ALTERAÇÃO DE REGIME DE REGULAÇÃO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO DA RESIDÊNCIA PARA O ESTRANGEIRO
Sumário


1. Os Tribunais não deveriam nunca ser obrigados a decidir sobre o futuro de uma criança que tem os progenitores vivos. Simplesmente, a isso se vêem obrigados, pela incapacidade daqueles de se entenderem sobre o que é melhor para o seu filho (art. 1878º CC).
2. Se a progenitora levou o menor consigo para viver no estrangeiro sem autorização do pai ou do Tribunal, isso pode ser fundamento para reacções civis ou penais, mas não é critério, por si só, para determinar a guarda da criança.
3. Para uma criança de 9 anos de idade, a permanência e o convívio diário com os progenitores seria tudo. Num cenário de normalidade, para uma criança desta idade, desde que esteja com os pais e tenha o afecto, a atenção e os cuidados destes, seria relativamente irrelevante o sítio onde iria residir, se na zona onde nasceu, se num País distante, zona mais rica ou mais pobre, etc. Desde que estivesse com os Pais, estaria bem, ou, pelo menos, estaria o melhor que era possível.
4. Mesmo num cenário de separação em que tal deixou de ser possível, isso não altera a regra subjacente. Se o menor só pode residir com um dos progenitores, e se esse progenitor fizer tudo pelo seu sustento, educação e bem-estar, então continuamos a poder afirmar que o local da residência não é o mais importante, sobretudo quando qualquer um dos progenitores tem todas as competências para criar devidamente o menor.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: 

I- Relatório
             
AA, solteira, maior, veio Requerer a Alteração de regime de Regulação de Responsabilidades Parentais, de acordo com o art.º 42º RGPTC do seu filho menor, BB, contra CC, com residência na Rua ..., ..., ..., ..., no concelho ....

O regime de regulação das responsabilidades parentais do menor BB, nascido a ../../2015, encontrava-se estabelecido previamente. No essencial, a residência do menor fora fixada junto da mãe, a decisão quanto às questões de particular importância fora atribuída a ambos os progenitores, foi fixada, a cargo do progenitor, uma pensão de alimentos na sua forma fixa e variável, e ainda um regime de convívios que estipula fins de semana quinzenais, 15 dias de férias estivais e dias festivos e festividades alternados.

Agora a requerente vem alegar em síntese o seguinte:

A Requerente e o requerido são ambos pais do menor BB, nascido a ../../2015.
A requerente tenciona ir viver para o ..., onde aceitou uma proposta de emprego que não pode recusar, e que será muito boa para a sua carreira de pianista.
Assim, pretende mudar de residência para o estrangeiro à procura de melhores condições de vida para si e para o seu descendente, e pretende ter consigo o menor BB, de quem sempre teve a guarda e que consigo sempre viveu desde que nasceu, sendo a sua principal cuidadora e a sua figura primária de referência.
Requer assim autorização a mudar a residência habitual do menor para o estrangeiro. Essa morada será a de: ..., .... ..., ..., ....
Mais alega que o BB tem sete anos de idade, está numa fase da vida que é pautada por descobertas diárias, novos conhecimentos e experiências, pelo encontro de novas amizades, não se duvidando que com toda a facilidade se adaptará a uma nova língua e a uma nova realidade, o que está claramente a demonstrar. Sendo, pois, que a sua mudança para o estrangeiro neste momento, em nada fará perigar a sua saúde psíquica e estabilidade emocional, nem irá prejudicar a saudável formação e o desenvolvimento da sua personalidade, do seu intelecto e dos seus valores morais.
E assim, requer que seja fixada a residência do menor BB, na morada supra indicada, no ..., junto da Requerida.

Notificado, veio o requerido opor-se frontalmente a tal pretensão.
Em síntese, alega que a guarda lhe deve ser atribuída a si, passando a ser o progenitor guardião, passando ainda a residência do menor a ser a do pai, a saber, Rua ..., ..., ..., ..., no concelho ....
Elenca inúmeros problemas de uma mudança para o ..., sem faltarem referências a grupos terroristas no activo, à lei islâmica (...), à inexistência de um sistema de saúde como o SNS português, sendo os custos com saúde muito elevados, (idem), constrangimentos à liberdade pessoal, Ramadão.
E embora aceite que a Requerente pretenda ir para lá laborar, onde poderá, eventualmente, encontrar melhores condições de vida, não se pode olvidar que se trata de um país xenófobo, racista, baseado em castas, onde não há o mínimo respeito pelos direitos humanos nem pela autodeterminação do indivíduo.
E em dezenas e dezenas de artigos vemos alegado por que razão o ... é bom para a mãe do BB, mas não se reconhecem verdadeiros argumentos pelos quais o ... é bom para o BB, uma criança em crescimento, com alguns problemas de saúde, em início de formação da sua personalidade.
A melhor solução para o BB é continuar a viver em Portugal, junto da sua família, paterna e materna, no ambiente que conhece e que lhe é salutar. Requer assim que tal seja decidido em regime provisório, sendo-lhe imediatamente atribuída a guarda da criança.
Deverá também ser determinado, na fixação do regime provisório, que o Requerido deixa de estar obrigado a pagar alimentos. Mais, requer que com a atribuição da guarda do BB ao Pai, seja fixada uma pensão de alimentos condizente com o salário que a Requerente ora aufere, que a fazer fé nas suas palavras apresentadas na PI, artigo 6, é de 2.600,00€ (dois mil e seiscentos euros) líquidos.

Procedeu-se à realização de conferência de pais no dia 20.09.2022, no âmbito dos Apensos A e F, na qual a progenitora não esteve presente, tendo tais apensos sido julgados extintos por inutilidade superveniente da lide.
Foi determinado o prosseguimento apenas destes autos (Apenso G), aproveitando-se toda a documentação junta, nomeadamente os relatórios periciais.

Em 7.10.2022, e depois de a requerente ter levado o menor consigo para o ... sem autorização do pai ou do Tribunal, foi proferido despacho que alterou provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor BB nos seguintes termos:

a) O menor ficará entregue à guarda e cuidados do seu progenitor, fixando-se a residência do menor junto deste, que exercerá as responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente dos menores, devendo as questões de particular importância da vida do mesmo ser decididas por ambos os progenitores.

Mais decidiu comunicar a decisão ao SEF, Comandos Gerais da GNR e PSP e ainda à Polícia Judiciária com vista a acautelar a decisão quando e logo que seja possível.

Realizou-se conferência de pais no dia 22 de Novembro de 2022.

Foi proferido o seguinte despacho:
“De harmonia com o disposto no art. 39º, n.º 4 do RGPTC determino que sejam as partes notificadas para, no prazo de 15 dias, apresentar alegações ou arrolarem até 10 testemunhas, ou apresentarem documentos.
Atento o disposto no art. 37º, n.º 3 do RGPTC solicite à Segurança Social a elaboração de relatório nos termos da al. e) n.º 1 do art. 21º, devendo o mesmo incidir sobre a situação familiar, profissional e pessoal dos progenitores e dos agregados que os mesmos integram, bem como sobre as condições habitacionais e competências dos mesmos para o exercício das responsabilidades parentais”.

Entretanto a progenitora do menor veio apresentar requerimento de procedimento cautelar comum, com o qual pretende que seja decretado efeito suspensivo na Sentença que ordenou que o menor ficasse “entregue à guarda e cuidados do seu progenitor, fixando-se a residência do menor junto deste, que exercerá as responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente dos menores, devendo as questões de particular importância da vida do mesmo ser decididas por ambos os progenitores.
A 7.12.2022 foi proferido despacho que entendeu que o pedido feito pela progenitora não se enquadra no âmbito do procedimento cautelar comum, antes respeita à ponderação (a ser feita aquando da admissão do recurso) do efeito a ser atribuído ao recurso interposto pela progenitora/recorrente da decisão provisória proferida no Apenso G (este apenso), nos termos do mencionado preceito legal, e determinou a incorporação do presente requerimento neste Apenso G e que aí seja cumprido o contraditório quanto ao efeito suspensivo que a recorrente pretende e à retirada do alerta no Sistema Schengen (consequência da decisão sobre a qual incide o recurso)”.

A 7.6.2023 realizou-se nova Conferência de pais.
Ouvida a Requerente, através da plataforma Webex, pela mesma foi dito que:
o BB está a frequentar o 2º ano e tem aulas até ao dia ../../..... Não tem a certeza da data que recomeçam as aulas, mas será entre os dias 8 e 15 de Agosto. Quanto às férias de Verão ainda está a ponderar a vinda a Portugal. Não sabe se terá condições para vir, nomeadamente se o BB irá ser ouvido. O pai não fala com o filho há quase um ano, mas continua a enviar-lhe e-mails que não são adequados para ele, mas ela tem o cuidado de os ler primeiro para que o filho não os veja.
O filho deveria ser ouvido porque afirma que não quer passar férias com o pai. Sugere que o BB seja ouvido através de Webex, na Embaixada de Portugal no ..., sem a sua presença, por considerar um local seguro.
Em Dezembro passado estava previsto virem a Portugal, para o BB ser ouvido, mas entende que não estavam reunidas as condições necessárias para virem”.

A M.mª Juiz esclareceu a mãe que caso viessem a Portugal, o BB seria ouvido apenas na presença de um psicólogo, o Dr. DD, que exerce funções no CAFAP e que já tem colaborado com o Tribunal na audição dos menores, e seria ouvido antes de estar com o pai. Só depois de ouvir o BB é que o Tribunal decidirá se ele estará com o pai e em que termos.
Atento o esclarecimento a mãe disse que virá a Portugal no final do ano lectivo, necessita apenas de ver junto da escola onde trabalha quando poderá se ausentar e os voos.

Realizou-se a audiência de julgamento em 10.10.2023, continuada em 30.10.2023. Nesta sessão foi ouvido, via Webex, o menor BB, na presença da mãe, por ser essa a sua vontade.
A audiência de julgamento continuou a 20 de Fevereiro de 2024 e terminou a 9 de Abril de 2024.

Foi então proferida sentença, que julgou procedente o pedido de alteração do regime de responsabilidades parentais instaurada, na vertente da residência da criança, que se fixou no ..., junto da mãe, mantendo o regime de visitas fixado nos autos, sem prejuízo da sua oportuna alteração/revisão.

Inconformado com esta decisão, o progenitor dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos e com efeito devolutivo, tudo nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 629º,1, 638º, 644º,1,a, 645º,1,a, e 647º,1 do Código de Processo Civil.

Finda a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso versa sobre a alteração da matéria de facto e matéria de direito.
A – Da Impugnação da Matéria de Facto
A – 1– No que concerne aos factos provados e que pugnamos pela alteração/modificação.
B. Dos factos julgados como provados, entendemos que os inscritos nos itens 7), 9), 17) e 30) da matéria provada devem ser alterados/modificados.
Item 7)
C. O Tribunal “a quo” deu como provado, no item 7: “No dia 25 de Agosto de 2022, no âmbito da conferência de pais, a requerente desistiu da instância desencadeada para alteração da residência do filho, o que foi homologado por sentença”.
D. Ao facto que o Tribunal “a quo” deu como provado, no item 7: “No dia 25 de Agosto de 2022, no âmbito da conferência de pais, a requerente desistiu da instância desencadeada para alteração da residência do filho, o que foi homologado por sentença” deve ser acrescentado: em virtude de todos os intervenientes – incluindo a aqui requerente - terem considerado ser uma decisão desadequada a tomar em férias judiciais por merecer maior ponderação, e uma avaliação amadurecida por se tratar dum país distante e que consequências gerar na vida do BB, tendo em consideração a prova produzida, nomeadamente, a gravação da diligência de 25 de Agosto de 2022, no âmbito do Apenso A, nomeadamente, dos minutos 00.08 a 14.14 da gravação com inicio às 12h20m e fim às 12h37, acta da sobredita diligência, com a referência ...77 e item 3) das Alegações de Recurso - com a referência ...94 - da aqui requerente no Apenso I – processo 2396/16....).
E. Razão pela qual, o item 7 da matéria provada deverá ter a seguinte redacção a saber, o que se requer: No dia 25 de Agosto de 2022, no âmbito da conferência de pais, a requerente desistiu da instância desencadeada para alteração da residência do filho, o que foi homologado por sentença, em virtude de todos os intervenientes – incluindo a aqui requerente - terem considerado ser uma decisão desadequada a tomar em férias judiciais por merecer maior ponderação, e uma avaliação amadurecida por se tratar dum país distante e que consequências gerar na vida do BB.
Item 9)
F. O Tribunal “a quo” deu como provado, no item 9: “Nesse mesmo dia, durante a manhã, a requerente foi buscar o filho ao colégio, a pretexto de o levar a uma consulta no médico, e, de seguida, ambos viajaram para o ..., onde residem desde então”.
G. Aos factos descritos no item 9) da matéria provada deve ser acrescentado: A requerente viajou para o ..., naquele dia 05/09/2022 sem autorização do tribunal e do progenitor do BB e sem o conhecimento do requerido, da escola e da psicóloga, tendo em conta a prova produzida, nomeadamente, depoimento prestado pela testemunha EE (passagens aos minutos 22 e 14 segundos até 22 minutos e 40 segundos, minutos 26 e 31 segundos até 26 minutos e 43 segundos e minutos 27 e 20 segundos até 27 minutos e 34 segundos do seu depoimento, prestado em 30/11/2023, com início às 12h21m e fim às 12h53m; email de 07/09/2022 enviado pela requerente ao requerido, junto por aquela como doc. 3 (referência ...64, de 11/09/2022), na Petição Inicial, do Apenso F (processo 2396/16....); e, ainda dos factos provados 8,9,11,12,13,14,15,17,18,19,24 e 26, na sentença (referência ...93) referente ao apenso F (incumprimento das responsabilidades parentais).
H. Razão pela qual, o item 9) da matéria provada deverá ter a seguinte redacção a saber, o que se requer: Nesse mesmo dia, durante a manhã, a requerente foi buscar o filho ao colégio, a pretexto de o levar a uma consulta no médico, e, de seguida, ambos viajaram para o ..., sem autorização do Tribunal e do progenitor e sem o conhecimento do requerido, da escola e da psicóloga do BB, onde residem desde então.
Item 17)
I. O Tribunal “a quo” deu como provado, no item 17: “A requerente sofre de doença autoimune (dermatomiosite – poliomiosite) que compromete o aparelho muscular e dermatológico”.
J.  Aos factos descritos no item 17) da matéria provada deve ser acrescentado: A doença autoimune de que padece a requerente provoca-lhe dores físicas terríveis, falta de força, fraqueza no corpo, tendo, muitas vezes, de obter ajuda para as coisas mais básicas, as quais não consegue fazer. A doença tem-se revelado agressiva – sobretudo na componente muscular – com limitação, por períodos, da qualidade de vida da requerente, conforme resulta da prova produzida, nomeadamente, depoimento da testemunha EE, no dia 30.11.2023 | das 12h:21m até às 12h:53m (duração: 31:43), a minutos 14.06 a 14.08, 14.45 a 15.06; e relatório clínico, emitido pelo Médico Dr. FF, junto pela requerida como doc. 6 da Petição Inicial (referência ...52 / dia 19/09/2022) datado de 04/09/2022 (dia anterior à ida para o ...).
K. Razão pela qual, o item 17 da matéria provada deverá ter a seguinte redacção a saber, o que se requer: A requerente sofre de doença autoimune (dermatomiosite – poliomiosite) que compromete o aparelho muscular e dermatológico. A doença autoimune de que padece a requerente provoca-lhe dores físicas terríveis, falta de força, fraqueza no corpo, tendo, muitas vezes, de obter ajuda para as coisas mais básicas, as quais não consegue fazer. A doença tem-se revelado agressiva – sobretudo na componente muscular – com limitação, por períodos, da qualidade de vida da requerente.
Item 30)
L. O Tribunal “a quo” deu como provado, no item 30: “Desde que o BB viajou para o ... o pai não mais quis atender as suas chamadas”.
M. Aos factos descritos no item 30) da matéria provada deve ser acrescentado: a ausência de contactos é uma forma que o pai – requerido – tem de proteger o filho das explicações que, eventualmente, lhe possam ser dadas na sequência desses contactos; e, para não legitimar aquela situação, no modo como o filho foi levado para o ..., que o requerido considera que foi raptado, conforme resulta da prova produzida, nomeadamente, do depoimento da testemunha GG (minutos 16.16 a 18.29 e minutos 00:18:15 a 00.18.29 do depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 20/02/2024 com início às 14h46m e fim às 15h06m); e, ainda, do Doc. 5 do requerimento do dia 11/09/2022, com a referência ...64, no âmbito do apenso F (2396/16....), concatenado com a confissão da requerida no item 17 das suas alegacões (referência ...85 – dia 18/09/2022) no âmbito do apenso F; e, igualmente da Motivação do Tribunal “a quo” na sentença de que se recorre.
N. Razão pela qual, o item 30, da matéria provada, deverá ter a seguinte redacção a saber, o que se requer: Desde que o BB viajou para o ... o pai não mais quis atender as suas chamadas. A ausência de contactos é uma forma que o pai – requerido – tem de proteger o filho das explicações que eventualmente lhe possam ser dadas na sequência desses contactos; e, para não legitimar aquela situação, no modo como o filho foi levado para o ..., que o requerido considera que foi raptado.
A – 2 – No que concerne aos factos não provados e que pugnamos pela sua inserção na matéria provada; e, inserção na matéria provada de factos relatados pelas testemunhas, alegados por requerente e requerido e dos documentos juntos, com relevância para os autos.
Dos factos julgados não provados que pugnamos sejam alterados para provados, face a prova produzida.
O. O Tribunal “a quo” deu, de entre o mais, como não provados os seguintes os seguintes factos, os quais consideramos que tendo em conta toda prova produzida e existente nos autos, deveriam ser julgados provados e inseridos neste capítulo da sentença:
A) A pensão de reforma da requerente seria de cerca de € 700,00. B) No ... existem grupos terroristas no activo.
P. No que concerne ao facto “A pensão de reforma da requerente seria de cerca de € 700,00” sempre se dirá que: No item 4º da Petição Inicial (datada de 19/09/2022 com a referência ...52) a requerente alegou, o seguinte, a saber: “A profissão que exerce há quase vinte anos fica inutilizada e para mudar para uma parte teórica de aulas é praticamente impossível sem uma nova formação; assim, o que lhe resta, frente a esta situação de saúde é a reforma antecipada dentro de provavelmente um ano, num valor sempre inferior a €:700,00 mensais”; facto este que não foi impugnado pelo requerido.
Q. Nesta conformidade, deve o facto “A pensão de reforma da requerente seria de cerca de € 700,00”, ser julgado, pelo Venerando Tribunal Relação, como facto provado e ser inserido no Acórdão a ser proferido naquele lugar dos factos provados, porquanto existe nos autos prova por confissão, o que se pede.
R. No que se refere ao facto “No ... existem grupos terroristas no activo”, o mesmo deve ser julgado como facto provado, nos termos do nº 1 do artigo 412º do CPC, uma vez que é do conhecimento geral no país, a existência, no ..., de grupos terroristas no activo, pelo que o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães o deverá retirar dos factos não provados e relegá-lo para os factos provados, o que se pede.
Dos factos relatados pelas testemunhas, alegados por requerente e requerido e dos documentos juntos, com relevância para os autos, os quais devem ser inseridos na matéria provado porque assume relevo e interesse para a boa decisão da causa.
S. O requerido, nos dias 05/09/2022 e 06/09/2022 (no dia em que a mãe viajou com o filho para o ... e no dia seguinte), tentou estabelecer contacto com o BB, o que não logrou conseguir, porquanto a requerente não atendeu as chamadas do requerido.
T. Tendo em conta a prova produzida nos autos, nomeadamente, a prova documental conforme (Doc.5 do requerimento do aqui recorrente, do dia 11/09/2022, com a referência ...64, no âmbito do apenso F); a confissão feita pela requerida no item 17 das suas alegacões (referência ...85 – dia 18/09/2022) no âmbito do apenso F; e, ainda dos factos provados na sentença (referência ...93) referente ao apenso F (incumprimento das responsabilidades parentais), deve ser inserida na matéria de facto dada como provada: Nos dias 05/09/2022 e 06/09/2022 (no dia em que a mãe viajou com o filho para o ... e no dia seguinte) tentou estabelecer contacto com o BB, o que não logrou conseguir, porquanto a requerente não atendeu as chamadas do requerido, uma vez que tal facto se revela com relevo e interesse para a boa decisão da causa, o que se requer.
U. Atenta a prova produzida nos autos, nomeadamente, o depoimento da testemunha EE (passagem aos minutos 18 e 9 segundos até 18 minutos e 14 segundos do seu depoimento, prestado em 30/11/2023, com início às 12h21m e fim às 12h53m), no cumprimento, entre outros, do princípio do Inquisitório deve ser inserido na matéria de facto provada, o seguinte facto a saber: A requerente vai para o ... no sentido de querer algum afastamento do pai do filho, porquanto tal facto se revela com relevo e interesse para a boa decisão da causa, o que se requer.
V. Em face da prova produzida nos autos, nomeadamente, o depoimento da testemunha EE (passagem aos minutos 26 e 31 segundos até 26 minutos e 43 segundos do seu depoimento, prestado em 30/11/2023, com início às 12h21m e fim às 12h53m; e, ainda, passagem aos minutos 27 e 20 segundos até 27 minutos e 34 segundos do seu depoimento, prestado em 30/11/2023, com início às 12h21m e fim às 12h53m), no cumprimento, entre outros, do princípio do Inquisitório deve ser inserido na matéria de facto provada, o seguinte facto a saber: A requerente escondeu de todas as outras pessoas que ia para o ..., com medo de ser impedida, desde logo pelo pai (requerido), visto que tal facto se revela com relevo e interesse para a boa decisão da causa, o que se requer.
W. Tendo em conta a prova produzida nos autos, nomeadamente, o depoimento da testemunha HH (passagem aos minutos 24 e 5 segundos até 24 minutos e 11 segundos do seu depoimento, prestado em 30/11/2023, com início às 12h21m e fim às 12h53m), no cumprimento, entre outros, do princípio do Inquisitório deve ser inserido na matéria de facto provada, o seguinte facto a saber: Desde que foi para o ..., a requerente nunca mais veio a Portugal, visto que tal facto se revela com relevo e interesse para a boa decisão da causa, o que se requer.
X. Atenta a prova produzida nos autos, nomeadamente, o depoimento da testemunha II (passagem aos minutos 25 e 18 segundos até 28 minutos e 18 segundos do seu depoimento, prestado em 20/02/2024, com início às 15h07m e fim às 15h55m), concatenado com os factos provados no apenso F (“No dia 05.09.2022, após ter passado o fim de semana com o progenitor, o BB foi por ele entregue, cerca das 8h30m, no Estabelecimento de Ensino, para frequentar as aulas), no cumprimento, entre outros, do princípio do Inquisitório deve ser inserido na matéria de facto, o seguinte facto a saber: O BB acampou com o Pai, em ..., na sexta feira e fim de semana anterior à ida daquele para o ..., visto que tal facto se revela com relevo e interesse para a boa decisão da causa, o que se requer.
Y. Aliás, à luz do Homem Médio da sociedade, parece-nos lógico que se a requerente escondeu das outras pessoas a ida para o ..., com medo de ser impedida pelo pai do BB, também tivesse contado a viagem ao filho, apenas no próprio dia, com receio que este pudesse contar ao pai, aos amigos, familiares e na escola, e deste modo ser impedida de viajar com o filho para o ....
Z. Em função da prova produzida nos autos, nomeadamente, o depoimento da testemunha II (passagem aos minutos 25 e 18 segundos até 28 minutos e 18 segundos do seu depoimento, prestado em 20/02/2024, com início às 15h07m e fim às 15h55m) e, ainda, os factos provados no Apenso F (“o BB soube que iria viajar para o ... após a progenitora o ter ido buscar ao colégio no dia 05.09.2022”), no cumprimento, entre outros, do princípio do Inquisitório, em linha com o pensamento e à luz do homem médio da sociedade (parece-nos lógico que se a requerente escondeu das outras pessoas a ida para o ..., com medo de ser impedida pelo pai do BB, também tivesse contado a viagem ao filho, apenas no próprio dia, com receio que este pudesse contar ao pai, aos amigos, familiares e na escola, e deste modo ser impedida de viajar com o filho para o ...) deve ser inserido na matéria de facto provada, o seguinte facto a saber: O BB soube que iria viajar para o ... após a progenitora o ter ido buscar ao colégio no dia 05/09/2022, uma vez que que tal facto se revela com relevo e interesse para a boa decisão da causa, o que se requer.
AA. Em obediência à prova produzida nos autos, nomeadamente, o depoimento da testemunha HH (passagem aos minutos 24 e 47 segundos até 25 minutos e 00 segundos do seu depoimento, prestado em 30/11/2023, com início às 15h01m e fim às 15h26m), da requerente (passagem aos 57 minutos e 46 segundos até 57 minutos e 52 segundos do seu depoimento, prestado em 30/11/2023, com início às 15h35m e fim às 16h34m) e no cumprimento, entre outros, do princípio do Inquisitório deve ser inserido na matéria de facto, o seguinte facto a saber: O BB em Portugal tinha boas notas, era uma excelente aluno e estava adaptado à escola, visto que tal facto se revela com relevo e interesse para a boa decisão da causa, o que se requer.
BB. Em observância da prova produzida nos autos, nomeadamente, o depoimento do BB, reproduzido na acta da audiência de discussão e julgamento do dia 30/11/2023 (com a referência ...53) e no cumprimento, entre outros, do princípio do Inquisitório deve ser inserido na matéria de facto, o seguinte facto a saber: O BB em Portugal tem saudades dos avós, do amigo JJ, de algumas coisas da casa, do quarto, do sofá e das duas gatinhas que ficaram em casa dos avós, visto que tal facto se revela com relevo e interesse para a boa decisão da causa, o que se requer.
CC. Tendo em conta a prova produzida nos autos, nomeadamente, o depoimento da testemunha KK, (passagem aos 48 minutos e 34 segundos até 48 minutos e 42 segundos do depoimento, prestado em 30/11/2023, com início às 10h20m e fim às 11h13m), no cumprimento, entre outros, do princípio do Inquisitório e porquanto é um facto notório, nos termos do artigo 412º do CPC, deve ser inserido na matéria de facto, o seguinte facto a saber: O ... tem como punição, entre outras, a pena de morte, visto que tal facto se revela com relevo e interesse para a boa decisão da causa, o que se requer.
DD. Atenta a prova produzida nos autos, nomeadamente, o depoimento da testemunha KK, (minutos 46.36 a 47.07 do depoimento, prestado em 30/11/2023, com início às 10h20m e fim às 11h13m), no cumprimento, entre outros, do princípio do Inquisitório e porquanto é um facto notório, nos termos do artigo 412º do CPC, deve ser inserido na matéria de facto, o seguinte facto a saber: No ... não existe liberdade de expressão, visto que tal facto se revela com relevo e interesse para a boa decisão da causa, o que se requer.
EE. Porque é um facto notório, nos termos do artigo 412º do CPC, deve ser inserido na matéria de facto provada, o seguinte facto a saber: No ... não existe respeito pelos direitos humanos, visto que tal facto se revela com relevo e interesse para a boa decisão da causa, o que se requer.
FF. Ao não ter inserido estes factos na matéria provada, o Tribunal “a quo” violou o princípio inquisitório, previsto no artigo 986, nº 2 do CPC, ilegalidade que aqui se invoca.

B- Questões de Direito

GG. A ser alterada a matéria factual dada como provada e não provada, nos termos que pugnamos no capítulo anterior, impõe-se que o Tribunal “Ad Quem” profira Acórdão em sentido diverso da sentença recorrida; isto é que atendendo ao superior interesse da criança julgue improcedente o pedido de formulado pela requerente de se fixar a residência do BB no ... junto da mãe; e, concomitantemente, fixe a residência da criança em Portugal junto do pai, pelas razões que de ora em diante expenderemos.
HH. A requerente, no dia 05/09/2022, viaja com a criança, para o ..., sem autorização do progenitor e do Tribunal e sem o conhecimento do pai do BB, da escola (retirou subitamente o filho do Estabelecimento de Ensino que frequentava) e da psicóloga da criança.
II. No dia 25/08/2022, no âmbito da conferência de pais, a requerente desistiu da instância desencadeada para alteração da residência do filho, em virtude de considerar ser uma decisão desadequada a tomar em férias judiciais por merecer maior ponderação, e uma avaliação amadurecida por se tratar dum país distante e que consequências gerar na vida do BB.
JJ. Não obstante, o decidido na conferência de pais, volvidos 11 dias (!!!) a mãe viaja com o BB para o ... com o objectivo de aí se fixarem.
KK. A viagem para o ... surge numa fase em que, na sequência do teor dos relatórios periciais, estava a ser trabalhado o aumento dos convívios com o progenitor.
LL. A requerente privilegiou os seus interesses profissionais, em detrimento do bem-estar do seu filho, quando havia um relatório pericial que mencionava o forte vínculo afectivo demonstrado pelo menor com ambos os progenitores e alertava para o aumento dos tempos de convívio com o pai de forma progressiva, favorecendo o convívio durante a semana – relatório social constante do Apenso A, junto como doc. 2 do documento com a referência ...11.
MM. A requerente, ao alterar, unilateralmente, a residência do BB para o ..., obstaculizou ao convívio do menor com o pai e com a família paterna e impediu-os de manter um relacionamento saudável, qualitativo e compensador, com a proximidade e as rotinas próprias da relação parental, o que colocou em risco a relação do menor com o pai e prejudicou, gravemente, o saudável crescimento e desenvolvimento da criança - o BB não está presencialmente com o pai desde o dia 05/09/2022, há quase 2 anos (!!!)
NN. A requerente, ao deslocar-se para o ..., unilateralmente, sem o conhecimento e autorização do progenitor, impediu o convívio do menor com o pai e com a família paterna e materna, privando-os de manter a proximidade e as rotinas próprias da relação parental, o que colocou – e coloca – em risco a relação do menor com o pai – e família alargada – e prejudica, gravemente, o saudável crescimento e desenvolvimento da criança.
OO. A decisão unilateral da progenitora que de uma forma abruta implicou um corte radical com as raízes afectivas do BB e experiências vividas não pode ser considerada de harmonia com os interesses do menor (Acórdão da Relação de Guimarães de 29/06/2017).
PP. Reza, o Acórdão da Relação de Lisboa de 13/07/2016 - referente ao processo nº 941/14.8TAFUN.LI.3, cujo relator é A. LL - que “é completamente irrelevante o argumento que foi procurar uma vida melhor no estrangeiro, pois embora sendo legítima essa procura, tal não legitima a mãe a privar a menor da convivência com o pai, e muito menos justifica a fuga sem autorização nem conhecimento prévio, quer ao progenitor, quer ao tribunal que regula o poder paternal.”
QQ. A requerente sofre de doença auto-imune (dermatomiosite – poliomiosite) que compromete o aparelho muscular e dermatológico. A doença auto-imune de que padece a requerente provoca-lhe dores físicas terríveis, falta de força, fraqueza no corpo, tendo, muitas vezes, de obter ajuda para as coisas mais básicas, as quais não consegue fazer, conforme relatou a testemunha EE no minuto 00:14:45 a 00:15:06 do depoimento prestado no dia 30.11.2023, das 12h:21m até às 12h:53m.
RR. A doença tem-se revelado agressiva – sobretudo na componente muscular – com limitação, por períodos, da qualidade de vida da requerente, conforme se afere do relatório clínico, emitido pelo Médico Dr. FF, junto pela requerida como doc. 6 da Petição Inicial (referência ...52 / dia 19/09/2022) datado de 04/09/2022 (dia anterior à ida para o ...).
SS. A requerida não possui condições de saúde para viver sozinha com o BB e para cuidar e satisfazer as necessidades básicas deste.
TT. O pai possui todas as condições de saúde para cuidar do BB., conforme se afere do relatório social elaborado pelo Instituto da Segurança Social, no âmbito do apenso A (doc. 2 do requerimento com a referência ...24 do apenso A).
UU. Em Portugal, para além do pai, o BB poderá ter o apoio familiar da companheira daquele, dos avós maternos e paternos e da tia paterna.
VV. O requerido/pai reúne todas as condições de saúde, habitacionais e capacidades/competências   para exercer as responsabilidades parentais do BB.
WW. O pai/requerido é o progenitor mais disponível para promover as relações habituais do filho com o outro progenitor (e com a família materna).
XX. A este propósito não podemos deixar de trazer à colação um trecho das alegações da Digníssima Procuradora do Ministério Publico, proferidas no âmbito dos presentes autos, em 07/12/2022, com a referência ...65, do qual se infere: “Alega a recorrente que o progenitor não tem condições financeiras para manter a criança a seu cargo, com base em consulta realizada à base de dados da Segurança Social. No entanto, tal pesquisa foi feita no âmbito do apenso A, não tendo sido realizada mais qualquer prova que comprove esse facto. Inclusive, refere a douta decisão e bem, que ambos os progenitores têm competências parentais e são motivados para a parentalidade, reunindo o pai todas as condições necessárias para acolher o BB e apresentando-se como o progenitor mais disponível para promover relações habituais do filho com o outro progenitor”.
YY. A língua, o clima, os usos e costumes do ... são muito diferentes dos Europeus, onde o BB sempre esteve integrado.
ZZ. A retirada da criança do ambiente que sempre conheceu para outro completamente distinto constitui um forte e negativo impacto na vida do BB.
AAA. Sendo fixada a residência do BB em Portugal permitir-se-á que este cresça no seu país nativo, com a sua língua, os seus costumes, com os amigos, professores, animais que ficaram na casa dos avós.
BBB. Residindo em Portugal o BB poderá crescer num país seguro, que respeita os direitos humanos e protegido por uma constituição que lhe garante os direitos mais básicos, como por exemplo a liberdade de expressão de escolha/orientação sexual.
CCC. Em Portugal, o BB, poderá crescer no convívio alargado com a família materna e paterna.
DDD. O BB antes da ida para o ... tinha forte vínculo afectivo e uma relação muito boa, positiva, feliz, saudável e alegre com o progenitor, sendo certo que aquele gosta desde, e vice-versa.
EEE. A ter-se alterado, posteriormente à ida para o ..., a posição do menor para com o pai, não pode a mesma ser imputada a qualquer comportamento do progenitor, atenta a ausência de contactos entre este e aquele, sendo, por conseguinte, de ponderar que tenha sido conscientemente construída pela progenitora.
FFF. Contudo, caso o Tribunal “Ad Quem” entenda não existirem fundamentos para a alteração factual que supra defendemos ou que apenas entenda a modificação de alguns dos factos que pugnamos – o que só por hipótese académica admitimos –, sempre se dirá que a aplicação do direito aos factos provados merece outra decisão, diferente da que se recorre, razão pela qual a impugnamos e pugnamos por Acórdão que revogue a decisão do Tribunal de 1ª Instância.
GGG. Estatui o artigo 36º nº 5 da Constituição da República Portuguesa que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”.
HHH. Por sua vez, o artigo 6º da CRP estabelece que “os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial”.
III. A progenitora ao viajar com o filho para o ... sem autorização do Tribunal e sem o conhecimento e consentimento do progenitor privou o pai do seu direito e dever à educação do filho; direito e dever que lhe são consagrados constitucionalmente; bem como, separou, abruptamente o pai do filho sem autorização judicial para o efeito.
JJJ. A requerente, ao alterar, unilateralmente, a residência do BB para o ..., obstaculizou ao convívio do menor com o pai - e com a família paterna e materna - impediu-os de manter um relacionamento saudável, qualitativo e compensador, com a proximidade e as rotinas próprias da relação parental, o que colocou em risco a relação do menor com o pai e prejudicou, gravemente, o saudável crescimento e desenvolvimento da criança.
KKK. A inexistência de uma relação contínua da criança com o progenitor - a mãe não vem com o BB a Portugal desde que foi para o ... (05/09/2022) - impede um vínculo afectivo tão essencial como é uma das suas duas parentalidades e viola, gravemente, o superior interesse da criança.
LLL. Estatui o artigo 1906.º do Código Civil: “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
MMM. O requerido, como supra alegamos é o progenitor mais disponível para promover relações habituais do filho com o outro progenitor.
NNN. Reza, de entre o mais, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, referente ao processo 670/16.8T8AMD.L1-2, datado de 12-04-2018, cujo Relator é Ondina Carmo Alves “De acordo com o novo regime, a regra é a do exercício em comum das responsabilidades parentais, relativas às questões de particular importância para a vida do filho, com a residência exclusiva ou alternada, questão que o julgador terá de decidir, em caso de desacordo dos progenitores, tendo em consideração o superior interesse da criança e ponderando todas as circunstâncias relevantes, designadamente, a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro” (artigo 1906º, nº 5 CC); o interesse da criança de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores (artigo 1906º, nº 7 CC)…”
OOO.  Atendendo ao superior interesse da criança deve – no nosso modesto entendimento – este Venerando Tribunal da Relação de Guimarães revogar a sentença do Tribunal “a quo” substituindo-a, por Acórdão, que indefira o pedido formulado pela requerente de fixar a residência do BB, junto daquela no ...; e, concomitantemente fixe a residência do BB, em Portugal junto do pai.
PPP. A decisão de fixar a residência do BB no ... não seria razoável à luz do homem médio da sociedade por “validar” o comportamento de uma mãe que sai com o filho para um país longínquo, sem autorização do Tribunal, sem conhecimento – e consentimento - do progenitor, da escola, da psicóloga da criança, da família paterna e até do avô materno.
QQQ.  A manter-se a decisão de fixar a residência, abrir-se-ia um grave precedente jurisprudencial, no sentido em que um progenitor que pretenda obter a “guarda” da criança a venha a levar, abruptamente, e sem consentimento e conhecimento dos tribunais e do progenitor para um país longínquo, sem protocolos e mecanismos internacionais que possam trazer o menor de volta; e depois de lá instalados vir pedir, ao Tribunal, a fixação da residência da criança naquele país.
RRR. No caso dos autos, os Princípios Constitucionais, da Razoabilidade, Equidade e Proporcionalidade deveriam ter sido atendidos para uma justa decisão, o que não o foram; razão pela qual, a sentença recorrida, padece de inconstitucionalidades, que aqui se expressamente se invocam para todos os efeitos.
SSS. Nesta medida, pede-se que aqueles princípios Constitucionais sejam respeitados e apreciados no Acórdão a proferir pelos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação, de acordo com os fundamentos invocados, com preponderância para o superior interesse dos menores, fixando-se a residência do BB em Portugal, junto do pai.

A progenitora contra-alegou, oferecendo as seguintes conclusões:
A- O Recurso apresentado não deverá ser admitido, por o conhecimento do pedido estar prejudicado pelas Decisões unânimes dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 8.2.2024 e de 19.01.2023, em virtude da alteração da regulação das responsabilidades parentais pressupor a ocorrência de circunstância supervenientes que demonstrem que o regime estabelecido, deixou de ser adequado.
B- Porquanto, em ambos os Acórdãos do Tribunal da Relação o regime estabelecido foi a atribuição e fixação da residência do menor BB com a mãe, no ....
C- O regime processual decorrente do RGPTC, se bem que admita em termos latos a modificabilidade de decisões judiciais anteriormente proferidas, onde prepondera o superior interesse da criança, o direito da criança ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, não prescindirá da lógica atinente à circunstância de existirem decisões regulatórias, provisórias e definitivas preexistentes.
D- Essa preexistência -, que in casu, são o referido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito deste Apenso em Janeiro de 2023, e o Acórdão da mesma Relação proferido no âmbito do Apenso F destes Autos em Fevereiro de 2024-
E- Determina que as alterações ulteriores devem ter encadeamento ao regime que se encontra fixado e as alterações apenas se dão, havendo necessidade disso. E
essa necessidade prende-se com o surgimento de circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração para com aquelas decisões pré-existentes, para que a ela não se oponha ou se conjugue com o já antes decidido, como prescrito no artigo 27.º do RGPTC.
F- A intervenção do juiz, no sentido de saber se mantém ou altera as medidas provisórias, não é discricionária e está subordinada a um critério de necessidade, mostrando-se indispensável que as circunstâncias supervenientes impliquem assim a efectiva necessidade de alterar o que está estabelecido podendo apenas alterar o que se revelar favorável aos superiores interesses da criança (artigo 12.º do RGPTC e artigo 988.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
G- Tendo em atenção o regime estabelecido, pelo Acórdão proferido nos Autos, importa determinar se as circunstâncias se alteraram em termos de o mesmo se ter tornado inadequado ao desenvolvimento físico, intelectual e moral da menor e, na afirmativa, determinar que regime poderá satisfazer aquela finalidade.
H- Em concreto, está em questão saber se se deve manter a Decisão do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de Janeiro de 2023 e o de 8 de Fevereiro de 2024, ou estabelecer-se a residência do menor com o pai.
I- Ora, nestes autos, estabelecer outro regime, designadamente o de estabelecer residência do menor com o pai, está vedado em virtude de não ter havido, entretanto, circunstâncias supervenientes e de harmonia com os interesses da criança que impliquem a efectiva necessidade de alterar o que está estabelecido;
J- E a haver incumprimento daquele acórdão no que respeita aos contactos diários entre pai e filho por meios de comunicação à distância, estes são imputáveis ao pai, que se nega a ver o filho.
K- Por isso, muitíssimo bem andou o tribunal a quo ao decidir exactamente o mesmo que os Acórdãos acima referidos, ou seja, “julgar procedente o pedido de alteração do regime de responsabilidades parentais instaurada, na vertente da residência da criança, que se fixa no ..., junto da mãe, mantendo-se, por ora, o regime de visita, fixado nos autos, sem prejuízo da sua, oportuna, alteração/revisão”.
L- Ora, estamos aqui perante o trânsito em julgado de dois Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães que geraram em plena concordância a autorização de que o
BB resida com a mãe no ....
M- Aliás como sublinhou a Exma. Sr.ª Procuradora, em alegações, ao dizer tratar-se, além do mais, da única solução praticável para a criança e solução de acordo, como referiu nas ditas alegações, com os nossos Venerandos Desembargadores dos dois Acórdãos dos Autos que assim entenderam.
N- Apesar de Circunstâncias supervenientes não serem necessariamente factos ocorridos externamente no tempo e no espaço, podendo, os estados de espírito, emoções e sentimentos consubstanciar tal superveniência de circunstâncias; concretamente, devem ter-se como circunstâncias supervenientes o estado de espírito da criança, as suas emoções e a sua dificuldade em integrar uma relação, uma vez que são relevantes na perspectiva do desenvolvimento físico, intelectual e moral da criança.
O- Na verdade, nenhuma circunstância superveniente, quer factos ocorridos externamente no tempo e no espaço, Quer os estados de espírito, emoções e sentimentos que consubstanciem tal superveniência de circunstâncias no menor, ocorreram; Quer quaisquer outros factos supervenientes trazidos aos autos, que não tenham já sido considerados e apreciados para a decisão dos Acórdãos do regime estabelecido da fixação da residência do menor, no ..., junto da mãe; Nem foram trazidos aos autos outros factos ou circunstâncias que possam consubstanciar, circunstancias supervenientes capazes de militar a favor de qualquer alteração
P- Concretamente, não há factos novos, nem supervenientes a analisar para a modificação da regulação, antes pelo contrário. É de manter a estabelecida, pois o menor BB foi ouvido em sede de audiência de julgamento e mostrou-se, durante esta fala, a mesma criança comunicativa, brincalhona, confiante, descrita no relatório de avaliação dos autos, apresentando um rendimento intelectual e escolar alto, não se vislumbrando nenhum perigo físico ou emocional para a sua permanência no ... junto da mãe.
Q- Onde a criança se encontra feliz e garantido o seu bem-estar e acautelados os seus interesses, junto da mãe com quem tem desde que nasceu forte vínculo emocional.
II- Da Impugnação da decisão quanto à matéria de facto:
Relativamente aos factos julgados como provados e que o recorrido pretende que a matéria provada seja alterada/modificada:
R- Quanto ao ponto 7, acrescentar “em virtude de todos os intervenientes – incluindo a aqui requerente – terem considerado ser uma decisão desadequada a tomar em férias judiciais por merecer maior ponderação, e uma avaliação amadurecida por se tratar dum país distante e que consequências gerar na vida do BB”
S- Importa precisar que não flui dos factos provados que a recorrida concordasse que o mais adequado era adiar decisão de ir para o ..., permanecendo o menor em
território nacional.
T- O que consta dos factos provados é apenas e tão só que na sequência do exposto, pelos restantes intervenientes, que consideraram que a solução pretendida, por ser drástica para a vida da criança, necessitava de maior avaliação e ponderação, sendo a decisão imediata, absolutamente desadequada em férias judiciais, a requerente da mesma desistiu da instância.
U- Bem como relativamente ao Item 9 aditar: “A requerente viajou para o ..., naquele dia 05/09/2022 sem autorização do tribunal e do progenitor do BB e sem o conhecimento do requerido, da escola e da psicóloga”
V- Não mostra qualquer utilidade, pois
W- A inclusão das inserções indicadas (quer as do item 7, quer 9) sempre constituiria um acto inútil por as mesmas serem imprestáveis para a decisão da causa,
X- Já que a proibição da prática de actos inúteis constante do art.º 130ºdo C.P.C. é peremptória.
Y- Diga-se em abono da verdade que todos estes pontos estiveram presentes e foram apreciados, nas Decisões proferidas por ambos os Acórdãos nestes Autos, não havendo também quanto a estas circunstâncias, qualquer alteração superveniente.
Z- Pelo que se devem dar por não escritas estas alterações/aditamentos, pretendidas pelo recorrente.
AA- Assim como relativamente ao item 17) que o recorrente quer ver acrescentado: “A doença auto-imune de que padece a requerente provoca-lhe dores físicas terríveis, falta de força, fraqueza no corpo, tendo, muitas vezes, de obter ajuda para as coisas mais básicas, as quais não consegue fazer. A doença tem-se revelado agressiva – sobretudo na componente muscular – com limitação, por períodos, da qualidade de vida da requerente,”
BB- Também se deve dar por não escrita, por não parecer prestável ou relevante para a decisão da causa.
CC- Quanto ao item 30, aditar: “A ausência de contactos é uma forma que o pai – requerido – tem de proteger o filho das explicações que eventualmente lhe possam ser dadas na sequência desses contactos; e, para não legitimar aquela situação, no modo como o filho foi levado para o ..., que o requerido considera que foi raptado”.
DD- Denota uma matéria de natureza conclusiva, uma ilação ou locução que não pode ser considerada “facto” pois o art.º 646º, nº 4 do C.P.C que estabelece os limites de atendibilidade e validade das respostas do tribunal sobre a matéria de fato, determina que se tenham por não escritas as respostas sobre questões de direito, merecendo igual solução as respostas sobre pontos que encerrem matéria de natureza conclusiva, por serem idênticas as razões justificativas do regime estabelecido.
EE- Daí se depreendendo que não podem, nem dever ser aceites estes aditamentos na matéria de factos provados.
FF- Dos factos julgados não provados que o recorrente pugna por provados estão:
A) pensão de reforma da requerente seria de cerca de € 700,00.
B) No ... existem grupos terroristas no activo.
GG- Quanto à reforma, não tem qualquer interesse ou relevo para a Decisão, uma vez que actualmente até pode ser outro montante de pensão que a recorrida viesse a receber em caso de reforma.
HH- Já no que concerne há existência de grupos terroristas activos no ... ficou dito no depoimento quer da testemunha KK, quer pela MM que o ... é um país em segurança, onde os filhos destes casais e demais vivem em segurança, sem que eles possam referir algum perigo de segurança, pois deixam os carros abertos nas ruas, sem medo de serem assaltados e vivem uma realidade de tranquilidade e paz social. Não se trata de um país em guerra, instável política ou socialmente, com níveis de insegurança elevados, com pandemias ou doenças, como já referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8 de Fevereiro.
II- Pelo que, devem estes itens continuar como matéria de factos não provados.
JJ- O recorrente quer dar como factos provados ainda: que nos dias 05/09/2022 e 06/09/2022 (no dia em que a mãe viajou com o filho para o ... e no dia seguinte) tentou estabelecer contacto com o BB, o que não logrou conseguir, porquanto a requerente não atendeu as chamadas do requerido. Ora este facto não tem qualquer relevo, para a Decisão da Causa já que foi no Acórdão de 8 de Fevereiro, do Apenso F julgado improcedente o incumprimento das responsabilidades parentais, no que respeita aos contactos telefónicos nos dias 05.09.2022 e 06.09.2022.
KK- Assim como não tem relevo que: a requerente vai para o ... no sentido de querer algum afastamento do pai do filho, que A requerente escondeu de todas as outras pessoas que ia para o ..., com medo de ser impedida, desde logo pelo pai (requerido), que O BB acampou com o Pai, em ..., na sexta-feira e fim de semana anterior à ida daquele para o ..., que A recorrida nunca mais veio a Portugal, que o BB soube que iria viajar para o ... após a progenitora o ter ido buscar ao colégio no dia 05/09/2022, que o BB em Portugal tinha boas notas, era um excelente
aluno e estava adaptado à escola, que de Portugal tem saudades dos avós, do amigo JJ, de algumas coisas da casa, do quarto, do sofá e das duas gatinhas que ficaram em casa dos avós, que o ... tem como punição, entre outras, a pena de morte, que no ... não existe respeito pelos direitos humanos, por não ter liberdade de expressão.
LL- Nenhum destes itens tem qualquer influência para a Decisão da causa, até porque a mudança da escola não afectou o BB a nível cognitivo ou intelectual, pois
continua sendo bom aluno, sendo que os avós maternos têm possibilidades financeiras e mobilidade para o irem visitar e
MM- Não há um mínimo de indícios, sequer, de que a mudança para o ... acarrete graves danos emocionais, acarrete um corte irreversível nos laços entre pai e filho, consequências nefastas, um sério risco para a formação, educação e desenvolvimento harmonioso do menor.
NN- Não existindo fundamentos para qualquer alteração factual, que é pugnada pelo recorrente.
OO- Aliás, mudar a residência agora ao menor é que seria catastrófico para o interesse superior do mesmo, até porque toda esta questão de fundo já se encontra decidida, sendo pacifica e que assegura confiança para o menor.

III- Questões de Direito:

PP- Nas questões de direito quando o pai, aqui recorrente pugna pelo direito e dever consagrado constitucionalmente da educação do filho, apraz dizer que este não lhe foi subtraído pois sempre pode promover convívios e visitas ao filho,
QQ- Aliás o recorrente já foi ao ... e não visitou o filho, apesar da escola que o menor frequenta se prontificar a ser intermediária a facilitar esse encontro
RR- E o menor também visitar o pai, durante as férias, não esquecendo as chamadas por vídeo conferência, aliás nunca efectuadas.
SS- Outorgando e potenciando com esta atitude, um corte no vínculo afectivo da sua relação com o filho.
TT- Quanto aos princípios constitucionais da razoabilidade, equidade e proporcionalidade foram estes atendidos sim nesta Sentença, que deve ser mantida na
íntegra e nos seus precisos termos.
UU- Falar de constitucionalidade sempre remete para a omissão deste pai em contribuir para a subsistência do filho, há cerca de dois anos, não efectuando o pagamento da devida pensão de alimentos, só o fazendo por Decisão da Acção de incumprimento decidido no Apenso B, sendo certo que este tema dos Alimentos também
pertence à tríade que perfaz as questões de particular importância para a vida do filho e seu superior interesse.
VV- Assim, entende-se adequado o regime de regulação das responsabilidades parentais estabelecido pela decisão a quo.

O Ministério Público igualmente contra-alegou, dizendo:
Vem o presente recurso interposto da douta decisão judicial de 30 de Junho de 2024 (Cfr. Ref. n.º ...87) dos autos que regulou o exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor BB, fixando a sua residência no ..., junto da progenitora.
Atendendo às conclusões do Recorrente e à delimitação do âmbito do recurso aí efectivada, não assiste, manifestamente, razão ao mesmo, pois que, de acordo com o entendimento do Ministério Público, aquele faz uma incorrecta leitura da douta decisão judicial ora em crise e dos fundamentos de facto e de direito que não só alicerçam o decidido como o impõem.
Vejamos.
O Apelante começa por alegar que o Tribunal “a quo” julgou incorrectamente parte da matéria de facto dada como provada e deveria ter dado como provados factos que julgou não provados, bem como deveria ter inserido, na matéria provada, factos que não constam na sentença. Assenta tal posição, segundo diz, na prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente nos depoimentos gravados e ainda nos autos de regulação das responsabilidades parentais e respectivos apensos, provas essas que impunham, no seu entendimento, conclusão diversa da tomada pelo tribunal “a quo”.
Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Apelante, entendendo o Ministério Público que aquele faz uma incorrecta leitura da douta decisão judicial ora em crise.
Efectivamente, e quanto à apreciação que o Recorrente faz da matéria de facto provada e não provada, não se vislumbram contradições de fundo nem razões de substância que levem a concluir da existência de incorrecções de julgamento em concretos pontos de facto ou de provas que, inequivocamente, imponham decisão diversa da recorrida ou, porventura, de provas que devam ser renovadas porque manifestamente imprescindíveis à boa decisão da causa.
Com efeito, a Mmª Juiz “a quo” fez uma profícua enumeração dos factos provados e da sua fundamentação com vista a alicerçar o, a final, decidido. Ademais, o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento; constitui, outrossim, um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância. No caso em apreço, o Recorrente não consegue demonstrar com razão os vícios da decisão recorrida, que se traduzam ou demonstrem o eventual mau uso do princípio da livre apreciação da prova, ou seja, que esta foi valorada contra os elementares ensinamentos da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, ou que a convicção foi formada com claros vícios de raciocínio e mediante critérios arbitrários ou caprichosos.
O que o Recorrente pretende, e faz, é tentar contraditar, impugnar os factos pelas
testemunhas percepcionados e extrair deles conclusões falaciosas que a demais matéria de facto assente não autoriza em boa lógica. Quer, no fundo, a realização de um novo julgamento, por discordar da convicção formada pelo julgador, com base nos depoimentos colhidos.
Pelo discorrido dir-se-á que uma coisa são os factos que ficaram provados e que como tal constam da decisão recorrida e outra coisa, bem diversa, são quer os factos que na opinião e convicção do recorrente deveriam ter sido considerados provados e as conclusões que, a seu ver, deveriam ser extraídas. Olvida aquele que no direito processual civil impera também a regra da livre apreciação da prova: isto é que o tribunal aprecia livremente, segundo a sua prudente convicção (cfr. art.º 655º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil (princípio da livre apreciação da prova) a matéria fáctica trazida à audiência e aos autos, ou seja, depois da prova testemunhal e documental produzida, o tribunal tira as suas conclusões, em conformidade com as impressões colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as regras da ciência, do raciocínio, e das máximas da experiência [As máximas ou regras da experiência da vida são afirmações genéricas de facto –são juízos gerais (de facto) – situadas no domínio da questão de facto, que funcionam como premissas maiores das presunções simples, notórias ou não notórias – se forem notórias o juiz conhecê-las-á ou se socorrerá dos meios fáceis e acessíveis ao seu conhecimento, se o não forem serão obtidas por intermédio do processo, maxime, por intermédio dos peritos – que procedem mediata ou imediatamente da experiência - vide Castro Mendes, Do conceito de prova em processo civil, Edições Ática – 1961, págs. 644 e 660 e segs - São, pois, juízos de carácter geral formados sobre a observação da vida de todos os dias, que permitem ao juiz apreender o significado, a atendibilidade e a eficácia de uma prova. São critérios generalizantes e tipificados de inferência factual - cfr. Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal (1967-1968), Coimbra – 1968, pág. 48. Segundo Vaz Serra – RLJ Ano 108 pág. 358 – não são normas jurídicas – e portanto não são normas de direito substantivo – mas são partes destas já que estas as mandam, expressa ou tacitamente, ter em conta e, por conseguinte a sua violação implica a violação da lei substantiva. E segundo P. Lima e A. Varela – Cód. Civil Anot. Vol. I 2.ª Ed., pág. 289 – estão na base das presunções judiciais simples ou de exercício, isto é, das que assentam no simples raciocínio de quem julga].
Acresce ainda que, da fundamentação da decisão recorrida, facilmente se apreende o processo lógico conducente à fixação da matéria de facto e à subsequente decisão recorrida. E, de facto, a decisão proferida é a única solução praticável para a criança BB.
Efectivamente, a mãe sempre foi a figura securizante do BB, inclusive desde a sua ida para o ....
Ademais, resulta dos autos e da prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento que é esta a vontade do BB, o qual, pese embora os seus 9 anos de idade, revelou encontra-se – não obstante as naturais dificuldades iniciais que inicialmente sentiu - bem integrado no ..., apreciando a escola, os amigos que já fez e as actividades que aí desenvolve, como seja a natação, sendo que, inclusive, já diz saber algumas coisas em árabe. Decidir o contrário seria afastar o BB do seu centro de vida, o qual é e desde foi, sempre junto da sua mãe. É, aí, como bem refere a Mm.ª Juiz “a quo”, junto da mãe, o local onde o BB “(…) fundou as suas raízes emocionais, onde se sente amparado e seguro e onde está a sua figura de referência”. Em conclusão, e como bem refere a Mm.ª Juiz “a quo”, “(…) tendo presente o superior interessa da criança, sobretudo, o seu direito a preservar o seu património afectivo estruturante construído junto da mãe, e que o menino, acima de tudo, privilegia, considerando as competências daquela, considerada a vontade de BB por estar alinhada com os demais factores, conclui-se que a mudança de residência peticionada foi necessária a ainda proporcional e, por isso, se entende que deve ser determinada.”
O critério basilar da decisão de regulação do exercício das responsabilidades parentais, é o superior interesse da criança, princípio cuja definição não encontra apoio no texto da lei, tendo o legislador preferido seguir o rumo do conceito indeterminado, por forma a que o mesmo possa ser adaptado à variabilidade e imprevisibilidade das situações da vida, cujo conteúdo deve, portanto, ser apurado em cada caso concreto (cfr. acórdão do T.R.P. de 16/03/1999, in www.dgsi.pt).
Ainda assim, é de salientar, primeiro, que este conceito deve ser aferido, em concreto, relativamente a uma específica criança ou jovem: a criança ou jovem com que se está a lidar: assim, aquele conceito ganha uma carga subjectiva, embora esta subjectividade diga respeito à pessoa da criança e não ao critério do julgador – por isso que se fala num conceito que assume tantas formas quantas as crianças ou jovens existentes, obrigando o intérprete-aplicador a densificá-lo caso a caso. É, pois, a esta luz, que se deve analisar toda a douta decisão sob censura.
Na verdade, conjugando as provas produzidas - e não em exclusivo o depoimento do progenitor/apelante que, bem vistas as coisas e ouvido com a atenção devida, não confirma, em nosso entender, as asserções constantes das alegações - a douta sentença é a reprodução fiel do que se passou no julgamento e do que resulta de toda a prova produzida nos autos.
Assim, com a prolação da decisão ora em crise, pretendeu-se e conseguiu-se garantir ao menor a sua segurança, estabilidade e adequado desenvolvimento integral.
Ademais da análise do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras
da experiência comum, não se vislumbra qualquer insuficiência da matéria de facto apurada e constante da decisão em crise ou qualquer contradição insanável nessa matéria ou na sua fundamentação ou, por último, qualquer erro notório na apreciação da prova: assim sendo, por falta de fundamento legal e de facto, deve improceder o recurso interposto mantendo-se, na íntegra, a douta decisão recorrida.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber se:

a) Ocorreu erro no julgamento da matéria de facto
b) Independentemente disso, se o pedido de alteração de regime de Regulação de Responsabilidades Parentais formulado pela progenitora sobre o seu filho menor, BB, deveria ter sido julgado improcedente.

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. Em ../../2015, nasceu, em ..., BB, filho de AA e de CC.
2. Em 19 de Setembro de 2016, por acordo, homologado por sentença, transitada em julgado, foram reguladas as responsabilidades parentais relativamente à criança, estipulando-se, além do mais, o exercício conjunto das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância, e fixando-se a residência de BB junto da mãe, titular das responsabilidades quanto às questões da vida corrente do filho.
3. Na vertente do direito de visita, estipulou-se que a criança, até aos dois anos, visitaria o pai, aos sábados ou domingos, alternadamente, das 11h até às 18h e que, a partir dos 2 anos de idade, conviveria com o pai de 15 em 15 dias, desde as 11h de sábado até às 18h de domingo.
4. Na mesma vertente, estipulou-se que o BB passaria, durante a semana, dois dias com o pai, no mínimo de 3 horas, a acertar previamente com a mãe.
5. Em 10 de Fevereiro de 2022, no âmbito do apenso A, foi alterado, provisoriamente, o regime de visita do BB ao pai, estipulando-se um convívio ao fim de semana, quinzenalmente, devendo o pai recolher o filho na escola à sexta-feira, no final das actividades lectivas, e entregá-lo na escola, na segunda-feira seguinte, no início das actividades lectivas.
6. Nesse mesmo apenso, por requerimento de 15 de Agosto de 2022, a requerente requereu a alteração e mudança de residência do menor, com carácter urgente, para o ....
7. No dia 25 de Agosto de 2022, no âmbito da conferência de pais, a requerente desistiu da instância desencadeada para alteração da residência do filho, o que foi homologado por sentença.
8. No dia 5 de Setembro de 2022, o pai levou o BB ao Colégio ... para frequentar as actividades lectivas.
9. Nesse mesmo dia, durante a manhã, a requerente foi buscar o filho ao colégio, a pretexto de o levar a uma consulta no médico, e, de seguida, ambos viajaram para o ..., onde residem desde então.
10. A 11 de Setembro de 2022, o aqui requerido, CC, instaurou contra a aqui requerente, NN, incidente de incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais (apenso F), pedindo a entrega, provisória, do filho aos seus cuidados, condenando-se a requerida ao pagamento de multa e indemnização, limitando-se os seus contactos com o BB, de modo a impedir nova subtracção da criança.
11. Nesse âmbito, em 28 de Julho de 2023, foi proferida sentença, julgando procedente o incumprimento das responsabilidades parentais, no que respeita à questão de particular importância consubstanciada na alteração da residência do menor para o ..., condenando-se a requerida AA na soma de 16 (dezasseis) UC e ao pagamento de indemnização a favor do requerente no valor de € 1.000,00, julgando-se improcedente o incumprimento das responsabilidades parentais, no que respeita aos contactos telefónicos nos dias 05.09.2022 e 06.09.2022 e quanto ao pedido de condenação da requerida em indemnização a favor do menor.
12. Por acórdão de 8 de Fevereiro de 2024, foi revogada a sobredita sentença, no que toca à condenação em multa e indemnização a favor do ali requerente.
13. Em 19 de Setembro de 2022, a requerente instaurou os presentes autos de nova regulação, com o propósito de fixar a residência do BB no ....
14. Neste âmbito, por decisão de 7 de Outubro de 2022, alterou-se, provisoriamente, o regime de regulação das responsabilidades parentais, fixando-se a residência do BB junto do pai.
15. Por acórdão desta Relação de 19 de Janeiro de 2023, foi revogada a sobredita decisão provisória, autorizando-se, provisoriamente, que o BB resida com a mãe no ..., estabelecendo-se que o pai poderá contactar com o filho, diariamente, através de meios de comunicação à distância, por som e/ou imagem, tendo em consideração a diferença horária entre Portugal e o ... e sem prejuízo dos seus períodos de descanso e actividades escolares da criança, imputando-se à mãe providenciar pelos meios necessários ao estabelecimento de tais contactos.
16. Em sede de audiência de julgamento foi ouvido BB que, em síntese, declarou que: “a mudança para o ... foi boa. No início foi um bocadinho difícil. Da comida, gosta muito de um tipo de pão ... e do arroz com especiarias e carne. A escola é boa, é grande, tem muitos meninos de todas as idades, de muitos países diferentes, mas a maioria é .... Na escola falam inglês e também aprendem árabe. Já sabe dizer algumas coisas em árabe. Já tem muitos amigos, portugueses, ... e de outras línguas. No ..., gosta de andar de baloiço, ir para o parque e estar com os amigos na praia. Pratica natação. Na escola tem piscina. É bom viver no .... É um bocadinho diferente, mas não é muito diferente. A temperatura é um bocadinho mais alta e o dia começa cedo. Perto de casa tem um amigo, que mora na mesma zona. Saem juntos para ir à praia, ao "...", onde tem muitos supermercados e vai até à casa dele… Não se lembra do nome da rua onde vivia. Quanto ao possível regresso a Portugal, disse não querer vir. Tem receio que o pai o leve para casa dele e não o devolva mais e isso ele não quer. O pai é horrível, mente, às vezes, e quer levá-lo para Portugal. Disse que o pai mentiu duas vezes, mas não se lembra em quê. Sabe que o pai quer que ele vá viver para Portugal, mas ele não quer. Também não quer ver o pai. Não quer fazer videochamada com o pai, porque ele pode analisar a casa onde vive e fazer um plano para o levar para Portugal. O pai não fez nada para que ele ficasse com medo, mas como ele quer levá-lo para Portugal, tem medo que o leve. Sabe que o pai esteve no ..., mas não o viu. Tem certeza que ele andou à procura deles, mas infelizmente não os encontrou. Se visse o pai não iria com ele. Mesmo que não tivesse que ir com ele, não o queria ver. Não gosta do pai. Ele iria dizer que ele está mal ali. Lembra-se de coisas divertidas que fazia com o pai, como por exemplo ir ao parque. Às vezes divertiam-se, outras vezes não se divertiam. Não se lembra da última coisa divertida que fez com o pai, antes de ir para o .... Nas últimas férias de verão que esteve com o pai, já não se lembra muito bem, mas acha que foram divertidas. Tem medo que o pai o impeça de ficar com a mãe. Não quer ver o pai de maneira nenhuma, nem por videochamada. Tem saudades dos avós. Gostava de os ver, à distância. Tem saudades do amigo JJ, de algumas coisas da casa, do quarto, do sofá. Tinha duas gatinhas que ficaram em casa dos avós, tem saudades delas e gostava de as ver”.
17. A requerente sofre de doença auto-imune (dermatomiosite – poliomiosite) que compromete o aparelho muscular e dermatológico.
18. A requerente é pianista de profissão, há quase vinte anos.
19. Em consequência da sua doença ficou impedida de tocar piano.
20. A requerente teve uma proposta de trabalho no ..., numa escola internacional, mediante uma retribuição mensal, líquida, de € 2.600.00 euros, (dois mil e seiscentos euros), sem despesas de habitação e transportes, incluindo seguros de saúde e propinas do BB e com a oferta de uma viagem ao país de origem pagas.
21. O sobredito trabalho teve início no mês de Agosto de 2022.
22. No ..., a requerente pode continuar com os seus tratamentos clínicos e pode refazer a sua carreira como professora de música, sem a necessidade da prática do ensino instrumental.
23. No início do ano de 2022/23, o calendário escolar decorre, no 1.º período, de 16 de Agosto a 17 de Novembro, no 2.º período: de 2 de Janeiro de 2023 a 9 de Março, no 3º período, de 19 de Março a ../../.... de 2023.
24. A irmã da requerente vive e trabalha no mesmo grupo de escolas, no ....
25. Em 3 de Março de 2002, em sede de avaliação pericial, o requerido CC revelou-se: “… lógico e coerente, espontâneo e fluente. A sua expressão emocional foi concordante com o conteúdo do discurso … com capacidade de análise reflexiva e autocritica … estável do ponto de vista emocional e afectivo e também do ponto de vista social, estando bem integrado a todos os níveis. Demonstrou ser totalmente capaz de reflectir sobre si próprio e sobre os seus comportamentos e ter capacidade de colocar-se no papel do outro. Não se percepciona qualquer tipo de alteração da personalidade, ou sintoma de qualquer psicopatologia. Evidencia ansiedade, relacionada com o caso em apreço. Da avaliação destacam-se características da personalidade como sensível, adaptado e maduro, sério, reprimido e cuidadoso, atento às normas, cumpridor e formal, objectivo, confiante, realista, introvertido, perfeccionista, organizado e disciplinado. No que diz respeito às competências parentais, considera-se um pai preocupado e capaz de proporcionar ao seu filho um desenvolvimento adequado. Demonstrou interesse e preocupação com o menor. Relatou situações de prestação de cuidados adequados. Demonstrou possuir conhecimentos no que diz respeito às práticas educativas … é totalmente capaz para o exercício da parentalidade. Não foram observadas alterações da personalidade ou suspeitas de alterações psicopatológicas, no momento, que possam pôr em causa as suas competências enquanto pai. Demonstra competências parentais sólidas, sendo capaz de prestar todos os cuidados necessários ao menor, nomeadamente ao nível dos cuidados mais básicos como de higiene, da alimentação, afecto e da estimulação.”
26. Em 8 de Julho de 2022, em sede de avaliação pericial, BB revelou-se: “…uma criança comunicativa e simpática, com capacidades para narrar as suas vivências com espontaneidade. Apresentou um desenvolvimento global dentro dos padrões, sendo totalmente capaz de reproduzir situações do quotidiano, com sequência e congruência, relatando pormenores, fazendo referência aos protagonistas, locais e interacções verbais, sendo capaz de narrar eventos mais distantes. Manifestou desejo de passar a maior parte do tempo com a mãe, figura percepcionada como muito positiva, responsável, afectuosa, preocupada e competente para cuidar dele. Descreve um padrão relacional adequado e saudável com a mãe, os avós e tia maternos. Caracterizou o pai de forma menos positiva, referindo que: “o pai mente, às vezes porta-se mal…está a melhorar mas mesmo assim não é suficiente…eu já apanhei mentiras…ele acha que eu nunca lhe apanhei mentiras mas eu já apanhei…não gosto muito do comportamento do pai.” Referiu que não fica triste quando vai passar o fim-de-semana com o pai, mas gosta mais de passar o fim-de-semana com a mãe “é mais divertido…brinco mais…” Referiu que a do pai “é fixe”. No desenho da família não desenhou o pai e questionado respondeu “eu desenhei de quem eu mais gosto…” (sic), referindo-se à mãe e família materna. BB revelou maturidade e capacidade para compreender a situação familiar, actual, em que se encontra, sobretudo, a falta de entendimento dos pais quanto à sua residência e futuro, o que lhe causa sentimentos de instabilidade e insegurança que gera ansiedade e medos, sem sintomatologia depressiva. Demonstrou um forte vínculo afectivo com ambos progenitores, sendo com a mãe que se verifica um grau de vinculação mais forte e seguro. Ambas, figuras materna e paterna, surgem associadas a vivências positivas, mas é com a figura materna que o vínculo se afigura mais securizante, sendo esta figura que maior serenidade, estabilidade e segurança lhe transmite. A figura do pai é percepcionada de forma menos positiva. BB manifestou o desejo morar com a mãe sem indicadores de instrumentalização por parte desta…”.
27. Em 8 de Julho de 2022, em sede de avaliação pericial, a requerente revelou-se: “… consciente e orientada auto e heteropsiquicamente, com capacidade para narrar as suas experiências. O seu discurso foi lógico e coerente, espontâneo e fluente. A sua expressão emocional foi concordante com o conteúdo do discurso. Não foram observadas ou suspeitas alterações psicopatológicas ou indicadores de perturbação da personalidade …revelou-se uma pessoa emocionalmente estável, confiante e segura, sensível, afectuosa, comunicativa, empática, totalmente capaz do exercício da parentalidade. Atenta ao desenvolvimento do menor, preocupada com o seu bem-estar. Demonstrou ser totalmente capaz de reflectir sobre si própria e sobre os seus comportamentos. Não foram observadas ou suspeitas alterações psicopatológicas ou perturbações da personalidade que prejudiquem ou comprometam o exercício responsável da parentalidade. Demonstra conhecimento ao nível das competências parentais, sendo capaz de perceber e aplicar os cuidados necessários ao menor, nomeadamente ao nível dos cuidados básicos de higiene, da alimentação, afecto e da estimulação assim como das práticas educativas.
28. No final da avaliação pericial, os peritos concluíram que os pais se revelaram incapazes de estabelecer espaços de análise e discussão a respeito do próprio filho, o que, futuramente, pode promover desajustamento da criança.
29. O BB gosta de relatar ao pai as suas experiências, vivências e “aventuras”.
30. Desde que o BB viajou para o ... o pai não mais quis atender as suas chamadas.
31. No primeiro período do ano lectivo de 2022/2023, no ..., BB foi avaliado como: a. um membro quieto e atencioso de nossa classe. Quando se sente confiante de que sabe a resposta, BB às vezes se junta com discussões e respostas a perguntas, mas às vezes a barreira do idioma pode causar um problema. Em Matemática, BB tem mostrou uma compreensão de todos os factores de multiplicação da tabela 2x. Ele foi capaz de contar em passos de 2, 5 e 10 de 0 e voltar. Ele agora pode contar até 100 e de 100 e voltar a 0. Ele é capaz de particionar um número de 2 dígitos em dezenas e unidades. Com relação à escrita, BB tem noção de como formar letras minúsculas e maiúsculas na direcção correcta, começando e terminando no lugar certo. Na Leitura, BB gosta de ouvir e ler histórias, porém às vezes tem dificuldade em misturar sons para criar palavras. Às vezes, ele pode responder a perguntas relacionadas a um texto. Parabéns BB continue assim seu trabalho duro no Termo 2.
32. No ..., para além da irmã, a requerente conta com o apoio da amiga, MM, que ali habita há 10 anos, trabalha na mesma escola, e já a convida há muito para fazer parte da equipa.
33. Conta, ainda, com o apoio de outros amigos da comunidade portuguesa e que lá vivem há quase cinco anos com suas famílias, designadamente os filhos, apoiando-se todos uns aos outros, nesse grupo de escolas internacionais de nome School....
34. A península do ... projecta-se por 160 km no ..., ao norte da ....
35. A maioria do país é composta por uma planície árida baixa e coberta de areia.
36. A temperatura varia entre 14ºc e 42ºc, no máximo de cerca de 45ºC.
37. O Verão é abafado e árido, de céu parcialmente coberto.
38. O Inverno é seco, com vento forte e céu descoberto.
39. Os níveis de humidade são extremos.
40. O ... é um emirado absolutista e hereditário comandado pela ... desde meados do século XIX.
41. A lei Xaria é a principal fonte da legislação do ... de acordo com a Constituição.
42. É um dos países mais ricos do mundo.
43. A sua riqueza é arrecadada, entre outros, com a exploração e venda do petróleo.
44. Não existe um sistema de saúde como o SNS português e os custos com saúde são elevados.

Provou-se ainda que:

45. CC viveu em união de facto com OO, de 41 anos de idade, solteira.
46. Com o objectivo de se aproximar do filho, o requerido, CC, mudou a sua residência para a freguesia ..., habitando, em regime de contrato de comodato, num espaço, inserido numa quinta, de construção antiga em pedra e madeira no interior, composto por ... e ... andar.
47. No r/c, em open space, existe uma sala onde está uma salamandra que aquece toda a área, cozinha equipada com o mobiliário essencial e electrodomésticos adequados às necessidades do agregado, um quarto de solteiro e um WC, todos de pequenas dimensões.
48. No 1.º piso, acessível através de escadas em madeira, existe o escritório do requerido, onde guarda instrumentos musicais e o portátil que são o seu instrumento de trabalho, uma sala que constitui o espaço de trabalho de OO e o quarto do BB com acesso (porta) ao escritório do pai e ao quarto do casal e um WC.
49. Todos os aposentos estão equipados com o mobiliário adequado às necessidades e conforto do agregado.
50. O quarto do BB tem uma cama de solteiro adequada à idade da criança, desenhos e brinquedos.
51. No dia da visita domiciliária dos serviços do ISS, a casa apresentava-se num estado limpo e organizado, apresentando adequadas condições de habitabilidade.
52. O requerido e a companheira demostraram perfeito conhecimento dos gostos e necessidades do BB, com expressa preocupação por parte do pai relativamente ao acompanhamento médico do filho.
53. Manifestaram saudades e emoção do tempo que passaram com a criança a construir puzzles, em passeios e nas brincadeiras.
54. CC é guitarrista, já leccionou a disciplina de música em escolas básicas de 2º e 3º ciclos.
55. Em Junho de 2018 deu início a actividade na área das «Actividades das Artes do Espectáculo».
56. Como Trabalhador Independente realiza as contribuições sociais obrigatórias sobre € 93,46.
57. No ano de 2021 apresentou um rendimento global no valor de € 11.573,14.
58. É proprietário de dois imóveis que se encontram arrendados, um por € 100,00 e o outro por € 707,00.
59. OO trabalha como intérprete telefónica, em regime de teletrabalho.
60. Aufere uma remuneração base de € 600,00, acrescida de eventuais horas extras a 25%.
61. Trabalha, ainda, como assistente administrativa de 1ª, com uma remuneração base de € 450,00, acrescido de prémio de assiduidade no valor de € 225,00, que realiza em teletrabalho.
Com relevo e interesse para a discussão da causa, não se provou que:
A) A pensão de reforma da requerente seria de cerca de € 700,00.
B) No ... existem grupos terroristas no activo.
C) O BB sofre de problemas respiratórios.
D) O requerido está desempregado.

IV
            Recurso da decisão da matéria de facto
Em primeiro lugar, convém ter presente que estamos perante uma forma processual (processo tutelar cível) que tem a natureza de jurisdição voluntária (art. 12º RGPTC). Isto significa, nos termos do art. 986º,2 CPC, que o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias. Significa ainda que “nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” (art. 987º CPC). Igualmente importante é o regime do art. 988º,1 segundo o qual, nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.
Da natureza de jurisdição voluntária, tal como se escreve no Acórdão do TRG de 25/2/2016 (Francisco Xavier), não resulta, obviamente, um poder discricionário do juiz, mas tão só um poder/dever de orientar o processo, designadamente no que toca à admissão das provas, em função do seu objecto e tendo em conta o seu fim último, que, no caso, é o superior interesse da criança. Tal não implica, no entanto, que tenham que se sacrificar os direitos dos progenitores, mas impõe, necessariamente que estes tenham que, eventualmente, ser compaginados ou restringidos, em função do superior interesse da criança.
Começa o recorrente por pretender uma alteração à matéria de facto provada.
Vejamos. A instrução da causa consiste na demonstração de factos, e a fundamentação de facto das decisões não pode conter senão matéria de facto (arts. 410 º e 607º,3 CPC). Isto porque aos processos de jurisdição voluntária aplicam-se as regras estabelecidas no processo civil para a elaboração da sentença (art. 549º,1 CPC).
Igualmente tem aplicação in casu o disposto no art. 640º CPC, que contém os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto.
Podemos assentar em que o recorrente cumpriu estes requisitos de admissibilidade do recurso, pelo que, sem mais delongas vamos ver se a matéria de facto deve ser alterada, como o recorrente pretende.

Primeiro, o recorrente quer ver o facto provado 7, que é este
7. No dia 25 de Agosto de 2022, no âmbito da conferência de pais, a requerente desistiu da instância desencadeada para alteração da residência do filho, o que foi homologado por sentença,alterado para:
7. No dia 25 de Agosto de 2022, no âmbito da conferência de pais, a requerente desistiu da instância desencadeada para alteração da residência do filho, o que foi homologado por sentença, em virtude de todos os intervenientes – incluindo a aqui requerente - terem considerado ser uma decisão desadequada a tomar em férias judiciais por merecer maior ponderação, e uma avaliação amadurecida por se tratar dum país distante e que consequências gerar na vida do BB.

Salvo melhor opinião, não vemos qualquer utilidade neste acrescento que o recorrente quer introduzir. O que releva é o facto em si: a desistência da instância. As razões do foro íntimo da progenitora que a levaram a tomar essa decisão de desistir da instância não são minimamente relevantes para a acção.
Improcede esta pretensão.

Facto provado 9
9. Nesse mesmo dia, durante a manhã, a requerente foi buscar o filho ao colégio, a pretexto de o levar a uma consulta no médico, e, de seguida, ambos viajaram para o ..., onde residem desde então.

E pretende a alteração para:
9. Nesse mesmo dia, durante a manhã, a requerente foi buscar o filho ao colégio, a pretexto de o levar a uma consulta no médico, e, de seguida, ambos viajaram para o ..., sem autorização do Tribunal e do progenitor e sem o conhecimento do requerido, da escola e da psicóloga do BB, onde residem desde então.
Outra alteração totalmente irrelevante. O acrescento engloba aspectos de Direito (a autorização do Tribunal), factos inócuos e factos que poderiam ser relevantes para outro processo mas não para este tutelar cível).
Improcede.

Facto provado 17:
17. A requerente sofre de doença auto-imune (dermatomiosite – poliomiosite) que compromete o aparelho muscular e dermatológico.
E pretende a alteração para:
17. “A requerente sofre de doença auto-imune (dermatomiosite – poliomiosite) que compromete o aparelho muscular e dermatológico. A doença auto-imune de que padece a requerente provoca-lhe dores físicas terríveis, falta de força, fraqueza no corpo, tendo, muitas vezes, de obter ajuda para as coisas mais básicas, as quais não consegue fazer. A doença tem-se revelado agressiva – sobretudo na componente muscular – com limitação, por períodos, da qualidade de vida da requerente”.
Mais uma vez, não vemos relevância nesta invasão da privacidade da progenitora, para além de serem usados conceitos vagos e indefinidos.

Como refere a sentença, “a condição de saúde da requerente e subsequente afectação da sua actividade profissional são reveladas pela declaração médica, junta aos autos com a petição inicial, emitida pelo Hospital ..., através do médico assistente da requerente, por ser documento, em si, idóneo e bastante para a demonstração de tal facto. A mesma declaração revela a existência de meios no ... para o tratamento da doença da requerente; o que por se tratar de facto médico do conhecimento do subscritor se releva, na mesma medida, idóneo, para o efeito”.
Se o que pretende o recorrente é dizer que devido à doença, a mãe do BB não está em condições de exercer as responsabilidades parentais, então não é necessário este acrescento, pois a existência da doença está provada e foi ponderada no momento certo. Acresce que, para aferir das competências pessoais e maternais da progenitora temos os relatórios periciais juntos aos autos.
Improcede.

Facto provado 30:
30. Desde que o BB viajou para o ... o pai não mais quis atender as suas chamadas.

E pretende a alteração para:
“Desde que o BB viajou para o ... o pai não mais quis atender as suas chamadas. A ausência de contactos é uma forma que o pai – requerido – tem de proteger o filho das explicações que eventualmente lhe possam ser dadas na sequência desses contactos; e, para não legitimar aquela situação, no modo como o filho foi levado para o ..., que o requerido considera que foi raptado”.
Aqui temos dificuldade em perceber sequer a lógica inerente à explicação que o progenitor vem tentar dar para o facto provado. Acresce que assiste razão à recorrida quando afirma que esta formulação denota uma matéria de natureza conclusiva, uma ilação ou locução que não pode ser considerada “facto” (art. 646º, nº 4 do CPC). E a mesma não pode, por essa e outras razões, ser considerada provada.
Improcede.

E quanto à matéria de facto não provada:

Pretende o recorrente que passem a provados estas alíneas:
A) A pensão de reforma da requerente seria de cerca de € 700,00.
B) No ... existem grupos terroristas no activo.

O Tribunal recorrido consignou que “a factualidade não apurada surge como tal ante a total ausência/insuficiência da prova produzida para conduzir no apontado sentido, bem como, ante as contradições geradas com a factualidade apurada.
E com razão.
Quanto à reforma, até a circunstância de a frase estar escrita no condicional (“seria”) revela como não se trata de um facto mas de uma previsão, que nunca poderia ser vista como facto provado. Como respondeu, e bem, a progenitora.
E quanto à referência aos grupos terroristas no activo, para além de não haver prova segura de tal afirmação, a qual só poderia vir ou dos próprios grupos terroristas ou de membros de Serviços de Informação altamente especializados (que não foram ouvidos nos autos), a afirmação em si é totalmente inútil para o objecto destes autos, pois se o que está em causa é a preocupação com a segurança do menor, então basta lembrar que os ataques terroristas sucedem em qualquer sítio, quando menos se espera: ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., etc (a lista é infindável).
Improcede também esta última pretensão de alterar a matéria de facto.

Aplicação do Direito
Atentos os factos provados, e sendo que o que está em causa nestes autos é saber o que é melhor para o menor BB, e não o que é melhor para os pais deste, então adiantamos desde já que não temos como discordar da sentença recorrida.
E como quando a decisão recorrida está correcta e bem fundamentada a Relação não precisa de procurar vias alternativas para chegar ao mesmo resultado, vamos seguir de perto as razões expostas na sentença.
A possibilidade de alteração do acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais está prevista no art. 42º,1 RJPTC.
Neste caso sabemos que em 19 de Setembro de 2016, por acordo homologado por sentença transitada em julgado, foram reguladas as responsabilidades parentais relativamente ao BB, nascido a ../../2015, filho de requerente e requerido. De acordo com o regime estabelecido, o BB reside junto da mãe; titular das responsabilidades quanto às questões da vida corrente do filho, cabendo aos pais, conjuntamente, o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância.
Por requerimento de 15 de Agosto de 2022 a progenitora requereu a alteração e mudança de residência do menor, com carácter urgente, para o ...; instância da qual desistiu, no dia 25 de Agosto de 2022, no âmbito da conferência de pais.
Porém, a 5 de Setembro de 2022 a requerente foi buscar o filho ao colégio, a pretexto de o levar a uma consulta no médico, e, de seguida, ambos viajaram para o ..., onde residem desde então.
E para dar cobertura jurídica a essa situação de facto, veio a progenitora instaurar os presentes autos.
Actualmente, por força do acórdão desta Relação de 19 de Janeiro de 2023, que revogou a decisão provisória que, entretanto, alterou a residência da criança, fixando-a junto do pai, o BB reside, provisoriamente, com a mãe no ..., podendo o pai contactar com o filho, diariamente, através de meios de comunicação à distância, por som e/ou imagem, tendo em consideração a diferença horária entre Portugal e o ... e sem prejuízo dos períodos de descanso e actividades escolares da criança, cabendo à mãe providenciar pelos meios necessários ao estabelecimento de tais contactos.
A sentença recorrida, como já vimos, julgou procedente o pedido de alteração deduzido pela progenitora do BB, fixando a residência do menor no ..., junto dela, mantendo o regime de visita, fixado nos autos, sem prejuízo da sua oportuna alteração/revisão.
O recorrente vem tentar obter a alteração dessa decisão, mas não podemos acompanhar a sua argumentação, porque a decisão recorrida parece-nos, sem margem para dúvidas, ser a que melhor salvaguarda o interesse do BB.
Gostamos de começar sempre estas decisões que envolvem o poder paternal a dizer que os Tribunais não deveriam nunca ser obrigados a decidir sobre o futuro de uma criança que tem os progenitores vivos. Simplesmente, a isso se vêm obrigados, pela incapacidade daqueles de se entenderem sobre o que é melhor para o seu filho (art. 1878º CC).
Dito isto, acompanhamos a exposição feita na sentença recorrida sobre o exercício conjunto das responsabilidades parentais, no que tange às questões de particular importância, que passou a constituir a regra e o exercício unilateral das mesmas, como excepção que é, só se torna possível em casos peculiares e sempre tendo por base uma decisão judicial devidamente fundamentada, e o que esteve na base dessa alteração.
No caso em apreço discute-se a fixação da residência da criança e o direito de que a mesma nela permaneça (artigos 85º e 1887º CC).
Em caso de separação dos pais, por força do estabelecido no art. 1906º,6 CC, cabe determinar qual a residência do filho, que poderá ser alternada entre os dois progenitores, exclusiva de um deles ou até ser fixada junto de uma terceira pessoa, nos termos do art.º 1907.º, do mesmo diploma.
No caso destes autos a mudança de residência acontece para uma área geográfica distante da anterior, o que conduz a uma alteração significativa da vida da criança, nas suas rotinas, nos convívios com família alargada e amigos, na frequência do estabelecimento de ensino e, ainda mais significativo, nos convívios com o progenitor com quem não reside ou que, em caso de residência alternada, terá que deixar de habitar, como consequência do facto de a alteração da residência impossibilitar tal regime.
A peticionada alteração da residência para o estrangeiro, junto da mãe, a ser definitivamente determinada, acarretará uma alteração significativa da vida do BB. O menino viverá noutro continente, num país de clima, cultura, costumes e hábitos substancialmente diferentes dos europeus, falará e aprenderá numa outra língua, noutros estabelecimentos de ensino, com outras regras, alterará as suas rotinas, eventualmente, mesmo as mais pequenas, e perderá os convívios regulares com família alargada e amigos.
Além disso, verá alterado o espaço físico em que habita que é o contínuo do seu corpo e da sua afectividade. A nossa habitação é o nosso contínuo social. Uma modificação desse espaço tem um impacto na nossa existência que não pode, pois, ser subvalorizado.
Não obstante, concluímos que essa mudança vai de encontro ao seu interesse.
Dando aqui por reproduzidos os argumentos dos progenitores, vamos atentar nos factos provados, pois é deles que sairá a melhor solução para o BB.
Citando Acórdão desta Relação proferido nestes autos, “o critério de decisão primacial é o já acima analisado: integra o “interesse superior da criança” o direito da mesma de residir com a figura primária de referência, ou como decorre da alínea g) do art.º 4º da LPCJP, aplicável ex n.º 1 do art.º 4º da RGPTC, a confiança da criança deve respeitar o direito da mesma à preservação das relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante. (…) A relação da criança com o progenitor sem a guarda pode ser mantida diariamente através dos meios de comunicação à distância, que comportam som e imagem, hoje facilmente acessíveis (e para os quais as crianças e jovens de hoje parecem dispor de competências inatas), permitindo, assim, a partilha das experiências quotidianas de ambos e o acompanhamento da vida do menor, e de estadias mais prolongadas da criança junto desse progenitor nas férias, sendo mais importante a qualidade da relação do que a quantidade.
Já sabemos que o progenitor assenta muita da sua argumentação no facto de, estando em causa uma questão de particular importância, que requeria o seu acordo ou autorização judicial, e não tendo havido nem um nem outra, a deslocação do menor para o ... ter sido ilícita.
Só que, como diz e bem a sentença recorrida, se a ilicitude da deslocação pode ser fundamento para outras reacções, civis e penais, não é critério, por si só, para determinar uma alteração do sujeito a quem a criança está confiada.
Estamos perante uma criança de 9 anos de idade, para quem a permanência e o convívio diário com os progenitores seria tudo. Num cenário de normalidade, para uma criança desta idade, desde que esteja com os pais e tenha o afecto, a atenção e os cuidados destes, seria relativamente irrelevante o sítio onde iria residir, se na zona onde nasceu, se num País distante, zona mais rica ou mais pobre, etc. Desde que estivesse com os Pais, estaria bem, ou, pelo menos, estaria o melhor que era possível.
Neste caso, tal cenário deixou de ser possível atenta a separação dos progenitores.
Mas isso não altera a regra subjacente. Se o BB só pode residir com um dos progenitores, e se esse progenitor fizer tudo pelo seu sustento, educação e bem-estar, então continuamos a poder afirmar que o local da residência não é o mais importante.
Podia colocar-se a questão de um dos progenitores não ser capaz de exercer devidamente a parentalidade.
Mas felizmente, não é aqui o caso. As avaliações periciais feitas aos progenitores do BB afastam totalmente esse cenário.
Quanto a CC, o pai do BB, pode ler-se no relatório pericial que “não foram observadas alterações da personalidade ou suspeitas de alterações psicopatológicas, no momento, que possam pôr em causa as suas competências enquanto pai. Demonstra competências parentais sólidas, sendo capaz de prestar todos os cuidados necessários ao menor, nomeadamente ao nível dos cuidados mais básicos como de higiene, da alimentação, afecto e da estimulação”.
E quanto à mãe do BB, igualmente se pode ler no relatório: “atenta ao desenvolvimento do menor, preocupada com o seu bem-estar. Demonstrou ser totalmente capaz de reflectir sobre si própria e sobre os seus comportamentos. Não foram observadas ou suspeitas alterações psicopatológicas ou perturbações da personalidade que prejudiquem ou comprometam o exercício responsável da parentalidade. Demonstra conhecimento ao nível das competências parentais, sendo capaz de perceber e aplicar os cuidados necessários ao menor, nomeadamente ao nível dos cuidados básicos de higiene, da alimentação, afecto e da estimulação assim como das práticas educativas”.
Estas avaliações periciais deixam-nos com a tranquilidade necessária para decidir o presente litígio, sabendo que qualquer um dos progenitores é perfeitamente capaz de criar o BB.
E assim sendo, a decisão passa por, como foi dito de início, saber qual dos cenários será o melhor para o menor.
Em relação ao menor, para aferir até que ponto podemos dar crédito às suas declarações na audiência de julgamento, iremos mais uma vez recorrer à avaliação pericial feita nos autos. Dela resulta que o BB revelou-se: “…uma criança comunicativa e simpática, com capacidades para narrar as suas vivências com espontaneidade. Apresentou um desenvolvimento global dentro dos padrões, sendo totalmente capaz de reproduzir situações do quotidiano, com sequência e congruência, relatando pormenores, fazendo referência aos protagonistas, locais e interacções verbais, sendo capaz de narrar eventos mais distantes. Manifestou desejo de passar a maior parte do tempo com a mãe, figura percepcionada como muito positiva, responsável, afectuosa, preocupada e competente para cuidar dele. Descreve um padrão relacional adequado e saudável com a mãe, os avós e tia maternos. Caracterizou o pai de forma menos positiva, referindo que: “o pai mente, às vezes porta-se mal…está a melhorar mas mesmo assim não é suficiente…eu já apanhei mentiras…ele acha que eu nunca lhe apanhei mentiras mas eu já apanhei…não gosto muito do comportamento do pai.” Referiu que não fica triste quando vai passar o fim-de-semana com o pai, mas gosta mais de passar o fim-de-semana com a mãe “é mais divertido…brinco mais…” Referiu que a do pai “é fixe”. No desenho da família não desenhou o pai e questionado respondeu “eu desenhei de quem eu mais gosto…” (sic), referindo-se à mãe e família materna. BB revelou maturidade e capacidade para compreender a situação familiar, actual, em que se encontra, sobretudo, a falta de entendimento dos pais quanto à sua residência e futuro, o que lhe causa sentimentos de instabilidade e insegurança que gera ansiedade e medos, sem sintomatologia depressiva. Demonstrou um forte vínculo afectivo com ambos progenitores, sendo com a mãe que se verifica um grau de vinculação mais forte e seguro. Ambas, figuras materna e paterna, surgem associadas a vivências positivas, mas é com a figura materna que o vínculo se afigura mais securizante, sendo esta figura que maior serenidade, estabilidade e segurança lhe transmite. A figura do pai é percepcionada de forma menos positiva. BB manifestou o desejo morar com a mãe sem indicadores de instrumentalização por parte desta…”.

Vamos recordar o que pensa o próprio BB, que foi ouvido na audiência de julgamento:
a mudança para o ... foi boa. No início foi um bocadinho difícil. Da comida, gosta muito de um tipo de pão ... e do arroz com especiarias e carne. A escola é boa, é grande, tem muitos meninos de todas as idades, de muitos países diferentes, mas a maioria é .... Na escola falam inglês e também aprendem árabe. Já sabe dizer algumas coisas em árabe. Já tem muitos amigos, portugueses, ... e de outras línguas. No ..., gosta de andar de baloiço, ir para o parque e estar com os amigos na praia. Pratica natação. Na escola tem piscina. É bom viver no .... É um bocadinho diferente, mas não é muito diferente. A temperatura é um bocadinho mais alta e o dia começa cedo. Perto de casa tem um amigo, que mora na mesma zona. Saem juntos para ir à praia, ao "...", onde tem muitos supermercados e vai até à casa dele… Não se lembra do nome da rua onde vivia. Quanto ao possível regresso a Portugal, disse não querer vir. Tem receio que o pai o leve para casa dele e não o devolva mais e isso ele não quer. O pai é horrível, mente, às vezes, e quer levá-lo para Portugal. Disse que o pai mentiu duas vezes, mas não se lembra em quê. Sabe que o pai quer que ele vá viver para Portugal, mas ele não quer. Também não quer ver o pai. Não quer fazer videochamada com o pai, porque ele pode analisar a casa onde vive e fazer um plano para o levar para Portugal. O pai não fez nada para que ele ficasse com medo, mas como ele quer levá-lo para Portugal, tem medo que o leve. Sabe que o pai esteve no ..., mas não o viu. Tem certeza que ele andou à procura deles, mas felizmente não os encontrou. Se visse o pai não iria com ele. Mesmo que não tivesse que ir com ele, não o queria ver. Não gosta do pai. Ele iria dizer que ele está mal ali. Lembra-se de coisas divertidas que fazia com o pai, como por exemplo ir ao parque. Às vezes divertiam-se, outras vezes não se divertiam. Não se lembra da última coisa divertida que fez com o pai, antes de ir para o .... Nas últimas férias de Verão que esteve com o pai, já não se lembra muito bem, mas acha que foram divertidas. Tem medo que o pai o impeça de ficar com a mãe. Não quer ver o pai de maneira nenhuma, nem por videochamada. Tem saudades dos avós. Gostava de os ver, à distância. Tem saudades do amigo JJ, de algumas coisas da casa, do quarto, do sofá. Tinha duas gatinhas que ficaram em casa dos avós, tem saudades delas e gostava de as ver”.

Aqui chegados, a decisão parece impor-se naturalmente.
As referências à doença auto-imune da mãe tornam-se quase irrelevantes, neste quadro.
A sua situação profissional no ... (retribuição mensal, líquida, de € 2.600.00 euros, afigura-se suficiente para o sustento do agregado.
Conta com o apoio de uma irmã, que vive e a trabalha no mesmo grupo de escolas, no ..., e com o apoio de uma amiga, que ali habita há 10 anos, trabalha na mesma escola, e já a convida há muito para fazer parte da equipa.
Conta, ainda, com o apoio de outros amigos da comunidade portuguesa e que lá vivem há quase cinco anos com suas famílias, designadamente os filhos, apoiando-se todos uns aos outros, nesse grupo de escolas internacionais de nome School....
Damos por reproduzidas as características geográficas, meteorológicas, políticas e religiosas do ..., tendo ficado provado que é um dos países mais ricos do mundo.
E, tudo visto e ponderado, esta Relação apenas pode confirmar a sentença recorrida, por nos parecer que faz o enquadramento correcto dos factos e decide de acordo com o que é o melhor para o menor BB.
A argumentação do progenitor, no sentido de a residência do menor ser fixada junto de si, em Portugal, salvo o devido respeito, não convence. As referências aos direitos humanos, à Constituição, à liberdade de orientação sexual, etc, aos costumes do ..., não se afiguram suficientes para alterar a decisão recorrida, considerando que por um lado a idade do BB e o tempo que passou em Portugal já o protegem contra o perigo de eventuais “lavagens ao cérebro” de natureza religiosa, a que acresce que o BB e a Mãe têm apoio de familiares e amigos e inserem-se numa comunidade portuguesa cujos membros lá vivem há quase cinco anos com suas famílias, designadamente os filhos, apoiando-se todos uns aos outros.
Claro que é fundamental para qualquer criança que reside com a mãe o convívio com o pai, sobretudo quando este reúne todas as qualidades para o exercício da parentalidade, como é o caso.
A distância geográfica é um factor que dificulta esses contactos, é certo, mas felizmente existem actualmente meios de comunicação à distância que atenuam bastante esse problema. Havendo boa vontade e interesse nisso, a comunicação entre pai e filho pode ser diária, sendo certo que não está em discussão aqui o regime de visitas.
Em conclusão, esta Relação entende confirmar a decisão recorrida.       

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente (art. 527º,1,2 CPC)

Data: 21.11.2024

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (José Carlos Dias Cravo)
2º Adjunto (Raquel G. C. Batista Tavares)