IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FALTA DE INTERESSE DE AMBAS AS PARTES NO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário


I – Não basta, para a reapreciação da matéria de facto, vir requerer-se a sua alteração, sem se apontar a concreta e precisa divergência na apreciação e valoração da prova susceptível de integrar o erro de julgamento que se verificou.
II – Nestas situações em que as partes já revelaram o seu desinteresse pelo cumprimento do contrato, não se justifica que a vigência deste fique dependente de um pedido de resolução deduzido por qualquer um dos contraentes, devendo, antes, o contrato cessar por um duplo comportamento volitivo concludente.
III - A excepção de não cumprimento só pode ser afastada pelo demandante caso prove que já cumpriu ou que a contraparte excipiente deve cumprir em primeiro lugar e não quando esta já cumpriu a sua parte.
IV – Constitui actuação ilícita da parte quando esta deduz oposição com manifesta falta de fundamento, por via de uma versão dos factos com violação do dever de verdade e uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando impedir a descoberta da verdade.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I Relatório

EMP01... Lda, com sede em ..., propôs acção declarativa sob a forma de processo comum (transmutada de processo especial de injunção) contra EMP02..., SA, também com sede em ..., peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 58.550,62, acrescida de juros de mora, com fundamento no não pagamento pela Ré do fornecimento de bens (equipamentos informáticos e veículos) e serviços de consultoria na área comercial e de gestão que recebeu e que fez constar nas facturas juntas aos autos.

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Citada, a Ré ofereceu oposição, peticionando a improcedência do pedido, para tanto alegando que os serviços estão pagos e através da concessão, acordada, da utilização das instalações onde desenvolvia a sua actividade de serralharia e da parceria na elaboração de trabalhos em obra. Rejeitou ainda a aquisição de equipamento informático.
A Ré deduziu reconvenção, peticionando a condenação da Autora na restituição da quantia € 6.858,76, por lhe ter pago trabalhos que já se encontravam pagos (pelo cliente final).
A Ré arguiu a litigância de má fé da Autora, peticionando a condenação em multa processual e em indemnização no valor de € 1.500,00, alegando ter proposto a acção sabendo que os valores reclamados são indevidos.
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Os autos foram distribuídos e convolados para acção declarativa, sob a forma de processo comum.
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A Autora veio requerer a apensação de processos, o que foi indeferido, e a ampliação do pedido para € 62.826,35, o que foi deferido.
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A convite, a Autora aperfeiçoou o seu requerimento inicial, concretizando os serviços e os bens alegados por prestados e cujo valor fez reflectir nas facturas juntas aos autos.
A Autora apresentou réplica, negando a matéria da reconvenção e arguindo a litigância de má fé da Ré, rejeitando a que lhe foi imputada.
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A Ré exerceu o contraditório à litigância de má fé.
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Por despacho, os autos foram saneados, o objecto do litígio e os temas da prova delimitados e os actos processuais subsequentes programados.
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Realizou-se audiência final de julgamento, tendo a Autora reduzido o pedido em €3.325,46, o que foi deferido, e estendido a litigância de má fé à Il. Advogada da Ré, o que foi por esta impugnado.
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Após foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, consequentemente, se decidindo:

a) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 3.000,00 e mencionada na Fac ...06, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as transações comerciais e desde 31.11.202 e até efectivo e integral pagamento:
b) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 993,04 e mencionada na Fac ...06, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as obrigações de natureza comercial e desde 31.11.2022 e até efectivo e integral pagamento:
c) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 993,04 e mencionada na Fac ...26, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as obrigações de natureza comercial e desde ../../2022 e até efectivo e integral pagamento:
d) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 23.684,081 e mencionada na Fac ...05, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as transações comerciais e desde ../../2022 e até efectivo e integral pagamento:
e) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 19.833,01 (= 23.684,081 - € 3.851,07) e mencionada na Fac ...03, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as transações comerciais e desde ../../2022 e até efectivo e integral pagamento;
f) absolver a Ré, EMP02... SA, do demais peticionado.

Mais se julgou procedente a reconvenção proposta por EMP02... SA e, consequentemente, decidiu:
a) condenar a Autora/Reconvinda, EMP01... Lda, na restituição à Ré da quantia de € 6.858,76.

Por último, foram as partes e a Il Causídica absolvidos do pedido de condenação como litigantes de má fé.       
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida veio a Ré interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

A) A recorrente EMP02... foi condenada no pagamento à recorrida da quantia de 23.684,081€ e mencionada na Fac ...05, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as transações comerciais e desde ../../2022 e até efetivo e integral pagamento.
B) Foi ainda condenada no pagamento à recorrida da quantia de 19.833,01€ (= 23.684,081 - € 3.851,07) e mencionada na Fac ...03, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as transações comerciais e desde ../../2022 e até efetivo e integral pagamento.
C) De acordo com a matéria dada como provada e como não provada, nunca podia ter sido proferida a decisão ora em crise, como foi.
E) O douto Tribunal dá como provado os factos nºs 17 a 31, dos quais se retira que a recorrente contratou com a EMP03..., S.A., NIPC ...41, fornecer e executar-lhe, entre outros, uma escada metálica helicoidal na obra do Edifício ....
F) O douto Tribunal a quo tem conhecimento que a obra não foi terminada pela recorrida, disso tendo feito menção na fundamentação de direito da decisão.
G) O douto Tribunal a quo considerou que a escada não foi terminada pela recorrida e que esta estaria realizada em cerca de 90 % mas, mesmo assim, condenou a recorrente a proceder ao seu pagamento.
H) Ainda que tal condenação respeite apenas e só a 90% do valor da factura que a recorrida reclamava à recorrente.
I) Tal decisão resultou da redução do pedido feito pela recorrida, já na fase da produção de prova em julgamento.
J) O douto Tribunal não podia ter decidido como fez, pois deu como provado, em n.º21, a celebração entre as partes de um contrato de empreitada que, implicava o fornecimento e montagem de uma escada helicoidal na obra do Noto.
K) Na sequência de tal decisão, nunca o douto Tribunal podia ter condenado a recorrente a proceder ao pagamento do valor do serviço contratado, enquanto o contrato não estivesse cumprido.
L) Na sua oposição e por cautela de patrocínio, foi invocada pela recorrente a excepção de não cumprimento do contrato.
M) Em momento algum foi alegado ou sequer mencionado que, depois da celebração do contrato pelas partes, estas tenham acordado que a recorrente aceitasse que a recorrida não terminaria a obra.
N) Quem decidiu não terminar a escada foi a própria recorrida.
O) Aquando da redução do pedido já em fase de julgamento, a recorrente não aceitou a redução do pedido com o fundamento invocado deixando claro que a obra não estava terminada e, por isso, não teria de pagar o que quer que fosse.
P) Depois de dar como provado que a recorrida se comprometeu a fazer a escada para a recorrente, nunca o Tribunal podia condená-la a proceder ao pagamento do modo em que o fez.
Q) Pois não podia ter condenado a recorrente a proceder ao pagamento de parte da factura, tendo como base o facto de a recorrida não ter terminado o serviço.
R) O douto Tribunal ou condenava a recorrente no pagamento da totalidade do contrato ou a absolvia, por falta de cumprimento do mesmo.
S) O cumprimento parcial não foi invocado nos autos mas, a tê-lo sido, sempre teria de estar assente que o cumprimento parcial implicava o vencimento da obrigação.
T) Do depoimento da testemunha AA e da confissão do sócio gerente da recorrida BB, se verifica que a recorrida não terminou a obra, por sua iniciativa.
U) Em momento algum ficou provado que os trabalhos não executados correspondem a 90% da obra.
V) Quando entrou em obra, já a EMP04... se encontrava na posse de 90% do valor orçamentado, não podendo assim fazer-se corresponder aquela percentagem aos trabalhos efectivamente levados a cabo na obra.
X) O sócio gerente da recorrida BB, confessou ter levado a efeito pouco mais de metade dos trabalhos.
Z) Nunca o douto Tribunal a quo podia ter decidido como fez, fixando uma percentagem de trabalhos feitos que ninguém confirmou, e sem ter recorrido a quaisquer outros meios de prova, nomeadamente, prova pericial.
AA) Se o douto Tribunal entendesse que seria de condenar a recorrente no pagamento de valor parcial, porque se tratava de trabalhos feitos parcialmente, devia ter relegado para execução de sentença, a quantificação do montante a pagar pela recorrente.
AB) Da audiência de discussão e julgamento não resultaram quaisquer factos que permitam aferir quais das obras das efetivamente contratadas, as que foram levadas a efeito e quais as que não foram, e a sua respectiva quantificação.
AC) Esta prova incumbia à recorrida, pois tendo confessado que não terminou a empreitada a que se tinha proposto, teria de provar as obras que efetivamente realizou e qual o valor a receber.
AD) O douto Tribunal nunca poderia ter dado como assente que o pagamento da escada foi feito pelo dono da obra à recorrente, porque o não foi.
AE) Deve revogar-se a douta sentença que condenou a recorrente ao pagamento de parte das faturas ...03 e ...05, substituindo-a por outra, que a absolva do referido pagamento, enquanto o contrato não estiver cumprido.
AF) Caso se entenda não ser de absolver a recorrente do pedido, sempre se terá de substituir a sentença proferida, condenando-a apenas ao pagamento do que se verificar ter sido levado a efeito pela recorrida em obra, em montante a liquidar em execução de sentença.
AG) Para o efeito, deve alterar-se a decisão quanto ao facto 30 dos factos provados, para não provado.
AH) Caso assim se não entenda sempre será de dar uma nova redação àquele facto, que deverá ter a seguinte redação: “30. Entretanto, a EMP04... Lda procedeu à emissão da fatura n.º ...43, de 17/11/2022, no valor de € 15.404,28 (correspondente aos restantes 40% do valor total a pagar), com IVA em autoliquidação.”.
AI) Não podia o douto Tribunal ter dado como provado o facto n.º 30 dos factos provados, tal como o deu, pois em momento algum foi feita prova que a EMP04... fez trabalhos de colocação da escada no Edifício ... em 90%.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a presente decisão ser alterada e substituída por outra que absolva a recorrente do pagamento das faturas n.ºs ..., enquanto os trabalhos não estiverem terminados.
Caso assim se não entenda, sempre será apenas de condenar a recorrente no pagamento dos trabalhos que, em liquidação de execução de sentença, se verifique terem sido efetivamente levados a efeito pela recorrida.
Assim se fazendo Justiça
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A A. veio apresentar as suas contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e bem, assim, em recurso subordinado, pela alteração da matéria de facto, por procedente esse recurso, condenando-se a Ré e a sua Mandatária em litigância de má-fé, nos seguintes termos:

1. A Recorrente, sindica o facto de o Tribunal condenar a Recorrida nos pagamentos relativos à obra Edifício ..., encontrando-se me causa as faturas ...03 e ...05 ambas no valor de 23.684.08€, emitidas a 28 de Outubro de 2023.
2. Invoca nesse sentido, a exceção de não cumprimento, que já tinha feito na oposição ao requerimento injuntivo que deu origem aos presentes autos.
3. Na aceção da Recorrente Ré, esta não pode pagar à Recorrida Autora, enquanto segunda não terminar a obra.
4. Alega a Recorrente Ré, e consta dos factos provados (21) que a Autora aceitou fornecer à Ré e montar a referida escada em curva pelo valor de 38.510,70 €, acrescido de IVA.
5. Do mesmo modo resulta do ponto 30 relativo aos factos provados, que a EMP04..., Lda, procedeu à entrega e a trabalhos de colocação da escada no Edifício ... em 90%.
6. Assim, diz a Recorrente que, depois terem sido dados como provados os dois últimos factos acima enunciados, não poderia o tribunal a quo ter condenado a mesma no pagamento de parte das faturas.
7. Na perspetiva da Recorrente, estando as faturas relativas ao fornecimento e  colocação da escada assentes na relação  estabelecida por contrato de empreitada, o tribunal apenas poderia absolver ou então condenar a Autora no pagamento total.
8. Mesmo que a Autora Recorrida tenha reduzido o valor do pedido em 10%, com relação ao valor total das faturas referentes à obra Edifício ..., reclamadas nos autos(...) para adequar o mesmo, aos trabalhos pagos por si à EMP04..., Lda como resulta precisamente do depoimento do representante da mesma.
9. A Ré Recorrente insiste que mesmo que tenha existido cumprimento parcial por parte da Autora Recorrida, a primeira apenas poderia ser condenada no pagamento dos trabalhos efetivamente executados na obra Edifício ..., isto é, pelo que tiver sidode facto concretizado pela EMP04..., Lda.
10. Defende assim no seu requerimento de Recurso que em sede de audiência de julgamento não foi comprovada qual a percentagem da escada que ficou concluída, no entanto sustenta que teria de ser sempre uma percentagem inferior a 90% do contratado.
11. Esta conclusão é extraída pela do depoimento da testemunha CC, que expõem que para concluir os trabalhos faltavam: um lanço de escadas, a guarda de escadas, a guarda de proteção de pisos, a finalização da extremidade, o revestimento em chapa por baixo dos degraus e as emendas para a pintura.
12. Contrapõem tal observação com parte do depoimento do sócio-gerente da Recorrida, que relata que a obra não foi terminada pela EMP04..., Lda, porque a Recorrente Ré, não pagou à Autora.
13. Visando este pressuposto, alega a Ré Recorrente que incumbia à Recorrida provar quais as obras que efetivamente forma realizadas e qual a percentagem que lhe caberia receber a título de pagamento.
14. A Autora Recorrida, discorda por completo de tudo quanto é alegado pela Recorrente.
15. Em primeiro lugar a exceção de não cumprimento, aduzida pela Recorrente, pode ser invocada nos contratos bilaterais, como resulta da lei, mais concretamente do artigo 428.º do CC, por qualquer um dos contraentes, enquanto o outro não efetuar a prestação que lhe cabe.
16. A empreitada é um contrato sinalagmático, porquanto dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes, correspondendo às principais: a obrigação de realizar a obra adstrita ao empreiteiro e a obrigação de pagar o preço associada ao dono da obra.
17. Como ensina o Professor Nuno Pinto, em Princípios do direito dos contratos, Coimbra editora, pág. 790 e 791, que o artigo 428.º do CC, “deverá aplicar-se por interpretação declarativa aos casos em que as duas prestações devam ser realizadas em simultâneo e deverá aplicar-se por interpretação extensiva aos casos em que o contraente que quer invocar a exceção é aquele que está obrigado a cumprir em segundo lugar.”
18. Ainda que a exceção de não cumprimento também se aplique às situações de incumprimento parcial, assumindo-se nesse caso como exceptio non rite adimpleti contractus, o que legitima o contraente a recusar a sua prestação enquanto a outra parte na completara a sua.
19. Especificamente sobre esta matéria elucida-nos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 17 de Junho de 2014, processo 473/11.6TBLSD.P1, relatado por Fernando Samões ao expor o seguinte:
“Como alerta Almeida da Costa, há que ter presente o princípio da boa-fé no cumprimento dos contratos, consagrado no artigo 762.º n. º2 do CC e a possibilidade do recurso ao abuso do direito, nos termos do 334.º, donde resulta a exigência de uma apreciação da gravidade da falta, que não pode mostrar-se insignificante, bem como impõem a regra da adequação ou  proporcionalidade entre a ofensa do direito excipiente e o exercício da exceção.
Assim são pressupostos do exercício da aludida exceção: a existência de um contrato bilateral, o não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação ou o seu cumprimento defeituoso, e não contrariedade da boa-fé.
Para além disso, o exceipiens tem não de denunciar os defeitos denunciados ou o inexato cumprimento como ainda exigir a eliminação dos defeitos denunciados ou o integral cumprimento (…)
(…) Para que a exceção possa operar, terá que haver proporcionalidade entre a infração contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a exceção, o que é exigido pelos ditames da boa-fé que pústula, nos contratos bilaterais, o respeito pela ideia da preservação do equilíbrio entre as obrigações sinalagmáticas; esse equilíbrio de prestações é inerente ao sinalagma de tal modo que. Se não se puder estabelecer esse nexo de correspectividade, é inoperante a invocação da exceção
Como bem sublinha João Abrantes, o devedor, em regra, apenas poderá recusar a sua prestação na parte proporcional ao incumprimento do outro contraente. Dá que existindo uma prestação incompleta do empreiteiro, o dono da obra só pode recusar a parte do preço correspondente à parte da obra não executada.
A exceção de não cumprimento, que se justifica por razões de boa-fé, de moralidade, de equidade e de justiça comutativa, sanciona a unidade das obrigações que para cada uma das partes derivam do contrato, evitando que uma delas tire vantagens sem suportar os encargos correlativos.
Mostra-se necessário que aparte do pagamento, cujo pagamento foi  recusado, seja proporcional à desvalorização da obra provocada pela existência da desconformidade.”
20. Na situação dos autos resulta bem claro do depoimento de BB que as condições de pagamento foram de 50% na adjudicação do orçamento e restante com a entrada em obra (cfr. se retira das declarações do mesmo, transcritas pela Recorrente a partir do minuto 49:20).
21. Tal também é percetível pela audição do testemunho do legal representante da EMP04..., Lda, constante do ficheiro Diligencia_123114-22.5YIPRT_2023-12-06_15-15-51.mp3, com gravação do dia 6-12-2023.
22. Do depoimento referenciado na anterior conclusão retira-se que DD tinha conhecimento que era a Recorrente lhe requereu os serviços de realização da escada em caracol, por não ter conseguido produzir a mesma nas suas próprias instalações.
23. Para além de se mostrar evidente que a Autora apenas interveio no negócio porque a Ré não consegui cumprir com as condições de pagamento exigidas e sem isso a EMP04..., não avançava com a obra, tendo sido necessária a intermediação da Autora, que realizou os pagamentos, sem ter sido reembolsada pela Ré.
24. Fica também suficientemente demonstrado que o fabrico e a colocação da escada helicoidal em discussão tinha de ser realizado o mais rapidamente possivel, sob pena da EMP02... incumprir os prazos de execução com o dono da obra (EMP03...).
25. No depoimento de CC, engenheiro civil que trabalhou para o dono da obra, a empresa EMP03..., S.A, constante do ficheiro Diligencia_123114-22.5YIPRT_2023-12-06_15-55-24.mp3, gravação de 6-12-2023, iniciada às 15:55 e finalizada às 16:17, a partir do minuto 4:45, também sai reforçada a urgência que existia para iniciar a obra da escada.
26. Por tudo o que foi adiantado, a Autora Recorrida impugna o constante do número 21 relativo aos factos provados, quando refere que a sentença a quo que a Autora aceitou fornecer e montar a referida escada à Ré. 27. Isto porque, como resulta confirmado pela prova documental junta aos autos (nomeadamente do orçamento da EMP04... e das faturas)e testemunhal produzida, a Autora Recorrida nunca teve qualquer relação de empreitada com a EMP02... relativamente à escada helicoidal em discussão.
28. Nesse negócio, em concreto como em muitos outros, a Recorrida apenas agiu como intermediária, porque a Ré recorrente não conseguia realizar os pagamentos e precisava que se iniciasse a montagem em obra para cumprir com os prazos acordados por si com o dono da mesma.
29. É do conhecimento geral e da Ré  Recorrente que a Autora não produz nem nunca produziu escadas, muito menos da tipologia helicoidal, e que esta não obteve qualquer lucro na transação, limitando-se a cobrar à Ré o que foi cobrado pela EMP04..., acrescido de IVA, pelo que esta não lhe contratou empreitada nenhuma.
30. Neste sentido, e mesmo se considerando que houve lugar nesta situação a contrato de empreitada, entre a EMP02... e a EMP01..., tendo existindo em consequência incumprimento parcial, resulta da prova testemunhal, mais concretamente do depoimento do Sr. DD constante do ficheiro Diligencia_123114-22.5YIPRT_2023-12-06_15-15-51.mp3, com gravação de 6-12-2023 iniciada ás 15:15 e finalizada às 15:35, do minuto 00:09:58 ao minuto 00:10:43, que ficou por completar cerca de 10% da obra, correspondente a sensivelmente 3.000,00€ e a sete dias de trabalho com dois homens em obra.
31. Como advém da lógica contratual geral e em particular dos artigos 227.º e 762.º do CC, as partes na formação dos contratos e no cumprimento das obrigações devem agir com máxima boa-fé.
32. Na sequência de tal depoimento, a Autora recorrida, cumprindo os bons ditames contratuais reduziu o pedido e conformidade, no valor de 3.851,07€.
33. Termos em que nem é inteligível a exceção de não cumprimento alegada pela Ré Recorrente, que inclusive só a invocou depois de lhe ser exigido judicialmente o pagamento das faturas pela Autora Recorrida.
34. Observada bem a situação, quando muito, seria a Autora, a invocar tal exceção, uma vez que cumpriu com a credora EMP04... o primeiro pagamento, no ato da adjudicação (correspondente a 50% da escada), e posteriormente na entrada em obra com o segundo pagamento (correspondente a 40% da escada), tudo sem que a Ré tivesse liquidado as correspondentes faturas ...03 e ...04, ambas com data de vencimento a 27 -11-2022.
35. Portanto, a Autora ao recusar-se a pagar os restantes 10% para que a obra continuasse, quando muito estaria a invocar ela própria a exceção de não cumprimento, recusando-se a pagar da última prestação à EMP04..., enquanto a Ré não procedesse ao pagamento das outras duas prestações que já tinha realizado em benéfico desta.
36. Torna-se, por conseguinte, o argumento da Ré Recorrente, completamente infundado e totalmente desadequando do ponto de vista da proporcionalidade, constituindo até abuso de direito nos termos do 334.º do CC.
37. Note-se que a Recorrente defende é que a Autora teria de suportar o custo total da obra que esta tinha obrigação de realizar para a empresa EMP03..., S.A, para que esta cumprisse com a sua obrigação de pagar o preço.
38. Tendo em conta que a Autora suportou o pagamento de 90% da escada que foi fabricada e montada para que a Ré cumprisse com a suas obrigações com a dona da obra, não existe qualquer proporcionalidade entre a “infração” e a recusa do contraente Ré.
39. Não esqueçamos que são razões de boa-fé e de equidade que justificam a invocação da exceção de não cumprimento.
40. Tendo em conta as circunstâncias referidas a exigência da Ré, desequilibra de tal modo a sinalagma entre as obrigações, que torna inoperante a alegação da dita exceção.
41. Ora, a Ré recorrente foi condenada pela sentença do tribunal a quo a cumprir com o pagamento das faturas ...03 e ...04, juntamente com as restantes que se peticionaram nos autos, no entanto e como já dito houve uma redução do pedido em conformidade com os trabalhos que se provaram ter sido realizados pela EMP04....
42. Mesmo que a Autora recorrida considere que inerente às faturas do Edifício ... não existiu qualquer empreitada entre as partes - quando muito um contrato de mútuo, já que a Autora se limitou a disponibilizar os meios financeiro- se a Ré Recorrente entende que não foram realizados 90% dos trabalhos como resulta provado (ponto 21 dois factos provados em sentença), cabe a esta fazer prova de tal em consonância com o artigo 342.º do CC.
43. Pelo contra-alegado, deve manter-se sentença proferida que condena a Ré Recorrente no pagamento das faturas ...03 e ...05.
44. Sem prescindir e subordinadamente. foram dados por não provados na sentença os factos constantes das alíneas que se seguem:
B) Foi aprovada uma comissão de 10% sobre a variação positiva das vendas da Ré. K) A II advogada da Ré deveria ter informado os autos dos escritos da autoria desta truncados nos documentos exibidos em audiência.
45. Com o devido respeito a Autora não se pode conformar com tal uma vez que, as declarações de BB e EE foram convincentes e merecem credibilidade quando confirmam que foi convencionada entre as partes do presente litígio uma comissão sobre a variação positiva das vendas da Ré EMP02....
46. Tal facto, resulta de igual modo suficientemente comprovado pelo depoimento de FF, que prestou serviços de consultoria através de uma empresa sua à EMP02..., e por um curto período de tempo (alguns meses-2021) chegou a ser acionista da Ré.
47. O depoimento em causa constante do ficheiro Diligencia_123114-22.5YIPRT_2023-12-06_14-29-28.mp3, gravação iniciada às 14:29 e finalizada às 15:05, do minuto 00:6:43 ao minuto 00:08:08, resulta que se encontrava acordada a avença que foi dada por provada no número 3 da sentença, juntamente com a comissão de 10% sobre a variação positiva de vendas.
48. No que concerne aos documentos contabilísticos truncados, a Autora também não pode aceitar que se dê por provado que a mandatária da Ré não tinha conhecimento de tal, quando qualquer pessoa, pela experiência normal do dia-a-dia, saberia dizer pelas imagens digitalizadas nos autos, que as faturas juntas tinhas partes tapadas e cortadas.
49. Muito bem refere a meritíssima Juiz do tribunal a quo na sua fundamentação: “confirmou-se que, efetivamente, alguns dos documentos juntos e relacionados com as faturas emitidas, avisos de lançamento e pagamentos, continham escritos manuscritos da autoria dos legais representantes da Ré e dos seus funcionários, no que respeita importa, data de receção, data de lançamento, data de visto e data de validação.”
50. Tal foi ainda mais notório, na audiência de julgamento, quandoa mandatária da Ré, exibiu esses mesmos documentos com os dizeres tapados e apagados com corretor, pelo que demonstrou ter tais documentos em sua posse há tempo suficiente para ter conhecimento de que se encontravam violados.
51. Para além disso resultou provado em audiência de julgamento e consta provado no ponto 39 da sentença a quo, a Ré sabia que havia sido acordada uma avença e pelo valor reclamado, não obstante alegou o seu desconhecimento, para tanto truncando/tapando dizeres decorrentes do lançamento das faturas na contabilidade.
52. Tal contradiz gritantemente o que foi defendido pela Ré no artigo 24.º da oposição à injunção que iniciou os autos e em que diz “faturas de prestação de serviços que eram indevidas pois o que ficou combinado foi que o apoio que seria prestado à administração da Requerida o era em contrapartida da utilização das instalações e da parceria na elaboração de trabalhos e obras.”
53. Já posteriormente e no seu depoimento, GG, avança com uma versão diferente relativamente à pareceria /avença que teria com a Autora, atribuindo-lhe um valor de 2.500,00€ a 3.000,00€.
54. O que novamente contrasta completamente com o depoimento do Sr. FF, com o depoimento já transcrito supra, que diz inequivocamente que, foi desde logo acordada uma avença mensal de 5.000,00€ que que passaria a 6.000,00€ uns meses à frente.
55. Estas circunstâncias são demonstrativas que tanto o legal representante da Ré como a Mandatária do mesmo, sempre tiveram conhecimento do valor da avença acordada para a prestação de serviços de consultoria e gestão pela Autora, inclusiveda comissão de 10% sobre a variação de vendas.
56. Tanto era do conhecimento do legal representante GG, que ficou provado nos autos, através de prova documental e testemunhal que foram negociados os serviços de consultoria e gestão prestados com o conhecimento do legal representante e que o mesmo aprovava as faturas de pagamento desses mesmos serviços.
57. A mandataria da Ré por outro lado, sempre teve na sua posse, as faturas em questão que continham os manuscritos truncados e que permitiam percecionar que a administração tinha conhecimento dos valores pagos pelos serviços em causa.
58. Não por desconhecimento, mas por livre e espontânea vontade que a Ré e a sua mandatária escolheram ocultar que sabia do valor das avenças e da comissão sobre as vendas.
59. Nos tramites do artigo 542.º n.º 2 do CPC, tem-se por litigância de má-fé os comportamentos que se coadunam com:
a) a dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ser ignorada;
b) a alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa; c) a prática de omissão grave do dever de cooperação;
d) O uso de meios processuais manifestamente reprováveis, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
60. A litigância de má-fé constitui um tipo especial de ilícito em que a parte, com dolo ou negligência, agiu processualmente de forma inequivocamente reprovável, violando deveres de legalidade, boa-fé, probidade, lealdade e cooperação de forma a causar prejuízo à parte contrária e obstar à realização da justiça.
61. Do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 13-07-2021, processo n.º 1255/13.6TBCSC-A.L1-A.S1, relatado por Luís Espirito Santo, extrai-se o seguinte: “O comportamento processual contrário à lei, desde que se conclua que foi adotado pelo agente com dolo ou negligência grave na prossecução de uma finalidade inadmissível e suscetível de afetar seriamente, de forma injustificada, os interesses da parte contrária, consubstancia uma conduta reprovável e sancionada no âmbito do instituto da litigância de má fé.”
62. Alberto dos Reis em código de processo civil anotado, vol. II, 3.º edição, 1987, pág. 263 refere que “na base da má-fé esta este requisito essencial: consciência de não ter razão”.
63. No caso em apreço, e por tudo quanto foi alegado, mostrou-se provado que tanto a Ré como a sua mandatária sempre tiveram conhecimento do valor acordado para a prestação de serviços pela Autora e que propositadamente ocultaram informação de extrema relevância para a decisão da causa.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso de apelação apresentado pela ser julgado improcedente, e ser alterada a matéria de facto, conforme supra se expõe, sendo o presente recurso julgado procedente por provado, condenando-se a e a sua Mandatária em litigância de má-fé.
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A Ré veio contra-alegar peticionando o indeferimento do recurso subordinado por falta de pagamento da taxa de justiça e, desde que regularizada a instância, fosse julgado improcedente o recurso subordinado improcedente, por não provado, mantendo-se na íntegra a decisão proferida, quanto aos factos aí em crise.
Assim se fazendo JUSTIÇA.
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Recebidos os recursos após regularizada a instância quanto ao pagamento da taxa de justiça, foram colhidos os vistos legais.
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III. O objecto do recurso

Como resulta do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n. os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Face às conclusões das alegações de recurso, cumpre apreciar e decidir, sobre o alegado erro de julgamento e direito aplicável
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Fundamentação de facto

Factos provados

1-A Autora é uma sociedade comercial, que tem como objeto, entre outros, o comércio por grosso de máquinas, equipamentos e ferramentas. Comércio por grosso de outras instalações e construções. Instalação, manutenção e reparação de máquinas e equipamentos. Desenvolvimento de projectos de engenharia e arquitectura e actividades especializadas de construção. Actividades de consultoria, científicas, técnicas e similares, essencialmente no âmbito de actividades de arquitectura, de engenharia e técnicas afins, e ainda actividades de ensaios e de análises técnicas, actividades de investigação científica e de desenvolvimento entre outras actividades de consultoria, científicas, técnicas ou similares. Fabricação de estruturas de construções metálicas. Actividades de mecânica geral. Consultoria económica, estratégica e financeira. Outras actividades de consultoria, científicas, técnicas e similares. Realização e análise de projectos de investimento. Apoio na gestão empresarial. Estudos de mercado. Formação profissional. Compra e venda de imóveis. Actividades de mediação e angariação imobiliária.
2-A Ré é uma sociedade comercial que tem como objeto a construção e engenharia civil, revestimentos de fachadas, isolamentos e representações.
3-Em data não concretamente apurada do 1.º semestre de 2021, a Autora e a Ré acordaram que aquela prestaria a esta serviços de consultoria para as áreas comerciais e de gestão, mediante o pagamento de uma avença que, após os primeiros meses, passaria para o valor mensal de € 6.000,00.
4-E, porque passava por dificuldades junto de clientes, fornecedores e Banca, a Autora passou também a funcionar como subcontratada entre a Ré e os fornecedores ou empreiteiros e, por vezes, a adiantar dinheiro à Ré, adquirindo bens que a mesma necessitava, para, de seguida, vender e fatura-los aquela, permitindo-lhe, desse modo, algum tempo para o respetivo pagamento.
5-Assim, no exercício da sua atividade e no âmbito das relações comerciais estabelecidas, a Autora emitiu à Ré, entre outras, as seguintes facturas:
 - Fatura ...95 de 21/10/2022, no valor de € 6.458,81, com data de vencimento no dia 20/11/2022;
- Fatura ...03 de 28/10/2022, no valor de € 23.684,08, com data de vencimento no dia 27/11/2022;
Fatura ...04 de 28/10/2022, no valor de € 2.758,15, com data de vencimento no dia 27/11/2022;
- Fatura ...05 de 28/10/2022, no valor de € 23.684,08, com data de vencimento no dia 27/11/2022;
- Fatura ...06 de 31/10/2022, no valor de € 4.683,04, com data de vencimento no dia 30/11/2022;
- Fatura ...26 de 30/11/2022, no valor de € 993,04, com data de vencimento no dia 30/11/2022.
6-A Ré não liquidou as facturas id..
7-A Ré contratara com a (cliente final) EMP05..., Lda., fornecer-lhe, entre o mais, 523 pilares em tubo e prumos de varanda em tubo para a obra “...”, mediante a contrapartida do pagamento da quantia de € 18.587,42 acrescido de IVA.
8-Nesse seguimento, em Setembro de 2022, a Ré solicitou à Autora o fornecimento dos 523 pilares em tubo e prumos de varanda em tubo, mediante a contrapartida do pagamento da quantia de € 18.587,42 acrescido de IVA.
9-Para iniciar a produção destes artigos (adjudicação), a Autora debitou à Ré 30% do valor global e id. em 8 (= € 6.858,76), através da Fac 144/175 de 26.09.2022. 
10-A 13.10.2022, a Ré liquidou à Autora os facturados 30% do valor da adjudicação.
11-A Autora colocou na cliente da Ré (EMP05..., Lda.) os materiais contratados.
12-A Fac n.º ...95 de 21/10/2022, emitida à Ré, faz referência a 83 prumos varanda para a obra ..., com o valor de € 2.949,82+iva, ao corte a laser das patilhas pela Perfilchapa do material, com o valor de € 1740,00+iva, do transporte do material para o corte, com o valor de € 230+iva, e do transporte do material cortado da EMP02... para ..., com o valor de € 110,00+iva.
13-A Fac n.º ...04 de 28/10/2022, emitida à Ré faz referência a 60 prumos varanda para a obra ..., com o valor de € 2.132,40+iva, e a 1 transporte EMP02... – ..., com o valor de € 110,00+iva.
14-Através da Fac ...34 de 07.12.2022, a Autora debitou diretamente à cliente da Ré (EMP05... Lda), os referidos 523 pilares, no valor ajustado de € 18.587,42+iva.
15-A cliente da Ré (EMP05... Lda) pagou integralmente o valor id. em 14.
16-Apesar de ter recebido e aceite o pagamento id. em 14 e 15, a Autora não devolveu à Ré o valor pago a título de adiantamento (adjudicação – 30%), no montante de € 6.858,76.
17-A Ré contratou com a EMP03..., S.A., NIPC ...41, fornecer e executar-lhe, entre outros, uma escada metálica helicoidal na obra do Edifício ....
18-A Ré solicitou à empresa EMP04..., Lda., NIPC ...03, orçamento para a referida escada.
19-A 10.10.2022, a EMP04... reencaminhou por email para a Ré (..........@.....) a proposta de orçamento n.º ...15 referente ao fornecimento e colocação de “escada em curva”, no valor de € 38.510,70 acrescido de IVA, totalizando € 47.368,16, e constando nas respetivas “condições de pagamento”, “50% na adjudicação”.
20-Nesse mesmo dia, 10.10.2022, a Ré (..........@.....) reencaminhou o referido email para a EMP01... (ou seja, para BB), alertando para a necessidade de esta ter pagar 50% com a adjudicação.
21-A Autora aceitou fornecer à Ré e montar a referida “escada em curva”, pelo valor do referido e encaminhado orçamento, € 38.510,70 acrescido de IVA.
22-Assim, a Autora contratou com a EMP04... Lda. o fornecimento e colocação da referida “escada em curva”, que correspondia ao descrito no orçamento n.º ...15, da EMP04... para a Ré, no valor de € 38.510,70 acrescido de IVA, totalizando € 47.368,16.
23-Consequentemente, a 18.10.2022 a EMP04... emitido à Autora a fatura n.º ...3, no valor de € 19.255,35 e com IVA em autoliquidação (ou seja, cabendo à Autora adquirente liquidar esse imposto).
24-A 19.10.2022, a Autora pagou tal factura, por transferência bancária.
25-E a 20.10.2022, a Autora emitiu à Ré a fatura n...94, com vencimento nessa mesma data, no mesmo valor de € 19.255,35 e com menção (errónea) de isenção de IVA e com a referência ao “adiantamento 50% escada Noto”,
26-Em 28.10.2022, a Autora emitiu à Ré, que recepcionou a 31.10.2022, a Fac ...03 de 28/10/2022, no valor de € 23.684,08 (ou seja € 19.255,35 + IVA), com data de vencimento no mesmo dia 28/10/2022, referente aos “restantes 50%” do “Fornecimento e montagem da escada metaliza helicoidal”, na “vossa obra Edifício ...”.
27-Perante o lapso referente ao IVA ocorrido na fatura n.º ...94, a Autora anulou a mesma através da nota de crédito n.º ...7 de 28/10/2022.
28-E, em sua substituição, a Autora emitiu à Ré, que recepcionou a 28.10.2022, a fatura n.º ...05, com data de vencimento no mesmo dia 28/10/2022 no mesmo valor (€ 19.255,350), mas acrescido do IVA devido, totalizando a quantia de € 23.684,08.
29- A 31.10.2022, a Autora enviou por email à Ré a nota de crédito ...7 e a fatura n.º ...05.
30-Entretanto, a EMP04... Lda procedeu à entrega e a trabalhos de colocação da escada no Edifício ... em 90%, tendo, para o efeito, emitido à Autora a respetiva fatura n.º ...43, de 17/11/2022, no valor de € 15.404,28 (correspondente aos restantes 40% do valor total a pagar), com IVA em autoliquidação.
31-A 22.11.2022 a Autora pagou a id. factura, por transferência bancária.
32-Uma vez que a Ré não merecia confiança junto de fornecedores e da banca, a Ré solicitou à Autora, e esta aceitou, que, celebrando um contrato de Locação Operacional junto da Banca, obtivesse um veículo, marca ... modelo ..., e que, subsequentemente, cedesse à Ré a utilização desse veículo, mediante o pagamento mensal pela Ré de uma contraprestação, que ajustaram corresponder ao valor da prestação do ALD devido pela Autora à Banca, e do pagamento do duodécimo do respetivo seguro.
33-Assim, a 21/12/2021, a Autora celebrou com a Banco 1..., S.A. (...), um contrato de Locação Operacional referente ao veículo ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-CC.
34-E, a partir de finais de Dezembro de 2021, a Autora disponibilizou à Ré a utilização do referido veículo mediante o pagamento de uma prestação mensal no valor de cerca de € 707,75 e do duodécimo do respeito seguro no valor de € 99,60.
35-A Ré (na pessoa do seu gerente GG) utilizou o referido veículo ... entre finais de Dezembro de 2021 e 16/12/2022, data em que o devolveu à Autora.
36-A Ré foi sempre liquidando as facturas relativas à utilização da viatura, com excepção da factura ...06, recepcionada a 31.10.2022, e da factura ...26, peticionadas nos autos.
37-A Ré deduziu oposição à injunção da Autora, alegando ter pago o adiantamento de 30% e a obra do Edifício ... estar integralmente paga pelo cliente EMP03..., o que foi impugnado pela Autora.
38-Na audiência de julgamento, a Autora admitiu ter recebido a 30.10.2022 da Ré a quantia de € 6.858,76, por conta da factura ...75, correspondente a 30% da obra no edifício ..., e recebido a 07.12.2022 da cliente final da Ré, EMP05..., o valor de 22.862,52 (factura ...34) correspondente à totalidade da obra no edifício ..., e não confessou o pedido reconvencional.
39-A Ré sabia que havia sido acordada uma avença e pelo valor reclamado e não obstante alegou o seu desconhecimento, para tanto truncando/tapando dizeres decorrentes do seu lançamento na sua contabilidade e donde tal conhecimento e pagamento se retira.
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Factos Não Provados

A. A parceria consistia em a Autora disponibilizar um técnico de gestão, que auxiliaria na gestão da Ré e que necessitava de espaço para trabalhar, e, em contrapartida de tal serviço, ficava a Autora com o direito de utilizar o espaço da Ré.
B. Foi acordada uma comissão de 10% sobre a variação positiva das vendas da Ré.
C. A parceria entre a Autora e a Ré iniciou-se em 17 de Maio de 2021.
D. Assim, em finais de Abril de 2021, a Autora instalou num espaço da sede da requerida a sua unidade de produção (de serralharia) e o sócio gerente da Autora BB passou de imediato a colaborar com esta.
E. A Ré não sabia que, mesmo antes de ter aceite fazer esta parceria, a Autora, constituída em Março de 2021, já tinha fixado a sede na sua própria sede.
F. A “escada em curva” da obra Noto (da EMP03...) foi integralmente realizada pela Ré (através da subcontratação da Autora que, por sua vez, subcontratou à EMP04... Lda).
G. Falta pagar os restantes 10% (ou seja € 3.851,07 acrescidos de IVA =€ 4.736,82) contratualmente previstos e que serão exigidos pela EMP04... à Autora.
H. A Autora, através de BB, tendo acesso ao orçamento emitido pela Ré à empresa EMP03..., S.A., dona da obra Noto, no qual foi orçamentada a escada central no valor de 19.562,22€ acrescido de IVA, comprometeu-se a realizá-la pelo preço orçamentado.
I. O cliente EMP03..., tendo conhecimento que é a Autora quem estava a fazer a escada, comprometeu-se a pagar a escada directamente à Autora, logo que a mesma esteja terminada.
J. Acontece que, inexplicavelmente e depois de iniciar a obra, a Autora entendeu que só terminaria a mesma com o recebimento do dobro do valor contratado.
K. A Il. Advogada da Ré deveria ter informado os autos dos escritos da autoria desta truncados nos documentos exibidos em audiência.
L. A Autora forneceu peças em alumínio para portadas na obra do ....
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Fundamentação jurídica

A recorrente, em sede de recurso, alega não concordar com a decisão do tribunal a quo, por considerar que, face aos factos apurados, o tribunal a quo não podia ter decidido como o fez, quer por, sinteticamente, não ter sido cumprido integralmente o contrato de empreitada celebrado entre as partes e verificar-se a excepção de não cumprimento por si invocada, devendo subsequentemente relegar-se para execução de sentença a quantificação do montante a pagar, caso não se julgue antes ser de a absolver do pedido.
Nesse sentido pugna pela alteração da decisão quanto à matéria constante do ponto 30, dos factos provados, no sentido de ser dada como não provada ou modificada a sua redacção por forma a constar a emissão da respectiva factura na proporção de 40% do valor total a pagar, com IVA em autoliquidação.
Ora, para dar tal facto como provado, o tribunal a quo, em suma, quanto ao cerne principal da questão sub judice, considerou sobretudo a valoração do depoimento de DD, da EMP04..., que esclareceu de forma apontada como insuspeita e clara, ter sido a Ré quem lhe pediu os trabalhos/serviços de realização da escada em caracol, porque não conseguiu produzir a mesma nas suas próprias instalações, tendo sido necessária a intermediação e desbloqueio da situação pela Autora (no sentido de ser esta a pedir e pagar os trabalhos), levando a um pedido de adiantamento superior, de 50%, o que tudo foi feito e resolvido com conhecimento, consentimento e no interesse da Ré, do GG (contrariamente ao que consta dos documentos e do que este afirmou em julgamento), mais acrescentando não ter terminado a montagem da escada a pedido (a mando) de HH, da Ré EMP02..., por volta do mês de Novembro, ficando, assim, por executar cerca de 10%, o que também não cobrou à EMP01..., acrescentando que depois lhe fica mais dispendioso ir executar esses 10% para os poder cobrar do que ficar sem esse valor.
Por sua vez, apontou-se o facto da testemunha II, responsável na obra pela EMP03..., ter confirmado esse depoimento, atestando que a escada não ficou totalmente feita pela Ré e subcontratadas (Autora e subcontratada desta, EMP04...) embora agora já o esteja e por terceiro contratado pela EMP03..., salientando, ainda, que os trabalhos ajustados à Ré e executados foram-lhe pagos.
Depoimentos estes corroborados, ainda de acordo com o enunciado pelo tribunal a quo, também pelos depoimentos de JJ e de KK, engenheiro mecânico da Autora, de forma suficientemente desinteressada e clara, tudo devidamente conjugado com os doc.s 21, 22, 42, 44 e 45 juntos em audiência de julgamento pela Ré e no seu confronto com as facturas em causa, e na correspondência trocada entre a EMP04... Lda e as partes e os comprovativos de pagamento a esta empresa juntas com a pi aperfeiçoada sob doc. 9 a 17 dos autos, donde se pode extrair quem havia contratado com a EMP03... (d.o.) e o quê – estrutura metálica da fachada (já paga pela EMP02...) e duas escadas, o que foi liquidado e a quem, nomeadamente, a substituição de facturas, devido a erro na cobrança do iva (autoliquidação de Iva pela Autora, logo e posteriormente, havia que fazer incluir iva na relação Autora e Ré).
Contrapõe a Ré/Recorrente não ter ficado provado qual a percentagem correspondente aos trabalhos efectivamente realizados, pelo que necessário seria proceder-se a uma perícia, face à falta de prova quanto a esse ponto.
Contudo, o facto é que o tribunal a quo formou convicção em sentido contrário ao pugnado pela Ré/Recorrente com base na prova apontada.
Ora, essa prova não foi posta em causa pela Ré/Recorrente.
Depois, por outro lado, se considerava ser necessário a produção de uma prova mais técnica e com base em outros conhecimentos mais objectivos para demonstrar a sua versão deveria ter requerido a sua realização.
Acresce que, quanto à reapreciação da matéria de facto, impera o ónus de especificação de cada um dos pontos da discórdia da recorrente com a decisão recorrida, seja quanto às normas jurídicas e à sua interpretação, seja a respeito dos factos que considera incorrectamente julgados e dos meios de prova que impunham uma decisão diferente, devendo, neste caso, indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cf. Arts. 639.º, n.º 2 e 640.º, nºs 1 e 2 do NCPC).
Assim, não especificando a recorrente obrigatoriamente os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e daquela que foi apontada pelo tribunal a quo para formar a sua convicção nos termos referenciados, pondo-a em causa, não é possível concluir-se existir um qualquer erro de julgamento.
Na verdade, a Ré/Recorrente não explicou de forma cabal as razões e fundamentos que, em concreto e contrariamente ao que foi enunciado pelo tribunal a quo, importaria uma alteração da matéria de facto impugnada, justificando a sua pretensão com base num erro de apreciação e julgamento por parte do tribunal a quo.
Não se procede objectivamente a um qualquer relacionamento entre a referida factualidade e a prova produzida que impunha uma decisão diferente num determinado sentido.
É que não basta proceder-se a uma única referência ou eventual prova a realizar que isoladamente favorece uma parte, sem a devida conjugação e avaliação de toda a prova.
Assim, em face do exposto, não pode proceder o pedido de alteração da redacção dada à factualidade constante do ponto 30, dos factos provados.
Quanto à aplicação do direito, as partes não colocam em causa estar-se, quanto à questão em apreço, perante a obrigação de realização da obra para o empreiteiro e a obrigação de pagamento do preço, consubstanciada na celebração de um contrato de empreitada.
Tal como decorre do disposto no artigo 1208.º do CC, o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
Na empreitada o trabalho não é devido enquanto tal, mas apenas como meio de realização da obra ou da produção do resultado que constitui o objecto nuclear da prestação obrigacional. Por essa razão, aliás, o trabalho não tem de ser prestado pelo próprio empreiteiro a título pessoal - salvo tratando-se de obra caracterizada como infungível: v.g. um quadro de um determinado pintor -, o qual intervém no contrato como agente económico autónomo, não subordinado, independente de ordens e instruções do dono da obra.
In casu, a Autora fundou o pedido destes autos contra a Ré em negócios firmados entre ambas, entre os quais aquele a que se alude no ponto 4 dos factos provados, por via do qual a Autora se obrigou, entre o mais, a executar trabalhos da construção civil, em obras entregues à Ré, mediante o pagamento do preço por parte desta.
Invoca, nessa base, o incumprimento da Ré dessa sua obrigação.
Vejamos, então.
Como resulta concretamente dos factos apurados quanto à situação em apreço, a Ré contratou com a EMP03..., S.A., fornecer e executar-lhe, entre outros, uma escada metálica helicoidal na obra do Edifício ....
Para tal, solicitou à empresa EMP04..., Lda., orçamento para a referida escada que lhe remeteu a proposta de orçamento n.º ...15, no valor de € 38.510,70 acrescido de IVA, totalizando € 47.368,16, e constando nas respectivas “condições de pagamento”, “50% na adjudicação” (cfr. pontos 17, 18 e 19, dos factos provados).
Nesse mesmo dia, 10.10.2022, a Ré (..........@.....) reencaminhou o referido email para a EMP01... (ou seja, para BB), aqui recorrida, alertando para a necessidade de esta ter de pagar 50% com a adjudicação, em conformidade com o acordo entre elas firmado, tendo a Autora aceite fornecer à Ré e montar a referida “escada em curva”, pelo valor indicado (cfr. pontos 4, 19 e 21, dos factos provados).
Assim, a Autora contratou com a EMP04... Lda. o fornecimento e colocação da referida “escada em curva”, pagando o respectivo valor facturado com o n.º ...3, no valor de € 19.255,35 e com IVA em autoliquidação (ou seja, cabendo à Autora adquirente liquidar esse imposto), emitindo, por sua vez, à Ré a factura n...94, com vencimento nessa mesma data, no mesmo valor de € 19.255,35 e com menção (errónea) de isenção de IVA e com a referência ao “adiantamento 50% escada Noto”.
E, mais tarde, a Fac ...03 de 28/10/2022, no valor de € 23.684,08 (ou seja € 19.255,35 + IVA), com data de vencimento no mesmo dia 28/10/2022, referente aos “restantes 50%” do “Fornecimento e montagem da escada metaliza helicoidal”, na “vossa obra Edifício ...”.
Perante o lapso referente ao IVA ocorrido na factura n.º ...94, a Autora anulou a mesma através da nota de crédito n.º ...7 de 28/10/2022 e, em sua substituição, a emitiu à Ré, que recepcionou a 28.10.2022, a factura n.º ...05, com data de vencimento no mesmo dia 28/10/2022 no mesmo valor (€ 19.255,350), mas acrescido do IVA devido, totalizando a quantia de € 23.684,08, enviando, a 31.10.2022, a nota de crédito ...7 e a factura n.º ...05.
Entretanto, a EMP04... Lda procedeu à entrega e a trabalhos de colocação da escada no Edifício ... em 90%, tendo, para o efeito, emitido à Autora a respectiva factura n.º ...43, de 17/11/2022, no valor de € 15.404,28 (correspondente aos restantes 40% do valor total a pagar), com IVA em autoliquidação, que a A. pagou (cfr. pontos 22 a 31, dos factos provados).
Daqui decorre sinteticamente que, tendo o dono da obra, EMP03..., S.A. solicitado à Ré a realização de uma escada em curva/metálica heliocoidal no obra do Edifício ..., esta delegou na A. essa sua obrigação, que, por sua vez, veio a adjudicar à EMP04..., Lda a dita obra.
Tendo esta procedido a esses trabalhos em 90% foi, nessa proporção, pago o respectivo preço pela A. cujo reembolso vem peticionar, em cumprimento do acordado com a Ré.
Analisando o comportamento das partes, na descrição da matéria de facto provada e apontada, constata-se que o programa contratual se interrompeu e não foi reatado, sem que qualquer das partes manifestasse verdadeiro interesse no seu reatamento e total cumprimento, dado que, em vez de se pugnar pelo seu integral cumprimento, se aceitou pagar o preço, sem mais, da parte da obra realizada.
De facto, da matéria elencada não se pode concluir estar-se perante um abandono da obra, antes se devendo considerar que o contrato se extinguiu (cfr. VAZ SERRA, anot. cit., pág. 12, e INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Direito das Obrigações, 7.ª ed., Coimbra Editora, pág. 129, qualificam esta extinção como uma caducidade do contrato), devendo adoptar-se a mesma solução que está prevista para as situações de impossibilidade de cumprimento de uma obrigação por causa não imputável a qualquer das partes (artigo 790.º, n.º 1, do Código Civil). Nestas situações, em que as partes já revelaram o seu desinteresse pelo cumprimento do contrato, não se justifica que a vigência deste fique dependente de um pedido de resolução deduzido por qualquer um dos contraentes. O contrato cessa por um duplo comportamento volitivo concludente (BRANDÃO PROENÇA, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, cit., pág. 312).
Igualmente neste sentido assim se decidiu no Ac. STJ 2209/14.0TBBRG.G3.S1 de 14.01.21
Em face do disposto no artigo 802.º do Código Civil, quando já foi realizado o cumprimento de parte da prestação, a segunda opção facultada ao credor traduz-se em permanecer com a parte da prestação já realizada, ficando com o direito de reduzir a sua contraprestação.
O preço de uma empreitada pode ser determinado à partida de um modo global e fixo, designado por preço à forfait, a corpo, ou per aversionem. Nestes casos, o preço é estabelecido no momento da conclusão do contrato, independentemente das quantidades de trabalho ou o real custo dos materiais que venham a ser efectivamente aplicados na obra.
No regime do contrato de empreitada, nas situações em que ocorrem defeitos na obra, um dos direitos atribuídos pelo artigo 1222.º do Código Civil ao dono da obra é o da redução do preço contratado, dispondo o n.º 2 daquele dispositivo que a redução do preço é feita nos termos do artigo 884.º do Código Civil.
Traduzindo-se a existência de defeitos na obra num incumprimento parcial qualitativo da prestação do empreiteiro, deve o disposto naquele preceito, por identidade de razão, aplicar-se também às situações de incumprimento parcial quantitativo da prestação do empreiteiro, regendo também nestas situações o disposto no artigo 884.º do Código Civil, o qual determina, no seu n.º 1, relativamente à redução do preço no contrato de compra e venda que ‘s[S]e a venda ficar limitada a parte do seu objecto, nos termos do artigo 292.º ou por força de outros preceitos legais, o preço respeitante à parte válida do contrato é o que neste figurar, se houver sido discriminado como parcela do preço global’.
Ora, como se sabe, primeiramente foi antecipado o pagamento do preço que foi fixado em 50% do valor total, pelo que estando a obra realizada em 90%, tal implica o pagamento dos restantes 40%, de acordo com o que foi estabelecido pelas partes em relação ao pagamento do preço na devida percentagem.
Acresce que o dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução – cfr. 1229.º, do Cód. Civil.
Já quanto à excepção de não cumprimento dispõe o art.º. 428.º, n.º 1, do C. Civil que “s[S]e nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo».
Tal excepção tem por função obstar temporariamente ao exercício da pretensão do contraente, consistindo numa recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem alega, sem que acarre a extinção do direito de crédito de que é titular o outro contraente – cfr. JOSÉ JOÃO ABRANTES, in “A excepção de não cumprimento do contrato no Direito Civil Português, Conceito e Fundamento”, Almedina, Coimbra, a págs. 128.
Isto é, oposta a excepção, o excipiens vê suspensa a exigibilidade da sua prestação, suspensão que se manterá enquanto se mantiver a posição de recusa do outro contraente que deu causa à invocação da exceptio.
Trata-se, assim, de uma recusa temporária do devedor, perante um credor que também ainda não cumpriu, que, por essa via, retarda legitimamente o cumprimento enquanto a outra parte no sinalagma contratual também não realizar a prestação a que está adstrita - neste sentido, vide o acórdão do STJ de 13-12-2007, no proc. n.º 07A4040, disponível em www.dgsi.pt/jstj.
Acrescenta Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª Edição, Almedina, pág.366, tratar-se tal excepção “de um meio puramente defensivo (uma excepção dilatória material ou substantiva) e estritamente temporário, não definitivo”.
Donde, invocando o demandado tal excepção, esta só poderá ser afastada pelo demandante caso prove que já cumpriu ou que a contraparte excipiente deve cumprir em primeiro lugar.
Ora, considerando-se que o contrato cessou já por um duplo comportamento volitivo concludente entre a A. e a EMP04..., Lda, sem que resulte ter ocorrido uma qualquer manifestação em contrário por parte da dona da obra, a EMP03..., e pago o preço na respectiva proporção da obra realizada, está a Ré/Recorrente obrigada ao pagamento adiantado pela A./Recorrida, em conformidade com o acordo entre ambas estabelecido.
Por último, quanto ao recurso subordinado atinente ao pedido de condenação da Ré e sua mandatária como litigantes de má fé, é com base na matéria de facto apurada que tem de se decidir.
Ora, a este respeito, resulta da factualidade constante do ponto 39, dos factos provados que a Ré sabia que havia sido acordada uma avença e pelo valor reclamado e não obstante alegou o seu desconhecimento, para tanto truncando/tapando dizeres decorrentes do seu lançamento na sua contabilidade e donde tal conhecimento e pagamento se retira.
Neste campo, de litígio entre as partes, estas têm o dever de agir com observância da boa-fé, constituindo a violação dolosa ou com negligência grave dessas regras sancionada pelo nosso Código de Processo Civil nos termos dos artigos 8.º, 542.º e 545.º.
Em relação ao disposto no n.º 2 do artigo 542.º do CPC, dizem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, 3ª Edição, Almedina, pág 457, que “constituem actuações ilícitas da parte: a dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da excepção (alínea a)); a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); a omissão do dever de cooperação (alínea c)); em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objectivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da acção da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (alínea d))”
Como  se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 01/11/2018, no processo 2528/15.9T8PRD.P1,  a “condenação como litigante de má-fé exigem que se conclua por um desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça, imputável subjectivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira (a faute lourde do direito francês ou a Leichtfertigkeit do direito alemão).”
Este instituto destina-se a assegurar a ética e eficácia processual para defender a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões, o prestígio do sistema de justiça e a segurança e justiça material que lhe estão associadas a par dos interesses particulares das partes envolvidas.
No âmbito deste instituto não é de tolerar que a parte recorra ao processo, sabendo não ter razão ou quando apenas não tem essa consciência, porque se furtou a evidentes deveres de cuidado e zelo exigidos pelo respeito pela Justiça, pelos Tribunais e pela parte contrária, assim como é inadmissível que faça do mesmo uso que de forma grave ponha em causa as suas finalidades.
Na avaliação e graduação da culpa atender-se-á à diligência do bom pai de família, em função das circunstâncias do caso, mas tendo em conta a concreta pessoa do litigante, as suas capacidades concretas para perceber ou agir diferentemente.
Como bem refere Alberto dos Reis no Código de Processo Civil Anotado, (vol. II, 3ª Ed. 1981, p. 262), quanto à classificação efectuada sobre os vários tipos de conduta processual das partes na lide, que se mantém actual, se a parte esgotou todos os meios para se assegurar de que tem razão litigou de forma cautelosa, se, ao invés, nessa averiguação foi negligente, mas sem violar senão de forma leve os  deveres de cuidado que lhe impunham, litigou de forma imprudente. Se, embora ainda convencida que tinha razão, só assim podia entender se com culpa grave ou erro grosseiro não tomou os cuidados devidos, sem averiguar do fundamento (de facto ou de direito) desse convencimento, incorreu na chamada “lide temerária”.
Já em relação à lide dolosa, ocorre quando a parte litiga sabendo não ter razão.
Hoje, ao invés do vigente no tempo deste Autor (e até à reforma de 95), litiga de má-fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado e prudência, bem assim com o dever de indagar a realidade em que funda a pretensão e faltou de forma grave a tais deveres.
A condenação como litigante de má fé pode ser, assim, imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição "cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização.”, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/20/2014, no processo nº 1063/11.9TVLSB.L1.S1, in dgsi.pt.
No entanto, é claro que conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística.
Ora, in casu, demonstrado está que a Ré sabia que havia sido acordada uma avença e pelo valor reclamado e não obstante alegou o seu desconhecimento.
Mais, para esse efeito, truncou/tapou dizeres decorrentes do seu lançamento na sua contabilidade.
Ora, perante essa sua actuação, inexistem dúvidas, que a Ré alegou factos que sabia serem falsos, invocando o desconhecimento de um acordo firmado que bem sabia existir, adulterando até elementos documentais que o demonstravam.
Perante o exposto, considera-se ocorrer um desrespeito do interesse público pelo processo, pelo tribunal e pela justiça.
Assim, perante a demonstrada conduta, dado que bem sabia de um acordo e ser, como tal e a esse título, devido o valor reclamado, ao vir alegar desconhecer essa realidade, indo mesmo ao ponto de adulterar a respectiva documentação de suporte que o revelava, actua de forma ilícita, deturpando e omitindo, o dever de verdade, visando subtrair-se, de forma reprovável, à acção da justiça que levaria de per si a condená-la no pedido formulado a esse título.
Como tal, deve ser condenada a Ré como litigante de má fé, em 5 UC’s de multa e em indemnização à parte contrária a fixar nos termos do art. 543.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil.
Já em relação à mandatária da Ré, não resulta dos factos ter tido qualquer responsabilidade pessoal e directa nos actos pelos quais se revelou a má-fé na causa que levou à condenação da respectiva parte, pelo que, nessa parte, tem o recurso subordinado de improceder.
Nestes termos, é, pois, de julgar improcedente o recurso instaurado pela Ré e parcialmente procedente o recurso subordinado, confirmando, como tal, a decisão proferida em parte.
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III-Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o recurso instaurado pela Ré e parcialmente procedente o recurso subordinado, confirmando, como tal, a decisão proferida com excepção na parte em que absolve a Ré da litigância de má fé que, nessa parte, se revoga, indo, consequentemente, condenada, a esse título, na multa de 5UC’s e em indemnização à parte contrária a fixar nos termos do art. 543.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil.
Custas pela Ré/Recorrente, quanto ao seu recurso, e, em partes iguais pela A./Recorrente e Ré/Recorrida, quanto ao recurso subordinado.
Registe e notifique.
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Guimarães, 21.11.2024
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária, sem observância do novo acordo ortográfico, a não ser nas transcrições feitas que a ele atendam, e é por todos assinado electronicamente)