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EMPREITADA
MODIFICAÇÃO DO CONTRATO
AUMENTO DO PREÇO
EXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO
Sumário
1 – O artigo 1214º do CCiv regula as alterações ao plano convencionado feitas por iniciativa do empreiteiro sem autorização do dono da obra. Caso as alterações ao plano convencionado decorram de certas razões objetivas que as tornam necessárias ou sejam exigidas pelo dono da obra, são aplicáveis as disposições dos artigos 1215 e 1216º do CCiv. 2 – Se o empreiteiro pretender fazer alterações ao plano convencionado, deve dirigir uma proposta nesse sentido ao dono da obra. Caso este aceite, opera-se uma modificação do contrato; caso o empreiteiro não obtenha o consentimento do dono da obra, esta será tida como defeituosa, mas este pode aceitá-la como foi executada, sem ficar obrigado a qualquer aumento de preço ou a uma indemnização por enriquecimento sem causa. 3 – Se das alterações ao plano convencionado da iniciativa do empreiteiro resultar um aumento do preço global fixado para a obra, para que o empreiteiro tenha direito ao aumento do preço, têm de estar preenchidos dois requisitos: a) que a autorização do dono da obra revista forma escrita; b) que desta autorização conste a indicação do valor do aumento. 4 – Tendo as alterações que motivaram o aumento do preço global da obra sido exigidas pela autora, enquanto dona da obra, é aplicável o disposto no artigo 1216º do CCiv e não o artigo 1214º do mesmo código. 5 – No nº 3 do artigo 1214º do CCiv consagra-se a faculdade de o dono da obra obstar à exigência pelo empreiteiro do aumento do preço decorrente das alterações ao plano convencionado da iniciativa deste, pagando apenas uma indemnização correspondente ao enriquecimento deste. Essa faculdade, enquanto exceção de direito material, é exercida aquando da exigência do pagamento por parte do empreiteiro. 6 – Pretendendo a autora obter a restituição do que supostamente pagou a mais à empreiteira e cuja exigibilidade então não questionou, é inaplicável o disposto no artigo 1214º, nº 3, do CCiv.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
1.1. EMP01..., Lda., intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum,contra EMP02..., Lda., formulando os seguintes pedidos:
«1. Ser a Ré condenada a devolver à Autora a quantia de € 13.083,61, ao abrigo do contrato de empreitada celebrado entre ambas; Em alternativa, 2. Ser a Ré condenada a restituir à Autora a quantia de € 13.083,61, a título de enriquecimento sem causa; 3. Ser a Ré condenada a pagar à Autora os juros à taxa legal, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento da quantia peticionada».
Para o efeito, alegou que a Autora solicitou junto da Ré um orçamento para o fornecimento e instalação de canalização e climatização em quatro moradias, tendo esta, em 02.11.2020, apresentado àquela um orçamento no valor de € 33.490,00, acrescido de IVA, o qual, posteriormente e por via de dois aditamentos, subiu para o valor de € 43.675,00, acrescido de IVA. Os trabalhos identificados no orçamento foram concluídos, tendo a Autora pago à Ré a quantia de € 56.758,61, acrescida de IVA, pelo que tem direito a que lhe seja restituído o montante de € 13.083,61, ao abrigo do contrato ou, subsidiariamente, do instituto do enriquecimento sem causa.
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A Ré apresentou oposição, onde conclui pela sua absolvição do pedido, alegando essencialmente que foi combinado entre as partes que, para além dos serviços previstos no orçamento, a Ré forneceria à Autora quaisquer outros serviços ou materiais que se revelassem necessários no decurso da obra, debitando o seu custo. Tendo a Autora solicitado à Ré a execução de outros trabalhos à medida que as obras avançavam, esta forneceu os materiais e realizou os serviços solicitados, que faturou e que aquela pagou, tendo o contrato sido integralmente cumprido por ambas as partes, pelo que nada mais há a acertar.
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1.2. Dispensada a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, definiu-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, prolatou-se sentença, a julgar a ação improcedente e a absolver a Ré do pedido.
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1.3. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença, deduzindo as seguintes conclusões:
«1 – Discordamos da sentença recorrida na parte que refere que o contrato de empreitada foi integralmente cumprido, realizada a obra e pago o respectivo preço, extinguindo-se o vinculo contratual.
Senão vejamos:
1.1 - Do cotejo dos factos provados, ressalta evidência inultrapassável de contradição entre os mesmos, porquanto
1.2 - No facto 4 foi dado por provado que “No seguimento dessa solicitação, em 02.11.2020, a Ré apresentou à Autora um orçamento para a realização da obra referida em 3.”
1.3 - No facto 5 foi dado por provado que “Os trabalhos que a Ré se propôs a executar e que constavam do orçamento referido em 4 prenderam-se com a “rede de abastecimento de água”, “drenagem de águas residuais”, “loiças sanitárias”, “gás natural”, “pré instalação ar condicionado”, “águas pluviais coletores exteriores”, “águas pluviais”, “produção águas quentes aqs” e “electrobomba para águas residuais”.
1.4 - No facto 36 o Tribunal refere que a factura ...15 corresponde a valor integralmente respeitantes a serviços não orçamentados.
1.5 Ora, existe contradição insanável entre os factos dados por provados 4, 5 e 36.
1.6 - Lido o descritivo da factura ...15 a mesma refere instalação de gás natural em cobre, incluindo termo de responsabilidade.
1.7 - Tais trabalhos foram orçamentados pela ré, cfr. pt 7.2 do orçamento/proposta fornecido pela ré e aprovado pela autora.
1.8 - Foram dados como provados no facto 5 “…/…gás natural”.
1.9 - Não são assim, de forma alguma, trabalhos não orçamentados.
1.10 - Mas se nos socorrermos dos descritivos das facturas n.º ...3 de 20/06/2021 e da factura n.º ...5 de ../../2021, juntas aos autos com a p.i., ambas referem e descrevem “duas instalações de tubo de gás natural”
1.11 - Pelo que somos levados a concluir que sendo quatro as casas a construir, os trabalhos de instalação de tubos de gás natural estão duplicados e pagos duas vezes pela autora.
Mais,
1.2 - Do descritivo da factura n.º ...15 refere o fornecimento de bomba eletrobomba para foça ... 26-11mA (4).
1.3 - Se nos socorrermos do facto provado 5 está expressamente previsto nos trabalhos iniciais e orçamentados o fornecimento de “…/… electrobomba para águas residuais”.
1.4 - Corresponde à verba 11 e 11.2 do orçamento inicial.
1.5 Assim sendo, estando tais trabalhos previstos e orçamentados na proposta inicial, como resulta dos factos provados, aceites por confissão, documentados e não impugnados, nunca se poderia ter dado como provado, como se deu que tais trabalhos correspondem a valores integralmente respeitantes a serviços não orçamentados.
1.6 - Este erro é ostensivo e inquina toda a sentença ao dar por duplicados trabalhos efectuados e pagos duas vezes pela autora e ao considerar trabalhos extra trabalhados incluídos na proposta que a autora já havia liquidado.
2 - O segundo ponto de discórdia com o sentenciado passa por estarmos perante um contrato de empreitada com preço global de € 43.675,00 referente ao valor inicialmente previsto de € 33.490,00 e orçamento com extras de € 10.185,00, o que perfaz um total de € 43.675,00
2.1 - Tal resulta do documento n.º 20 (pgs 30) não impugnado pela ré, da soma dos valores orçamentados e da declaração do gerente ao reconhecer a autoria desse documento e já faz referência à Declaração de Dezembro de 2021.
2.2 - Resulta que o preço da empreitada foi previamente fixado pela Ré e aceite pela autora – cfr. factos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 dados por provados.
2.3 - Estamos assim perante uma fixação de um preço global para a obra.
2.4 - Dispõe o n.º 3 do art. 1214º do Código Civil que “se tiver sido fixado um preço global e a autorização não tiver sido dada por escrito com fixação do preço, o empreiteiro só pode exigir do dono da obra uma indemnização correspondente ao enriquecimento deste”.
2.5 - Assim sendo, dos factos provados inexistem quaisquer autorizações escritas da autora à ré para fazer alterações ao plano convencionado, diga-se, à proposta de trabalhos orçamentados.
2.6 - Para além dos trabalhos convencionados, a Autora requereu a realização de trabalhos de pré instalação solar nos 4 imóveis e o fornecimento de ares condicionados para os mesmos imóveis e da pré-instalação solar, no valor global de € 43.675,00.
2.7- Assim sendo, somos levados a concluir inelutavelmente que a Autora pagou a mais o valor de € 13.083,61 pelo contrato de empreitada ou que a ré se enriqueceu deste valor, dado ter duplicado trabalhos na sua facturação e ter levado a extras trabalhos inicialmente previstos e que erroneamente o Tribunal fixou como trabalhos novos.
2.8 - Com o devido respeito, dados os factos provados, parece-nos que o art. 1215º e 1216º, constituindo tal matéria ónus de prova da ré.
Nestes termos e nos melhores de direito deve a decisão recorrida ser revogada e, consequentemente, ser substituída por uma outra que julgue procedente por provada a presente acção, julgando provado o presente recurso, como é de DIREITO E JUSTIÇA!»
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A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido.
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1.4. Questões a decidir
Atenta as conclusões do recurso, as quais delimitam o respetivo objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, mostram-se suscitadas as seguintes questões:
i) Existência de «contradição insanável entre os factos dados por provados 4, 5 e 36» – conclusões 1.1 a 1.11;
ii) Inexistência de autorização escrita da Autora para a Ré fazer alterações ao plano convencionado, correspondente à proposta de trabalhos orçamentados, e suas consequências – conclusões 2.1 a 2.5;
iii) Restituição à Autora da quantia de € 13.083,61 – conclusões 2.6 a 2.8.
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II – Fundamentos
2.1. Fundamentação de facto 2.1.1. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
«1- A Autora dedica-se ao comércio de promoção imobiliária (desenvolvimento de projetos de edifícios), construção de edifícios (residenciais e não residenciais), compra e venda de bens imobiliários, arrendamento de bens imobiliários, construção de outras obras de engenharia civil e atividades relacionadas.
2- A Ré dedica-se ao comércio de ferragens, ferramentas manuais e artigos para canalização e aquecimento, à instalação de canalização e de climatização e atividades relacionadas.
3- Em 2020, no exercício da sua atividade comercial, a Autora solicitou junto da Ré um orçamento para o fornecimento e instalação de canalização e climatização em 4 imóveis, constituídos em propriedade horizontal, sitos na Rua ..., ..., da freguesia ..., (...), concelho ....
4- No seguimento dessa solicitação, em 02.11.2020, a Ré apresentou à Autora um orçamento para a realização da obra referida em 3.
5- Os trabalhos que a Ré se propôs a executar e que constavam do orçamento referido em 4 prenderam-se com a “rede de abastecimento de água”, “drenagem de águas residuais”, “loiças sanitárias”, “gás natural”, “pré instalação ar condicionado”, “águas pluviais coletores exteriores”, “águas pluviais”, “produção águas quentes aqs” e “electrobomba para águas residuais”.
6- O valor acordado pela execução dos trabalhos referidos em 6 foi de € 33.490,00 (trinta e três mil quatrocentos e noventa euros), acrescido do IVA à taxa legal em vigor.
7- Posteriormente, a Autora requereu a realização de trabalhos de pré-instalação solar nos 4 imóveis e o fornecimento de ares condicionados para os mesmos imóveis.
8- O custo da pré-instalação solar era de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).
9- E o custo dos ares condicionados era de € 8.985,00 (oito mil novecentos e oitenta e cinco euros).
10- O que implicou a subida do preço para o valor de € 43.675,00 (quarenta e três mil seiscentos e setenta e cinco euros), acrescido do IVA à taxa legal em vigor.
11- Os trabalhos identificados no orçamento foram concluídos.
12- E as faturas quanto aos mesmos foram liquidadas pela Autora.
13- A Autora efetuou o pagamento das seguintes faturas:
− Fatura n.º ..., emitida em ../../2020, no valor de € 3.690,00 (€ 3.000,00 s/ IVA);
− Fatura n.º ...0, emitida em ../../2021, no valor de € 12.669,00 (€ 10.300,00 s/ IVA);
− Fatura n.º ...5, emitida em ../../2021, no valor de € 12.976,50 (€ 10.550,00 s/ IVA);
− Fatura n.º ...2, emitida em ../../2021, no valor de € 7.367,70 (€ 5.990,00 s/ IVA);
− Fatura n.º ...3, emitida em ../../2021, no valor de € 8.364,00 (€ 6.800,00 s/ IVA);
− Fatura n.º ...5, emitida em ../../2021, no valor de € 3.683,85 (€ 2.995,00 s/ IVA);
− Fatura n.º ...15, emitida em ../../2021, no valor de € 10.643,25 (€ 8.653,05 s/ IVA);
− Fatura n.º ...16, emitida em ../../2021, no valor de € 6.112.12 (€ 4.969,20 s/ IVA);
− Fatura n.º ...17, emitida em ../../2021, no valor de € 4.306,67 (€ 3.501,36 s/ IVA).
14- A Autora entregou à Ré a quantia de € 56.758,61 (cinquenta e seis mil setecentos e cinquenta e oito euros e sessenta e um cêntimos), acrescida do IVA à taxa legal em vigor.
15- Foi combinado, que para além dos serviços previstos no orçamento, a Ré forneceria à Autora quaisquer outros serviços ou materiais que se revelassem necessários no decurso da obra, debitando o seu custo.
16- A Autora, através do então sócio gerente, Arquitecto AA, solicitou a efectivação de diversos outros trabalhos à medida que as obras avançavam, trabalhos estes maioritariamente resultantes de alterações ao projeto inicial.
17- A Ré forneceu os materiais, levou a efeito os serviços solicitados, facturou-os e a Autora pagou-os.
18- A Autora pagou à Ré as facturas por esta emitidas e referidas em 13, porque todas correspondem a serviços solicitados, prestados e pagos.
19- A Ré entrou em obra e iniciou os serviços que estavam no orçamento inicial, mas verificou-se a necessidade de fazer trabalhos que não constavam do orçamento.
20- Trabalhos estes que provocaram até alterações de projecto, atenta a divergência relativamente ao projecto inicial.
21- Para a elaboração do orçamento inicial, a Autora entregou à Ré as plantas desenhadas de projectos de gás e de águas residuais e foram essas que serviram de base ao início dos trabalhos.
22- Porém, verificou-se a necessidade de fazer alterações ao projecto das águas residuais, pois as fossas estavam localizadas no edifício principal, na lavandaria, o que provocaria cheiros e transtornos vários aos moradores.
23- E, por isso, foram deslocadas para o exterior do edifício, onde foram feitos poços.
24- Esta alteração implicou que tivessem sido necessários muitos mais metros de tubagens e a colocação de bombas de elevação mais potentes que as previstas no projecto, atenta a distância a que estas passariam a estar localizadas.
25- Relativamente à rede de gás, a Ré fez os trabalhos de acordo com o projecto inicial, facturou-os e foram maioritariamente pagos.
26- Posteriormente, a Autora decidiu anular o fornecimento de gás à caldeira da lavandaria, ficando apenas a estrutura relativa ao fornecimento de gás ao fogão.
27- O que obrigou à eliminação da instalação já colocada na lavandaria e a fazer uma nova para a cozinha, com alteração da tubagem de 22mm para 18mm.
28- Entretanto, a Autora solicitou a deslocalização das lavandarias do local inicial para a despensa.
29- O que foi feito quando já estavam colocados no local inicial os materiais e tubagens em três moradias.
30- Nos aquecimentos, foram feitas alterações na pré-instalação para recuperadores de calor a lenha e para caldeiras a pellet e foram colocadas dezasseis chaminés em inox.
31- Em algumas das casas, foram ainda feitas as ligações da pré-instalação aos próprios recuperadores de calor já existentes no local.
32- E quase no final da obra, foi necessário proceder à colocação de válvulas redutoras de pressão, uma vez que a água da rede tinha pressão em excesso e podia provocar danos irreparáveis nas tubagens das moradias.
33- Tendo a Ré fornecido o material e mão-de-obra necessários para a realização de todos os trabalhos, que chegaram aos valores pagos pela Autora.
34- Cada vez que eram solicitadas alterações, as partes sabiam que teriam de ser pagas fora do orçamento e os respectivos preços eram acertados antes da sua realização, ainda que verbalmente.
35- Algumas destas alterações foram incluídas nas facturas que a Ré ia emitindo ao longo do tempo, no entanto, ficou desde logo combinado que, no final da obra seria feito o acerto de todos os valores que, entretanto, fossem devidos.
36- As facturas nºs ...15 e ...17 correspondem a valores integralmente respeitantes a serviços não orçamentados.»
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2.1.2. Factos não provados
O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos:
«Artigo 7.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “dois aditamentos ao orçamento, que correspondiam”. Artigo 14.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “a soma de todas as faturas identificadas supra ultrapassa o montante acordado a ser pago pela execução da obra”. Artigo 16.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “o montante orçamentado era de € 43.675,00 (quarenta e três mil seiscentos e setenta e cinco euros), acrescido do IVA à taxa legal em vigor”. Artigo 17.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “a Autora pagou a mais € 13.083,61 (treze mil oitenta e três euros e sessenta e um cêntimos)”. Artigo 22.º da Contestação – Na parte em que se diz “de 18mm para 22mm”.»
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2.2. Do objeto do recurso 2.2.1. Da contradição entre factos provados
A Recorrente sustenta que existe contradição insanável entre os factos dados por provados sob os nºs 4, 5 e 36.
Nesses três pontos de facto o Tribunal a quo considerou provado:
- 4- No seguimento dessa solicitação, em 02.11.2020, a Ré apresentou à Autora um orçamento para a realização da obra referida em 3.
- 5- Os trabalhos que a Ré se propôs a executar e que constavam do orçamento referido em 4 prenderam-se com a “rede de abastecimento de água”, “drenagem de águas residuais”, “loiças sanitárias”, “gás natural”, “pré instalação ar condicionado”, “águas pluviais coletores exteriores”, “águas pluviais”, “produção águas quentes aqs” e “electrobomba para águas residuais”.
- 36- As facturas nºs ...15 e ...17 correspondem a valores integralmente respeitantes a serviços não orçamentados.
A alegada contradição assenta em dois núcleos argumentativos que partem da circunstância de no ponto de facto nº 36 se ter dado como provado que a fatura nº ...15, emitida pela Ré, corresponde a valor integralmente respeitante a serviços não orçamentados.
A tese da Recorrente é a de que na aludida fatura nº ...15 constam serviços que já estavam previstos no orçamento apresentado pela Ré em 02.11.2020, apontando apenas dois casos.
Por um lado, alega que a fatura nº ...15 refere-se, além do mais, a instalação de gás natural em cobre, incluindo termo de responsabilidade e que tais trabalhos estavam previstos no item 7.2 do orçamento. Acrescenta que tanto a fatura nº ...3, de 20.06.2021, como a fatura nº ...5, de 17.06.2021, referem e descrevem “duas instalações de tubo de gás natural”, pelo que «sendo quatro as casas a construir, os trabalhos de instalação de tubos de gás natural estão duplicados e pagos duas vezes pela autora.» Como no ponto 5 se refere que os trabalhos que a Ré orçamentou e se propôs executar «prenderam-se com (…) “gás natural”», daí resultaria uma contradição com o ponto 36, na parte em que aí se considera provado que a fatura nº ...15 corresponde a valores integralmente respeitantes a serviços não orçamentados.
Por outro lado, sustenta que a fatura nº ...15 refere, ainda, o fornecimento de eletrobomba para fossa ... 26-11MA (4) e que tal fornecimento «corresponde à verba 11 e 11.2 do orçamento inicial». Como no ponto 5 se refere que«os trabalhos que a Ré se propôs a executar e que constavam do orçamento referido em 4 prenderam-se com (…) a “electrobomba para águas residuais”», isso representaria uma contradição com o ponto 36, na parte em que aí se considera provado que a fatura nº ...15 corresponde a valores integralmente respeitantes a serviços não orçamentados.
Apreciada a argumentação da Recorrente e realizado o seu confronto com a matéria de facto provada, concluímos inexistir a apontada contradição entre pontos de facto considerados provados.
A aparente desconformidade só se verificaria se entre o ponto nº 5 e o ponto nº 36, ambos dos factos provados, não existissem outros trinta factos que explicam o que efetivamente ocorreu no período que mediou entre a apresentação do orçamento e a emissão da fatura nº ...15, designadamente como se chegou à emissão dessa fatura, o acordo que lhe está subjacente, a realidade que a suporta e quais os trabalhos sobre que versa.
A título de enquadramento, estando já adquirido que a Autora solicitou posteriormente ao orçamento inicial a execução dos trabalhos e o fornecimento descritos nos pontos 7 a 9, subindo o preço para o valor de € 43.675,00 (acrescido de IVA), resultou provado, como consta do ponto 11, e a Recorrente não impugna na apelação, que todos «os trabalhos identificados no orçamento foram concluídos», designadamente aqueles que a Recorrente invoca no recurso, ou seja, os itens «7.2» (fornecimento e instalação de tubagens de cobre referentes à pré-instalação de ar condicionado; o ponto 7.2, ao contrário do afirmado pela Recorrente não respeita à tubagem do gás natural, que é a verba 6.2 e não a 7.2; por isso, vamos considerar que a Recorrente se estará a referir ao item 6.2 e que invocou por erro material o item 7.2) e 11.2. («fornecimento e montagem de electrobombas marca ... N 40,75») do orçamento inicial.
Mais, além de o Tribunal a quo ter dado como provado que foram executados os trabalhos previstos no orçamento inicial, sem que tenha sido alegada uma falta ou deficiente execução, a Autora procedeu ao pagamento do respetivo preço, após emissão das competentes faturas, as quais teve oportunidade de analisar e de confrontar com o orçamento e os trabalhos efetivamente realizados.
Neste enquadramento, a questão suscitada apenas consiste em saber se os trabalhos executados foram faturados duas vezes e se, em consequência, foram pagos em duplicado.
Posto isto, verifica-se que entre as partes foi acordado que, para além dos serviços previstos no orçamento, a Ré forneceria à Autora quaisquer outros serviços ou materiais que se revelassem necessários no decurso da obra, debitando o seu custo (ponto nº 15). E essa necessidade veio a ocorrer, pois a Autora, através do arquiteto AA, então seu sócio e gerente, solicitou a execução de diversos outros trabalhos à medida que as obras avançavam, trabalhos estes maioritariamente resultantes de alterações ao projeto inicial (ponto 16). Os materiais e serviços solicitados posteriormente à apresentação e aceitação do orçamento inicial foram efetivamente fornecidos e executados pela Ré, que os faturou e a Autora pagou o respetivo custo (ponto 17).
Portanto, está também demonstrado que os serviços e fornecimentos posteriormente solicitados foram realizados, pelo que, em face do que consta do ponto 17 dos factos provados, a fatura nº ...15 corresponde a serviços efetivamente prestados posteriormente à execução dos trabalhos previstos no orçamento, os quais a dona da obra deu como bons.
No que respeita especificamente às tubagens de gás natural, o que estava previsto no item 6.2 do orçamento era o «fornecimento e assentamento de caixa para contador no muro, incluindo passador de corte, ligação para fogão, ligação para esquentador, fixações, vistoria e termo de responsabilidade, acessórios e todos os trabalhos complementares, necessários à perfeita execução da tarefa» em quatro moradias, no valor de € 3.400,00.
Tal como resulta expressa e especificamente do ponto 25, relativamente à rede de gás, «a Ré fez os trabalhos de acordo com o projecto inicial, facturou-os e foram maioritariamente pagos».
Depois de executados, «a Autora decidiu anular o fornecimento de gás à caldeira da lavandaria, ficando apenas a estrutura relativa ao fornecimento de gás ao fogão» (ponto 26), «o que obrigou à eliminação da instalação já colocada na lavandaria e a fazer uma nova para a cozinha, com alteração da tubagem de 22mm para 18mm» (ponto 27).
Mais, «entretanto, a Autora solicitou a deslocalização das lavandarias do local inicial para a despensa» (ponto 28), «o que foi feito quando já estavam colocados no local inicial os materiais e tubagens em três moradias» (ponto 29).
Tendo «a Ré fornecido o material e mão-de-obra necessários para a realização de todos os trabalhos, que chegaram aos valores pagos pela Autora» (ponto 33), nenhuma duplicação está demonstrada no que respeita às tubagens de gás natural.
Passando agora a apreciar a específica questão relativa às eletrobombas, verifica-se que no orçamento inicial, sob o item 11.2., previa-se o «fornecimento e montagem de electrobombas marca ... N 40,75, incluindo fixações, acessórios e todos os trabalhos complementares necessários a perfeita execução da tarefa, nos seguintes diâmetros: Nota, não incluímos alimentação elétrica aos quadros» em quatro moradias, no valor global de € 1.800,00, acrescido de IVA.
Sucede que a fatura nº ...15 refere-se ao fornecimento de quatro eletrobombas para fossa, mas de uma marca e modelo diferentes, ou seja, «... 26-11MA» e não «... N 40,75».
Portanto, sendo as eletrobombas descritas na fatura nº ...15 diferentes das previstas no orçamento inicial, não se verifica qualquer contradição entre os pontos 4 e 5 (que se referem ao previsto inicialmente) e o ponto 36, na parte em que neste se alude à fatura nº ...15.
Repare-se que em lado algum foi invocado, e muitos menos resulta demonstrado, que as quatro eletrobombas «... 26-11MA», no valor global de € 2.740,00 (acrescido de IVA) e não de € 1.800,00 (que era o previsto inicialmente) não foram fornecidas. Pelo contrário, resulta do ponto 33 que essas eletrobombas foram fornecidas.
Mais, sendo já irrelevante em face do facto de não estarem em causa as mesmas eletrobombas (só se poderia falar em duplicação, no quadro da causa de pedir invocada na ação, se tivessem sido faturadas duas vezes as mesmas eletrobombas), percorremos as diversas faturas juntas à petição inicial e não resulta que em alguma delas tenha sido faturado o fornecimento de quatro eletrobombas «... N 40,75»; apenas se mostram faturadas as quatro eletrobombas «... 26-11MA».
É ainda de notar que esta matéria resulta devidamente esclarecida na motivação da matéria de facto, pois, segundo aí se refere, a testemunha BB, que é canalizador e funcionário da Ré, afirmou que «no projecto, as fossas estavam localizadas dentro das habitações. Então, em reunião na obra, foi acordado que as fossas seriam deslocadas para o exterior das habitações, a cerca de 10 metros das traseiras, o que implicou a aplicação de mais tubagem e de bombas mais potentes.» Mais à frente referiu «que foram colocadas e orçamentadas quatro electrobombas, que correspondem ao ponto 11 do orçamento. (…) explica que as bombas referidas na factura de 29 de Dezembronão são as mesmas que constam do orçamento, sendo de outra marca, não tendo sido colocadas nem facturadas as bombas orçamentadas pelo valor de € 450,00.»
Pelo exposto, não se verifica a alegada duplicação e a correspondente contradição entre factos provados.
Termos em que improcede este primeiro fundamento do recurso.
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2.2.2. Das alterações ao convencionado e do direito à restituição
Na sentença qualificou-se como de empreitada (artigo 1207º do Código Civil) o contrato que Autora e Ré celebraram e considerou-se que, estando realizada a obra e pago o respetivo preço, o vínculo contratual entre as partes extinguiu-se pelo cumprimento.
No âmbito do recurso, a Recorrente não questiona a qualificação jurídica do contrato, suscitando, isso sim, a título principal, a questão de não ser devida, pela Autora à Ré, a totalidade do valor que lhe pagou, no montante de € 56.758,61, mas apenas de € 43.675,00, valor este que corresponde à soma do preço dos trabalhos identificados no orçamento inicial (€ 33.490,00) com o preço dos trabalhos cuja execução foi posteriormente solicitada pela Autora (factos 7, 8 e 9), relativos a pré-instalação solar (€ 1.200,00) e ao fornecimento e instalação de aparelhos de ar condicionado nas quatro moradias (€ 8.985,00).
Por força do contrato celebrado, incumbia à Ré executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios (art. 1208º do CCiv), enquanto a Autora estava vinculada ao pagamento do preço (art. 1211º do CCiv).
Não se discute nos autos a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação a que cada uma das partes estava vinculada pelo contrato celebrado (arts. 798º e 799º, nº 1, do CCiv), mas algo de completamente diferente: se a Autora pagou à Ré mais do que lhe era devido.
A Recorrente alega que se está «perante um contrato de empreitada com preço global de € 43.675,00 referente ao valor inicialmente previsto de € 33.490,00 e orçamento com extras de € 10.185,00, o que perfaz um total de € 43.675,00» (conclusão 2). Conclui que «[e]stamos assim perante uma fixação de um preço global para a obra» (conclusão 2.3), pelo que, com base no disposto no artigo 1214º, nº 3, do Código Civil, como «inexistem quaisquer autorizações escritas da autora à ré para fazer alterações ao plano convencionado» (conclusão 2.5), o preço dos trabalhos a mais não é devido, devendo ser restituído.
O artigo 1214º regula as alterações ao plano convencionado feitas por iniciativa do empreiteiro. Essas alterações são as não autorizadas pelo dono da obra.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[1], às alterações ao plano convencionado, «sejam necessárias em virtude de certas razões objetivas, ou sejam exigidas pelo dono da obra, são aplicáveis as disposições dos dois artigos seguintes [arts. 1215º e 1216º do CCiv]».
A regra fundamental em matéria de alterações, constante do artigo 1214º, nº 1, do CCiv, consiste em que o empreiteiro não pode, sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado.
Em bom rigor, o preceito expressa uma solução que já decorreria do disposto no artigo 406º, nº 1, do CCiv: o contrato só pode modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
Por isso, se o empreiteiro pretender fazer alterações ao plano convencionado, deve dirigir uma proposta nesse sentido ao dono da obra. Caso este aceite, opera-se uma modificação do contrato[2]. Caso o empreiteiro não obtenha o consentimento do dono da obra, esta será tida como defeituosa, mas este pode aceitá-la como foi executada, sem ficar obrigado a qualquer aumento de preço ou a uma indemnização por enriquecimento sem causa, o que representa uma penalização para o empreiteiro, visando dissuadir este tipo de comportamento.
O nº 3 do artigo 1214º regula as alterações ao plano convencionado da iniciativa do empreiteiro das quais resulte um aumento do preço global fixado para a obra. Para que o empreiteiro tenha direito ao aumento do preço, têm de estar preenchidos dois requisitos: a) que a autorização do dono da obra revista forma escrita; b) que desta autorização conste a indicação do valor do aumento.
A ratio do preceito é esta: tutelar o dono da obra a respeito de aumentos de preço aos quais não tenha dado o seu assentimento expresso. Repare-se que o acento tónico não incide sobre a autorização da obra, mas sobre o aumento do preço, pois trata-se de evitar que o empreiteiro se sirva de expedientes destinados a elevar o custo da obra, o que sempre conseguiria se obtivesse o acordo quanto à realização das alterações, mas não quanto ao expresso aumento do preço daí decorrente.
Se a autorização for verbal ou, sendo dada por escrito, dela não conste a indicação do aumento do preço, o empreiteiro terá apenas direito a uma indemnização nos termos do enriquecimento sem causa.
No caso dos autos, estamos perante uma empreitada para a qual foi inicialmente fixado um preço global. Porém, as alterações ao plano convencionado foram exigidas pela dona da obra – a Autora – e não foram da iniciativa da empreiteira.
Sendo alterações exigidas pela Autora, enquanto dona da obra, é aplicável o disposto no artigo 1216º do CCiv e não o artigo 1214º do mesmo código. Na medida em que é inaplicável à situação dos autos o disposto do artigo 1214º, nº 3, do CCiv, a Recorrente não tem direito à restituição do valor de € 13.083,61, o qual pagou além do preço global de € 43.675,00.
Por outro lado, mesmo que se considerasse aplicável tal preceito legal, sempre existiria um obstáculo à procedência da pretensão da Autora de restituição da quantia de € 13.083,61: o que se consagra no nº 3 do artigo 1214º do CCiv é a faculdade de o dono da obra obstar à exigência pelo empreiteiro do aumento do preço decorrente das alterações ao plano convencionado, pagando apenas «uma indemnização correspondente ao enriquecimento deste».
Tal faculdade, verdadeira exceção de direito material, é exercida aquando da exigência do pagamento por parte do empreiteiro.
No caso vertente, a Ré, enquanto empreiteira, não exige nesta ação o pagamento de qualquer preço, sobretudo qualquer quantia decorrente do aumento do preço global fixado para a empreitada, pois tudo já lhe foi oportuna e prontamente pago. O que a Autora pretende não é exercer tal faculdade, mas sim a restituição do que alegadamente pagou a mais, direito esse que não lhe é concedido no artigo 1214º, nº 3, do CCiv. Sucede que tal disposição legal destina-se a fazer face a uma exigência de pagamento por parte do empreiteiro e não a permitir ao dono da obra obter a restituição de quantia que pagou e cuja exigibilidade então não questionou. É de notar que aquela disposição não consagra o direito à restituição a favor do dono da obra, antes, além da faculdade de este recusar o pagamento do aumento do preço, o direito a uma indemnização a favor do empreiteiro correspondente ao enriquecimento do dono da obra.
Estando já extinto o direito ao pagamento do preço com base no cumprimento, não é agora suscetível de ser exercida a faculdade concedida ao dono da obra pelo preceito legal invocado pela Recorrente para obstar a tal pagamento.
Portanto, a Ré não tem direito à restituição com base no disposto no nº 3 do artigo 1214º do CCiv.
Termos em que improcedem as conclusões formuladas sobre esta questão.
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2.2.3. Da obrigação de restituição com base em enriquecimento sem causa
A título subsidiário, a Autora pediu a condenação da Ré a restituir-lhe a quantia de € 13.083,61 com fundamento em enriquecimento sem causa.
Segundo o artigo 473º, nº 1, do CCiv, «aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou».
São três os requisitos constitutivos, de verificação cumulativa, do enriquecimento sem causa[3]:
a) Existência de um enriquecimento de alguém;
b) Obtenção desse enriquecimento à custa de outrem (de quem requer a restituição);
c) Ausência de causa justificativa para o enriquecimento.
O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que assuma. É necessária a verificação de um reflexo favorável no património do enriquecido, podendo, no essencial, consistir no aumento do ativo, na diminuição do passivo ou na poupança de uma despesa[4].
A lei exige ainda uma correlação entre a situação do sujeito enriquecido e a do sujeito que requer a restituição: que o enriquecimento do primeiro seja à custa do segundo, isto é, a expensas deste. Em regra, verificar-se-á quando a vantagem patrimonial alcançada por um sujeito resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo sujeito requerente da restituição.
Se os dois primeiros requisitos não levantam problemas de maior na sua definição e concretização prática, já o mesmo não se pode dizer do terceiro requisito, consistente em o enriquecimento carecer de causa justificativa, acabando por ser o elemento essencial do instituto, logo presente na sua designação – sem causa.
O conceito de causa do enriquecimento é um dos mais discutidos e difíceis de precisar, pela extrema variedade de situações a que tem de aplicar-se. A lei civil não o define, limitando-se cautelosamente a facultar ao intérprete algumas indicações capazes de, como meros subsídios, auxiliarem a sua formalização pela doutrina e pela jurisprudência. É um requisito negativo e o nº 2 do artigo 473º contém apenas alguns exemplos de faltas de causa, sem as esgotar, longe disso.
Em geral, poder-se-á dizer que o enriquecimento carece de causa quando não tem uma base juridicamente tutelada que o justifique, ou seja, quando inexiste motivo jurídico para a atribuição patrimonial. A inexistência de causa torna o enriquecimento injustificado – injusto na qualificação constante da parte final do nº 1 do artigo 473º do CCiv.
É de destacar que este instituto não se confunde com a responsabilidade, na medida em que não visa operar qualquer reparação de danos e não é indispensável a existência de qualquer ato censurável do enriquecido.
Embora qualificado por alguns autores como um pressuposto negativo, o artigo 474º do CCiv consagra a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa. O empobrecido só pode socorrer-se dele se a lei não lhe facultar outros meios de reação. E isso pode ocorrer em múltiplas situações: por exemplo, quando a lei expressamente manda observar um regime específico, nega o direito à restituição ou atribui outros efeitos ao enriquecimento; quando a situação está coberta pela nulidade, anulação, resolução ou revogação do negócio; quando à situação é aplicável o regime da responsabilidade civil.
Enquadrado o instituto invocado como fundamento do segundo pedido deduzido na ação, cumpre agora apreciar se existe erro de direito ao ter-se julgado improcedente a pretensão da Autora com base em enriquecimento sem causa.
Como bem se salienta na sentença, realizada a obra e pago o respetivo preço, o vínculo contratual entre as partes, nascido com a celebração do contrato de empreitada, extinguiu-se pelo cumprimento, pelo que, quando o devedor cumpra em excesso, o eventual direito à restituição daquilo que prestou a mais não tem por fonte o contrato, mas sim o enriquecimento sem causa.
Também nenhuma cláusula do contrato de empreitada prevê expressamente tal restituição.
Como já se concluiu, a lei, especificamente o nº 3 do artigo 1214º do CCiv, que é o preceito legal invocado pela Recorrente, também não consagra qualquer direito à restituição do que o dono da obra porventura tenha pago em excesso relativamente ao preço efetivamente devido.
Por conseguinte, nem o contrato de empreitada celebrado nem a lei faculta à Autora a possibilidade de obter a restituição por si pretendida.
No plano do instituto do enriquecimento sem causa, mostrando-se adquirido, em face da posição da Autora, que era devido o pagamento do valor global de € 43.675,00 e tendo resultado provado que a Autora pagou à Ré as faturas por esta emitidas e referidas em 13, porque todas correspondem a serviços solicitados, prestados e pagos (v. 18), no valor total de € 56.758,61, que a Ré forneceu o material e mão-de-obra necessários para a realização de todos os trabalhos, que chegaram aos valores pagos pela Autora (v. 33), e que as faturas nºs ...15 e ...17 correspondem a valores integralmente respeitantes a serviços não orçamentados (v. 36), facilmente se conclui pela inexistência de qualquer enriquecimento por parte da Ré.
Como os pagamentos foram feitos pela Autora no cumprimento de uma obrigação contratual, não se verifica a ausência de causa justificativa para a deslocação patrimonial, pelo que a ação tinha que ser julgada improcedente, como bem se decidiu na 1ª instância.
Pelo exposto, improcede totalmente a apelação.
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III – Decisão
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acordamos em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas, na vertente de custas de parte, a suportar pela Recorrente (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
Joaquim Boavida
Maria dos Anjos Melo Nogueira
Alcides Rodrigues
[1]Código Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora, 1986, pág. 806. [2] João Serras de Sousa, Código Civil Anotado, vol. 1º, Ana Prata (Coord.), Almedina, 2017, pág. 1504. [3] Em sentido próximo, v. Ana Prata, Código Civil Anotado, vol. I, 2017, Almedina, pág. 613; Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 5ª edição, Almedina, pág. 431; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, págs. 454-456. [4] Antunes Varela, na obra citada, aponta ainda um quarto tipo de vantagem: o uso ou consumo de coisa alheia ou o exercício de direito alheio. Porém, essa vantagem, ao fim e ao cabo, reconduz-se a uma das três enunciadas no texto.