Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
REQUISITOS
Sumário
I - A complexidade, designadamente no plano da matéria de facto, da questão a decidir colocada num requerimento de injunção apresentado ao abrigo do Decreto-Lei 62/2013, de 10 de maio, e/ou na oposição ao mesmo, não impede o recurso a essa forma de processo, uma vez que o legislador não estabeleceu qualquer limitação com esse fundamento; isto é, não se exige que o objeto do processo se revista de simplicidade. II - Para se socorrer desta injunção, ao credor basta que, "independentemente do valor da dívida", haja um "atraso de pagamento em transações comerciais", sabendo-se, nomeadamente, que "«transação comercial», [é] uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração" e que "«empresa», [é] uma entidade que, não sendo uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas singulares".
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I
EMP01..., Unipessoal L.da apresentou requerimento de injunção, referente a "obrigação emergente de transação comercial (DL n.º 62/2013, de 10 de maio)", contra EMP02... L.da, alegando, em síntese, que "no exercício da sua atividade comercial, (…) prestou vários serviços e forneceu vários materiais de pichelaria à Requerida, conforme por esta solicitado.Por conta dos referidos serviços (…) emitiu a favor da Requerida (…) faturas, nas quais estão discriminados os trabalhos efetuados" e pelos quais "a Requerida deve (…) € 7.660,91, acrescida de juros vencidos e vincendos a calcular a final", cujo pagamento pretende que lhe seja feito.
A ré deduziu oposição em que, tomando posição relativamente aos vários trabalhos referidos nas faturas emitidas pela autora, afirmou, em suma, que esta ou não realizou alguns deles ou efetuou-os com defeito ou ficaram por concluir. Por isso, impugnou o crédito alegado no requerimento de injunção, admitindo somente que a autora "poderá ser credora do valor de € 39".
Remetidos os autos para o Juízo Local Cível de Barcelos, pela Meritíssima Juiz foi proferido o seguinte despacho:
"(…) Na verdade, tendo em consideração o teor do requerimento de injunção, da causa de pedir alegada, da oposição e da invocada matéria de exceção, e da respetiva resposta, impõe-se concluir que, para dirimir o objeto do litígio dos presentes autos, torna-se necessário apreciar toda a relação contratual existente, donde emana um complexo de direitos e deveres para ambas as partes, sendo que estas divergem quanto à existência e amplitude do incumprimento que se imputam reciprocamente. No caso em apreço, sendo o pedido formulado inferior a € 15.000,00, não pode a ação convolar-se em ação de processo comum nos termos previstos no artigo 10.º, n.º 2, do D.L. n.º 62/2013, de 10 de maio, pelo que importa concluir que a complexidade das questões a apreciar ilegitimam o uso, por parte da autora, do procedimento de injunção, o que configura exceção inominada que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da ré da instância, nos termos dos artigos 577.º e 578.º, do Código de Processo Civil.
(…) Nestes termos e face a todo o exposto, julgo verificada a referida exceção dilatória inominada que obsta ao conhecimento de mérito da causa, e, em consequência, absolvo a ré da instância – artigos 576.º, n.º 2, e 578.º, do Código de Processo Civil."
Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, findando a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:
1. A Recorrente foi notificada da sentença de absolvição da Ré da instância no processo supra identificado.
2. A Recorrente não pode aceitar tal decisão.
3. A Recorrida foi notificada da injunção n.º 38280/24...., apresentada pela Recorrente para o pagamento da quantia de € 7.660,91, proveniente de serviços de pichelaria prestados à Recorrida.
4. Nesse sentido, a Recorrida apresentou oposição à injunção, onde alegou a existência de defeitos nos serviços realizados e invocou a compensação de créditos, decorrentes de prejuízos derivados do cumprimento defeituoso, nos quais pretende imputar à Recorrente, e cujo ressarcimento deseja operar.
5. O Tribunal entendeu, em suma, que pela complexidade da questão derivados dos argumentos invocados pela Ré na oposição à injunção, esta questão não poderá ser apreciada no decurso da ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias.
6. E, portanto, decidiu pela absolvição da Ré da instância.
7. A Recorrente não se conforma com tal decisão, por entender não haver fundamento legal para limitar o procedimento de injunção aos casos que se entendam ser de simples apreciação ou excluí-lo perante litígios que se tenham por complexos.
8. A maior ou a menor complexidade das questões controvertidas, emergentes da oposição à injunção não configura pressuposto autónomo da aplicabilidade dessa forma processual.
9. A determinação do âmbito dessa aplicação do procedimento de injunção e da conexa ação declarativa, faz-se em função da aferição dos pressupostos objetivos e subjetivos definidos no respetivo diploma.
10. A complexidade das questões suscitadas no seguimento da oposição à injunção nunca poderá ser de molde a entender-se que se verifica erro na forma de processo ou uma exceção dilatória inominada, que fundamentem a absolvição da instância.
11. Pelos motivos enunciados anteriormente, considera-se que não existe fundamento para a absolvição da Recorrida da instância.
12. Devendo, portanto, ser revogada a sentença proferida nos autos e, consequentemente, a ação prosseguir.
A requerida não contra-alegou.
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil[1], delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber se "a complexidade das questões suscitadas no seguimento da oposição à injunção nunca poderá ser de molde a entender-se que se verifica erro na forma de processo ou uma exceção dilatória inominada, que fundamentem a absolvição da instância"[2].
II
1.º
Para o julgamento deste recuso importa ter presente o que acima já se deixou dito.
O tribunal a quo, apoiando-se no decidido nos Ac. Rel. Lisboa de 21-4-2016 no Proc. 184887/14.1YIPRT.L1-8 e de 30-5-2019 no Proc. 72782/18.6YIPRT.L1-8, concluiu que a "complexidade das questões a apreciar ilegitimam o uso, por parte da autora, do procedimento de injunção", pelo que ocorre uma exceção dilatória inominada que conduz à absolvição da instância.
Contrapõe a autora afirmando que "a maior ou a menor complexidade das questões controvertidas, emergentes da oposição à injunção não configura pressuposto autónomo da aplicabilidade dessa forma processual"[3].
Vejamos.
O n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei 62/2013, de 10 de maio, estabelece que "o atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida", esclarecendo as alíneas b) e d) do artigo 3.º que "«transação comercial», [é] uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração" e que "«empresa», [é] uma entidade que, não sendo uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas singulares".
No nosso caso, perante o alegado no requerimento de injunção, estamos na presença de um "atraso de pagamento em transações comerciais" em que são intervenientes empresas.
Ora, examinado o Decreto-Lei 62/2013 verificamos que nele nada consta quanto a uma eventual "complexidade das questões a apreciar". Neste diploma não se encontra, nomeadamente no n.º 2 do seu artigo 2.º, qualquer exceção que, de alguma forma, vede o recurso à injunção no caso das questões a decidir serem complexas; dito por outras palavras, a simplicidade da matéria em causa não constitui pressuposto para o uso da injunção. Na verdade, para este efeito basta que ocorra um "atraso de pagamento em transações comerciais", tendo-se para tal em consideração os conceitos de "transação comercial" e de "empresa" que o legislador define. Note-se que nem o valor da dívida, por mais elevado que seja, impede o credor de se socorrer da injunção.
"Desde que da análise do requerimento inicial resulte o preenchimento dos pressupostos que condicionam a possibilidade de recurso à injunção, nem a eventual falta de simplicidade da causa logo detetada, por exemplo com base no tipo de contrato em causa, nem a complexidade das questões suscitadas na oposição do requerido, ou sequer os meios de prova propostos pelo requerido, constituem fundamento legal para concluir pelo uso indevido do procedimento de injunção. Em primeiro lugar, a lei não limita o âmbito de aplicação da injunção com base na simplicidade do procedimento ou no tipo de contrato invocado pelo demandante. Pura e simplesmente, não particulariza nem restringe a sua aplicabilidade a um específico tipo de contratos, nem faz quaisquer exigências quanto à menor ou maior complexidade das questões que hajam de ser discutidas no processo. O entendimento de que o recurso ao procedimento de injunção está reservado para situações que não comportem relevante discussão de facto, constitui uma restrição à utilização de tal procedimento que não resulta da lei. Em segundo lugar, a determinação sobre se a forma de processo é adequada à obrigação pecuniária invocada pelo autor ou requerente, ou se se adequa, ou não, à sua pretensão, é aferida apenas com base na análise do requerimento inicial no seu todo, e já não com a controvérsia que se venha a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa quer com outros que venham a ser adquiridos ao longo do processo por força da atividade das partes. O que releva para verificar da adequação da forma do processo escolhida pelo autor é o pedido e a causa de pedir, apreciados no seu conjunto, e não os desenvolvimentos subsequentes do processo. Como bem se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 26.04.2022 (José Capacete), proferido no processo 84273/20.0YIPRT.L1-7, «a determinação da propriedade ou impropriedade da forma do processo escolhida pressupõe uma análise prévia no sentido de se apurar se o pedido formulado se harmoniza, ou não, com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual adotada pelo requerente». Em terceiro lugar, à delimitação do âmbito de aplicação da injunção é inteiramente estranha a defesa apresentada em sede de oposição, ao contrário do defendido na decisão recorrida, cuja alegada complexidade ou falta de simplicidade apenas emerge da oposição apresentada pelo Réu e da circunstância de ter requerido a produção de prova pericial. As questões suscitadas na oposição não influem na determinação da forma processual adequada à tramitação da causa, pois, por um lado, inexiste norma legal que sustente um tal entendimento e, por outro, isso daria azo à possibilidade de o demandado se eximir, através da absolvição da instância, a um procedimento de injunção apenas com base na complexidade e no número das questões que é possível suscitar e dos meios probatórios suscetíveis de produção, em último caso provocando artificialmente a verificação da exceção dilatório inominada do uso indevido do processo por parte do requerente. Em quarto lugar, a utilização do procedimento de injunção (e, em decorrência da oposição, da transmutada ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos) ficaria dependente do que cada julgador entendesse configurar uma complexidade incompatível com o objetivo pretendido pelo legislador do DL nº 269/98. Sendo certo que a complexidade da causa é um conceito indeterminado e que inexiste qualquer referencial que permita operar essa qualificação, nem sequer seria possível prever, em cada caso concreto, a medida da complexidade da oposição suscetível de ser apresentada e muito menos se poderia determinar um limite dessa complexidade a partir do qual não seria admissível o recurso a esse procedimento."[4]
Veja-se que no preâmbulo do Decreto-Lei 62/2013 o legislador dá nota da sua preocupação em encontrar uma resposta à "frequência que os pagamentos são feitos mais tarde do que o acordado no contrato ou do que consta das condições comerciais gerais". Atrasos esses que "afetam a liquidez e dificultam a gestão financeira das empresas, em especial das pequenas e médias empresas (PME)". E o n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, diz-nos que "a presente diretiva aplica-se a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais" (sublinhado nosso); isto é, não há o propósito excluir as situações mais complexas.
É certo que a injunção está vocacionada para, como se diz no preâmbulo desta diretiva, a "cobrança de dívidas não impugnadas", tendo por subjacente a ideia de que "as consequências dos atrasos de pagamento apenas podem ser dissuasivas se forem acompanhadas de procedimentos de cobrança rápidos e eficazes para o credor."
No entanto, como é óbvio, sob pena de se sacrificar o insacrificável, leia-se o princípio do contraditório, a injunção não pode deixar de admitir a possibilidade de o crédito ser impugnado, o que a acontecer, à partida, exige mais tempo até se alcançar a decisão final e acarreta a discussão, em maior ou menor detalhe, dos factos alegados pelo credor e dos que o devedor trouxer para a lide, o que, por vezes, pode conferir complexidade ao processo. Esta complexidade é uma consequência admitida como possível pelo legislador, que, mesmo assim, não estrai dela qualquer restrição ao uso do procedimento de injunção.
Portanto, a complexidade do objeto do processo não impossibilita o recurso à injunção prevista no Decreto-Lei 62/2013[5].
Aliás, o mesmo se passa com a injunção prevista no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, a qual, tendo pressupostos um pouco diferentes[6], também não exclui situações que, de algum modo, se revestem de complexidade.
Ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, o legislador não conferiu ao juiz a possibilidade de "ponderar casuisticamente a propriedade e adequação da ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos para dirimir os litígios chegados a tribunal por força da transmutação do procedimento de injunção". O juiz apenas tem de averiguar se estão preenchidos os pressupostos expressamente consagrados no Decreto-Lei 62/2013.
Uma última palavra para lembrar que, se entender que a simplicidade própria do requerimento de injunção coloca alguma dificuldade na compreensão de toda a realidade em causa, por esta ser complexa, e se considerar que nessa peça processual foi alegado o mínimo exigível quanto aos factos integrantes da causa de pedir, o tribunal a quo sempre poderá, ao abrigo do disposto no artigo 590.º n.º 4 do Código de Processo Civil, convidar a autora "ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada".
III
Com fundamento no atrás exposto julga-se procedente o recurso, pelo que se revoga a decisão recorrida e se ordena o prosseguimento do processo, proferindo o tribunal a quo o despacho que tiver por adequado.
Sem custas.
António Beça Pereira
Maria dos Anjos Nogueira
Afonso Cabral de Andrade
[1] São deste código todos os artigos adiante mencionados sem qualquer outra referência. [2] Cfr. conclusão 10.ª. [3] Cfr. conclusão 8.ª. [4] Ac. Rel. Guimarães de 8-2-2024 no Proc. 47892/23.1YIPRT.G1, www.gde.mj.pt. Apesar de este acórdão se referir a uma injunção do Decreto-Lei n.º 269/98, o que aí se diz relativamente à "complexidade" das questões suscitadas é totalmente aplicável à injunção do Decreto-Lei 62/2013. Nesse ponto não há diferença alguma entre as duas injunções. [5] Neste sentido veja-se Ac. Rel. Guimarães de 25-11-2021 no Proc. 101460/20.2YIPRT.G1, Ac. Rel. Porto de 14-12-2022 no Proc. 22114/22.6YIPRT.P1, Ac. Rel. Porto de 2021-07-12 no Proc. 100453/19.7YIPRT.P1, Ac. Rel. Lisboa de 13-4-2021 no Proc. 95316/19.0YIPRT.L1 e Ac. Rel. Porto de 21-2-2022 no Proc. 2737/21.4YIPRT.P1, www.gde.mj.pt. [6] Confere ao credor a faculdade de, por essa via, "exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00".