefere-se o requerimento da requerida/reclamada de 16-10-2024.
Notifique.
Lisboa, 17-10-2024,
Carlos Castelo Branco.
(Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março).