DIREITO DE PROPRIEDADE
ABUSO DE DIREITO
Sumário


1 - A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, sendo que a segunda perícia não invalida a primeira, sendo ambas livremente apreciadas pelo tribunal.
2 - Condição primeira para que uma ação de defesa da propriedade proceda é a alegação e prova da propriedade, prova que cabe ao autor, como elemento integrante do direito por si invocado.
3 – Tendo a questão do abuso de direito sido suscitada apenas em sede recursória, é possível conhecer da mesma, por ser matéria de conhecimento oficioso, nada obstando à sua apreciação desde que o tribunal se cinja aos factos alegados ou adquiridos no processo com respeito pelo contraditório.
4 - O exercício de um direito subjetivo “liberdade geral de agir” em contradição com a ideia de justiça, seria suscetível de o tornar ilegítimo, por constituir uma “grave afetação do mínimo ético-jurídico exigível na convivência social”, o que não é o caso dos autos, em que os réus atuam enquadrados por decisões judiciais que lhes foram favoráveis.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

AA deduziu ação declarativa contra BB e mulher CC, pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 141.865,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da citação até integral pagamento, bem como a pagar-lhe, através de liquidação de sentença, todos os demais prejuízos desconhecidos neste momento, decorrentes da atuação daqueles, nomeadamente de eventuais danos com a evolução dos preços, futuras peritagens, destruição e reconstrução da obra, tal como alegado nos artigos 68.º e 35.º da petição inicial.

Alegou, em resumo que é proprietário de um prédio que confronta a nascente com o prédio dos réus e que estes, após várias ações que correram já em tribunal, na sequência do desaterro, em 2005, de parte do lote de terreno do autor para aí construir um pavilhão (ações declarativas, execuções para prestação de facto, providência cautelar de embargo de obra nova, embargos administrativos), em 16 de janeiro de 2018, iniciaram obras no seu prédio, ocupando em parte o prédio do autor com terra, pedras de grande porte e entulho, destruindo árvores de fruto e parte de um muro, de uma parede e de uma rampa de acesso a um pavilhão e provocando fissuras no pavilhão, para além de outros danos que descreve, designadamente, tendo que suportar custos face às paralisações e derrubes da obra que havia iniciado no seu prédio e que conduzirão a que a mesma tenha que ser restaurada ou até demolida e construída de novo, a que acrescem os danos não patrimoniais sofridos, que contabiliza em € 15.000,00.
Os réus contestaram negando os factos que lhe são imputados pelo autor, e acrescentando que jamais lhe causaram qualquer prejuízo ou dano, nomeadamente com as pequenas demolições que fizeram para tomar posse da parcela de terreno que faz parte integrante do seu prédio.
Teve lugar a audiência prévia, com suspensão para acordo, após o que foi proferido despacho saneador, definido o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
Foram realizadas duas perícias.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo os réus de todos os pedidos.

O autor interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

A. A matéria de facto provada e não provada deveria ser alterada, pois deveria excluir-se do art.º 30 da matéria provada a expressão “alegadamente”, por ser conclusiva e por resultar da demais matéria provada (art.º 31º) e fundamentação, que essas construções existiam.
B. Do mesmo modo, no artigo 46º, onde diz 50.600€, deveria ter ficado provado 70.448,23€, pois como referiu o Sr. Perito Engº DD, a diferença de valores entre o seu relatório e o do colega (Engº EE) reside no facto deste, no seu orçamento, se ter orientado pelas características e tipo de materiais que se encontravam na obra quando foi destruída pelos réus, enquanto que aquele se orientou pelos materiais e valores que entendeu serem suficientes para reconstruir o que foi destruído pelos réus – ( 03:00 m a 06:04 m, de 06:48 m a 09:34 m , de 09:47 m a 10:21 m e de 10:38 m a 11:09 m)
C. Das constantes nos relatórios, as construções foram feitas em betão, o muro estava impermeabilizado, etc., o que foi confirmado pelo construtor da obra, (FF), que também referiu que agora, é impossível apurar o valor da reconstrução, porque a construção do edifício, inviabilizou o uso das necessárias máquinas (grande porte) – (de 01:12 m a 03:17m, de 03:42 m a 04:45m, de 05:24 m a 08:57 m, de 09:00 m a 10:05 m)
D. Logo, o valor que réus têm de suportar é o valor daquilo que concretamente destruíram e nunca o que o valor que o Sr. perito entendeu ser suficiente, ou seja terão de pagar o valor apontado pelo Sr. Perito EE (70.448,23€) e – art.º 562º CC.
E. Por outro lado, a matéria de facto não provada, contida nas alíneas B, D, O, P e Q deveria ter sido dada como provada.
F. Quanto às alíneas B e D, resultou provada pelos relatórios, fotografias juntas e depoimento do construtor, acima referido – cfr. passagens do seu depoimento referidas no ponto C.
G. Acresce que se em consequência disto o autor sofreu os danos referidos nos artigos supra referidos, teve de sofrer também grandes incómodos – crf. depoimento da mulher do autor (que foi considerado espontâneo e coerente com as regras da normalidade da vida e do senso comum), deste e da sogra, CC (autor – de 9:00m a 16:10m; mulher- de 10:19m a 13:20m e sogra – de 11:26m a 12:30m e 12:35m a 14:00m.)
H. E se o tribunal entendeu que a mulher do autor, deste e da sogra foram credíveis e prestaram um depoimento espontâneo e coerente, até mesmo pela lógica, relativamente ao não avanço da construção do pavilhão, deveria ter dado provado que tal se deveu por causa dos réus – cfr. depoimentos do autor, mulher e sogra, referidos no ponto G.
I. Aliás, da matéria de facto é possível constatar as inúmeras ações, execuções, embargos judiciais, etc. de elevado valor, propostas pelos réus contra o autor, que para se defender, teve de contestar, deduzir embargos de executado, propor uma ação de demarcação para demonstrar a inexequibilidade da sentença, recorrer, etc. o que o obrigou a pagar taxas de justiça, peritagens, certidões, honorários, etc. (à exceção destes autos nunca beneficiou de apoio judiciário), o que o levou à sua ruina económica e consequente paragem da obra.
J. Quanto à matéria da alínea Q, resultou provada, atento tudo o que infra se irá alegar, pois até da matéria provada e da fundamentação resulta que os réus, sabiam que não podiam demolir aquelas construções, com o argumento de que o terreno era seu (o que não provaram), assim como sabiam que não podiam fazer justiça com as suas próprias mãos.
K. Com efeito, a decisão recorrida confunde a propriedade do muro e demais construções referidas nos artigos 30º e 31º da matéria provada e a propriedade do solo onde estavam edificadas, pois só importa saber a quem pertenciam essas construções demolidas, e o único modo legitimo para as demolir seria a via judicial, sendo certo que todas as execuções, propostas pelos réus, seguem uma tramitação legal que não foi cumprida, pois nenhuma delas permite aos réus substituir-se ao poder judicial e destruir aquilo que sabe não ser seu, só porque entende que está no solo do seu prédio!!!
L. Note-se que contrariamente ao referido na sentença, não houve qualquer investidura; na execução para entrega de coisa certa, a AE limitou-se a cumprir os formalismos previstos no CPC, que não contemplam a definição de linhas divisórias mas, a mera entrega formal da coisa, sendo que a essa data, já os réus tinham demolido as construções.
M. Aliás, o próprio tribunal reconhece que não se provou a quem pertence a faixa de terreno, pois no proc. 32638/05... antigo ...... cível, a configuração constante da planta junta à pi, não está à escala de 1/500, como a própria refere e foi feita à mão, o que impossibilita determinar a linha divisória entre os prédios– cfr. art. 9º e 10º da matéria de facto provada.
N. A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, que garante o respeito e garantia de efetivação dos direitos dos cidadãos, pelo que o autor não pode ficar prejudicado pelo facto da dita sentença ser inexequível e muito menos ficar eternamente a assistir os réus a destruírem o que constrói, sem atenderem ao que diz a lei, causando-lhe sucessivos e avultados prejuízos, e ainda a ficarem impunes, pois desta forma está aberta a porta para continuarem a destruição, bastando argumentarem que são donos do prédio!
O. É que, nem se provou a existência de circunstanciais que permitissem aos réus o direito de repelir pela força qualquer agressão, por não sendo possível recorrer à autoridade pública (artigo 21º da CRP), nomeadamente as previstas nos arts 336º, 337º, 338º, 339º e 340º CC; os réus optaram pela ação direta, ilícita, desenvolvida fora das condições em que seria admissível, não respeitando assim a CRP e ainda ficaram impunes!
P. E nestes autos nunca se poderiam definir os limites dos prédios, pois o autor pede apenas a condenação dos réus a pagarem-lhe os prejuízos que lhe causaram.
Q. Assim, os réus, descrentes da Justiça, assumiram a resolução da questão litigiosa, tomando-a literalmente nas suas mãos, o que evidencia que estavam cientes da ilicitude da sua conduta, querendo agir como agiram, bem sabendo que a mesma é proibida e punida por lei, pelo que se impunha a sua condenação pelos prejuízos que causaram.
R. Perante este cenário, é indiferente saber em que prédio ocorreu a destruição, pois o que releva é que o dano tenha algum relevo e ocorrido sobre uma coisa corpórea e autónoma e alheia (“coisa simples” na aceção do art.º 206.º C), embora possa estar afetas a uma mesma finalidade e configurarem, por isso, uma unidade económica
S. Provou-se que os réus provocaram os danos descritos nos artigos 30 e 31, sem autorização legal e bem sabendo que estavam a destruir aquilo que não foi construído nem custeado por si, e que com isso causaram ao autor um prejuízo nunca inferior a 70.448,23€/50.600,00€. – cfr. art.º 30 e 46º da sentença.
T. Com efeito, quanto ao facto humano e voluntário, dá-se aqui por integralmente reproduzido tudo quanto a esse respeito vem referido na sentença, pelo que tal requisito se verifica. E como refere a sentença provou-se os prejuízos e o nexo de causalidade
U. Provou-se ainda, a culpa, pois atento o contexto da situação, os réus agiram livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de destruir os bens referidos no art.º 31º e 30º da matéria provada, sabendo que não estavam legitimados para isso e que os mesmos não lhe pertenciam (dada a inexequibilidade da sentença) agindo contra a vontade do seu dono, que as construiu, pelo que a sua culpa nem sequer é negligente mas antes dolosa.
V. Quanto à ilicitude, provou-se que foi o autor que realizou e custeou as construções atingidas pela ação dos réus e que estes jamais poderiam fazer justiça por conta própria, em coisa alheia, mesmo ao abrigo das execuções que propuseram.
W. Não tendo o autor qualquer responsabilidade relativamente à inexequibilidade da sentença, no limite esperava-se que a justiça não permitisse abusos desta natureza nem prejuízos destes ou de qualquer outro montante, pois dar amparo ao sustentado pelos réus é o mesmo que admitir que estes, podiam nessas circunstâncias fazer justiça pelas próprias mãos, demolindo o que entendessem, tal como fizeram. e os tribunais não podem dar guarida a uma atuação destas, deixando impunes quem a pratica, devendo sancioná-los, sob pena de ocorrer autêntica denegação da justiça. No limite esperava-se que a justiça não permitisse abusos e prejuízos desta natureza ou quaisquer outros.
X. Acresce que, ainda que o autor tivesse edificado o muro e construções em causa no prédio dos réus, o que apenas por hipótese se admite, nem recorrendo à via judicial poderia atuar da forma que atuou, como refere o Ac. STJ de 27/04/93 (JSTJ00018844), disponível em www.dgsi.pt “I - As questões resultantes da construção de obra em terreno alheio devem ser resolvidas pelos princípios da chamada acessão industrial imobiliária estabelecidos nos artigos 1340 e seguintes do Código Civil. II - Em particular no que respeita a obra feita de má-fé, o dono do terreno pode, além de mais, exigir a sua demolição. III - A demolição de obra construída em terreno alheio não pode basear-se na simples violação do direito de propriedade, exigindo-se ainda a prova de má-fé do autor da obra. IV - Para este efeito, não se presume a má-fé, a qual consiste no conhecimento de o terreno ser alheio e em não ter sido a obra autorizada pelo dono dele.” – sublinhado nosso.
Y. Da matéria de facto provada e da fundamentação, resulta avultadamente que as construções não foram efetuadas de má fé pelo o autor, pelo que, nem recorrendo à via judicial, os réus teriam direito a destrui-las e muito menos nos moldes em que o fizeram.
Z. Acresce que, incorporação não é sinónimo de acessão, ou tampouco meio de aquisição da propriedade. É pelo instituto da acessão industrial imobiliária que se adquire o direito de propriedade, sendo este instituto também um mecanismo de resolução de um conflito de direitos da mesma natureza, gerado pela sobreposição de duas propriedades: a do dono da obra e a do dono do prédio onde a obra foi incorporada.
AA. O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 205/2000, publicado no D.R. II série, de 30-10-2000, refere a este propósito que “perante a ocorrência de uma sobreposição de duas propriedades distintas, não suportada por um direito de superfície validamente constituído (nem em nenhuma outra situação legalmente admitida de sobreposição de propriedades), a lei vem arbitrar o possível conflito daí emergente, mediante a fixação abstrata de um critério de prevalência. … Este conflito, suscitado pela incompatibilidade entre o direito do proprietário do solo e o direito do autor da incorporação …”
BB. Como nos dizem Carvalho Fernandes (Lições de Direitos Reais, 4ª ed., pág. 332 e 333), Menezes Cordeiro (Direitos Reais, II, pág. 721) e Vaz Serra (RLJ ano 107, pág. 48 “Como consequência da natureza da acessão, (…) enquanto o respetivo direito não for exercido, cada uma das coisas (o terreno e a obra, etc. nele incorporada) mantém a sua individualidade, designadamente para efeitos jurídicos, e os respetivos sujeitos conservam os seus direitos, que podem exercer mas apenas com a sua exata configuração e extensão.”
CC. O mesmo nos diz o Ac da RC de 2.7.91 (Col Jur 1991, 4º, pág. 91), ao observar que a aquisição por acessão imobiliária industrial é de natureza potestativa, mantendo-se as propriedades distintas enquanto o direito de aquisição não for exercido.
DD. No mesmo sentido, o Ac. STJ de 10/01/19 (proc. 4982/15.0T8GMR.G1.S1), em www.dgsi.pt: IV. A aquisição da propriedade por via de acessão industrial imobiliária é originária, fazendo surgir um direito ex novo (direito ao conjunto), independente do anterior direito sobre a coisa, e está dependente do pagamento de determinada quantia ou da sua garantia, que funciona aqui como condição suspensiva da aquisição do direito de propriedade do conjunto. (...) VI. A aquisição originária do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária tem natureza potestativa, dependendo da manifestação de vontade de adquirir a coisa, por parte do beneficiário da acessão, pelo que, enquanto o respetivo direito não for exercido, cada uma das coisas (obra e terreno) mantém certa individualidade, designadamente para efeitos jurídicos, e os respetivos sujeitos conservam os seus direitos e podem exercê-los, de harmonia com as circunstâncias.
EE. Também existe a possibilidade de nem o proprietário do solo nem o proprietário da incorporação estarem interessados na aquisição da propriedade e, nesse caso, entende a doutrina que, face à lacuna existente na lei, a melhor solução será a de dar o direito de pedir a venda, por qualquer um dos proprietários e, uma vez realizada, cada um deles receber a  parte/valor que lhe compete – neste sentido vide https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/15033/1/201324180.pdf, pag. 18 seg
FF. O autor está certo que construiu sobre o seu próprio prédio, no entanto, caso isso não tivesse sucedido, o que apenas por hipótese se admite, o certo é que, não obstante a incorporação da construção no solo, até à acessão, as propriedades (do solo e da incorporação) mantêm a sua individualidade, e nessa medida mantêm-se distintas.
GG. Ora, da matéria de facto não há dúvidas sobre a propriedade da incorporação e consequentemente dos bens que a compõem, nomeadamente os que, confessadamente, foram destruídos pelos réus, razão pela qual a acção também deveria ter procedido.
HH.E se ainda assim não fosse, os réus deveriam ser condenados ao abrigo da figura do abuso de direito, conforme defendido no Ac. STJ de 08/09/16 (proc. 1952/13.6TBPVZ.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt , I. “… para lá da violação de direitos absolutos e de disposições legais de proteção de interesses alheios, incorpora-se na sistemática, como terceira via da ilicitude, o artigo 334º CC que contém, na sua formulação genérica e abstrata, uma cláusula delitual absorvida pelo abuso de direito. II. Por regra, ao sofrer um prejuízo patrimonial que não seja decorrente de um ato ilícito (ilicitude normativamente definida), o lesado, em princípio, não logrará êxito em uma pretensão de ressarcimento da perda sofrida, pois, não havendo ilicitude no ato do lesante, não há, por regra, como responsabilizá-lo pelo dano. Porém, esta regra esbarra, no entanto, na realidade, quando esta evidencia situações em que o dano patrimonial puro é decorrente de uma conduta intencional do agente, o que faz propender a admitir a sua indemnização, ao abrigo da responsabilidade civil, por não se poder aceitar que perante uma conduta intencional de infligir danos, essa conduta não seria ilícita”
II. Tal como decidido no ac. do STJ de 08-09-2016 também aqui se pode concluir que “quer se siga a via da aplicação analógica do art. 334º à liberdade geral de agir do autor, quer se siga a via proposta por Carneiro da Frada, a resposta será idêntica. A conduta dos réus, demolindo as construções do autor com o argumento de que foram efetuadas em terreno seu, mas bem sabendo que não é ainda possível definir os limites do seu prédio, configura uma manifesta violação dolosa dos limites impostos pelos bons costumes. Simultaneamente, tal conduta, traduzindo a vontade dos réus em fazer justiça pelas próprias mãos sem que tenham provado os pressupostos da ação direta (art. 336º, do CC) constitui uma grave afetação do mínimo ético-jurídico exigível na convivência social.”
JJ. Face ao exposto, também por esta razão a ação deveria ter procedido, condenando-se os réus a pagar ao autor a quantia de 70.448,23€ ou caso assim não se entenda 5.600,00€.

TERMOS EM QUE deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue a ação procedente ou parcialmente procedente, condenando os réus a pagar ao autor, a quantia de 70.448,23€, ou pelo menos a quantia de 50.600,00€, assim se fazendo a devida, JUSTIÇA.

Os réus contra-alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto, e avaliação da solução jurídica, designadamente quanto à autonomização do muro em relação á propriedade do terreno. Vem também questionado o eventual abuso de direito.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Com relevo para a boa decisão da causa, ficou provado que:
1. Existe uma parcela de terreno para construção urbana, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...13 e inscrita na matriz urbana sob o art.º ...43.º, do lugar de ... ou ..., da freguesia ..., ... (parcela essa desanexada da descrição predial nº ...56 / ...88 – ...), aí descrita com a área de 1.600 m2 e a confrontar do norte com GG, do sul Estrada Nacional, de Nascente BB (RR) e do Poente HH.
2. O direito de propriedade sobre tal parcela encontra-se inscrito pela Ap.... a favor do Autor e fundado em doação de 26.10.1988, no Cartório de ..., onde os pais do Autor declararam dar, como deram, e o Autor receber, como recebeu, a id. parcela de terreno.
3. Na id. parcela de terreno, o autor, por si e seus antecessores, vem fazendo obras, zelando pela sua conservação, colhendo frutos e rendimentos, pagando as contribuições devidas, há mais de 10, 15, 20, 30 e mais anos, na convicção de ser dono e de não lesar direito alheio, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja.
4. Existe uma parcela de terreno descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...19 e inscrita na matriz sob o art.º ...66.º, do lugar de ... ou ..., da freguesia ..., ..., descrita com a área de 2.700 m2 e a confrontar de norte com II, sul com Estrada Nacional, poente com AA (Autor) e nascente com Caminho Público.
5. O direito de propriedade sobre tal parcela encontra-se inscrito pela Ap. ...2 a favor dos RR e fundado em compra e venda, lavrada a 30.12.1988, onde os então donos, HH e mulher JJ, declararam vender, como venderam, aos RR, que declararam comprar, como compraram, a dita parcela de terreno.
6. Por si e seus antecessores, na id. parcela os RR construíram a sua habitação, quintal, culturas, pagam as respetivas contribuições, há mais de 5, 10, 15 e 20 anos, na convicção de serem donos e de não lesarem direito alheio, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja.
7. O terreno id. em 1 confronta a nascente com o terreno id. em 4. e este, a poente com aquele.
8. Em data não concretamente apurada mas até ao ano de 2005, o Autor levou a cabo um desaterro e movimentação de terras em parte do terreno id. em 1, a fim de aí construir um pavilhão.
9. Por entenderem que o referido desaterro e movimentação de terras tinha sido feito em parte no seu terreno (quintal), os Réus moveram ao Autor uma ação para a restituição do terreno alegadamente ocupado, que correu termos sob o n.º ...5... do (ex) ... Juízo Cível do Tribunal de Vila Nova de Famalicão). Nessa ação, os ora RR referiram e foi dado como provado que o seu prédio tem a forma constante do desenho aí junto com a p.i. sob doc. n.º 1.
10. Nesse documento n.º1 (levantamento topográfico) a parte assinalada a vermelho e feita à mão não foi desenhada à escala.
11. Essa ação foi julgada procedente e o Autor foi condenado a reconhecer que os, ora RR, são únicos, legítimos e exclusivos proprietários e possuidores do prédio descrito no art.º 1º assim como da faixa de térreo descrita nos artigos 15º, 16º, 17º, 18º e 19º dessa p.i. [o id. em 4 supra] e consequentemente a restituir aos, ora, RR «o prédio e essa faixa de terreno, no estado em que a mesma se encontrava antes de ser por ele ocupada, nomeadamente repondo o poço de água, muro divisório, árvores, arbustos, couves e outras hortaliças, jardim e terra, tal como se referiu no art.º 20º da petição inicial». 
12. A 18.03.2010, os Réus interpuseram contra o Autor a execução para prestação de facto dessa sentença, que correu termos sob nº 2638/05.... do ... Juízo Cível (agora n.º 5977/14....-J... do Juízo de Execução de VNF).
13. Aí o Autor deduziu embargos de executado (nº ...5...–C// 5977/14....), que foram julgados improcedentes, tendo o ora Autor sido condenado a realizar a prestação devida em 60 dias, «com a sanção pecuniária compulsória de €50,00 por cada dia após esse prazo sem que a prestação de facto se encontre cumprida.».
14. Para cumprimento da decisão, o Autor começou a construir um muro para suporte de terras, de modo a repor parte da terra do prédio dos réus e dado o desnível existente entre os dois prédios.
15. Os RR instauraram procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo desses trabalhos - Proc. nº 2638/05.... (depois, Proc. n.º 5977/14....) -, alegando que esse muro (14) estava a ocupar terreno deles (réus) e, para tanto e para além do mais, que: «ix) Apesar de junto Estrada Nacional n.º ...04 (extremidade sul) parecer que a sua implantação não esteja muito disforme, em todo o seu cumprimento e até à sua extremidade norte, não respeita as medidas provadas e sentenciadas. x) A sua extremidade norte deveria conforme decisões transitadas em julgado, devolver 7 (sete) metros de largura de terreno que faz parte do quintal do prédio urbano dos exequentes/requerentes, o que não se verificou xi) Do alinhamento do muro já em início de construção praticamente nenhum terreno é restituído aos executados/requerentes, pois, até o poço, propriedade dos requerentes e situado a 4 (quatro) metros da linha divisória dos prédios dos requerentes e requerido, ficará totalmente do lado do prédio deste. xii) Pretendendo fazer seus, ainda e apesar de tudo, uma faixa de terreno que faz parte integrante do quintal do prédio dos exequentes/requerentes e em toda a sua confrontação com o prédio do requerido que tem o comprimento de 68 metros e numa largura que começa na sua confrontação sul e junto à estrada nacional com 1 (um) metro de largura e termina na confrontação norte com 6 (seis) metros de largura. xiii) Concluem os requerentes que o executado/requerido não restituiu aos exequentes/requerentes a quase totalidade da faixa de terreno em apreço.»
16. Nesse procedimento cautelar, foram dados como indiciariamente provados os seguintes factos: «1.- Por sentença de 29 de Fevereiro de 2008, proferida nos autos principais e já transitada em julgado, foi o Réu/autor, aqui réu, condenado: “a) a reconhecer que os Requeridos, aqui requeridos, são únicos, legítimos e exclusivos proprietários e possuidores do prédio descrito no art.º 1º da petição inicial, bem como da faixa de terreno aludida nos art.ºs 15º, 16º, 17º 18º e 19º da mesma peça processual que dele faz parte integrante. b) a restituir aos requeridos, aqui requeridos, o prédio e faixa de terreno referida na alínea anterior, no estado em que a mesma se encontrava antes de ser por ele ocupada, nomeadamente repondo o poço de água, muro divisório, árvores, arbustos, couves e outras hortaliças, jardim e terra, tal como se referiu no artigo 20º da petição inicial. c) a abster-se da prática de quaisquer atos lesivos dos direitos de propriedade e posse dos requeridos/requeridos. // (…) // 9 - O Réu, aqui requerido, não cumpriu, em tempo útil, o sentenciado e devidamente indicado no ponto 1) dos Factos Provados. // (…) // 13- O executado/requerido no passado dia 10 de outubro de 2012 iniciou as obras de construção de um muro de betão (conforme al. b) do dispositivo da sentença em execução). 14- Este muro, em betão, foi construído em linha recta, tendo em conta as suas extremidades Sul (junto à Estrada Nacional n.º ...04) e extremidades Norte.  15– No dia 12/12/2012, aquando da realização da primeira perícia, verificou- se que o muro divisório se encontrava parcialmente construído, faltando cerca de 27 metros para a sua conclusão de forma a chegar à extrema Norte dos prédios – fls. 36. 16 – No relatório de dezembro de 2013, o senhor perito indica diferentes medidas consoante o levantamento topográfico dos AA e do R, acabando por referir que não se pode pronunciar quanto à medição mais correta uma vez que se tratam de pontos não assinalados no terreno – fls. 122 (sublinhado nosso). 17– Em ambos os levantamentos a localização do poço – tido como ponto de referência – não está de acordo com a realidade, embora a retratada no levantamento dos AA seja a mais próxima da realidade – fls. 123 (sublinhado nosso). 18– Tanto na perspetiva dos réus, como dos autores, tendo em conta a delimitação na cartografia por cada uma das partes apresentada, a que correspondeu a pontos provisoriamente marcados no terreno, existem elementos construídos que ultrapassam a linha divisória – fls. 153.  19– As linhas divisórias definidas no local pelo perito tiveram por base o alinhamento definido pelos pontos constantes nos mapas apresentados pelos réus e pelos autores, que são divergentes a Norte e coincidentes a Sul.- fls. 153. 20– Na perspetiva dos AA, o alinhamento que se caracteriza por passar a cerca de € 3,65m do centro do poço (conforme resposta ao n.º 3 do relatório pericial datado de dezembro de 2013) engloba o muro divisório e dois pilares, construções realizadas pelo executador. – fls. 153. 21– Se tivermos em conta que se pretende, por razões projectuais, o mesmo afastamento periférico, da parte poente do pavilhão, então terão que ser demolidos 7 pilares já construídos (6 laterais e 1 no alçado frontal) e, ainda, o muro longitudinal de sustentação de terras realizado em betão armado. Tendo em conta que cada pilar terá cerca de 0,88 m3 a um custo unitário de 260,00 E/m3 o valor será de € 228,80 € por pilar, que multiplicado por 7 dará 1602,00 €. Para as 7 sapatas estima-se cerca de 6.3m3 de betão, a um custo unitário de 160,00 €/m3, dará cerca de € 1.000,00. Para o muro de betão em betão armado com cerca de 45 mx5m=225m2, a um valor unitário de € 90,00/m2, o valor será de € 20.250,00. IV Para as obras de demolição e transporte estima-se em € 500,00; V Para despesas de arquitetura e de Estabilidade € 5.000,00; (fls. 153) 22– Neste pressuposto, o valor do prejuízo para os autores será na ordem de € 28.352,00. – fls. 153. 23– Ainda na perspetiva dos AA, a área de terreno em causa será de 272 m2 fls. 153. 24           – Considerando o valor do solo, tendo em conta que o valor compra e venda no local poderá atingir 70,00 m2, o valor da parcela valerá cerca de € 19.000,00. (relatório pericial de fls. 153/154). 25– O desenho efetuado na planta junta com a PI – e em que se baseou o dispositivo da sentença que se pretende executar - não está feito à escala – fls. 153. 26 –De acordo com o relatório de levantamento topográfico feito pela EMP01..., a direccionalidade do muro já construído não ultrapassa o muro mais afastado na perpendicular (muro já existente na propriedade antes da nova construção) – fls. 153. 27- Com esta construção, o autor/ réu não cumpriu cabalmente o ordenado por sentença, isto é, não restituiu aos réus /requeridos a “faixa de terreno referida na al. a) no estado em que a mesma se encontrava antes de ser por ele ocupada …”, por não restituir aos requeridos a totalidade da faixa de terreno anteriormente ocupada. 28- A sua extremidade Norte deveria, conforme decisões transitadas em julgado, devolver 7 (sete) metros de largura de terreno que faz parte do quintal do prédio urbano dos réus/requeridos, mas não existem no terreno pontos de referência suficientemente sólidos para o cálculo exato desta medida. 29- Na altura do embargo extrajudicial efetuado em 11 de outubro de 2012, pelas 9:30 horas, apenas estava executada a sapata (alicerce) do mesmo e estavam a amarrar o ferro, conforme fotografias que se juntam (docs. 1, 2, 3 e 4). (…).»
17. Na fundamentação da decisão de facto que conduziu à improcedência do procedimento cautelar, escreveu-se «Na ponderação crítica da prova o Tribunal entende ser de salientar que os juízos periciais e técnicos produzidos – quer por parte do senhor perito, quer por parte de topógrafos inquiridos como testemunhas evidenciam que os pontos que serviram de base à prolação da sentença judicial não têm correspondência exata com a realidade, não sendo possível aferir, com exatidão, no terreno os pontos de referência a que a mesma se reporta. Ora, a decisão da providência tem de balizar-se por um lado, nesta lacuna inultrapassável e, por outro lado, na autoridade do caso julgado, que não pode ser violado.»
18. Na fundamentação de direito, escreveu-se «o dispositivo da sentença que se pretendeu executar afigura-se aparentemente claro de compreender. (…) No entanto, ponderando essencialmente o relatório pericial, bem como os depoimentos (…) a exata medida da linha divisória dos prédios não é clara, por não haver pontos de referência que a permitem definir ou “materializar”. (…) por força da autoridade de caso julgado, a questão dos limites dos prédios pertencentes a requerentes e requeridos já se encontra decidida no âmbito das decisões proferidas n.º Proc. n.º 2638/05.... (…) a eficácia reflexa do caso julgado é vinculante quando a ação decorreu entre todos os interessados diretos, esgotando, assim, os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela jurisdicional de uma situação jurídica. // os requeridos e requerentes estão ainda hoje vinculados pela autoridade do caso julgado daquela decisão e, consequentemente, a reconhecer e a não mais discutir os limites da sua propriedade, exatamente pelo alinhamento do anterior muro, com obrigatoriedade da situação anterior. // Visto isto, resultou provado que os requerentes efetuaram a construção do novo muro, como lhes foi imposto pela decisão do Tribunal. A divergência está em saber se tal construção do muro consistiu na exata reposição da situação anterior, que a decisão em execução pretendeu acautelar. Na verdade, a prova produzida apenas permitiu apurar que – numa parte do muro – a sua direccionalidade não coincide com a do muro preexistente, mas em medida que não foi possível materializar com segurança, isto porque relativamente à extrema a norte, a linha indicada no dispositivo da sentença não é passível de assentar em pontos de referência que permitam a sua materialização segura. Isto posto, ficou demonstrado que o réu procedeu já à construção de um novo muro, parcialmente coincidente com o muro preexistente.” (…) “Entendemos, assim, que não se justifica o embargo de obra nova (…). Isto significa que a execução da decisão - face às dificuldades de materialização no local que resultaram evidenciadas da prova produzida - pode reconduzir-se precisamente à construção do muro nos moldes em que se veio a verificar”.»
19. O procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova foi julgado improcedente.
20. Os RR interpuseram recurso dessa decisão, que improcedeu, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães entendido que «para que a pretensão dos requerentes (…) possa ser satisfeita, é necessário que se tenha demonstrado que, como acima já se avançou, “em consequência de obra” efetuada pelo requerido, foi “ofendido (…) [o] direito de propriedade daqueles, o que ocorrerá se, por hipótese, se tiver provado que a edificação do muro se encontra dentro do prédio deles e não na estrema definida na sentença de 29.02.2008. Porém, examinada a matéria de facto, dela não é possível extrair a conclusão de que é isso que acontece».
21. A 05.06.2013, o Autor intentou contra os RR ação de demarcação dos terrenos id. em 1 e em 4., que correu termos com o n.º 1658/13.... (ex-... Juizo Cível), que terminou com a absolvição da instância, por verificação da exceção dilatória do caso julgado.
22. A 16.07.2015, os ora RR interpuseram contra o aqui Autor outra execução, para pagamento de quantia certa que correu termos sob o Proc. n.º 6133/15...., baseada na sentença proferida nos embargos de executado quanto à sanção pecuniária compulsória (Proc. n.º 2638/05....).
23. O Autor deduziu embargos a essa execução (Proc. n.º 6133/15....).
24. Os embargos foram julgados procedentes e a execução julgada extinta, tendo-se na decisão dado como não provado que «i.) o embargante não executou os trabalhos referidos no ponto 1 dos factos provados em conformidade com os limites dos prédios definidos pela sentença proferida nos autos principais. Ii). O embargante ocupou e continua a ocupar o prédio dos exequentes.»
25. E na fundamentação de direito, entendido que «É certo que os exequentes invocaram que procederam ao embargo extrajudicial porque o embargante não estava a levar a cabo os trabalhos de construção do muro nos termos impostos na sentença, uma vez que invadiu parte do seu terreno, contudo tal factualidade ficou por apurar. (…) E assim, perante o quadro factual global, conclui-se que os réus, enquanto credores da prestação devida pelo embargante, sem motivo justificado, não aceitaram a prestação que lhes foi oferecida. (…) Considerando a apurada factualidade, resulta evidente que a razão do não cumprimento do embargante não lhe pode ser assacada, uma vez que não resultou provado que não tivesse concluído a prestação devida no prazo que lhe foi concedido para o efeito por motivo que lhe era imputável.»
26. A 02.01.2018, os RR intentaram contra o aqui Autor ação executiva para entrega de coisa certa (a parcela de terreno, devoluta de pessoa de bens, melhor id. na sentença de 2005), que correu termos com o n.º 336/18.... Juízo Execução – J....
27. Durante esse mês de janeiro, os RR iniciaram movimentação e deslocação de terra e árvores no seu prédio, com uma máquina de grande porte.
28. Considerando-se poder ser atingido pela conduta dos RR, o Autor procurou parar os trabalhos, tendo proposto a 22.01.2018 procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra, com o n.º 474/18.... JLocal Cível de VNF (que a 15.03.2018 foi decidido apensar ao processo executivo para entrega de coisa certa 336/18....).
29. Entretanto, no processo executivo para entrega de coisa certa (Proc. n.º 336/18....), designou-se o dia 23.02.2018 para a investidura dos aqui RR na posse da referida parcela.
30. Nesse dia 23.02.2018, foram feitas demarcações e demolições de construções que alegadamente se encontravam em tal parcela, tendo sido mexida terra, pedras e entulho.
31. Concretamente, os RR demoliram: um muro de suporte de terras, construído pelo Autor; parte da parede norte do rés-do-chão do pavilhão construído pelo Autor; um patamar/pala de acesso ao 1º piso do edifício, construído pelo Autor; e parte do muro que se encontra imediatamente atrás do pavilhão.
32. No decurso da diligência, compareceu no local o Il. Advogado do aqui Autor, que deu nota à Sra AE da existência de procedimento cautelar de embargos de obra (n.º 474/18....) e que requereu a suspensão da diligência, tendo a Sra SE suspendido a diligência.
33. A 28.06.2018, a execução para entrega de coisa certa n.º 336/18.... foi indeferida liminarmente, por litispendência com a ação executiva para prestação de facto n.º 2638/05.... (entretanto, Proc. n.º 5977/14....).
34. Os embargos de obra n.º 474/18.... foram, então, desapensados desta execução para entrega de coisa certa e apensados ao Proc. Executivo n.º 5977/14.... para prestação de facto.
35. A 24.10.2018, a requerimento dos aqui RR, foi determinada a extinção do Proc. Executivo n.º 5977/14...., por deserção da instância.
36. Em consequência, os embargos de obra n.º 474/18.... também foram extintos, por inutilidade superveniente.   
37. A 11.02.2020, os RR intentaram nova ação executiva para entrega de coisa certa, que correu termos pelo Juízo de Execução de VNFamalicão sob o n.º 1233/20.....
38. A 03.04.2020, o aqui Autor deduziu embargos de executado a esta execução, alegando caso julgado.
39. Os embargos de executado foram julgados improcedentes.
40. A 27.04.2021, a Sra AE procedeu à entrega da faixa de terreno aos aqui RR e notificou o aqui Autor dessa entrega e do dever de respeito do direito dos RR sobre a mesma.
41. A 03.06.2021 a execução foi declarada extinta, por entrega do prédio/parcela de terreno ao exequente.
42. O Réu fez queixa dos trabalhos do Autor na Câmara Municipal ....
43. A Câmara Municipal procedeu ao embargo da obra do Autor a 25.10.2012;
44. A Câmara Municipal procedeu ao embargo da obra do Autor a 12.05.2015, com fundamento no aumento em 72,0m2 da área de implantação do edifício, no desalinhamento do muro de suporte de terras a poente com o licenciado e por ter sido reduzido o número de pilares no interior no edifício.
45. O pavilhão encontra-se “aberto” e como tal exposto a entrada de água, vento, etc. que causam o crescimento de enormes ervas daninhas.
46. A desmatação e limpeza da área e a reposição do muro de sustentação de terras, do muro e patamar do 1.º piso e do muro traseiro na parte posterior do pavilhão ao estado anterior às demolições têm um custo global não inferior a € 50.600,00.
47. A atuação dos RR foi assistida por vizinhos e conhecidos.
48. Devido aos factos referidos, o autor sentiu-se e continua a sentir-se envergonhado e humilhado, triste e desgostoso.
49. Há anos que o Autor vê a sua vida exposta.
50. Além do que se encontra há mais de 15 anos a assistir à paralisação e degradação do pavilhão.

Factos Não Provados:

A. Os movimentos referidos em 27. ocorreram exatamente no dia 16.01.2018.
B. Foi empurrada terra, pedras e entulho para a parcela do Autor, nesta mesma data, ocupando uma faixa de terreno com a largura de cerca de cinco metros, numa extensão de cerca de 16,50 metros. 
C. O que atingiu árvores de fruto, ali plantadas há mais de vinte anos, nomeadamente pessegueiros.
D. E não permitiu o isolamento prévio do muro de suporte construído, a fim de evitar a penetração de humidades.
E. As construções demolidas situavam-se no prédio do Autor e foram concretamente de: 16,50m do muro divisório; 3,5m da parede norte do edifício; 5,10x3,5m de rampa de acesso ao 1.º piso; 3,5m do muro traseiro.
F. A força e o impacto imprimido pela máquina que os RR utilizaram fez trepidar o prédio do Autor e consequentemente o pavilhão, o que causou a este ondulações e fissuras nos tijolos quer ao nível do rés-do-chão, que ao nível do 1º andar, particularmente a meio do edifício, que comprometem a sua segurança e estabilidade.
G. Aliás, essa trepidação foi de tal ordem que causou fissuras e entortou o passeio, em betão, que ancora o pavilhão ao muro da casa dos pais do autor, muro esse construído em betão e lages de granito, e que também ficou fissurado.
H. O Il. Advogado do Autor advertiu que agiriam criminalmente se prosseguissem com os trabalhos.
I. A “abertura” do pavilhão está a provocar a oxidação do cimento, o que origina a sua destruição, fazendo com que o pavilhão fique, seguro apenas pelo ferro que suporta o betão armado.
J. E, pelas mesmas razões, a armação metálica colocada no primeiro piso também está completamente oxidada, só podendo ser reabilitada através da sua galvanização.
K. Além disso, todos os materiais que se encontravam depositados na obra, para posteriormente serem aplicados, nomeadamente telhas, policarbonato, painel sanduiche, etc. estão irreversivelmente estragados.
L. O que causou ao autor um prejuízo que este agora desconhece, nunca inferior a € 99.465,00 + € 27.400+iva.
M. O decurso do tempo dos processos, as sucessivas paralisações e derrubes são a causa de 45., I, J e K.
N. A situação de enxovalho e de humilhação agravou-se pelo facto de ser pessoa muito respeitadora e considerada.
O. Os factos relatados acarretaram ao autor grandes incómodos.
P. A conduta dos RR faz com que o Autor se encontre privado de prosseguir com a construção do pavilhão há mais de 15 anos.
Q. Os RR não ignoraram o prejuízo que causaram e a falta de fundamento da sua pretensão.
R. Os RR usam o processo ou meios processuais com o objetivo único de ludibriarem a justiça.
S. Os RR insistem numa conduta contrária à boa fé que lhes é exigível.

Analisemos, então, o recurso, sem esquecer que a questão que aqui é discutida já foi objeto de 8 processos que envolveram judicialmente as partes – duas ações declarativas, quatro execuções, dois procedimentos cautelares – bem como dois embargos administrativos, e que a primeira delas, de restituição do terreno ocupado pelo autor, foi julgada procedente, tendo dado origem às diversas execuções, para prestação de facto, para pagamento de quantia certa e para entrega de coisa certa (duas), na sequência da qual a Sra. Agente de Execução (já após a entrada desta ação) veio a proceder à entrega da faixa de terreno aos aqui réus, notificando o autor dessa entrega e do dever de respeito do direito dos réus sobre a mesma – facto provado n.º 40.
É com este enquadramento, designadamente, o que ficou provado relativamente às certidões extraídas desses diversos processos (remete-se aqui para os inúmeros factos provados a esse respeito) que caberá analisar as razões de discordância do apelante em face da sentença recorrida.
Comecemos, então pela impugnação da decisão de facto.
Quanto à exclusão da expressão “alegadamente” do ponto 30 dos factos provados, não se vê qualquer relevância nem na sua inclusão nem na sua exclusão, sendo que no ponto 31 estão enumeradas as demolições “concretamente” levadas a cabo pelos réus e essas sim são o facto que importa reter, uma vez que o que se diz no ponto 30 se reporta ao que os réus alegaram no processo executivo. Não há, portanto, motivo para alterar a redação do ponto 30 dos factos provados.
Quanto ao montante necessário para proceder à desmatação e limpeza da área e reposição do muro de sustentação de terras, do muro e patamar do 1.º piso e do muro traseiro na parte posterior do pavilhão ao estado anterior às demolições – facto provado n.º 46 – entende o apelante que se deve considerar o valor de € 70.448,23, correspondente ao relatório do primeiro perito, e não o valor de € 50.600,00, correspondente ao relatório do segundo perito.
No facto provado n.º 46 diz-se que o “custo global” de tais trabalhos será “não inferior a € 50.600,00” (tendo ficado não provado – alínea L) que o prejuízo seria nunca inferior a € 99.465,00 + € 27.400,00 + IVA, valores alegados pelo autor com base em orçamentos por si juntos com a petição), com a seguinte motivação:
“Já quanto ao custos da eliminação dos prejuízos, a convicção positiva  (46) e negativa do tribunal (L) estribou-se na prova pericial produzida nos autos, donde resulta coincidência quanto aos prejuízos passíveis de serem ressarcidos, por existir nexo causal com o comportamento dos RR e que, no essencial, apresentarem valores semelhantes à exceção da conceção de reparação do muro de suporte de terras (a 1.ª perícia sugere essa impermeabilização; a 2.ª, não; a testemunha KK, engenheiro civil que elaborou o projeto para o Autor, também referiu não ser necessária - nem viu necessidade de tal ser projetado - a impermeabilização do muro de suporte de terras). Os orçamentos apresentados pelo Autor (doc. n.ºs 48 e 49 juntos com a pi), foram também analisados de per se e, inclusive, tentados explicitar pelo construtor da obra, o Sr FF, todavia, sem sucesso, por não ter sabido concretizar como se alcançaram os valores deles constantes, seja em termos de medidas, seja em termos de unidades, pelo que não obtiveram a relevância desejada (positiva) nos autos”.
A decisão está correta e perfeitamente motivada.
Ambas as peritagens estão de acordo que os valores apresentados pelo autor são excessivos.
Os valores apresentados pelo perito que procedeu à 2.ª peritagem são relativos às tarefas “que o Perito entende necessário executar para repor a obra no estado anterior à intervenção do Réu”, tendo esclarecido que “No caso de ser concluído que a implantação do muro se encontra corretamente implantado e determinada a reposição da obra no estado em que se encontrava antes da intervenção do Réu, torna-se necessário proceder à desmatação da área, reposição do muro, patamar do andar e muro do 1º piso. Estimo que a execução das obras referidas ascenda, após arredondamento, a 50.660,00 €, de acordo com a descrição e valores seguintes: (…)”.
Não foi apresentada qualquer reclamação quanto a esta peritagem, tendo as partes apenas requerido a presença do Sr. Perito na audiência de julgamento, o que veio a acontecer.
Ou seja, ao contrário do referido pelo apelante, esta peritagem considerou os custos necessários à reposição do muro no estado em que se encontrava anteriormente, tendo o Sr. Perito explicado em audiência os motivos da discrepância de valores com a 1.ª peritagem, de forma absolutamente credível e compreensível e não resultando da audição da testemunha FF, que terá construído o muro, quais os valores gastos no mesmo. Verifica-se, também, que os peritos estão de acordo quanto aos trabalhos que serão necessários, sendo certo que o 1.º perito não esclarece se os valores que apresenta são os indispensáveis para construir um muro igual ao anterior ou um muro como entende que deveria ser o muro para aquele local e com as características que considera mais adequadas.
Daí que seja correta a opção pela segunda peritagem, nada havendo a alterar quanto ao ponto n.º 46 dos factos provados.
Considera, ainda o apelante que a matéria de facto julgada não provada sob as alíneas B, D, O, P e Q deveria ter sido julgada provada.
As alíneas B) e D) prendem-se com a movimentação de terras, pedras e entulho que os réus levaram a cabo durante o mês de janeiro de 2018 e que estiveram na base desta ação. Para além do que se julgou provado sob os pontos n.ºs 27, 30 e 31 dos factos provados, nada mais se provou. O apelante pretende que se deem estes factos como provados com base nas fotografias e relatórios juntos aos autos, bem como pelo depoimento do construtor, FF. Ora, quanto a esta testemunha, o seu depoimento foi muito vago. Disse que não viu nada, porque quando lá chegou já tinha acontecido. Viu que o muro tinha sido derrubado e não chegou a ver mais nada “fui embora, não quis tar lá a meter-me no assunto”. Quanto às fotografias e relatórios, o apelante não identifica aquelas a que se reporta, limitando-se a remeter para as mesmas de forma abstrata. Considerando esse tipo de prova, verifica-se que não se consegue identificar nas fotografias onde começa e acaba o terreno de cada uma das partes, para se poder concluir onde estavam as pedras e o entulho a que se referem estes pontos dos factos não provados e nenhuma testemunha confirmou tais factos. Também os relatórios das peritagens não o confirmam, deles resultando apenas aquilo que se deu por provado no ponto 31 dos factos provados. Também nada referem quanto à penetração de humidades.
Também não tem razão o apelante quanto à necessidade de os factos não provados O) e P) transitarem para os factos provados. Estes factos prendem-se com os incómodos sofridos pelo autor e com a responsabilidade dos réus na paralisação das obras do pavilhão há mais de 15 anos. Baseia-se o apelante nos depoimentos da sua mulher e da sua sogra, bem como no facto de ter tido que se defender nas inúmeras ações e execuções que têm corrido em tribunal. Ora, o que se verifica é que, não havendo dúvida quanto à exposição pública e estado anímico do autor – factos provados n.ºs 47 a 50 – a verdade é que não se fez prova que o não avanço da construção do pavilhão seja imputável aos réus, ou aos sucessivos processos judiciais, tendo a mulher, a sogra e o próprio autor feito alusão a razões de ordem financeira que poderão estar a provocar o atraso na conclusão das obras do pavilhão. Entendemos, assim, que nada mais se provou, neste particular, para além do que já consta dos pontos de facto provados n.ºs 47 a 50.
Finalmente, decorre de toda a matéria de facto e, designadamente, dos sucessos obtidos pelos réus em várias das ações judiciais propostas e contestadas (tenha-se em conta que a Agente de Execução acabou por proceder à entrega da faixa de terreno aqui em questão aos réus), que não poderia ser dada como provada a matéria constante da alínea Q) dos factos não provados. Ou seja, os ganhos de causa obtidos pelos réus, sempre seriam suficientes para os convencerem da sua razão, não podendo dizer-se que eles não ignoravam a falta de fundamento da sua pretensão.
Como bem se diz na sentença recorrida “os réus, com os anteriores processos aos acontecimentos de 2018 – objeto da presente ação – pretendem, tal como o autor, ver resolvido um litígio que estará judicialmente resolvido desde 2008 (facto provado n.º 11) mas que, na prática, poderá não estar a ser de fácil concretização”, pois que, desde essa data, instauraram quatro execuções para ver implantada no terreno a decisão judicial que lhes foi favorável, tendo o autor deduzido embargos que foram julgados improcedentes, mas acabando por, na última delas, após nova improcedência dos embargos de executado, ter-lhes sido entregue judicialmente a faixa de terreno aqui em causa, com a extinção da execução por entrega do prédio/parcela do terreno ao exequente (o que veio a acontecer já depois de instaurada esta ação).
Não há, portanto, qualquer motivo para alterar a decisão de facto constante da sentença recorrida, improcedendo, nessa parte, a apelação.

Vejamos, agora, a questão jurídica.
Salvo o devido respeito, o apelante, também aqui, não tem razão.
Perpassa por toda a sua alegação um certo inconformismo com o facto de as dez ações e providências já instauradas ao longo destes anos, não terem resolvido satisfatoriamente o problema de vizinhança que opõe autor e réus.
Apesar disso, não pode esquecer-se que, na presente ação não está em discussão a demarcação de terrenos nem a restituição de terrenos ocupados pela parte contrária (os réus já fizeram uso dessa ação, que foi julgada procedente e o autor condenado a reconhecer que os réus são proprietários da faixa de terreno em discussão). O que aqui está em causa é apenas a pretensão do autor a ser ressarcido de alegados prejuízos sofridos e decorrentes de imputada atuação ofensiva do seu património por parte dos réus. Trata-se de uma ação para efetivação de responsabilidade civil e com vista à defesa do direito de propriedade do autor, alegadamente violado pelos réus (art.ºs 483.º e 562.º e sgs e 1302.º e 1305.º do Código Civil.
Ora, como bem se diz na sentença recorrida, “       Condição primária a realçar para que uma ação de defesa da propriedade proceda é a alegação e prova da propriedade.      A violação do direito de propriedade pressupõe, portanto, e em primeira linha, a existência desse direito.        E, como é consabido, a prova da propriedade cabe ao autor da ação, como elemento integrante, que é, do direito por si invocado (art.º 342.º, n.º 1, do CC)”.
Acontece que, como ficou já expresso supra, o autor não fez prova do direito de propriedade sobre o terreno em que implantou as construções demolidas pelos réus. Não ficou demonstrado que o muro, a parede do r/ch onde apoia e se localiza o patamar/pala, este e o muro que fica atrás do pavilhão foram e encontravam-se erigidos em terreno que pertencesse ao Autor, e não tendo o autor provado tal facto, não se pode dizer que tenha sido violado qualquer direito legalmente tutelado.
Como se refere na sentença recorrida, “nada mais em concreto foi alegado e demonstrado nos autos, sendo de salientar que nada de concreto se apurou acerca das demarcações feitas da faixa de terreno aquando da entrega pela Agente de Execução e das demolições que terão ocorrido após essas demarcações (aparentemente legitimadas por tal diligência processual).
Acresce que já antes e nos processos anteriores que envolveram as partes, não ficou demonstrado, desde logo, onde o muro divisório e de sustentação foi construído pelo aqui Autor, isto é, se ocupava ou se não ocupava qualquer parcela do prédio dos Réus.
As perícias realizadas nos presentes autos (como nos anteriores) também não são conclusivas, assertivas, sugerindo, aliás e no confronto dos documentos que as partes apresentaram, cartografias e fotos e com o que constaram no local, que as construções (seja o muro, como a parede de r/ch de suporte ao patamar, este e o muro de trás) estarão erigidas em terreno a entregar aos RR (…) não provado o direito de propriedade do Autor sobre o terreno onde estavam as construções erigidas e demolidas pelos RR na diligencia de investidura da posse, não podem proceder os pedidos de indemnização que têm como causa a sua violação”.
Veja-se, ainda que na decisão da providência cautelar de ratificação judicial de embargo dos trabalhos que o autor havia iniciado (construção do muro) para dar cumprimento à sentença que o havia condenado a reconhecer que os réus são os proprietários da faixa de terreno em causa, e após execução para prestação de facto e embargos de executado deduzidos pelo autor e que foram julgados improcedentes, foi dado como provado que “Tanto na perspetiva dos réus, como do autor, tendo em conta a delimitação na cartografia por cada uma das partes apresentada, a que correspondeu a pontos provisoriamente marcados no terreno, existem elementos construídos que ultrapassam a linha divisória” e “Com esta construção, o autor não cumpriu cabalmente o ordenado por sentença, isto é, não restituiu aos réus a faixa de terreno referida na alínea a) no estado em que a mesma se encontrava antes de ser por ele ocupada”.
Também nos embargos deduzidos pelo autor à execução para pagamento de quantia certa intentada pelos réus, foi dado como provado que “O embargante não executou os trabalhos referidos no ponto 1 dos factos provados em conformidade com os limites dos prédios definidos pela sentença proferida nos autos principais” e que “O embargante ocupou e continua a ocupar o prédio dos exequentes”.
O autor não provou que o que foi demolido lhe pertencia por ter sido construído em terreno sua propriedade – cfr. artigo 204.º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil – não podendo, portanto, considerar-se que a atuação dos réus foi violadora do seu direito de propriedade, ou que tenha sido violado qualquer direito legalmente tutelado. Assim, pese embora esteja preenchido o pressuposto da responsabilidade civil extracontratual ligado ao facto humano e voluntário – pois os réus demoliram as construções assinaladas nos pontos 30 e 31 dos factos provados – não fica preenchido o pressuposto da ilicitude, no sentido de que terá existido a violação de um direito absoluto de outrem (direito de propriedade), uma vez que tal violação pressupõe, em primeira linha, a existência desse direito, que o autor não provou. Tanto basta para que a ação improceda.
Não procede a alegação do apelante no sentido de que deve considerar-se a coisa (muro) de forma independente e autónoma do terreno em que está inserido e que, provado que houve demolição da mesma, construída a expensas do autor, sempre teria este que ser ressarcido do prejuízo sofrido com a atuação dos réus. Já vimos que é parte integrante do prédio qualquer coisa móvel ligada materialmente a ele com caráter de permanência – artigo 204.º, n.º 3 do Código Civil - pelo que, pressuposto de tal dever de indemnização, como acima referimos, é a existência do direito de propriedade sobre o terreno onde foi erigida a construção. Não se provando que a atuação dos réus ofendeu tal direito de propriedade, não podem os mesmos ser condenados a indemnizar o autor.
Note-se que a ação foi proposta nesse pressuposto, ou seja, de que o muro e demais construções haviam sido edificadas em terreno propriedade do autor e que o pedido de indemnização tem a ver com a violação desse direito de propriedade.
De igual modo os considerandos sobre a acessão industrial imobiliária e o facto de a mesma não ter sido pedida, mantendo, em consequência, o solo e a incorporação a sua individualidade, não têm qualquer cabimento nestes autos em que tal questão nunca foi discutida, não foi trazida pelo autor, nem excecionada pelos réus, motivo pelo qual não pode aqui ser conhecida, uma vez que os tribunais superiores apenas conhecem de questões já submetidas ao tribunal de categoria inferior.

Finalmente, o apelante coloca a questão do abuso de direito.
Tendo esta questão sido suscitada apenas em sede recursória, é possível conhecer da mesma, por ser matéria de conhecimento oficioso (cfr. neste sentido, por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04/12/2014, proc. nº 2606/07.8TJVNF.P1.S1 e de 08/09/2015, proc. nº 910/13.5TBVVD-G.G1.S1, in www.dgsi.pt), nada obstando à sua apreciação desde que o tribunal se cinja aos factos alegados ou adquiridos no processo com respeito pelo contraditório – cfr. acórdão do STJ de 08/09/2016, processo n.º 1952/13.6TBPVZ.P1.S1, citado nas alegações de recurso.
Nos termos do disposto no artigo 334.º do Código Civil “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Tendo em conta tudo o que já se disse relativamente ao enquadramento da atuação dos réus que obtiveram ganho de causa na primeira ação declarativa intentada contra o autor, que condenou este a restituir-lhes a faixa de terreno no estado em que se encontrava antes de ser por ele ocupada e que, sucessivamente, tentaram executar tal decisão, tendo, inclusivamente, procedido à demolição do muro, parte de uma parede e um patamar de acesso ao 1.º piso do edifício aqui em causa, no âmbito e na sequência da atuação da Sra. Agente de Execução que se deslocou ao local para a investidura dos réus na posse da referida parcela (o que sempre afastaria a ação direta a que o apelante se refere), resulta claro que a atuação dos réus não pode considerar-se em abuso de direito.  
Fundamenta-se o apelante na tese defendida no Acórdão do STJ de 08/09/2016, processo n.º 1952/13.6TBPVZ.P1.S1.
Contudo, os factos que aí conduziram à aplicação do instituto do abuso de direito, em nada se podem equiparar aos que aqui foram alegados e considerados provados e/ou não provados.
O que aí se concluiu foi que “No caso dos autos, a conduta dos réus – interrompendo a passagem em caminho relativamente ao qual não provaram deter qualquer direito real ou equivalente; utilizando uma máquina retroescavadora para revolver o piso de terra batida a fim de inviabilizar a circulação dos veículos da autora ou dos veículos de terceiros que lhe prestavam serviços, designadamente na realização das obras em curso – configura uma manifesta violação dolosa dos limites impostos pelos bons costumes e, simultaneamente, constitui uma grave afetação do mínimo ético-jurídico exigível na convivência social”.
No nosso caso, ao contrário do que acontece no caso do Acórdão citado, não só o autor não provou o seu direito de propriedade, como a ação declarativa que está na base de todos os processos que têm oposto as partes, reconheceu a titularidade de tal direito aos réus, com as dificuldades interpretativas que se seguiram na delimitação dos espaços, mas com a autoridade do caso julgado que lhe foi sucessivamente reconhecida por todos os procedimentos judiciais subsequentes.
Ou seja, não está aqui em causa o exercício de um direito subjetivo “liberdade geral de agir” em contradição com a ideia de justiça, que o tornaria ilegítimo, por constituir uma “grave afetação do mínimo ético-jurídico exigível na convivência social”.
Improcede, assim, totalmente, a apelação.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

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Guimarães, 21 de novembro de 2024

Ana Cristina Duarte
Afonso Cabral de Andrade
Joaquim Boavida