AUTORIDADE DE CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
Sumário


I - Tendo o tribunal enquadrado juridicamente, numa primeira ação, a entrega de 10.000,00 €, pelo aí réu à aí autora, como um cumprimento parcial da obrigação de aquele de pagar a esta a remuneração devida (43.050,00 €) no âmbito de um contrato de prestação de serviços celebrado entre eles, essa decisão impõe-se com força de autoridade de caso julgado numa segunda ação em que esse réu, agora autor, pretende que se qualifique juridicamente a entrega dos mesmos 10.000,00 € como sendo "por conta da mediação imobiliária" que essa autora, agora ré, iria realizar com o objetivo de vender dois imóveis seus (do agora autor).
II - Do reconhecimento desta autoridade de caso julgado não resulta, para o aqui autor, uma "violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da CRP".

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I
AA instaurou a presente ação declarativa, que corre termos no Juízo Local Cível de Braga, contra EMP01... Unipessoal L.da e BB, pedindo a condenação solidária dos réus "a pagarem ao Autor a quantia de Euros 10.000,00 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde junho de 2019, até integral pagamento, à taxa legal de 4%, ascendendo aqueles, nesta data, a Euros 533,00".
Alegou, em síntese, que o réu contactou-o dizendo-lhe ter um comprador para dois prédios seus (do autor), que esse comprador pagaria cerca de 1.000.000,00 € e que se propunha-se sinalizar a compra, entregando para o efeito a quantia de 500.000,00 € a título de sinal. O réu afirmou que teria de ir a ..., mas não tinha meios para suportar as despesas com a deslocação e a estadia. Por isso, solicitou-lhe o pagamento de 10.000,00 € por conta da mediação imobiliária. Esse pedido foi aceite e a 27 de fevereiro de 2019 entregou ao réu tal quantia em numerário.
Mais alegou que posteriormente o réu não voltou a dar notícias do comprador e a ré "não prestou quaisquer serviços tendentes à prossecução do objeto (venda) que supostamente já teria destinatário". Deste modo, "o montante de Euros 10.000,00 entrou, face ao exposto, na esfera jurídica dos RR. que por essa via enriqueceram à custa do empobrecimento do Autor. Em consequência o Autor tem direito à restituição da quantia despendida."
Os réus contestaram afirmando, em suma, que "não é verdade que tenha sido celebrado um contrato de mediação imobiliária entre o Autor e a 1.ª Ré ou com o 2.º Réu" e que "é absolutamente falso que a quantia de 10.000,00€ entregue à 1.ª Ré, na pessoa do seu gerente, o 2.º Réu, tenha sido por conta de uma comissão por mediação imobiliária". Essa quantia foi entregue à ré no âmbito de um outro contrato que celebrou com o autor, relacionado com a aquisição por parte deste dos dois imóveis identificados na petição inicial, no qual "ficou acordado entre a 1ª Ré (…) e o Autor que a remuneração à 1.ª Ré pelos seus serviços seria de 35.000,00€, acrescido de IVA".

A 26-5-2021 a Meritíssima Juiz proferiu o seguinte despacho:
"(…) analisando o pedido e causa de pedir destes autos e o já decidido – ainda não transitado em julgado – no processo n.º 105557/19...., que corre termos pelo Juízo Local Cível de Braga-J..., verificamos que a decisão ali proferida poderá influir na decisão a proferir nestes autos, veja-se que já se decidiu naquele processo que os 10.000,00 €, peticionados pelo A. nesta ação se destinaram à EMP01..., aqui R., para o pagamento parcial da prestação de serviços de leilão, razão pela qual, a transitar em julgado aquela decisão, por força do caso julgado ou da autoridade do caso julgado, sempre estará vedado ao aqui A. discutir novamente se esses 10.000,00 € eram ou não devidos às RR e , por maioria de razão, saber se lhe assiste o direito a receber essa quantia com base no instituto do enriquecimento injustificado.
No fundo, a manter-se o decidido no J..., a presente ação não poderá prosseguir sob pena de se ofender o caso julgado, nunca este tribunal poderá julgar e decidir questão já julgada por outro tribunal.
Nesta conformidade, decide-se determinar a suspensão da instância nos termos do disposto no artigo 272.º n.º 1 CPC."

Com a notícia de que já tinha transitado em julgado a decisão proferida no processo 105557/19...., retomou-se a marcha da presente lide tendo o Meritíssimo Juiz proferido a seguinte decisão:
"Pelo exposto, julgo improcedente a presente ação, por verificação da autoridade do caso julgado, e, consequentemente, absolvo os réus dos pedidos."

Inconformado com esta decisão, dela o autor interpôs recurso, findando a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

I – A douta decisão recorrida enformou-se no pressuposto erróneo de que a apreciação, na ação n.º 105557/19...., do pagamento de 10.000,00 € (objeto da presente ação) foi elemento influenciador da sentença ali proferida.
II – A condenação que consta do dispositivo daqueloutra sentença concedeu a totalidade do pedido, pelo que são errados e despropositados os pressupostos da decisão revidenda de ter sido "Por isso" (por aquele pagamento de 10.000,00 €) que a condenação se cifrou em 33.050,00 €; de que "a entrega de 10.000,00 € foi devidamente analisada e levada em conta na decisão proferida"; de que, "Na verdade, esse montante foi descontado ao valor que estava por liquidar por parte do aqui A.", "tendo o Tribunal atribuído relevância decisiva a esse facto na decisão que proferiu".
III – Aquele pagamento, em discussão nos presentes autos, não tem qualquer virtualidade de influenciar aqueloutra sentença, nem sequer se compreendia no objeto daqueloutra ação.
IV – Não se podem perder de vista as motivações das decisões proferidas a 10/7/2020 e a 3/12/2020 naquela ação n.º 105557/19.... (juntas aos presentes autos), nas quais claramente se revela as plenas autonomia e distinção entre aquela e esta ação, razão por que a reconvenção ali deduzida não foi admitida por razões substantivas.
V – Ao que, perante o decidido naqueloutra ação, o A. teve de intentar a presente.
VI – Não sendo lícito negar ao A. a tutela jurisdicional efetiva da sua pretensão naquela e nesta ação.
VII – A preocupação pelo respeito do caso julgado impunha ao Tribunal a quo era a observância das motivações aludidas na conclusão IV supra, perante as quais (e perante o cujo sentido decisório) se impõe a prossecução da presente ação.
VIII – A hermenêutica e os ensinamentos da jurisprudência e a doutrina citadas pelo A.-Recorrente na pronúncia de 5/2/2024 (articulado que se transcreveu e cujos fundamentos se deram por integralmente reproduzidos supra como alegações recursivas) foram frontalmente violados pela decisão revidenda quando acolhe, com autoridade de caso julgado, um facto provado daquela outra ação que não constituía causa de pedir nem pedido da mesma, portanto, não se circunscrevendo no objeto daquele litígio.
IX – E não só acolheu o facto e lhe deu autoridade de caso julgado que não tinha, como ainda lhe atribuiu valor extraprocessual para encontrar uma causa justificativa que inviabilizasse o instituto no qual se estriba a presente ação.
X – A assim entender, o Tribunal a quo procedeu a errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 580.º do CPC, pelo que deve a decisão em mérito ser revogada e ser substituída por douto acórdão que julgue inverificada a exceção de caso julgado.
XI – Quanto às inconstitucionalidades cautelarmente invocadas na pronúncia de 5/2/2024, o juízo sobre elas formulado é obliterante das arguições feitas, além de ostensivamente errado, porquanto da decisão que veio a ser proferida (e da qual agora se recorre) resulta precisamente a verificação das inconstitucionalidades suscitadas e dos fundamentos que subjazeram às arguições.
XII – E, por isso, cumpre arguir, agora à decisão recorrida:
a) a inconstitucionalidade da conjugação dos artigos 2.º e 266.º do CPC, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da CRP, quando interpretados no sentido de estar vedada a interposição de uma ação autónoma por exceção de caso julgado quando a reconvenção seja rejeitada por fundamentos substantivos;
b) a inconstitucionalidade da conjugação dos artigos 2.º e 580.º, n.º 1 do CPC, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da CRP, quando interpretado no sentido de estar vedada pela exceção de caso julgado a interposição de uma ação autónoma de outra por o fundamento da nova ação ter sido discutido noutra anterior, mas sem constituir o objeto daquele litígio; e ainda
c) a inconstitucionalidade da conjugação dos artigos 2.º e 580.º, n.º 1, do CPC, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da CRP, na dimensão normativa de um facto julgado provado numa ação, mas sem que constitua o pedido desta, poder ter valor de caso julgado numa outra ação, intentada posteriormente.
As rés não apresentaram contra-alegações.
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil[1], delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:
a) há autoridade de caso julgado;
b) ocorrem as inconstitucionalidades mencionadas na conclusão XII.
II
1.º
Para a decisão a proferir há que considerar o acima já descrito em sede de relatório e ainda que:
No processo 105557/19.... era autora a aqui ré e réu o aqui autor.
A aí autora alegou que prestou serviços ao aí réu na compra que este fez de dois imóveis e que acordaram que por esses serviços este lhe pagaria 35.000,00 €, acrescidos de IVA (43.005,00 €). Desse valor o aí réu somente pagou 10.000,00 €, pelo que a aí autora pediu a condenação deste no pagamento de 33.005,00, acrescidos de juros de mora.
Nesses autos julgou-se provado que:
"1. A autora dedica-se à prestação de serviços de atividade leiloeira.
2. No exercício da sua atividade, a 2 de Outubro de 2018, a autora celebrou com as proprietárias dos prédios que integram um conjunto conhecido por "Quinta ...", sito no lugar ..., da freguesia ..., concelho ..., um acordo escrito designado de "Contrato de Prestação de Serviços para Alienação de Ativos – Bens Móveis/Imóveis/Direitos" - cujo teor consta do doc. junto a fls. 32 e aqui se dá por integralmente reproduzido - , tendo desenvolvido diversas ações de promoção de venda desse conjunto de prédios.
3. Nos termos da Cláusula 4ª do referido acordo escrito, ficou convencionado entre a autora e as outras outorgantes que "(…) o pagamento da remuneração pela prestação dos serviços ora contratados será, salvo estipulação expressa em contrário, da responsabilidade do(s) adquirente(s) do(s) bem(s), conforme estipulado nas condições de venda da EMP01... (…)".
4. No decurso das diligências de promoção de venda dos prédios, o réu manifestou interesse em apresentar uma proposta de compra, o que fez.
5. Pelo facto de as vendedoras serem do relacionamento pessoal do réu, este passou a negociar diretamente com aquelas, na pessoa do seu representante, Dr. CC, Ilustre Advogado com escritório em ..., o preço de compra e venda e forma de pagamento.
6. Não obstante, ficou acordado entre a autora e réu que a remuneração devida pelos serviços prestados por aquela seria de € 35.000,00, acrescidos de IVA, nela ficando incluídos não só os serviços próprios da autora, mas também o pagamento dos honorários devidos ao Solicitador pelos serviços a prestar por este, designadamente, nas buscas junto dos serviços da Autoridade Tributária, dos serviços de registo predial e tribunais quanto à existência de quaisquer ónus ou encargos sobre os prédios, e ainda os serviços prestados com cancelamento de registos de ónus existentes, e registo a favor do novo proprietário, o aqui réu.
7. Concluídos que foram os serviços prestados, a autora emitiu a fatura n.º ...5, de 22/05/2019, no valor de € 43.050,00, com IVA incluído, e remeteu-a ao réu, que a recebeu em data não concretamente apurada, mas anterior a ../../2019.
8. Por conta dos serviços prestados, o réu pagou à autora a quantia de € 10.000,00.
9. O réu dedica-se à venda de inertes destinados à construção civil e à compra e venda de bens imobiliários, tendo adquirido os prédios em referência com o intuito de os revender."
Na sentença proferida no processo 105557/19.... decidiu-se:
"(…) condenar o réu a pagar à autora a quantia de € 33.050,00 (…), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados às taxas legais sucessivamente aplicáveis, resultantes do disposto no artigo 102.º § 5.º do Código Comercial e Portaria n.º 277/2013, de 26 de agosto, desde o dia ../../2019 e até efetivo e integral pagamento".
Nessa sentença afirmou-se, nomeadamente, que:
"(…) demonstrou-se também que o preço foi fixado por autora e réu em € 35.000,00, acrescidos de IVA, ou seja, no montante de € 43.050,00. Por conta deste montante o réu pagou já a quantia de € 10.000,00, pelo que, como peticionado, deverá liquidar o capital remanescente de € 33.050,00."
No acórdão que veio a ser proferido pelo STJ considerou-se que:
"Conforme consta da matéria de facto provada, factos 4, 5 e 6, das diligências de promoção de venda dos prédios, levadas a cabo pela autora, o réu manifestou interesse em apresentar uma proposta de compra, o que fez, mas, pelo facto de as vendedoras donas dos prédios serem do relacionamento pessoal do réu, este passou a negociar diretamente com elas, nomeadamente quanto ao preço e forma de pagamento. Ficando acordado entre a autora e réu que a remuneração devida pelos serviços prestados pela autora, incluindo o pagamento dos honorários devidos ao Solicitador pelos serviços a prestar por este, designadamente, nas buscas junto dos serviços da Autoridade Tributária, dos serviços de registo predial e tribunais quanto à existência de quaisquer ónus ou encargos sobre os prédios, e ainda os serviços prestados com cancelamento de registos de ónus existentes, e registo a favor do novo proprietário, seria no montante de € 35.000,00, acrescido de IVA e a cargo do réu.
Sendo que, por conta destes serviços prestados, o réu pagou à autora a quantia de € 10.000,00.
Verificou-se a substituição do contrato de prestação de serviços específicos de leilão por um normal contrato de prestação de serviços.
(…)
Temos que houve dois contratos em que a autora era parte. Um primeiro contrato de leilão celebrado entre a autora e as donas dos prédios (clientes) e um contrato que substituí aquele, um contrato de prestação de serviços celebrado entre a autora e o réu.
E este segundo contrato é um contrato novo e celebrado com partes diferentes do primeiro (os sujeitos em cada relação jurídica contratual são distintos) e não um mero adicional ou aditamento. E neste segundo contrato a autora não estava a agir na sua qualidade de leiloeira, nem no exercício de atividade leiloeira, embora fosse acordado que estavam englobados os serviços que a autora prestou enquanto exerceu aquela atividade a favor das donas dos prédios (clientes)."
Na ação 105557/19.... o aí réu deduziu reconvenção onde, alegando no essencial o que alega agora na petição inicial, pedia a condenação da aí autora no pagamento de 10.000,00 €, acrescidos de juros.
Mas essa reconvenção não foi admitida.
2.º
Como se viu, o tribunal a quo absolveu os réus do pedido "por verificação da autoridade do caso julgado", em virtude do decidido na ação 105557/19.....
Segundo o Meritíssimo Juiz:
«A identidade de partes em duas ações afere-se, pois, pela identidade de litigantes titulares da relação jurídica material controvertida ajuizada. No caso dos autos, verifica-se que as partes coincidem parcialmente com as da ação que correu termos no J..., com a nuance de aqui também ser demandado o réu BB, que naquela ação não teve intervenção.
Ainda assim, nestes autos, a causa de pedir prende-se com a alegada entrega aos RR, sem causa justificativa, da quantia, da quantia de 10.000,00 €, fundando-se no instituto do enriquecimento sem causa.
(…)
Ora, no âmbito do processo n.º 105557/19...., que correu termos pelo J..., deste Tribunal, resultou provado que a entrega de 10.000,00 € foi devidamente analisada e levada em conta na decisão proferida.
Com efeito, decidiu o Tribunal que a referida entrega foi efetuada por conta do preço a pagar pelo ali R., à EMP01..., Unipessoal, Ldª, ali A. e aqui R..
Na verdade, esse montante foi descontado ao valor que estava por liquidar por parte do aqui A. àquela entidade, condenando-o apenas no pagamento do remanescente.
Essa questão ficou perfeitamente esclarecida na sentença proferida naqueles autos: "Ficou ainda demonstrado que por conta daquele montante acordado o Réu pagou já a quantia de € 10.000,00, pelo que, tal como decidido em 1ª Instância terá de liquidar o capital remanescente de € 33.050,00, a que acrescem os juros de mora…".
Ou seja, já existe pronúncia definitiva do Tribunal sobre a origem/causa da entrega desse montante. De facto, não só resulta da anterior ação um facto a julgar provada a causa da entrega dessa quantia, como desse facto se extraiu uma conclusão na apreciação jurídica da questão, e subsequentemente na sentença proferida, tendo o Tribunal atribuído relevância decisiva a esse facto na decisão que proferiu, invalidando nova discussão sobre a matéria.
Por esse motivo, essa questão não pode ser novamente apreciada.
(…)
Por isso, não pode o aqui A. por via de uma nova ação querer que o Tribunal altere a decisão já proferida num outro processo verificando-se a autoridade do caso julgado sobre a matéria. Isto é, naquela ação ficou claro que existiu uma causa para a entrega dos dez mil euros. Por isso, não pode o aqui autor, ali réu, numa nova ação, peticionar que se reconheça que essa entrega ocorreu sem qualquer causa justificativa, pois a apreciação subsequente da questão violaria a autoridade do caso julgado da decisão anterior.»

Vejamos.
"O caso julgado produz um efeito positivo e um efeito negativo:
- O efeito positivo é a autoridade de caso julgado: o tribunal posterior fica vinculado ao decidido pelo tribunal anterior (quase sempre sobre uma questão prejudicial para o julgamento da segunda ação);
- O efeito negativo é a exceção de caso julgado: o tribunal posterior não pode voltar a julgar, entre as mesmas partes, o que já foi julgado pelo tribunal anterior; esta exceção é uma exceção dilatória nominada (art. 577.º, al. i), CPC)."[2]
Deste modo, "a delimitação entre as duas figuras poderá assim estabelecer-se da seguinte forma, consoante Miguel Teixeira de Sousa, O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, Bol. 325/159 a 179:
- se no processo subsequente nada há de novo a decidir relativamente ao decidido no processo precedente (os objetos de ambos os processos coincidem integralmente, já tendo sido, na íntegra, valorados) verifica-se a exceção de caso julgado;
- se o objeto do processo precedente não esgota o objeto do processo subsequente, ocorrendo relação de dependência ou de prejudicialidade entre os dois distintos objetos, há lugar à autoridade ou força de caso julgado; assim, o objeto da primeira decisão tem de constituir questão prejudicial na segunda ação, pressuposto necessário da decisão de mérito (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código Anotado, 2.º, 2ª ed., pg. 354).
Ou seja: para existir exceção de caso julgado, o objeto das duas ações deve ser idêntico; para existir autoridade de caso julgado, o objeto das duas ações deve ser diverso, embora o objeto de uma delas deva ser prejudicial do objeto da outra.
(…)
Ao invés, a autoridade de caso julgado opera positivamente na definição do direito, relevando em matéria de mérito da ação, contribuindo para a procedência ou para a improcedência do pedido."[3]
Por outro lado, «como defende Antunes Varela, in, Manual de Processo Civil, 1984, página 697 "Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final". Outrossim, e no mesmo sentido, Teixeira de Sousa, in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, página 577 "os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado"; defendendo, mais adiante, na página 579 "(…) justifica o disposto no artº 96.º, n.º 2 (do anterior Código de Processo Civil condizente ao atual art.º 91º.), sobre a apreciação incidental: pode inferir-se desse preceito que, se só a apreciação incidental possibilita que os fundamentos da decisão adquiram valor de caso julgado fora do processo respetivo, é porque tais fundamentos não possuem em si mesmos esse valor:- "Portanto, pode afirmar-se que os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado […]. Esses fundamentos não valem por si mesmos, não são vinculativos quando desligados da respetiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta. "Tal como, DD, in, A Sentença entre a Autoridade e a Prova, páginas 114 e seguintes "(…) perspetivando-se no âmbito do valor probatório da sentença, enquanto documento público, os factos apreciados num processo não se impõem noutro processo, porque a sentença prova plenamente a realização do julgamento (dos atos praticados pelo juiz), mas não quanto à realidade dos factos dados como provados.»[4]
No nosso caso é manifesto que o pedido e a causa de pedir no processo 105557/19.... são diversos do pedido e da causa de pedir dos presentes autos[5]. Porém, a autoridade de caso julgado não exige a verificação da tríplice identidade a que se reporta o artigo 581.º[6].
A autoridade de caso julgado pressupõe que "a decisão de determinada questão - proferida em ação anterior (…) se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda"[7]. E, justamente por isso, a autoridade de caso julgado impede que tal questão seja de novo discutida, de forma a evitar que "uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença"[8].
Ora, as questões colocadas e conhecidas pelo tribunal no processo 105557/19.... consistiram, essencialmente, na averiguação da existência de um negócio jurídico, celebrado entre a aí autora e o aí réu, relacionado com a aquisição de dois imóveis, em que se estabeleceu que pela atividade daquela este lhe pagaria 35.000,00 € acrescidos de IVA (43.050,00 €) e, em caso afirmativo, se esta obrigação se encontrava cumprida apenas em parte, pelo pagamento de 10.000,00 €.
A essas questões respondeu-se afirmativamente.
Na verdade, no processo 105557/19.... o tribunal concluiu que no contrato celebrado entre a aí autora e o aí réu, que foi qualificado como "um normal contrato de prestação de serviços", o valor a pagar por este àquela era de 43.050,00 €. Porém, também se entendeu que já não era essa a quantia em dívida, pois, entretanto, havia sido efetuado um pagamento de 10.000,00 €. E é alicerçado neste pressuposto que a aí autora pediu e o tribunal condenou o aí réu a "liquidar [somente] o capital remanescente de € 33.050,00".
Fica subentendido que se a aí autora não tivesse alegado e provado que ocorrera um pagamento parcelar de 10.000,00 €, o seu pedido e a condenação do tribunal ascenderia aos 43.050,00 €. É assim claro que o cumprimento parcial que o tribunal entendeu ter ocorrido condicionou a sua decisão, na medida em que, por causa dele, a condenação se situou nos 33.050,00 €[9].
Portanto, o que temos perante nós no processo 105557/19.... não é unicamente o facto 8 dos factos provados; é ainda o efeito jurídico que dele se retirou, ao integrar os 10.000,00 € na prestação devida pelo aí réu à aí autora, decorrente do contrato de prestação de serviços celebrado entre eles, moldando-se a decisão em função desse enquadramento jurídico.
3.º
Nos presentes autos o autor pretende que se qualifique a entrega dos mesmos 10.000,00 € como sendo "por conta da mediação imobiliária"[10], pois alega que tinha sido "contactado pelo 2º Réu, transmitindo-lhe que teria um comprador para os prédios" que ele (o autor) adquirira nos termos descritos no processo 105557/19....[11]. À luz da causa de pedir que o autor apresenta na nossa ação, pese embora não o diga com a clareza desejável, terá sido celebrado um contrato de mediação imobiliária, pelo qual a ré iria promover a venda desses dois prédios a um "comprador [que] pagaria cerca de 1.000.000,00 Euros (…) pelos bens imóveis (…), [que] era oriundo do Ásia e propunha-se sinalizar a compra, entregando para o efeito ao Autor a quantia de Euros 500.000,00, a título de sinal"[12].
Fica, por conseguinte, evidente que da petição inicial resulta que a entrega dos mesmos 10.000,00 € não se insere no contrato de prestação de serviços, tal como foi decidido no processo 105557/19...., mas sim num outro negócio jurídico.
Deste modo, a prevalecer esta tese do autor, como não há uns segundos 10.000,00 €, no contrato de prestação de serviços que foi objeto do processo 105557/19...., afinal não teria havido um cumprimento parcial da obrigação do agora autor pagar à agora ré 43.050,00 €, que aí se reconheceu ter tido lugar. Neste novo cenário a entrega dos 10.000,00 € seria alvo de um enquadramento jurídico diverso do operado no processo 105557/19...., dado que teria de se entender que ela consistia numa antecipação de uma parte da remuneração que, por força do contrato de mediação imobiliária, a final seria devida pelo autor à ré[13].
Há, desta forma, uma clara incompatibilidade entre a qualificação jurídica da entrega dos 10.000,00 € a título de pagamento parcial da obrigação decorrente do contrato de prestação de serviços e o enquadramento jurídico dessa mesma entrega como sendo por conta da remuneração devida no âmbito de um contrato de mediação imobiliária. A vencer a versão do autor haveria uma manifesta contradição entre o que aqui seria decidido e a decisão já proferida no processo 105557/19....; as duas soluções não são conciliáveis.
"A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere no objeto da ação posterior; visa obstar a que a situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença."[14]
Ora, a decisão proferida no processo precedente insere-se no objeto do processo subsequente, na medida em que neste está em causa a entrega dos 10.000,00 € que naquele se qualificou como sendo um cumprimento parcial da obrigação do agora autor para com a agora ré, emergente do contrato de prestação de serviços por eles celebrado. A sentença deste segundo processo, a impor-se a tese do autor, definiria de modo diverso o decidido no primeiro, gerando, como se disse, uma situação de incompatibilidade entre as duas decisões.
Aqui chegados, acompanhamos o Meritíssimo Juiz a quo quando concluiu pela existência de autoridade de caso julgado.
4.º
Na perspetiva do autor, a aceitação da autoridade de caso julgado implica a "violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da CRP"[15] por:
- "estar vedada a interposição de uma ação autónoma por exceção de caso julgado quando a reconvenção seja rejeitada por fundamentos substantivos";
- "o fundamento da nova ação ter sido discutido noutra anterior, mas sem constituir o objeto daquele litígio";
- "um facto julgado provado numa ação, mas sem que constitua o pedido desta, poder ter valor de caso julgado numa outra ação, intentada posteriormente".
Será assim?
«O Tribunal Constitucional tem ampla jurisprudência sobre o direito fundamental de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da Constituição.
De acordo com essa jurisprudência «o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas» (cfr. Acórdão n.º 839/2013).
O artigo 20.º da Constituição garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente legítimos, impondo igualmente que esse direito se efetive – na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz – através de um processo equitativo (n.º 4).
Como o Tribunal Constitucional tem sublinhado, "o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (Acórdão n.º 86/88 […]. Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a uma das partes de "deduzir as suas razões (de facto e de direito)", de "oferecer as suas provas", de "controlar as provas do adversário" e de "discretear sobre o valor e resultados de umas e de outras" (entre muitos outros, o Acórdão n.º 1193/96)» (cfr. Acórdão n.º 186/2010, ponto 2).»[16]
Este direito de ação, "no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional", concretizou-se no nosso caso quando o autor instaurou o presente processo em que, com os fundamentos, de facto e de direito, que expõe, formula o seu pedido. E a circunstância de nestes autos se concluir que a pretensão do autor não pode ser acolhida por haver autoridade de caso julgado, não se traduz num impedimento ou violação do seu direito de ação, sob pena de, então, o caso julgado, quer na sua vertente positiva quer na negativa, não poder produzir efeitos em futuras ações.
E na situação sub iudice a autoridade de caso julgado que se verifica não tem relação alguma com o facto de não ter sido admitida a reconvenção que o aqui autor deduziu no processo 105557/19..... Ela sempre ocorreria se essa reconvenção não tivesse sido aí apresentada.
Se decorre da autoridade de caso julgado que "a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou noutros tribunais"[17], se ela "pressupõe que a decisão de determinada questão - proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda - não possa voltar a ser discutida"[18], isso, como é óbvio, implica "a procedência ou (…) a improcedência do pedido"[19] formulado na segunda ação.
Portanto, a absolvição dos réus do pedido, em virtude da autoridade de caso julgado, não tem por subjacente o indeferimento da reconvenção deduzida processo 105557/19...., mas sim a necessária improcedência do direito invocado pelo autor em virtude do que já foi decidido nesses autos.
Ao contrário do que afirma o autor, não se interpretou os "artigos 2.º e 580.º, n.º 1 do CPC (…) no sentido de estar vedada pela exceção de caso julgado a interposição de uma ação autónoma de outra por o fundamento da nova ação ter sido discutido noutra anterior, mas sem constituir o objeto daquele litígio" nem "na dimensão normativa de um facto julgado provado numa ação, mas sem que constitua o pedido desta, poder ter valor de caso julgado numa outra ação, intentada posteriormente".
Em primeiro lugar, como já se deu nota, integra-se no objeto do primeiro processo a qualificação jurídica do facto, reconhecido pelas partes, de o aqui autor ter entregado à aqui ré a quantia de 10.000,00 €. Se na presente ação se quer discutir, uma segunda vez, qual é o enquadramento jurídico desse facto, conclui-se que este "fundamento da nova ação" constituiu "objeto daquele [primeiro] litígio".
Em segundo lugar, a autoridade de caso julgado radica, não num "facto julgado provado numa ação", mas sim na qualificação jurídica que aí se operou com base nesse e noutros factos.
Em terceiro lugar, o processo equitativo, que o artigo 20.º da Constituição da República impõe, implica "a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas."[20] O princípio da equitatividade «é densificado por vários subprincípios, entre os quais se conta o direito de defesa e direito ao contraditório, traduzido na possibilidade de cada uma das partes apresentar a sua versão e os seus argumentos, de facto e de direito, oferecer provas e pronunciar-se sobre os argumentos e material probatório carreado pela parte contrária, antes da prolação da decisão sobre o litígio. Corresponde, pois, tal direito a uma garantia de equilíbrio e de igualdade de armas entre os litigantes, que veem constitucionalmente assegurada a possibilidade de exercerem influência efetiva no desenvolvimento do processo, que se pretende que conduza a uma decisão materialmente justa do litígio.»[21]
Desta forma, "a vinculação a uma decisão transitada em julgado exige que os titulares de relações juridicamente afetáveis tenham tido a oportunidade de nela influir: é este o fundamento do princípio do contraditório (…) que justifica a oponibilidade relativa do caso julgado"[22].
Ora, quanto à qualificação jurídica da entrega dos 10.000,00 €, o direito de defesa e o direito ao contraditório do aqui autor foi-lhe plenamente assegurado[23] no primeiro processo, quando então se encontrava na posição de réu.
Como é sabido, "a negação dos factos integradora da impugnação pode ser uma negação direta (frontal, rotunda, completa) ou ser apenas uma negação indireta (qualificada ou per positionem). O réu, neste último caso, reconhece a realidade dos factos (ou parte deles) invocados pelo autor, mas dá-lhes uma versão diferente, contrariando assim a verificação dos factos constitutivos do direito do autor."[24] Com efeito, na impugnação indireta ou motivada "o réu afirma que as coisas se passaram de modo parcialmente diverso e com outra significação jurídica (p. ex.: o réu declara ter recebido determinada quantia em dinheiro, reclamada pelo autor, mas a título de liberalidade e não de empréstimo)."[25]
Segundo o autor os 10.000,00 € que entregou à ré foram "por conta da mediação imobiliária"; não por causa de serviços que esta lhe prestou aquando da compra de dois imóveis.
Sendo esta a sua visão das coisas, no processo 105557/19.... o aqui autor, independentemente de poder ou não deduzir reconvenção, tinha a possibilidade de, em sede de impugnação, não se limitar a negar a alegação da aqui ré de que o auxiliou na compra dos dois prédios e de que por esses serviços era devida uma determinada remuneração. Pois era-lhe permitido ir mais além e socorrer-se da impugnação motivada, alegando que, não obstante ter havido uma entrega de 10.000,00 €, esta ocorreu num outro contexto, isto é, no âmbito de uma mediação imobiliária para a venda, pelo autor, desses mesmos dois bens; ou seja, a título de impugnação podia alegar os factos que alegou por via de reconvenção.
E nesse processo o aqui autor teve oportunidade de oferecer a prova que considerou relevante. Note-se, por exemplo, que na audiência de julgamento foi ouvido o seu depoimento, bem como o de três testemunhas por si arroladas. Também requereu a suspensão dessa instância, até estar decidida esta nossa ação, pedido esse que foi indeferido[26].
Veja-se que na sentença proferida no processo 105557/19.... o Meritíssimo Juiz afirmou que:
"O réu nada confessou em depoimento de parte. Em declarações manteve a versão vertida na oposição, incluindo a parte que fundava o pedido reconvencional, ou seja, que teria adiantado os € 10.000,00 em numerário ao gerente da autora, mediante a perspetiva de um negócio "chorudo" que aquele lhe tinha prometido, quantia essa que se destinava a custear as despesas que o BB teria com a sua deslocação a ..., para contactar com um suposto comprador chinês.
Estas declarações do réu, assim como todas as outras que produziu em audiência, relevaram-se muito pouco verosímeis e credíveis. Bem mais credíveis, já se disse, foram as declarações de parte produzidas pelo legal representante da autora, o referido BB. Desde logo porque se mostraram coerentes, sem contradições ou tibiezas, avançou ou recuos – o mesmo não podendo dizer-se das declarações prestadas pelo réu."
Através da prova que apresentou nesses autos, nomeadamente testemunhal, o aqui autor teve ensejo de então convencer o tribunal de que a entrega dos 10.000,00 € não ocorreu pelos motivos que a aqui ré havia alegado. E se o conseguisse fazer, naturalmente que o tribunal não teria julgado provado o facto 8, pelo menos no contexto e precisos termos em que o fez. Nesse caso, isto é, sem estar provado o facto 8, não se teria efetuado o enquadramento jurídico que depois foi feito da entrega dos 10.000,00 € e não estaríamos agora na presença da autoridade de caso julgado, o mesmo é dizer que o pedido formulado nos presentes autos não se encontraria, por essa razão, votado ao insucesso.
Por conseguinte, não houve limitação alguma ao exercício de qualquer direito do autor, designadamente do acesso ao direito ou do contraditório, o que não quer dizer que o decidido num processo não possa comprometer o sucesso de uma pretensão apresentada numa outra ação. Do reconhecimento da autoridade de caso julgado, no contexto acima descrito, não resulta, para o autor, uma "violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da CRP".
Aqui chegados, conclui-se que não ocorrem as inconstitucionalidades arguidas pelo autor.

III
Com fundamento no atrás exposto julga-se improcedente o recurso, pelo que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelo autor.
Notifique.


António Beça Pereira
Ana Cristina Duarte
António Figueiredo de Almeida


[1] São deste código todos os artigos adiante mencionados sem qualquer outra referência.
[2] Teixeira de Sousa, Comentário de 2-3-2023 no Blog do IPPC, https://blogippc.blogspot.com.
[3] Ac. STJ de 14-10-2021 no Proc. 251/13.8TBPTB-C.G1.S1, www.dgsi.pt.
[4] Ac. STJ de 20-11-2019 no Proc. 62/07.0TBCSC.L3.S1, www.gde.mj.pt.
[5] No processo 105557/19.... o núcleo da causa de pedir é constituído por factos que se traduzem num contrato de prestação de serviços celebrado entre a aí autora e o aí réu, no âmbito da aquisição por parte deste de dois imóveis. Já o da causa de pedir desta ação consiste em factos que são suscetíveis de corresponder a um contrato de mediação imobiliária, que tem por objeto a venda dos mesmos dois prédios.
[6] Neste sentido veja-se os Ac. STJ de 23-11-2011 no Proc. 644/08.2TBVFR.P1.S1, de 21-03-2013 no Proc. 3210/07.6TCLRS.L1.S1, de 15-1-2013 no Proc. 816/09.2TBAGD.C1.S1, de 30-3-2017 no Proc. 1375/06.3TBSTR.E1.S1, de 27-2-2018 no Proc. 2472/05.8 TBSTR.E1, de 13-7-2022 no Proc. 176/21.3BEBRG.G1 e Ac. STJ de 12-12-2023 no Proc. 141/21.0YHLSB-A.L1.S1, todos em www.dgsi.pt.
[7] Ac. STJ de 5-12-2017 no Proc. 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1, www.dgsi.pt.
[8] Ac. STJ de 27-9-2023 no Proc. 711/21.7T8FNC.L1.S1, www.gde.mj.pt.
[9] É certo que foi esse o valor pedido pela aí autora, pelo que o tribunal não podia condenar em mais. Mas esse pedido não terá ido além dos 33.050,00 € por a aí autora ter alegado que já lhe tinham sido pagos 10.000,00 €.
[10] Não se percebe como é que depois o autor pede a restituição dos 10.000,00 € a título de enriquecimento sem causa, visto que este pressupõe, para além do mais, "que o enriquecimento não tenha causa justificativa", Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª Edição, Reimpressão, pág. 195.
[11] Cfr. artigos 20.º e 27.º da petição inicial.
[12] Cfr. artigos 21.º, 23.º e 24.º da petição inicial.
[13] Nessa hipótese o agora autor, então, ainda devia à agora ré 10.000,00 € do preço do contrato de prestação de serviços, visto que nesse caso, afinal, não tinha acontecido um pagamento parcial nesse montante.
[14] Ac. STJ de 27-2-2018 no Proc. 2472/05.8 TBSTR.E1, www.gde.mj.pt.
[15] Cfr. conclusão XII.
[16] Ac. Tribunal Constitucional 251/2017, www.tribunalconstitucional.pt.
[17] Ac. STJ de 30-3-2017 no Proc. 1375/06.3TBSTR.E1.S1, www.gde.mj.pt.
[18] Ac. STJ de 5-12-2017 no Proc. 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1, www.gde.mj.pt.
[19] Ac. STJ de 14-10-2021 no Proc. 251/13.8TBPTB-C.G1.S1, www.gde.mj.pt.
[20] Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, pág. 439.
[21] Ac. Tribunal Constitucional 434/2011, www.tribunalconstitucional.pt.
[22] Ac. STJ de 12-12-2023 no Proc. 141/21.0YHLSB-A.L1.S1, www.gde.mj.pt.
[23] Se aí exerceu convenientemente esses direitos é outra questão.
[24] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição. pág. 288.
[25] Henrique Araújo, A Matéria de Facto no Processo Civil, 30-4-2009, www.trp.pt.
[26] Cfr. documento n.º 1 junto pelos réus com a contestação.