CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
FINALIDADE
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
VÍTIMA
RECUSA A DEPOR
CONSEQUÊNCIAS
PROVA
VALIDADE
Sumário

I – É consensual nos dias de hoje, quer na doutrina, quer na jurisprudência, o entendimento de que a recolha de declarações para memória futura constitui uma excepção ao princípio da imediação, que se prende com a protecção das vítimas especialmente vulneráveis.
II – O instituto das declarações para memória futura tem como objectivo evitar a repetição da audição da vítima em julgamento, protegendo-a do perigo da vitimização secundária, visando, ainda, assegurar a genuinidade do depoimento, em tempo útil, e obstar a pressões ou manipulações prolongadas no tempo, prejudiciais à liberdade de declaração da vítima.
III – Porém, não está vedada a possibilidade de, em audiência de julgamento, serem tomadas declarações às pessoas que, em sede de inquérito, já as prestaram para memória futura.
IV – Contudo, a ponderação dessa repetição de inquirição à vítima em audiência de julgamento, só se justificará, sob pena de risco da frustração do objetivo do legislador, se for possível, não deixando o legislador de condicionar a possibilidade de repetir em julgamento essa tomada de declarações aos casos em que a saúde física ou psíquica da pessoa não seja posta em causa ou se for considerada indispensável para o esclarecimento da verdade material.
V – A ocorrência de alguma invalidade relacionada com os pressupostos considerados na decisão de inquirir a ofendida em sede de audiência de julgamento, por inexistência de fundamentação no despacho judicial no que tange à indispensabilidade da inquirição ou com os procedimentos a observar quanto à sua aferição, decorrentes do estatuto da vítima, designadamente por não ter sido precedida do parecer ou da audição de técnico especializado e habilitado para se pronunciar sobre se a mesma punha ou não em causa a saúde física e psíquica da ofendida, só poderia traduzir-se numa mera irregularidade, que deverá ter sido arguida no próprio acto e, não o tendo sido, deverá considerar-se sanada.
VI – Existem duas correntes jurisprudenciais opostas no que respeita à possibilidade de valoração das declarações para memória futura prestadas pela vítima que, em sede de audiência de julgamento, se recusa a depor, uma no sentido da inviabilização daquelas, e outra, inversamente, no sentido da sua valoração, ainda que, naturalmente, em conjugação com a restante prova e segundo os critérios da lógica e da experiência comum, o que nos afasta da sua valoração como prova proibida, pois que tal contraria a natureza pública do crime em causa, permitindo-se o mesmo efeito que uma desistência, com mais força até pois redunda as mais das vezes em decisão absolutória, com efeitos de caso julgado, contrariando-se lei expressa, o espírito do legislador e os bens jurídicos que se pretendem proteger.

Texto Integral

Processo: 272/23.2GAPRD.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este

Juízo Local Criminal de Paredes - Juiz 2

Acordam os Juízes da Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I-Relatório

1. No Processo Comum Singular Nº 272/23.2GAPRD, do Juízo Local Criminal de Paredes (Juiz 2) Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal.

Pede a sua condenação pela prática do aludido crime, bem como na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, prevista no nº 4 do artigo 152º e ainda na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, com o afastamento da residência desta e seu local de trabalho e fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (nº 5).

Indica na Acusação, além do mais, como prova:

“Declarações para memória futura:

- BB, id. a fls. 166, cuja audição se requer seja efetuada por remissão para as suas declarações prestadas em sede de declarações para memória futura, nos termos do disposto nas normas contidas no artigo 271º do Código de Processo Penal.

Caso se verifique, em sede de audiência de julgamento, o previsto na norma contida no n.º 8 do artigo 271º do Código de Processo penal, requer-se desde já que a audição da ofendida se processe com o apoio na prestação do depoimento em julgamento de Técnica de Apoio à Vítima, a ser requisitada no pelouro da Ação Social da C.M. ....”


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2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, em 13 de Junho de 2024, de cujo dispositivo ficou a constar (transcrição):

«V - Decisão:

Assim, em face do exposto, de facto e de Direito, decide-se, julgar a acusação do Ministério Público totalmente improcedente, por não provada e, em consequência:

a) Absolver o arguido AA da prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º1, alíneas a) e nº 2, alínea a), 4 e 5, do Código Penal.

b) Não fixar qualquer reparação à ofendida, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal ex vi do art. 21.º, n.º 2 da Lei 112/2009 de 16 de Setembro.


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Custas Criminais

Sem custas (artigo 513.º, n.º1, do Código de Processo Penal).


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Notifique.

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Proceda-se ao depósito da presente sentença na secretaria do Tribunal, conforme disposto no artigo 372º n.º 5 do Código de Processo Penal.

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Após trânsito, declaro cessada a medida de coacção imposta ao arguido (artigo 214º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal).»

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3. Inconformada com o decidido, interpôs recurso da sentença o Ministério Público junto da 1ª instância, extraindo da motivação exarada no respetivo requerimento de interposição do recurso as seguintes conclusões, que se transcrevem:

“…

1.º - Nos presentes autos o arguido AA foi acusado da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal, praticado contra a sua esposa, BB;

2.º - No decurso do inquérito a ofendida prestou declarações para memória futura, nas quais relatou factos suscetíveis de integrar este tipo de ilícito, como se pode aferir pela leitura da sua transcrição, constante do item II deste recurso;

3.º - Sucede que, em virtude do arguido e das testemunhas da acusação, suas enteadas à data dos factos, se terem recusado validamente a prestar declarações na audiência de julgamento, foi a ofendida chamada a depor, não obstante ter já prestado declarações para memória futura, com o único objetivo de ser dado cumprimento ao disposto no art. 134.º, do CPP, e não para prestar esclarecimentos adicionais;

4.º - Porque a ofendida decidiu, na audiência de julgamento, recusar o depoimento, a Mmª. Juiz a quo entendeu que, ao abrigo do art. 356.º, n.º 6, do CPP, não poderia tomar conhecimento das declarações por ela prestadas para memória futura, nas quais a acusação se tinha apoiado;

5.º - Absolvendo, por isso, o arguido do crime de violência doméstica de que vinha acusado por falta de provas, atendendo a que o mesmo se recusou a prestar declarações em julgamento e a que as testemunhas de acusação, suas enteadas, adotaram idêntica postura;

6.º - A sua absolvição ficou, assim, a dever-se ao facto de não terem sido valoradas as declarações para memória futura que a ofendida prestou em sede de inquérito, por ela se ter valido, na audiência de julgamento, da prerrogativa do art.º 134.º, do CPP;

7.º - Ora, entendemos que a ofendida, em virtude de já ter prestado declarações para memória futura no decurso do inquérito, não poderia ser chamada a fazê-lo em julgamento, sem outro fundamento que não o de ser questionada sobre o uso da prerrogativa do art. 134.º, do CPP, uma vez que já tinha sido advertida, pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal, da prerrogativa do art.º 134.º, do CPP;

8.º - As declarações para memória futura por ela prestadas, que não necessitam de ser reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento, deveriam ter sido livremente valoradas pelo tribunal, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, ínsito nos artigos 127.º e 355.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por consistirem num meio de prova pré-constituída;

9.º - E, porque os factos relatados pela ofendida nas declarações por ela prestadas para memória futura são suscetíveis de configurar forma de humilhação, ou molestação que, pela sua gravidade, atentam claramente contra a dignidade pessoal da ofendida, encontram-se, no nosso modesto entendimento, preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de violência doméstica por que o arguido vinha acusado.

PELO EXPOSTO, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a sentença proferida nos autos e substitui-la por outra que condene o arguido AA na prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal.


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4. Admitido o recurso, o arguido não apresentou resposta ao mesmo

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5. Neste Tribunal foi aberta vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, nos termos do disposto no art. 416º do CPP, tendo o mesmo aduzido que, na sua ótica, o recurso não merece provimento, por concordar com a tese expendida na sentença absolutória.

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5. Não foi apresentada resposta a tal parecer.

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6. Colhidos os vistos legais, os autos foram a Conferência.

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II- Fundamentação

A) Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

1.-Questões a decidir

Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

- A irregularidade decorrente do deferimento, na audiência de julgamento, da tomada de declarações à ofendida, tendo esta prestado declarações para memória futura no decurso do inquérito;

- Erro de julgamento ao não serem valoradas as declarações para memória futura prestadas pela ofendida em sede de inquérito (gravadas e transcritas nos autos).


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B) Da decisão recorrida

Com vista à apreciação das questões suscitadas no recurso, vejamos o que deflui da sentença recorrida, o qual, na parte relevante, se transcreve:


«a) Factos Provados

Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:

1 - O arguido e a ofendida contraíram matrimonio em 07 de setembro de 2021, através dos registos notariais de Valongo.

2 – Do CRC do arguido constam as condenações melhor descritas a fls. 272 a 277 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, designadamente pela prática em:

- 12/01/2007 e 03/03/2007, de dois crimes de roubo;

- 03/07/2007, de um crime de detenção de arma proibida;

- 25/02/2007, de um crime de furto qualificado;

- 15/06/2018, de um crime de coacção na forma tentada (na pessoa da aqui ofendida); tendo sido condenado em penas de prisão, cuja suspensão lhe foi revogada cumprindo prisão efectiva, e pena de prisão substituída por multa, que já pagou;

- 03/07/2021, de um crime de violência doméstica, tendo sido condenado na pena de 2 anos e 6 meses, suspensa por igual período acompanhada de regime de prova, a elaborar pela Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, com frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos do art. 50.º, n.º 1 e 3 e art. 53.º, n.º1 e 2 do Código Penal e, ainda, nos termos do disposto no artigo 34.º- B, da Lei 112/2009, de 16 de Setembro, o afastamento do arguido da ofendida, da sua residência e local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio durante o período da suspensão; bem como pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 9 (nove) meses, bem como uma pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 6 (seis) meses, ao abrigo do disposto no art. 152.º, n.º4 e 5 do Código Penal.

3 - O arguido é carpinteiro de cofragem de profissão e aufere o ordenado mínimo.

4 - Vive numa casa anexa à dos pais, a quem entrega o valor de € 250,00, para despesas gerais com a sua sobrevivência.


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b) Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos, com relevo para a decisão da causa, nomeadamente:
a) À data dos factos que infra se vão descrever a ofendida apresenta o diagnóstico de perturbação distímica associada a personalidade histriónica, para a qual necessita de tomar medicação diária.
b) Logo após decorrido 1 (um) ano desde o matrimónio, que o arguido começou a ingerir bebidas alcoólicas em excesso aliado à toma de medicação e, nessas ocasiões, demonstrou um comportamento violento e agressivo, apodando a ofendida de puta, dirigindo-lhe ainda a seguinte expressão: se não estás bem aqui podes ir para a beira do corno que ele aceita-te de volta (referindo-se ao seu ex-marido).
c) Em data não apurada, mas durante o mês de setembro do ano de 2021, quando o casal se encontrava na residência dos progenitores do arguido, sita na freguesia ..., na sequência de uma discussão entre o arguido e progenitor, nesse momento, a ofendida tentou intervir para que o conflito terminasse.
d) Ao tentar separá-los, ato contínuo, o arguido desferiu um empurrão à ofendida, tendo a mesma embatido contra um móvel da cozinha, causando-lhe dores nas costas.
e) De tal forma, que teve necessidade de receber assistência hospitalar no centro de saúde de ....
f) Como consequência necessária e direta da conduta do arguido, resultou para a ofendida 3 (três) costelas partidas.
g) Desde o mês de dezembro de 2022, que o comportamento do arguido se tem vindo a agravar, motivado pelo consumo excessivo de álcool.
h) Assim, em data não apurada, mas durante o mês de dezembro de 2022, no interior do domicílio comum, o arguido iniciou uma discussão com a ofendida, ao que esta lhe disse que enquanto ele estivesse naquele estado não falava mais com ele.
i) Ato contínuo, o arguido saiu da residência e deslocou-se para o café.
j) Cerca das 20H00 o arguido telefonou para a ofendida e pediu que a mesma o fosse buscar, porque não conseguia ir para casa, o que a ofendida acatou.
k) Contudo, acabaram por se desencontrar e o arguido chegou a casa primeiro do que a ofendida.
l) Quando a ofendida entrou em casa, o arguido agarrou-a pelo braço, atirou-a para cima da cama e colocou-se em cima da ofendida e, fazendo uso de ambas as mãos apertou-lhe o pescoço, causando à ofendida dificuldade em respirar.
m) Quando o arguido lhe largou o pescoço, a ofendida gritou o mais alto que conseguiu, ao que o arguido lhe disse: “minha puta não gritas mais”, ao mesmo tempo que lhe mordeu o nariz e puxou os cabelos.
n) Entretanto, chegaram à residência, familiares do arguido, o que permitiu à ofendida fugir para a casa da sogra.
o) Durante o tempo em que esteve na casa da sua sogra, ou seja, cerca de 15 minutos, nesse período de tempo, o arguido retirou todas as louças e garrafas do interior dos armários e arremessou tudo contra a parede, partindo-as.
p) De seguida, o arguido dirigiu-se à residência da sua mãe e conseguiu convencer a ofendida a regressar para o domicílio comum.
q) Logo ao entrarem na residência, o arguido começou a questionar a ofendida para onde é que ela tinha andado e porque não o tinha ido buscar, ao que a ofendida foi para o seu quarto deitar-se.
r) Ato contínuo, o arguido dirigiu-lhe as seguintes expressões: puta, queres o divórcio eu dou-te o divórcio, vaca.
s) No dia 16 de abril de 2023, após o almoço, no interior do domicílio comum, quando a ofendida estava a lavar a louça, o arguido pediu-lhe dinheiro, ao que esta respondeu: queres dinheiro para quê?
t) Ao que o arguido lhe disse que queria ir beber uns copos.
u) De seguida, a ofendida perguntou-lhe se ele não achava que já tinha bebido o suficiente.
v) Ao que o arguido retorquiu e disse que a ofendida não tinha nada a ver com isso, dizendo-lhe ainda: sua filha da puta, ignorante, vai para o caralho, quero 20€, se não me deres dinheiro, vamos ter sérios problemas, vou-te dar uma coça que te fodo toda.
w) Perante a recusa da ofendida, o arguido abeirou-se da mesma, agarrou-a pelos cabelos e desferiu-lhe um estalo na face.
x) De tal forma a ofendida ficou com receio do arguido que pegou nos 20€ e colocou-os em cima da mesa.
y) Após o arguido se ter ausentado da residência, a ofendida colocou algumas roupas e a sua medicação dentro de um saco, telefonou à sua filha CC para a ir buscar, que tinha de sair daquela casa naquele dia, o que veio a concretizar.
z) Desde esse dia que a ofendida se encontra acolhida em casa de emergência.
aa) Como consequência necessária e direta da conduta do arguido resultou para a ofendida fenómenos dolorosos na face e região do couro cabeludo.
bb) Com as condutas adoptadas, quis o arguido causar inquietação à ofendida, pretendendo que a mesma se sentisse menorizada, humilhada e psicologicamente desgastada, perturbando-a assim de forma reiterada no seu bem-estar e sossego, atingindo-a psíquica e emocionalmente, o que conseguiu, bem sabendo que a afectava na sua saúde física e psíquica, querendo ainda atingi-la na sua dignidade enquanto ser humano, o que conseguiu.
cc) Tinha ainda o arguido a perfeita noção de que dirigia à ofendida expressões que a humilhavam e diminuíam na sua dignidade pessoal – o que quis e conseguiu, mais sabendo que se tratava da mãe dos seus filhos.
dd) Logrou, dessa forma, subjugar a ofendida, humilhá-la, coisificá-la, intimidá-la e vexá-la, diminuindo-a e afectando a sua dignidade, enquanto pessoa.
ee) O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito, aliás concretizado, de ferir fisicamente a ofendida, atingindo-a, da forma como o fez, bem sabendo que o meio utilizado era apto a ferir e molestar o corpo e a saúde daquele e a causar-lhe as dores verificadas.
ff) Sabia ainda que ao praticar os factos no interior da residência do casal, a coberto do resguardo da casa, ampliava o sentimento de receio da ofendida, visto que violava o espaço reservado da sua vida privada e o seu carácter securitário e não se coibiu de o fazer. gg) Tudo com o objetivo de manter a ofendida sob domínio, na medida em que, num contexto de tensão e violência iminente, esta acabou por viver submergido pela ansiedade e pelo medo.
hh) Dada a forma como os anúncios descritos foram proferidos e o tom neles empregue, a ofendida sentiu um profundo e justificado receio pela sua vida e integridade física, receando que o arguido concretizasse os males que expressamente lhe anunciou.
ii) Ao proferir tais expressões, agiu o arguido, livre e conscientemente, com o propósito, aliás concretizado, de provocar medo e inquietação à ofendida.
jj) Com este tipo de comportamentos, o arguido mantinha a ofendida, sempre com medo daquilo que o mesmo pusesse fazer contra si.
kk) Ademais, sabia o arguido que a sua conduta era adequada e idónea a provocar na ofendida um estado de alma e de espírito, redutor e constrangedor da sua liberdade de circulação e de autodeterminação, inerente e conatural a qualquer pessoa humana, o que, de facto, aconteceu.
ll) Não obstante, atuou o arguido como descrito, o que fez de forma livre, voluntária e consciente e bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.

c) Motivação
No que toca à data, ao local e ao objeto do processo, o Tribunal fundou a sua convicção com base na prova produzida em sede de audiência de julgamento, designadamente o depoimento das testemunhas ouvidas, conjugada com o teor dos documentos juntos aos autos, tudo concatenado de acordo com as regras de experiência comum.
Quanto ao facto 1., valoraram-se os assentos de nascimento da ofendida e do arguido.
O arguido prestou declarações em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em 12 de Maio de 2023, tendo sido informado de que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova, nos termos do disposto nas al. b), c), d) e e), do n.º 4, do art.º 141º (“ex-vi” art.º 144.º, nº 1) do C. P. Penal, onde afirmou, no essencial, o seguinte:
Tratou-se de uma briga entre irmãos, a ofendida escorregou e bateu com as costelas, começou aos berros, no meio da confusão não se sabe quem foi que lhe deu o empurrão. Depois de ir à médica de família deu conta de 3 costelas partidas.
16 de Abril de 2023 não houve violência nenhuma.
Negou todos os demais factos, nunca lhe tendo feito nada.
Sempre soube que eu tinha um processo e era acompanhado em ....
Admitiu que esporadicamente bebia bebidas alcoólicas.
Nada de relevo resultou das suas declarações, donde pudesse emergir uma condenação.
A decisão da matéria de facto relativamente aos factos não provados, teve por base a total ausência de prova, designadamente testemunhal, que permitisse ao tribunal decidir diferentemente quanto à matéria aí vertida.

Com efeito, a ofendida BB, bem como as enteadas do arguido, CC e DD, recusaram-se a prestar declarações no uso da faculdade prevista no artigo 134.º do Código de Processo Penal, quanto aos factos ocorridos.

No entanto, não cumpre olvidar o facto de a ofendida BB se ter recusado a prestar declarações em sede de julgamento, no uso da faculdade prevista no artigo 134.º do Código de Processo Penal, quanto aos factos ocorridos


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Quanto à questão de saber se podem ser valoradas as declarações para memória futura, prestadas em inquérito, quando o visado em audiência de julgamento validamente se recusa a depor, duas perspetivas se perfilam, as quais se encontram plasmadas em dois acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, a saber:

1) de 15/9/2021, processo n.º 20/21.1SXLSB.L1-3ª Secção, relatado pela Excelentíssima Desembargadora Adelina Barradas de Oliveira;

2) de 20/4/2022, processo n.º 37/21.6SXLSB.L1- 3ª Secção, relatado pela Exma. Desembargadora Maria Gomes Perquilhas – ambos em www.dgsi.pt.

Refira-se que, face à divergência existente, foi interposto Recurso para Fixação de Jurisprudência, no segundo dos referidos processos, o qual veio a ser rejeitado por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 22/9/2022, relatado pela Excelentíssima Juiz Conselheira Maria do Carmo Silva Dias, in www.dgsi.pt.

Mais recentemente, no processo 136/22.7GCSTS.P1-A.S1, também o STJ por Acórdão de 17-01-2024, rejeitou o Recurso Extraordinário para Fixação de Jurisprudência, em caso semelhante.

Neste particular, partilhamos do entendimento plasmado no Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 09/11/2022, no processo 712/21.5PCAMD.C1, disponível em www.dgsi.pt, que aqui transcrevermos, por uma questão de celeridade:

“… Entendemos, pela nossa parte, que o cerne da questão passa pela importância que deve ser dada ao artigo 134.º, do CPP, sendo claro que a lei processual penal aí estabelece, com relevo acentuado, um privilégio familiar no que tange à possibilidade de alguém se recusar a depor. Não pode ser esquecido que, embora a descoberta da verdade material seja uma finalidade do processo penal, não pode ela ser admitida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido alcançada de modo processualmente válido e admissível.

Acontece que o privilégio familiar constitui uma derrogação ao dever de declarar.

É indubitável que a aceitação do direito de recusa em depor acaba por ser uma forte limitação à obtenção da prova e, consequentemente, à administração da justiça.

Todavia, tal limitação tem razão de ser, na medida em que o legislador entende que o cidadão tem o direito de não ser constrangido a prestar declarações num processo dirigido contra um seu familiar próximo, qualquer que seja o crime que esteja em causa.

A possibilidade de alguém se recusar a depor assenta muito na própria proteção de quem tem de prestar depoimentos/declarações perante um conflito de consciência ou de interesses e, acima de tudo na proteção das relações familiares.

Saliente-se, ainda, que o direito de recusar o depoimento por razões familiares visa precisamente evitar o conflito entre o dever de responder a verdade eventualmente incriminadora para o seu familiar, e o sentimento familiar que pode levar a testemunha a ser punida por depor falsamente.

Por sua vez, não devemos esquecer que o instituto das declarações para memória futura tem como objetivo evitar a repetição da audição da vítima em julgamento, protegendo-a, assim, do perigo da vitimização secundária.

A tomada de declarações antecipada pretende, além disso, assegurar a genuinidade do depoimento, em tempo útil, e, também, obstar a pressões ou manipulações prolongadas no tempo prejudiciais à liberdade de declaração da vítima.

Resulta indubitável do artigo 33.º, n.º 7, da Lei 112/2009 de 16 de setembro, que a presença da vítima em julgamento, de acordo com a letra da lei e com o seu espírito, deve ser assumida sempre como uma exceção.

A repetição deve ser motivada somente pelo facto de terem surgido novos factos ou circunstancialismos adicionais dos que foram objeto de declarações para memória futura, visto que o artigo 271.º, n.ºs 1 e 8, do CPP, estabelece que a repetição da prova deve ser considerada como necessária para a descoberta da verdade material e ser possível.

Ora, ponderando os interesses acautelados pelo privilégio familiar e pelas declarações para memória futura, entendemos que estas, independentemente da natureza do crime que estiver em causa, não devem fugir à regra da inutilização, no caso de recusa a depor em audiência de julgamento – ver, neste sentido, “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo II, António Gama/Luís Lemos Triunfante, pág. 137.


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Revertendo ao caso em apreço, é de salientar que, apesar de tudo o que foi acontecendo ao longo do processo relacionado com a sua presença na audiência de julgamento, foi a própria assistente que acabou por requerer ser ouvida, invocando tal ser indispensável à descoberta da verdade material (nos termos do artigo 340.º, n.º 1, do CPP).

Por isso mesmo, julgamos que a sua presença na audiência cabe numa situação de exceção, pois estamos perante um caso em que é a própria vítima que se dispõe a comparecer na audiência de julgamento, a fim de deixar expressa a sua posição, mesmo após ter prestado declarações para memória futura, tendo em vista a descoberta da verdade.

Acontece que, admitida a prestar declarações, a assistente usou da sua faculdade de recusa a depor quanto aos factos constantes da acusação relacionados com o período em que coabitou com o arguido, e só isto interessa para decidir o objeto do recurso.

Aqui está o busílis da questão.

Liminarmente, consideramos ser um paradoxo a assistente ter afirmado que queria prestar declarações, tendo em vista a descoberta da verdade material, para, logo de seguida, exercer a faculdade de recusar as mesmas quanto ao essencial dos factos imputados ao arguido.

Mas foi isso que aconteceu e há que tomar posição sobre quais as consequências da sua conduta em audiência de julgamento no que tange às suas declarações para memória futura.

Avancemos.

O artigo 356.º. n.º 6, do CPP, determina que “é proibida, em qualquer caso, a leitura do depoimento prestado em inquérito ou instrução por testemunha que, em audiência, se tenha validamente recusado a depor.”, o que nos remete, de imediato, para o citado artigo 134.º, do CPP, isto é, se é certo que as declarações para memória futura podem ser valoradas, independentemente de serem ou não lidas em audiência de julgamento, não é menos verdade que, comparecendo a ofendida nesta, se disser que se recusa a depor quanto a certos factos, invocando apenas a sua ligação familiar, está a expressar uma vontade que nos transporta para a colisão que existe entre o interesse publico de uma eficaz investigação penal e o interesse da testemunha de não ser constrangida a prestar declarações num processo dirigido contra um seu familiar, ainda que estejamos perante um crime que não admite desistência.

A nosso ver, a partir do momento em que a vítima surge em audiência de julgamento e tem a possibilidade de se recusar a depor, tal só pode significar que lhe está a ser dada a possibilidade de colocar em causa o que antes disse, acautelando, até, a possibilidade de ter existido uma eventual denúncia caluniosa, podendo, assim, ainda em tempo se retratar.

E não se esqueça que este conceito se aplica mesmo quando a vítima assume a qualidade de assistente – neste sentido, ver o Acórdão do TRP, de 30/1/2013, Processo relatado pela Exma. Juiz Desembargadora Maria do Carmo Dias, in www.dgsi.pt. Se o legislador tivesse a intenção de afastar a possibilidade da testemunha/vítima de violência doméstica se recusar a depor, caso fosse chamada à audiência de julgamento, após prestar declarações para memória futura, tê-lo-ia feito nos diplomas legais a que se refere o recorrente, o que, manifestamente, não fez.

E não fez porque, em qualquer audiência de julgamento, mesmo que estejamos perante crimes públicos, o legislador entende que a testemunha só presta depoimento se, ela mesmo, no caso concreto, considerar o interesse da administração da justiça superior à salvaguarda das suas relações familiares.

Ora, o silêncio da vítima/assistente, nas circunstâncias descritas nos autos, salvo o devido respeito, deve significar que pretendeu apagar as anteriores declarações, pois, se não o quisesse fazer, teria, pura e simplesmente, dito, que as mantinha e que nada tinha a acrescentar, até porque, tal manifestação de vontade surgiu após ter dialogado com a sua Ilustre Patrona e com a Senhora Psicóloga, conforme decorre da respetiva ata, a fls. 736/737.

Em resumo, se a vítima comparece em audiência de julgamento e se recusa a depor, deve ficar vedada a valoração do que antes dissera, visto que o Tribunal passa a confrontar-se com um silêncio de quem tem a disponibilidade de contribuir, ou não, para a administração da justiça.

Concedemos que esta orientação acaba por colocar em causa uma prova pré-constituída na qual a acusação assenta grande parte daquilo que a sustenta, mas o privilégio familiar, se existe na lei, é para ser aplicado sempre, independentemente do crime em causa e até ao encerramento da audiência de julgamento.

Por isso mesmo, e sempre salvo o devido respeito pela posição do recorrente, entendemos que a sentença ora em cise não merece reparo, ao acompanhar a orientação que consta do Acórdão do TRL, de 15/9/2021, Processo n.º 20/21.1SXLSB.L1 -3, relatado pela Excelentíssima Juiz Desembargadora Adelina Barradas de Oliveira, no qual pode ser lido o seguinte:

“(…) A decisão sobre a tomada de declarações para memória futura não pode ser vista como um meio de evitar ou de propiciar que a vítima exerça o direito que o Código lhe atribui de se recusar a depor.

Ela tem esse direito em qualquer momento em que deva depor ou pretenda fazê-lo.

Na verdade, o artº 356º não inibe a leitura/valoração das declarações para memória futura, mas também não pode inibir o direito a recusar-se a depor acrescendo que a lei é rigorosa quando diz que é proibida, em qualquer caso, a leitura de depoimento nessas circunstâncias.

Poderia argumentar-se que o que o legislador pretendeu foi proibir a leitura nos casos de recusa a depor, mas não a apreciação das declarações prestadas para memória futura.

Mas, o que temos perante nós, já que entendemos que nem têm de ser lidas as declarações, e que sendo há que ficar a constar da ata a razão pelo que o foram, é que havendo proibição expressa de leitura das declarações de quem se recusa a depor, o legislador está a permitir que essa prova não seja valorada, aliás, está a impedir que essa prova seja valorada.

Há um reforço de não leitura já expresso pelo legislador no artº 271º nº 8, no qual nos diz que a tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar, ou seja, não é necessário lê-las, mas não impede que se leiam.

E há um duplo travão a que tais declarações sejam valoradas como prova na situação dos autos, ou seja, quem as prestou recusa-se a depor em audiência e, se as declarações para memória futura são para ser utilizadas em audiência, como prova (no caso de quem as prestou não poder comparecer ou não puder prestar declarações), estando o seu autor presente e recusando-se a depor, há como que uma inutilidade superveniente das mesmas que o próprio anula retirando-se as mesmas do âmbito da apreciação da prova.(…)…”

A nosso ver, a partir do momento em que a vítima surge em audiência de julgamento e tem a possibilidade de se recusar a depor, tal só pode significar que lhe está a ser dada a possibilidade de colocar em causa o que antes disse, acautelando, podendo, assim, ainda em tempo se retratar. Em face do exposto, decide-se não valorar as declarações para memória futura prestadas pela ofendida.

Nada mais restou ao tribunal senão dar os factos por não assentes, não obstante o teor dos documentos dos juntos aos autos, designadamente os seguintes:

- Auto de notícia, fls. 4 a 6.

- Certidões de fls. 27 a 28.

- Elementos clínicos de fls. 66 a 67 e de fls. 230.

- Auto de interrogatório de arguido detido de fls. 118 a 128.

- Auto de declarações para memória futura, fls. 182.

- Exame médico legal de fls. 187 a 188 verso.

- Transcrição declarações para memória futura, fls. 198 a 225.

Assim, sendo, nada mais restou então ao tribunal senão dar os demais factos por não assentes, pois sem mais, não podem ser tidos em consideração, por se concluir que não se fez prova segura e suficiente dos mesmos.

Assim, no que respeita aos factos dados como não provados, concluímos que não se fez prova segura e suficiente dos mesmos, nomeadamente quanto à participação da arguida. Existindo dúvida insanável acerca dos factos pelos quais a arguida vem acusada, o Tribunal terá de fazer funcionar o princípio da presunção de inocência, o princípio do “in dúbio pro reo”.

A materialização de tal princípio, enquanto dirigido à apreciação dos factos objecto de um processo penal, desdobra-se em dois vectores essenciais: O primeiro é o de que o ónus probatório da imputação de factos ou condutas que integram um ilícito criminal cabe a quem acusa; O segundo, consiste que, em caso de dúvida razoável e insanável sobre os factos descritos na acusação, o Tribunal deve decidir a favor do arguido. Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 04.11.98, in BMJ 481/265, dispõe que “Se por força da presunção de inocência, só podem dar-se por provados quaisquer factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido quando eles se tenham, efectivamente, provado, para além de qualquer dúvida, então é inquestionável que, em caso de dúvida na apreciação da prova, a decisão nunca pode deixar de lhe ser favorável, por isso no caso de dúvida insanável sobre se se verificaram ou não determinados factos que implicam, por exemplo, a invalidade das provas obtidas contra o arguido e a consequente impossibilidade de contra ele serem utilizadas, a dúvida deve ser resolvida a favor deste, dando como provada a verificação de tais factos, ainda e sempre por obediência ao princípio “in dúbio pro reo”.

Assim, face a tudo quanto se expôs, decidiu-se dar os mencionados factos como não provados, pois não foi produzida prova suficiente que permita ao Tribunal formar uma convicção segura relativamente à verificação dos factos descritos na acusação.

Em sede de condições de vida, designadamente no que concerne à situação económica, social e familiar do arguido, o Tribunal fez fé nas declarações pela mesmo proferidas, uma vez que as mesmas pareceram credíveis no que concerne a tais aspetos.

No que respeita aos antecedentes criminais do arguido, o tribunal ateve-se no seu CRC junto aos autos.
Todos os elementos probatórios constantes dos autos foram analisados de uma forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum, tendo sido todos articulados e concatenados entre si.(…)»

C) Despachos e requerimentos com interesse para a decisão do presente recurso.

--No requerimento de Prova da Acusação do Ministério Público consta:

«(…) Prova, a dos autos, sendo:

Declarações para memória futura:

- BB, id. a fls. 166, cuja audição se requer seja efectuada por remissão para as suas declarações prestadas em sede de declarações para memória futura, nos termos do disposto nas normas contidas no artigo 271º do Código de Processo Penal.

Caso se verifique, em sede de audiência de julgamento, o previsto na norma contida no n.º 8 do artigo 271º do Código de Processo penal, requer-se desde já que a audição da ofendida se processe com o apoio na prestação do depoimento em julgamento de Técnica de Apoio à Vítima, a ser requisitada no pelouro da Ação Social da C.M. ....»

--Da contestação do arguido consta o seguinte requerimento:

« Prova (acusação) e

Requer ainda o depoimento de ofendida BB, na audiência e discussão de julgamento, uma vez que o seu depoimento é necessário e indispensável para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, sendo que o mesmo não põe em causa a sua saúde física ou psíquica.

Testemunhal:
1 - EE, com domicílio profissional na Rua ..., n.º ..., 2.º Dto/fte, ..., Porto;»

--Em sede de audiência de julgamento foi proferido o seguinte despacho:

«DESPACHO

Tendo em consideração que o arguido na sua contestação requereu que a ofendida prestasse depoimento na audiência de julgamento, designa-se para continuação da audiência de julgamento, com a inquirição da ofendida o dia 04 de junho de 2024, pelas 14:00 horas.

Notifique.»


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C) Apreciação do recurso

- Da irregularidade decorrente do deferimento, em audiência de julgamento, da tomada de declarações à ofendida, tendo esta prestado declarações para memória futura no decurso do inquérito

Feita acima a resenha das incidências processuais com relevo para a apreciação do segmento recursivo em apreciação, a primeira questão a dirimir consiste em saber se o ato praticado pela Sra. Juíza que consistiu na decisão de tomada de depoimento à ofendida em sede de audiência de julgamento, apesar da circunstância de a mesma ter já prestado declarações para memória futura, padece de qualquer invalidade, e, se assim for, qual a concreta invalidade que se equaciona.

Na abordagem de tal questão, começaremos por apreciar se a tomada de depoimento à ofendida na audiência de julgamento, sendo ela vítima do crime de violência doméstica imputado ao arguido na acusação deduzida nos autos, nos casos, como o presente, em que a mesma prestou declarações para memória futura, nos termos do disposto no art. 271º do CPP, se traduz ou não na prática de ato que a lei não permita; ou se permite, em que condições o faz.

É consensual nos dias de hoje, quer na doutrina, quer na jurisprudência, o entendimento de que a recolha de declarações para memória futura constitui uma exceção ao princípio da imediação que se prende com a proteção das vítimas especialmente vulneráveis, instituto essa que se encontra regulado nos arts. 271º do CPP, 33º da Lei 112/2009,16.09 e 24º da Lei 130/2015, de 4.09 (Estatuto da vítima).

Conforme sublinha Maia Costa em anotação ao art. 271º, do Código de Processo Penal Comentado, Obra Coletiva, 3ª Edição revista, pág, 921, «Inicialmente pensado pelo legislador como um meio preventivo de recolha de prova testemunhal suscetível de perder-se ou inviabilizar-se antes do julgamento, o âmbito de recolha das declarações para memória futura foi posteriormente ampliado, já não para prevenir o perigo de perda da prova, mas sim para proteção das vítimas, especialmente menores». – negrito nosso.

A Lei 112/2009, de 16.09, regula autonomamente as declarações para memória futura das vítimas de violência doméstica, conforme decorre do art. 33º da mesma, cujo regime de recolha, como salienta o citado autor, in Ob. cit., pág. 922, é idêntico ao disposto no art. 271º do CPP, com a diferença de que no regime previsto por esta Lei a tomada de declarações da vítima no decurso do inquérito deverá ser requerida pela própria vítima ou pelo Ministério Público, enquanto que pelo regime previsto no citado art. 271º do CPP essa tomada de declarações pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente e partes civis.

E, igualmente, na Lei 130/2015, de 4.09 (Estatuto da vítima), se prevê, no seu art. 24º, a tomada de declarações para memória futura as vítimas especialmente vulneráveis.

Sendo certo que o instituto das declarações para memória futura tem como objetivo evitar a repetição da audição da vítima em julgamento, protegendo-a, assim, do perigo da vitimização secundária, visando, ainda, assegurar a genuinidade do depoimento, em tempo útil, e obstar a pressões ou manipulações prolongadas no tempo, prejudiciais à liberdade de declaração da vítima, a verdade é não está vedado, à luz dos referidos regimes legais, a possibilidade de, em audiência de julgamento, serem tomadas declarações às pessoas que, em sede de inquérito, já as prestaram para memória futura, como decorre do disposto nos nº8 do citado art. 271º do CPP, nº 7 do art. 33º da citada Lei 112/2009 e nº 6 do art. 24º da citada Lei 130/2015.

Contudo, a ponderação dessa repetição de inquirição à vítima, em audiência de julgamento, só se justificará, sob pena de risco da frustração do objetivo do legislador que, em qualquer dos referidos regimes, se for possível, não deixando o legislador de condicionar a possibilidade de repetir em julgamento essa tomada de declarações aos casos em que a saúde física ou psíquica da pessoa não seja posta em causa, e ainda, nos termos do regime da citada Lei 130/2015, se for considerada indispensável para o esclarecimento da verdade material.

Aqui chegados.

No caso em vertente, a inquirição da ofendida BB em sede de audiência de julgamento - que, em sede de inquérito, já prestara declarações para memória futura - foi requerida (sem qualquer justificação cabal acerca da INDISPENSABILIDADE de tal audição) pelo arguido na sua contestação e a tomada de posição sobre a mesma por parte da Sra. Juíza titular do processo consistiu, num primeiro momento, em tacitamente, relegar a apreciação da pertinência da mesma para a audiência de discussão e julgamento[1].

Já em audiência de julgamento, sem qualquer contraditório, pelas razões aduzidas no seu despacho supra transcrito (ou seja, “porque o arguido o requereu na sua contestação” – esta a única razão invocada) após a produção da demais prova arrolada nos autos, determinou a Sra. Juíza que a ela presidiu que nela tivesse lugar a prestação de depoimento por parte da ofendida BB.

Claramente estamos perante um despacho sem fundamentação de facto nem de direito.

O que veio a seguir-se a esta decisão traduziu-se em a ofendida, ao abrigo do disposto no art. 134º, nº1, alínea b) do CPP, se ter recusado a depor e, de, por isso, a sua inquirição resultar frustrada.

Não poderemos escamotear que na ponderação da decisão da Sra. Juíza atinente a essa tomada de declarações à ofendida em sede de audiência de julgamento, deveria ter pesado, desde logo, a previsível e duvidosa eficácia da mesma com vista ao almejado cabal esclarecimento dos factos imputados. Quais os factos que suscitavam dúvidas na tomada de declarações para memória futura e que necessitavam ser esclarecidos em novo depoimento? Nada é referido. Que dúvidas existiam para que o depoimento da ofendida em audiência de julgamento fosse indispensável com vista à obtenção da verdade material? O despacho judicial a nada responde.

Tudo sempre depois de se averiguar e afirmar que a sua saúde física e psíquica não ficariam afetadas (a Lei assim o determina).

Não se tendo a ofendida constituído assistente, ainda que o ora recorrente/Ministério Público perspetivasse, com base na argumentação que densifica no seu discurso recursivo, a ocorrência de alguma invalidade relacionada com os pressupostos considerados na decisão de inquirir a ofendida em sede de audiência de julgamento[2] - veja-se que não há fundamentação no despacho judicial no que tange à, exigida por lei, INDISPENSABILIDADE da inquirição - ou com os procedimentos a observar quanto à aferição dos mesmos previstos no nº 6 do art. 24º da Lei 130/2015, de 4.09 (Estatuto da vítima), designadamente por não ter sido precedida do parecer ou da audição de técnico especializado e habilitado para se pronunciar sobre se a mesma punha ou não em causa a saúde física e psíquica da ofendida - que, a final, em face da sua válida recusa em depor acabou por o não fazer - essa invalidade só poderia traduzir-se numa mera irregularidade, enquadrável no disposto no 123ºdo CPP.

Com efeito, como se sublinha no ac. do STJ, de 20.05.2020, disponível in www.dgsi.pt, “a irregularidade é a vício formal do ato processual que a lei não fulmine com a nulidade (absoluta ou relativa) –art.º 118º n.º 2 do CPP. Consiste na violação de norma do regime processual que tutele interesses públicos ou particulares – dos sujeitos ou intervenientes processuais - de menor gravidade.”

No n.º 2 do art. 123º do CPP consagra-se o princípio da relevância material da irregularidade, segundo o qual só as ilegalidades relevantes devem ser tidas como irregularidades e só são relevantes as que afetam o valor do ato praticado – neste sentido, Código do Processo Penal notas e comentários, Magistrados do Ministério Público do Distrito judicial do Porto, Coimbra Editora, pag. 311. Isto é, aquelas que possam repercutir-se no mérito da decisão final a proferir na causa.

Também segundo o AUJ n.º 5/2002, in Diário da República n.º 163/2002, Série I-A de 2002-07-17 “A irregularidade afeta o valor do ato processual praticado quando da mesma decorre a violação de um interesse público ou de um interesse privado indisponível, mas já não quando constitui a inobservância de uma norma processual que tutela um interesse privado disponível”.

Donde se conclui que, padecendo a tomada de declarações à ofendida em audiência de julgamento - que se recusou a depor - determinada nos autos, de alguma irregularidade por inobservância da lei, tal irregularidade sempre e só poderia cair no regime das irregularidades previsto no nº 1 do art. 123º do CPP, que impunha a respetiva a arguição no próprio ato, no qual o recorrente/Ministério Público se encontrava presente.

Pelo que, não tendo sido arguida nesse momento, a sua eventual arguição mostra-se agora intempestiva.

O que se declara.


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- Erro de julgamento ao não serem valoradas as declarações para memória futura prestadas pela ofendida em sede de inquérito (gravadas e transcritas nos autos).

Os termos em que que se apresenta para apreciação deste Tribunal de recurso este segmento recursivo impõe que apreciemos a legalidade ou não da não valoração pelo Tribunal a quo das DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA prestadas pela assistente e suas consequências.

A argumentação que subjaz ao discurso recursivo do recorrente, arranca do entendimento, que sufraga e que é transversal a toda essa argumentação, de que o Tribunal recorrido deveria ter valorado na sentença recorrida as declarações prestadas para memória futura pela ofendida BB ainda que, como sucedeu, esta se tenha recusado a depor na audiência de julgamento.

Torna-se evidente que a discordância do Ministério Público recorrente em relação à sentença recorrida se prende com a ponderação nela feita pelo Tribunal recorrido a respeito da valoração a fazer das declarações para memória futura prestadas por testemunha que, chamada a depor em audiência, por crime de violência doméstica, se recusa a fazê-lo, ao abrigo do disposto no art. 134º, nº1, alínea b) do CPP.

Efetivamente sobre tal questão, vêm sendo perfilhados diferentes entendimentos que resumiremos na, ainda, que breve resenha jurisprudencial, acessível em www.dgsi.pt., que se cita:

a) Ac. TRL 15/09/2021, processo 20/21.1SXLSB.L1-3, em cujo sumário se pode ler:

A decisão sobre a tomada de declarações para memória futura não pode ser vista como um meio de evitar ou propiciar que a vítima exerça o direito de se recusar a depor porque a vítima tem (como o arguido), esse direito a qualquer momento em que tenha de depor ou queira depor, ainda que, sendo apenas ofendida, seja ouvida como testemunha. É o que resulta do disposto no n.º 6 do art. 356.º do CPP e do art. 134.º, n.º 1, als. a) e b), do CPP.

O art. 356.º não inibe a leitura/valoração das declarações para memória futura, mas também não pode inibir o direito a recusar-se a depor acrescendo que a lei é rigorosa quando diz que é proibida, em qualquer caso, a leitura de depoimento nessas circunstâncias.

Poderia argumentar-se que o que o legislador pretendeu foi proibir a leitura nos casos de recusa a depor, mas não a apreciação das declarações prestadas para memória futura.

Mas, o que temos perante nós, já que entendemos que nem têm de ser lidas as declarações, é que havendo proibição expressa de leitura das declarações de quem se recusa a depor, o legislador está a impedir que essa prova seja valorada.

Há um reforço de não leitura já expresso pelo legislador no art. 271.º, n.º 8, no qual nos diz que a tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento.

E há um duplo travão a que tais declarações sejam valoradas como prova na situação dos autos, ou seja, quem as prestou recusa-se a depor em audiência dando lugar como que a uma inutilidade superveniente das mesmas declarações, que o próprio anula retirando-as do âmbito da apreciação da prova.

Ou seja, apenas dos meios de prova permitidos e, as declarações para memória futura, após a recusa a depor em audiência, já não podem ser consideradas meios de prova.

O tribunal não tem de as referir na sua fundamentação, nem pode fazê-lo.”

b) Ac. TRL 23/03/2022, processo 150/21.0PALSB.L1-3, em cujo sumário se pode ler:

“I - Num processo tendo por objecto a prática de crime de violência doméstica, em que a ofendida se recusa em audiência de julgamento a prestar declarações sobre esse mesmo objecto, não pode ser valorado o seu depoimento anteriormente prestado nos autos, mesmo aquele prestado para memória futura, no decurso do inquérito ou da instrução – porque assim o exige o preceituado no art. 356.º/6, do CPP.

II - Com efeito, nada tendo sido estabelecido legalmente em sentido contrário, deve prevalecer o disposto no art. 356.º/6, do CPP, porquanto deve triunfar a autonomia da testemunha e os valores que subjazem ao seu direito de recusar prestar depoimento em julgamento, que lhe é conferido legalmente, em detrimento da procura da verdade.”

c) Ac. TRL 20/04/2022, processo 37/21.6SXLSB.L1-3, em cujo sumário se pode ler:

“A tomada de declarações para memória futura nos termos do art. 271.º, não prejudica a prestação de depoimento em audiência, sendo possível e não coloque em causa a saúde física ou psíquica do depoente.

O art. 24.º, n.º 6, do Estatuto da Vítima, regula a prestação de declarações para memória futura, de forma autónoma do art. 271.º, é expresso na preferência por estas declarações e pela excecionalidade do depoimento em audiência, apenas podendo ter lugar o depoimento em audiência se tal for indispensável à descoberta da verdade e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.

O art. 271.º não exige qualquer avaliação da essencialidade da prestação do depoimento em audiência. É claro na opção por este.

O art. 356.º, não se refere às declarações para memória futura a que se refere e regula o art. 24.º do Estatuto da Vítima.

Por força do disposto no art. 24.º do Estatuto da Vítima, aplicável às vítimas de violência doméstica atento o disposto no seu art. 2.º, estas têm o direito de prestar declarações para memória futura, com observância do ali preceituado, e não devem ser chamadas a depor em audiência a não ser que tal se mostre essencial para a descoberta da verdade e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar (pressupostos cumulativos).

As declarações para memória futura constituem prova pré-constituída, adquirida em audiência de julgamento antecipada parcialmente, a valorar após a produção da restante prova e sujeitas, tal como a grande maioria das provas, à livre apreciação do julgador.

Uma vez explicitada a prerrogativa nesta norma prevista, e exercido o direito de recusa a depor ou ao contrário a ele renunciar prestando depoimento, não pode mais tarde a testemunha que tem a qualidade de vítima, querer exercer em sentido diverso o mesmo direito com efeitos retroativos, pois ele já foi exercido.

Já produziu efeitos probatórios: as declarações uma vez prestadas constituem prova a valorar; são prova já constituída não podendo ser excluídas do universo probatório a valorar pelo juiz, por vontade da vítima.

As regras materiais e processuais sobre a validade ou aquisição da prova não podem nem estão dependentes da vontade dos particulares, sob pena de a justiça, um dos pilares do Estado de Direito Democrático, ser afinal, nada mais nada menos, que dependente da vontade e dos caprichos dos particulares, que poderiam colocar em marcha todo o aparelho judiciário para como qual castelo de cartas cair pela base sem qualquer efeito, pese embora todos os elementos constantes dos autos permitissem fazer justiça (seja ela condenatória ou absolutória).

O art. 356.º do CPP não contém qualquer referência ao art. 24.º do Estatuto da Vítima, legislação especial, razão pela qual não lhe é aplicável o seu n.º 6.”

d) Ac. TRC de 09/11/2022, processo 712/21.5PCAMD.C1, em cujo sumário se pode ler:

“I – Só após a produção da prova em audiência de julgamento deve o tribunal ponderar a necessidade de ouvir quem antes prestou declarações para memória futura, porquanto estas constituem prova pré-constituída, visando, justamente, evitar que a vítima volte a ser inquirida.

II – Se a vítima comparece em audiência e se, legalmente, recusa a prestação de depoimento, fica vedada a valoração do que antes dissera em sede de declarações para memória futura.”

e) Ac. TRP de 14/12/2022, processo 82/21.1GBOAZ.P1, em cujo sumário se pode ler:

“I - A produção antecipada da prova de julgamento, embora derrogue o princípio da imediação, previsto no art. 355.º, do CPP, é obrigatória nos casos dos crimes contra a liberdade e de autodeterminação sexual de menor (cfr. art. 271.º, n.º 2, do mesmo Código), desde as alterações produzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, e sob impulso nos demais casos em que poderão estar em causa vitimas especialmente vulneráveis; é um ato sempre presidido por um juiz e segue trâmites próprios de um julgamento, quer quanto à gravação, quer quanto à liberdade para querer depor, embora não inviabilize a repetição do depoimento em audiência, se este for possível e não tiver contraindicações de natureza física ou psicológica por parte do declarante, não sendo obrigatória a sua reprodução em audiência, uma vez que se trata de prova pré constituída que tem livre acesso à consulta, estando na disponibilidade de todos os intervenientes, que assim se podem defender, ficando cumprido o contraditório.

II - Nos crimes contra a autodeterminação sexual de menor e também de violência doméstica, a prestação de declarações radica numa “opção protetora” do ordenamento jurídico justificada pela especial vulnerabilidade do ofendido; com efeito, visa-se não só assegurar a genuinidade e a credibilidade das declarações prestadas, mas também, no quadro das recomendações do direito europeu sobre a matéria, mitigar o efeito de vitimização secundária que a repetição das inquirições inelutavelmente comporta.

III - Mesmo que em audiência a vítima exerça o seu direito ao silêncio ou preste declarações em sentido contrário ao anteriormente declarado, tal não inviabiliza nem retira a possibilidade e o dever de o julgador as apreciar, de forma conjugada com a restante prova, e as valorar de harmonia com as regras da experiência e da lógica.”

f) Ac. TRL de 08/02/2023, processo 617/20.7GBMTJ.L1-3, em cujo sumário se pode ler:

“I - Por força do disposto no art. 356º/2-a), é permitida a leitura de declarações tomadas ao abrigo da referida norma, desde que prestadas perante um Juiz.

II - O n.º 6 da norma declara a proibição da leitura do depoimento prestado nos termos supra descritos, relativo a testemunha que se tenha validamente recusado a depor.

III - Em processos de violência doméstica, por força do estatuto de vítima especialmente vulnerável, a que se reportam os art. 87-A/1-b), do CPP, e 2º-b), da Lei 112/2009, de 16/9, é aplicável o regime especial decorrente dos art. 21º/2- d) e 24º/6, da Lei 130/ 2015 de 04/09 (Estatuto da Vítima), relativo à prestação de declarações para memória futura, segundo o qual as vítimas só deverão prestar depoimento em audiência de julgamento se tal for indispensável à descoberta da verdade e não puser em causa a respectiva saúde física ou psíquica.

IV - As normas invocadas configuram um regime especial em natureza dos crimes acusados, por se tratar de normas contidas em lei especial com vigência posterior à lei geral, e portanto revogadora desta última no âmbito da respectiva previsão normativa (art. 7º/2, do Código Civil).

V - Nos termos da legislação aplicável a inquirição de vítimas de violência doméstica, em sede de audiência de julgamento, apenas é legalmente admitida em caso de necessidade, devidamente justificada por despacho prévio que justifique a diligência, sob pena de ser cometida uma irregularidade que afecta o valor do acto praticado.

VI - A recusa a depor por parte vítima deste tipo de crime, que prestou declarações para memória futura, e, sem justificação, foi chamada a depor em audiência, está subtraída ao regime do nº 6 do art. 356º, do CPP, porque ao inquiri-la o tribunal praticou uma irregularidade relevante, que afecta os termos subsequentes à mesma, ou seja, a validade da recusa em depor.”

Mostram-se ilustradas em tal resenha jurisprudencial, e no essencial, duas correntes opostas:

- Uma no sentido de que quando a testemunha/assistente, tendo prestado declarações para memória futura, depois em audiência legitimamente se recuse a depor, designadamente ao abrigo do disposto pelo art. 134.º, n.º 1, al. b), do CPP (como aqui foi o caso), se mostra inviabilizada a valoração das primeiras, diretamente por força do art. 356.º, n.º 6, do CPP, isso o impondo a efetiva tutela do direito a recusar-se a depor e assim não contribuir para a eventual condenação do arguido com quem tenha vinculação familiar (que é a razão da outorga dessa faculdade); e

- Outra defensora, também essencialmente, de que uma vez prestadas as declarações para memória futura, e desde que no correspondente ato tenham sido feitas ao declarante as advertências devidas, renunciando à faculdade de não depor e com efeito prestando-as, o facto de em audiência para que seja convocado inverter a posição e manifestar uma tal recusa não pode já apagar o valor da prova que com aquelas primeiras ficara validamente constituída e que, assim, deve ser ponderada em conjugação com a restante prova e segundo os critérios da lógica e da experiência comum.

A respeito de tais correntes de entendimento o que se patenteia no caso que nos ocupa é que na sentença recorrida sufragou-se a primeira delas enquanto que o Ministério Público ora recorrente defende que nela devia ter sido seguida a segunda.

Quid iuris?

O instituto das declarações para memória futura reporta-se a um conjunto excecional de casos em que é admissível proceder à inquirição de testemunhas em fases anteriores à do julgamento, podendo tal depoimento, se necessário, ser tomado em conta em julgamento e contribuir para a formação da convicção do julgador.

Ao contrário dos demais casos de declarações para memória futura, assentes num juízo de prognose quanto à impossibilidade de o declarante estar presente na audiência de julgamento, nos crimes contra a autodeterminação sexual de menor e de violência doméstica, a prestação de declarações radica numa “opção protetora” do ordenamento jurídico justificada pela especial vulnerabilidade do ofendido (cfr. ainda o artigo 26.º da Lei n.º 93/99, de 14 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 42/2010, de 3 de setembro, doravante designada “Lei de Proteção de Testemunhas”).

Com efeito, visa-se não só assegurar a genuinidade e a credibilidade das declarações prestadas, mas também, no quadro das recomendações do direito europeu sobre a matéria, mitigar o efeito de vitimização secundária que a repetição das inquirições inelutavelmente comporta [cfr. António Miguel Veiga, «Notas sobre o âmbito e a natureza dos depoimentos (ou declarações) para memória futura de menores ou vítimas de crimes sexuais (ou da razão de ser de uma aparente “insensibilidade judicial” em sede de audiência de julgamento», in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 19, 2009, p. 107, e ainda Rui do Carmo, «Declarações para memória futura – Crianças vítimas de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual», in Revista do Ministério Público, n.º 134, 2013, p. 123].

Tal intenção é, aliás, expressamente sustentada pelo artigo 28.º da Lei de Proteção de Testemunhas[3].

Conforme Ac Trib. Const. de 6 de maio de 2014 “O imperativo constitucional de concordância prática entre o interesse da vítima, o interesse da descoberta da verdade material e a salvaguarda dos direitos fundamentais do arguido (cfr. o artigo 18.º, n.º 2, da CRP) reclama naturalmente que

as cedências ou compressões de cada um destes direitos ou interesses constitucionalmente protegidos se limite ao indispensável para a realização dos demais, asserção que desvela, no domínio das declarações para memória futura, uma série de consequências normativas (cfr. Maria João Antunes, «O segredo de justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medida de coação», in Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 1238).

Na verdade, esta atividade probatória, porque realizada fora do seu locus “natural” – a audiência de julgamento – implica prejuízos para o princípio do contraditório (cfr. artigo 32.º, n.º 5, da CRP), bem como para os princípios da oralidade, da imediação e da publicidade. Destarte, a validade desta “antecipação” da fase de julgamento está dependente, como é bom de ver, do cumprimento escrupuloso de um conjunto de requisitos, mormente de exigências associadas ao princípio do contraditório. Assim se explica o disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 271.º, do CPP, bem como a necessidade de redução a auto das declarações prestadas, vertida no n.º 1 do artigo 275.º, do mesmo diploma (cfr. José António Mouraz Lopes, “A tutela da imparcialidade endoprocessual no processo penal português”, in Studia Ivridica, 83, 2005, p. 161, e José Damião da Cunha, «O regime processual de leitura de declarações na audiência de julgamento», in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 7, 1997, p. 410).

Essa compressão justifica-se em nome da proteção do interesse da vítima e, indiretamente, em razão do interesse público da descoberta da verdade material, sendo de sublinhar o balanceamento gizado no n.º 8 do artigo 271.º, do CPP, que viabiliza a prestação de depoimento em audiência de julgamento, “sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar” (cfr. António Gama, «Reforma do Código de Processo Penal: a prova testemunhal, declarações para memória futura e reconhecimento», in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 19, 2009, p. 402). – negrito e sublinhado nossos.

Reportando-nos ao caso concreto, está em causa a validade das declarações para memória futura prestadas nos autos quando é chamada à audiência a pessoa – “vítima especialmente vulnerável” - que as haja prestado, e se recuse nos termos da lei a prestar depoimento.

Reproduzimos teor de acórdão cuja relatora foi a Exmª Srª Desembargadora Maria Perquilhas[4] e em que nos revemos in expressis verbis[5]:

«O nosso CPP regula as declarações para memória futura no seu art.º 271.º, desde a sua redação original (aprovado pelo DL n.º 78/87, de 17/02) sendo patente que tal possibilidade de produção antecipada de prova era excecional, já que apenas podia ter lugar em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento (…) n.º1 da redação originária.

A Lei n.º 59/98, de 25/08 veio alterar os pressupostos da realização das declarações para memória futura alterando o n.º 1 do citado art.º 271.º, dando-lhe a seguinte redação:

Em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, bem como nos casos de vítimas de crimes sexuais (…)”. Ou seja, acrescentaram-se as vítimas de crimes sexuais, pelas razões que todos sabem e que por isso nos dispensamos de aflorar.

Esta norma veio novamente a ser alterada pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, a qual lhe deu a seguinte redação:

1 - Em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, bem como nos casos de vítima de crime de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou das partes civis, pode proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.

2 - No caso de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, procede-se sempre à inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda maior.

3 - Ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e das partes civis são comunicados o dia, a hora e o local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.

4 - Nos casos previstos no n.º 2, a tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo o menor ser assistido no decurso do acto processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito.

5 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados do assistente e das partes civis e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais.

6 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 352.º, 356.º, 363.º e 364.º

7 - (Anterior n.º 4.)

8 - A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.

Finalmente, veio o referido art.º 271.º a ser alterado, mas apenas quanto à previsão legal, pela Lei n.º 102/2019, de 6 de setembro, que “Acolhe as disposições da Convenção do Conselho da Europa contra o Tráfico de Órgãos Humanos, alterando o Código Penal e o Código de Processo Penal”, nos seguintes termos:

1 – Em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, bem como nos casos de vítima de crime de tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou das partes civis, pode proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.

Por sua vez, o art.º 356.º do mesmo CPP, estabelece:

Artigo 356.º

(Leitura permitida de autos e declarações)

1 - Só é permitida a leitura em audiência de autos:

a) Relativos a actos processuais levados a cabo nos termos dos artigos 318.º, 319.º e 320.º; ou

b) De instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas.

2 - A leitura de declarações do assistente, das partes civis e de testemunhas só é permitida, tendo sido prestadas perante o juiz, nos casos seguintes:

a) Se as declarações tiverem sido tomadas nos termos dos artigos 271.º e 294.º;

b) Se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo no sua leitura;

c) Tratando-se de declarações obtidas mediante precatórias legalmente permitidas.

3 - É também permitida a leitura de declarações anteriormente prestadas perante o juiz:

a) Na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos; ou

b) Quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias sensíveis que não possam ser esclarecidas de outro modo.

4 - É ainda permitida a leitura de declarações prestadas perante o juiz ou o Ministério Público, se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira.

5 - Verificando-se o pressuposto do n.º 2, alínea b), a leitura pode ter lugar mesmo que se trate de declarações prestadas perante o Ministério Público ou perante órgãos de polícia criminal.

6 - É proibida, em qualquer caso, a leitura de depoimento prestado em inquérito ou instrução por testemunha que, em audiência, se tenha validamente recusado a depor.

Este normativo veio também a ser parcialmente alterado pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, mais concretamente:

Artigo 356.º

[...]

1

2

a)...

b)...

c) Tratando-se de declarações obtidas mediante rogatórias ou precatórias legalmente permitidas.

3

a)...

b) Quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias.

4 - ...

5 - ...

6 - …

7 - …

8 - A visualização ou a audição de gravações de actos processuais só é permitida quando o for a leitura do respectivo auto nos termos dos números anteriores.

9 - A permissão de uma leitura, visualização ou audição e a sua justificação legal ficam a constar da acta, sob pena de nulidade.

A Lei n.º 20/2013, de 21/02, alterou os n.ºs 3 e 4 deste art.º 356.º, que passaram a ter a seguinte redação:

Artigo 356.º

Reprodução ou leitura permitidas de autos e declarações

1 - ...
2 - …

3 - É também permitida a reprodução ou leitura de declarações anteriormente prestadas perante autoridade judiciária:

a) ...

b) ...

4 - É permitida a reprodução ou leitura de declarações prestadas perante a autoridade judiciária se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira, designadamente se, esgotadas as diligências para apurar o seu paradeiro, não tiver sido possível a sua notificação para comparecimento.

Os n.ºs 5 a 9 não foram alterados.

A análise do n.º 6 do art.º 356.º, que se mantém inalterado desde a aprovação do CPP, impõe que tenhamos em consideração que as declarações prestadas não são simples declarações prestadas em inquérito ou em instrução, mas sim prestadas em audiência aberta antecipadamente para esse efeito, perante o juiz e com todas as garantias de defesa próprias do julgamento, garantindo-se plenamente o exercício do contraditório, como se extrai do disposto no art.º 271.º já referido. É prova antecipada. E não prova recolhida no e para o Inquérito, na e para a Instrução.

É recolhida em qualquer destas fases, podendo igualmente sê-lo já na fase de julgamento em situações de urgência ou atraso na marcação/realização da audiência, com vista a serem avaliadas pelo juiz de julgamento aquando e conjuntamente com a restante e toda a prova produzida, antecipadamente ou durante a audiência, para formação da sua convicção e decisão da causa.

Na verdade, como consta do AUJ n.º 8/17, DR 1.ª série, n.º 224, de 21 de novembro de 2017, a tomada de declarações para memória futura, nos termos dos artigos 271.º e 294.º, ambos do CPP, configura -se como uma antecipação parcial da audiência, sendo que (…) conceito de prova pré -constituída refere -se aos meios de prova antecipada, como é o caso das declarações para memória futura, previstas nos arts. 271.º e 294.º do CPP, ou dos meios de prova obtidos em inquérito com as garantias processuais adequadas.

Não há dúvida que esta prova antecipada implica alguma limitação dos princípios da imediação, oralidade e publicidade subjacentes à audiência de julgamento, mas são razões de proteção da vítima, especialmente nos casos como o presente, e de realização do bem comum administração da justiça e da verdade material, que justificam e legitimam esta limitação. A proteção da vítima está bem patente e presente no normativo em análise, 271.º, como se conclui da simples leitura do seu n.º 8, assegurando-se, com a tomada de declarações no mais curto espaço de tempo a seguir à denúncia, a melhor prova, mais contemporânea com a prática do crime, e por isso mais credível e mais próxima da prova ideal. Por outro lado, na situação particular das vítimas de violência doméstica, com a prestação de declarações para memória futura procura evita-se que o agressor exerça novamente o seu poder de sedução sobre as mesmas, levando-as a não falar ou minimizar os acontecimentos entorpecendo e minando a ação da justiça.

Importa ter presente que as vítimas de violência doméstica são vítimas especialmente vulneráveis, como resulta da conjugação do disposto nos artigos 2.º, al. b), da Lei n.º 112/2009, de 16/09, Regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e assistência suas vítimas, art.º 1º, al. j) e 67.ºA, n.º 3 do CPP, e consequentemente prestar declarações para memória futura é um dos seus direitos, como de resto se mostra consagrado no art.º 21.º, n.º 2, al. d), do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei 130/ 2015 de 04/09, como um dos direitos das vítimas especialmente vulneráveis, a prestação de declarações para memória futura, nos termos previstos no artigo 24.º.

O art.º 24.º do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 04/09, que a propósito das declarações para memória futura dispõe:

1 - O juiz, a requerimento da vítima especialmente vulnerável ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 271.º do Código de Processo Penal.

2 - O Ministério Público, o arguido, o defensor e os advogados constituídos no processo são notificados da hora e do local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.

3 - A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas.

4 - A tomada de declarações é efetuada, em regra, através de registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios, designadamente estenográficos ou estenotípicos, ou qualquer outro meio técnico idóneo a assegurar a reprodução integral daquelas, ou a documentação através de auto, quando aqueles meios não estiverem disponíveis, o que deverá ficar a constar do auto.

5 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados constituídos e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais, devendo a vítima ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado pelo tribunal.

6 - Nos casos previstos neste artigo só deverá ser prestado depoimento em audiência de julgamento se tal for indispensável à descoberta da verdade e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.

Aqui chegados importa frisar que, como já disse, o n.º 6 do art.º 356.º do CPP integra esse normativo desde a data da sua aprovação, ou seja 1987, e o n.º 6 do art.º 24.º do Estatuto da Vítima data de 2015.

Deste modo, a interpretação a fazer não pode ser a de esta norma, mais recente, ou seja, lei nova, aplicada a situações específicas e próprias, a vítimas e não qualquer outra testemunha, ceda perante a norma do CPP referida, que é muito anterior, pensada e elaborada numa altura em que não se procedia à gravação das declarações, mas à sua exaração completa em auto ou por súmula, e que se aplica genericamente.

Significa assim que o art.º 24.º do Estatuto da vítima é mais recente que o art.º 356.º do CPP.

Contudo, para além de uma norma ser mais recente que a outra, entre o art.º 24.º do Estatuto da Vítima e o art.º 356.º do CPP existe ainda uma relação de especialidade, pelo que não se pode considerar revogado o disposto no art.º 356.º do CPP, norma geral, atento o disposto no art.º 7.º, n.º 3 do CC.

Igual relação de especialidade se verifica entre os artigos 271.º, n.º 8 do CPP e o 24.º, n.º 6 do Estatuto da Vítima, sendo esta a norma especial, porque apenas se aplica a testemunhas que tenham a qualidade de vítima.

Ora, a norma do 24º n.º 6 do Estatuto da Vítima impõe como regra as declarações para memória futura e como exceção as declarações em audiência.

Na verdade, determina o dito artigo:

6 - Nos casos previstos neste artigo só deverá ser prestado depoimento em audiência de julgamento se tal for indispensável à descoberta da verdade e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.

Enquanto que o n.º 8 do art.º 271.º dispõe:

8 - A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.

Ou seja, a tomada de declarações para memória futura nos termos deste último normativo, 271.º, não prejudica a prestação de depoimento em audiência, sendo possível e não coloque em causa a saúde física ou psíquica do depoente. Significa que a prestação de declarações para memória futura só afastam o depoimento em audiência se o depoente o não puder fazer ou tal importe risco para a sua saúde.

Ao contrário o art.º 24.º, n.º 6 do Estatuto da Vítima, que regula a prestação de declarações para memória futura, de forma autónoma do art.º 271.º, é expresso na preferência por estas declarações e pela excecionalidade do depoimento em audiência, apenas podendo ter lugar o depoimento em audiência se tal for indispensável à descoberta da verdade e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.

Note-se que o art.º 271.º não exige qualquer avaliação da essencialidade da prestação do depoimento em audiência. É claro na opção por este.

Acresce que se bem se analisar o art.º 356.º, o mesmo não se refere às declarações para memória futura a que se refere e regula o art.º 24.º do Estatuto da Vítima.

Resumindo, podemos considerar assente:

Por força do disposto no art.º 24.º do Estatuto da Vítima, aplicável às vítimas de violência doméstica atento o disposto no seu art.º 2.º, estas têm o direito de prestar declarações para memória futura, com observância do ali preceituado, e não devem ser chamadas a depor em audiência a não ser que tal se mostre essencial para a descoberta da verdade e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar (pressupostos cumulativos).

As declarações para memória futura constituem prova pré-constituída, adquirida em audiência de julgamento antecipada parcialmente, a valorar após a produção da restante prova e sujeitas, tal como a grande maioria das provas, à livre apreciação do julgador.

Sendo audiência antecipada, como é, aberta especialmente com observância de todas as regras que regulam a audiência de julgamento adequadas a este instituto particular, deve ser observado o disposto no art.º 134.º do CPP quando a vítima tenha com o agente alguma relação de entre as aí previstas.

Estas conclusões impõem, quanto a nós, a seguinte conclusão:

uma vez explicitada a prerrogativa nesta norma prevista, e exercido o direito de recusa a depor ou ao contrário a ele renunciar prestando depoimento, não pode mais tarde a testemunha que tem a qualidade de vítima, querer exercer em sentido diverso o mesmo direito com efeitos retroativos, pois ele já foi exercido. Já produziu efeitos probatórios: as declarações uma vez prestadas constituem prova a valorar; são prova já constituída não podendo ser excluídas do universo probatório a valorar pelo juiz, por vontade da vítima.

Note-se que nem tão pouco ao arguido é permitido excluir da valoração do tribunal as declarações que haja prestado com observância do disposto no art.º 141.º do CPP.

Mesmo que em audiência exerça o seu direito ao silêncio ou preste declarações em sentido contrário ao anteriormente declarado, não inviabiliza nem retira a possibilidade e o dever de o julgador as apreciar, de forma conjugada com a restante prova e as valorar de harmonia com as regras da experiência e da lógica.

Ora, nenhuma razão existe para que às testemunhas, que ainda por cima são vítimas, possam transformar uma prova legalmente obtida, previamente através do instituto das declarações para memória futura, em prova proibida como defende alguma jurisprudência.

As regras materiais e processuais sobre a validade ou aquisição da prova não podem nem estão dependentes da vontade dos particulares, sob pena de a Justiça, um dos pilares do Estado de Direito Democrático, ser afinal, nada mais nada menos, que dependente da vontade e dos caprichos dos particulares, que poderiam colocar em marcha todo o aparelho judiciário para como qual castelo de cartas cair pela base sem qualquer efeito, pese embora todos os elementos constantes dos autos permitissem fazer justiça (seja ela condenatória ou absolutória).

Acresce que, a tese segundo a qual a vítima que tendo prestado declarações para memória futura, opte por não prestar depoimento quando chamada a audiência transformando as anteriores em prova proibida contraria a natureza pública do crime em causa, permitindo-se o mesmo efeito que uma desistência, com mais força até pois redunda as mais das vezes em decisão absolutória com efeitos de caso julgado, contrariando-se lei expressa, o espírito do legislador e os bens jurídicos que se pretendem proteger.

Por outro lado, esta tese transmite uma maior vulnerabilidade às vítimas de violência doméstica perante os agentes de crimes que não hesitarão em iniciar mais um ciclo com a típica sedução para as impedir de manter a coragem de chamadas que continuam a ser para prestar depoimento em audiência, contra o seu direito a prestar declarações para memória futura e não serem mais inquiridas sobre os mesmos factos, atentos os efeitos de vitimização secundária daí decorrentes, contar os factos de que foram alvo.

Finalmente e acima de tudo, o art.º 356.º do CPP não contém qualquer referência ao art.º 24.º do Estatuto da Vítima, legislação especial, razão pela qual não lhe é aplicável o seu n.º 6.- Ac. Relação de Lisboa de 20 de abril de 2022, in DGSI. pt com o qual nos revemos e subscrevemos, discordando em absoluto da solução encontrada no Ac. TRL de lisboa de 15.09.21. (…)»

Por todo o exposto é patente que, no caso concreto – apesar de sanada a irregularidade da convocatória da ofendida para prestar depoimento em audiência de julgamento – o facto de a ofendida BB se ter recusado a prestar depoimento, não impedia que as suas declarações para memória futura fossem apreciadas pelo Tribunal ao abrigo do Princípio da Livre Apreciação da Prova.

Não estávamos no âmbito da Prova Proibida.

Em suma: as declarações para memória futura constituem prova pré-constituída, adquirida em audiência de julgamento antecipada parcialmente, a valorar após a produção e em conjugação com a restante prova e sujeitas, tal como a grande maioria das provas, à livre apreciação do julgador.

A consequência do que vem de dizer-se e decidir-se, reconduz-nos, assim, à inevitável questão do erro de julgamento, por erro do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto, por não ter valorado o teor da recolha antecipada de prova.

O Tribunal de recurso procede à reapreciação das provas com vista a aferir da correta ou incorreta valoração das mesmas e da fixação da matéria de facto provada e não provada.

Mas para tanto, nesta forma de impugnação, o recorrente tem de cumprir as especificações previstas no citado nos nº 3 e 4º do citado art. 412º.

Analisada a motivação de recurso concluímos que ao transcrever, como transcreveu, as declarações para memória futura da ofendida BB e afirmando que contendo essas declarações, como se verifica da leitura da sua transcrição, factos suscetíveis de integrarem a prática do crime de violência doméstica, deveria ser proferida sentença que condenasse o arguido pela prática do crime por que vinha acusado, está minimamente cumprido aquele ónus.

Vejamos, então.

Lidas e ouvidas as declarações para memória futura prestadas pela Ofendida BB[6], concatenadas com as declarações do arguido prestadas em Primeiro Interrogatório[7] e toda a prova documental junta aos autos[8], nada nos alerta para qualquer falta de verdade por parte da Ofendida nas declarações que prestou. O arguido limita-se a negar em bloco e a afirmar que “não sabe o que se passa na cabeça da sua mulher”, que “ela é acompanhada[9]”; que ele “é acompanhado[10] e que não se arriscaria a tal”. Nega abusar de álcool. Que trabalha e é carpinteiro de cofragem. “Nunca mais se encontrou ou procurou a aqui ofendida”.

Com referência Citius de 11 de Agosto de 2023 consta dos autos Relatório Médico, enviado pelo Centro Hospitalar ... (Departamento de psiquiatria e Saúde Mental) que – por referência à ofendida - atesta o seguinte:

“Doente seguida nesta consulta desde 16/10/2014 após internamento neste DPSM (de 2-9 a 9-9-2014) por síndrome depressivo com ideação suicida.

Desenvolvimento de quadro depressivo arrastado após suicídio do pai em 2009 (atropelamento por comboio) associado a marcado neuroticismo que se agravou após conflitos laborais no início de 2014. Tem o Diagnóstico de Perturbação Dístimica associada a personalidade histriónica.

Atualmente está medicada com:

- Sertralina…

- Topiramato…

- Triticum…

- Alprazolam…”

Os pormenores relatados, o modo claro, espontâneo, bem como a ida para uma casa abrigo dão credibilidade às declarações para memória futura prestadas pela Ofendida; não se vislumbrando qualquer motivo para que tudo fosse efabulação; sendo certo que a ofendida se encontra acompanhada e medicada nos termos de Relatório Médico[11].

Assim sendo, resta-nos fixar a factualidade constante da acusação que resulta provada[12]:

Matéria de facto provada:

1 - O arguido e a ofendida contraíram matrimonio em 07 de setembro de 2021, através dos registos notariais de Valongo.
2 - À data dos factos que infra se vão descrever a ofendida apresenta o diagnóstico de perturbação distímica associada a personalidade histriónica, para a qual necessita de tomar medicação diária.
3 - Logo após decorrido 1 (um) ano desde o matrimónio, que o arguido começou a ingerir bebidas alcoólicas em excesso aliado à toma de medicação e, nessas ocasiões, demonstrou um comportamento violento e agressivo, apodando a ofendida de puta, dirigindo-lhe ainda a seguinte expressão: se não estás bem aqui podes ir para a beira do corno que ele aceita-te de volta (referindo-se ao seu ex-marido).
4 - Em data não apurada, mas durante o mês de setembro do ano de 2021, quando o casal se encontrava na residência dos progenitores do arguido, sita na freguesia ..., na sequência de uma discussão entre o arguido e progenitor, nesse momento, a ofendida tentou intervir para que o conflito terminasse.
5 - Ao tentar separá-los, ato contínuo, o arguido desferiu um empurrão à ofendida, tendo a mesma embatido contra um móvel da cozinha, causando-lhe dores nas costas.
6 - De tal forma, que teve necessidade de receber assistência hospitalar no centro de saúde de ....
7 - Como consequência necessária e direta da conduta do arguido, resultou para a ofendida 3 (três) costelas partidas.
8 - Desde o mês de dezembro de 2022, que o comportamento do arguido se tem vindo a agravar, motivado pelo consumo excessivo de álcool.
9 - Assim, em data não apurada, mas durante o mês de dezembro de 2022, no interior do domicílio comum, o arguido iniciou uma discussão com a ofendida, ao que esta lhe disse que enquanto ele estivesse naquele estado não falava mais com ele.
10 - Ato contínuo, o arguido saiu da residência e deslocou-se para o café.
11 - Cerca das 20H00 o arguido telefonou para a ofendida e pediu que a mesma o fosse buscar, porque não conseguia ir para casa, o que a ofendida acatou.
12 - Contudo, acabaram por se desencontrar e o arguido chegou a casa primeiro do que a ofendida.
13 - Quando a ofendida entrou em casa, o arguido agarrou-a pelo braço, atirou-a para cima da cama e colocou-se em cima da ofendida e, fazendo uso de ambas as mãos apertou-lhe o pescoço, causando à ofendida dificuldade em respirar.
14 - Quando o arguido lhe largou o pescoço, a ofendida gritou o mais alto que conseguiu, ao que o arguido lhe disse: “minha puta não gritas mais”, ao mesmo tempo que lhe mordeu o nariz e puxou os cabelos.
15 - Entretanto, chegaram à residência, familiares do arguido, o que permitiu à ofendida fugir para a casa da sogra.
16 - Durante o tempo em que esteve na casa da sua sogra, ou seja, cerca de 15 minutos, nesse período de tempo, o arguido retirou todas as louças e garrafas do interior dos armários e arremessou tudo contra a parede, partindo-as.
17 - De seguida, o arguido dirigiu-se à residência da sua mãe e conseguiu convencer a ofendida a regressar para o domicílio comum.
18 - Logo ao entrarem na residência, o arguido começou a questionar a ofendida para onde é que ela tinha andado e porque não o tinha ido buscar, ao que a ofendida foi para o seu quarto deitar-se.
19 - Ato contínuo, o arguido dirigiu-lhe as seguintes expressões: puta, queres o divórcio eu dou-te o divórcio, vaca.
20 - No dia 16 de abril de 2023, após o almoço, no interior do domicílio comum, quando a ofendida estava a lavar a louça, o arguido pediu-lhe dinheiro, ao que esta respondeu: queres dinheiro para quê?
21 - Ao que o arguido lhe disse que queria ir beber uns copos.
22 - De seguida, a ofendida perguntou-lhe se ele não achava que já tinha bebido o suficiente.
23 - Ao que o arguido retorquiu e disse que a ofendida não tinha nada a ver com isso, dizendo-lhe ainda: sua filha da puta, ignorante, vai para o caralho, quero 20€, se não me deres dinheiro, vamos ter sérios problemas, vou-te dar uma coça que te fodo toda.
24 - Perante a recusa da ofendida, o arguido abeirou-se da mesma, agarrou-a pelos cabelos e desferiu-lhe um estalo na face.
25 - De tal forma a ofendida ficou com receio do arguido que pegou nos 20€ e colocou-os em cima da mesa.
26 - Após o arguido se ter ausentado da residência, a ofendida colocou algumas roupas e a sua medicação dentro de um saco, telefonou à sua filha CC para a ir buscar, que tinha de sair daquela casa naquele dia, o que veio a concretizar.
27 - Desde esse dia que a ofendida se encontra acolhida em casa de emergência.
28 - Como consequência necessária e direta da conduta do arguido resultou para a ofendida fenómenos dolorosos na face e região do couro cabeludo.
29 - Com as condutas adotadas, quis o arguido causar inquietação à ofendida, pretendendo que a mesma se sentisse menorizada, humilhada e psicologicamente desgastada, perturbando-a assim de forma reiterada no seu bem-estar e sossego, atingindo-a psíquica e emocionalmente, o que conseguiu, bem sabendo que a afetava na sua saúde física e psíquica, querendo ainda atingi-la na sua dignidade enquanto ser humano, o que conseguiu.
30 - Tinha ainda o arguido a perfeita noção de que dirigia à ofendida expressões que a humilhavam e diminuíam na sua dignidade pessoal – o que quis e conseguiu, mais sabendo que se tratava da mãe dos seus filhos.
31 - Logrou, dessa forma, subjugar a ofendida, humilhá-la, coisificá-la, intimidá-la e vexá-la, diminuindo-a e afectando a sua dignidade, enquanto pessoa.
32 - O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito, aliás concretizado, de ferir fisicamente a ofendida, atingindo-a, da forma como o fez, bem sabendo que o meio utilizado era apto a ferir e molestar o corpo e a saúde daquele e a causar-lhe as dores verificadas.
33 - Sabia ainda que ao praticar os factos no interior da residência do casal, a coberto do resguardo da casa, ampliava o sentimento de receio da ofendida, visto que violava o espaço reservado da sua vida privada e o seu carácter securitário e não se coibiu de o fazer. 34 - Tudo com o objetivo de manter a ofendida sob domínio, na medida em que, num contexto de tensão e violência iminente, esta acabou por viver submergido pela ansiedade e pelo medo.
35 - Dada a forma como os anúncios descritos foram proferidos e o tom neles empregue, a ofendida sentiu um profundo e justificado receio pela sua vida e integridade física, receando que o arguido concretizasse os males que expressamente lhe anunciou.
36 - Ao proferir tais expressões, agiu o arguido, livre e conscientemente, com o propósito, aliás concretizado, de provocar medo e inquietação à ofendida.
37 - Com este tipo de comportamentos, o arguido mantinha a ofendida, sempre com medo daquilo que o mesmo pusesse fazer contra si.
38 - Ademais, sabia o arguido que a sua conduta era adequada e idónea a provocar na ofendida um estado de alma e de espírito, redutor e constrangedor da sua liberdade de circulação e de autodeterminação, inerente e conatural a qualquer pessoa humana, o que, de facto, aconteceu.
39 - Não obstante, atuou o arguido como descrito, o que fez de forma livre, voluntária e consciente e bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.
40 – Do CRC do arguido constam as condenações melhor descritas a fls. 272 a 277 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, designadamente pela prática em:

- 12/01/2007 e 03/03/2007, de dois crimes de roubo;

- 03/07/2007, de um crime de detenção de arma proibida;

- 25/02/2007, de um crime de furto qualificado; por acórdão cumulatório cumpriu a condenação de 4 anos de prisão efetiva;

- 15/06/2018, de um crime de coacção na forma tentada; tendo sido condenado em pena de prisão substituída por multa, que já pagou;

- 03/07/2021, de um crime de violência doméstica, tendo sido condenado na pena de 2 anos e 6 meses, suspensa por igual período acompanhada de regime de prova, a elaborar pela Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, com frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos do art. 50.º, n.º 1 e 3 e art. 53.º, n.º1 e 2 do Código Penal e, ainda, nos termos do disposto no artigo 34.º- B, da Lei 112/2009, de 16 de Setembro, o afastamento do arguido da ofendida, da sua residência e local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio durante o período da suspensão; bem como pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 9 (nove) meses, bem como uma pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 6 (seis) meses, ao abrigo do disposto no art. 152.º, n.º4 e 5 do Código Penal.

41 - O arguido é carpinteiro de cofragem de profissão e aufere o ordenado mínimo.

42 - Vive numa casa anexa à dos pais, a quem entrega o valor de € 250,00, para despesas gerais com a sua sobrevivência.
Mais se provou que:
43 - o arguido não tem procurado a ofendida.

Enquadramento Jurídico da conduta do arguido

O arguido AA esta acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal.

Está pedida a sua condenação pela prática do aludido crime, bem como na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, prevista no nº 4 do artigo 152º e ainda na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, com o afastamento da residência desta e seu local de trabalho e fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (nº 5).

Preceitua o citado artigo que:
«1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.

4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto no presente artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior acompanhado por um período de 1 a 10 anos.»

Com a incriminação em questão é visada a tutela da dignidade humana da pessoa individual no âmbito das relações familiares e para-familiares, mesmo após a respetiva cessação, atendendo aos qualificados deveres de respeito resultantes de tais relações e, bem assim, atento o muitas vezes verificado ascendente do agente em referência a uma das pessoas referidas no tipo criminal em apreço, em especial no que concerne aos cônjuges, podendo tal ascendente traduzir-se, exemplificadamente, numa situação de superioridade física do agressor face à vítima, de dependência emocional ou de dependência económica da vítima face ao agressor.

A Jurisprudência entende também que o legislador tutela a integridade física e psíquica, bem como a liberdade e autodeterminação sexual no âmbito de um contexto restrito (relações familiares e para-familiares), o que se retira da própria epígrafe do tipo criminal do artigo 152.º do Código Penal.

Segundo Taipa de Carvalho, a ratio do artigo 152.º do Código Penal não está «na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional ou laboral, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana», indo muito mais além «dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p. ex., humilhações, provocações, ameaças, curtas privações de liberdade de movimentos, etc.), a sujeição a trabalhos desproporcionados à idade ou à saúde (física, psíquica ou mental) do subordinado, bem como a sujeição a actividades perigosas, desumanas ou proibidas», acrescentando que «o bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde - bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental» (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, p. 132).

Trata-se, pois, de uma incriminação que visa a protecção de um bem jurídico complexo, reconduzível a vários outros tipos criminais (v.g., ofensa à integridade física, ameaça, coacção, entre outros) no âmbito de um quadro e de uma realidade social delimitada.

Com efeito, delimita o legislador o objecto da acção típica a pessoas que revestem determinada qualidade, denotando esta uma relação de proximidade da vítima com o actor criminis, tratando-se, pois, de um crime específico impróprio, pois que unicamente o agente que tenha uma das relações descritas no tipo é susceptível de cometê-lo.

Por outro lado, conforme supra se referiu, a tipificação do crime de violência doméstica assenta na proteção de um bem jurídico complexo, o qual integra uma multiplicidade de bens jurídicos cindíveis entre si.

Refira-se que o preenchimento do tipo não carece de uma conduta reiterada por parte do agente, isto porque uma só conduta, é suficiente para considerar-se praticado o tipo de crime em questão.

O tipo subjectivo de ilícito reclama uma conduta dolosa por parte do agente, em qualquer das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal, tal como resulta do artigo 13.º do mesmo diploma legal.

Analisada a matéria de facto provada dúvidas não se levantam de que o arguido praticou o crime pelo qual vinha acusado.

Da medida da pena e sanções acessórias

Tal crime é punido com prisão de 2 a 5 anos.

De acordo com os quadros normativos relativos à finalidade das penas (a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum poderá ultrapassar a medida da culpa -artigo 40º, nºs 1e 2, do CP) e determinação da sua medida (em função da culpa e das exigências de prevenção – artigo 71º, nº1, do CP) deve à pena (destinada a proteger o mínimo ético-jurídico fundamental) ser imputada uma dinâmica para que cumpra o seu especial dever de prevenção.

Entre aquele limite mínimo de garantia da prevenção e máximo da culpa do agente, a pena é determinada em concreto por todos os factores do caso, previstos nomeadamente no nº 2 do referido artigo 71º, que relevem para a adequar tanto quanto possível à ilicitude da acção e culpa do agente.

Neste sentido, a culpa (pressuposto-fundamento da pena que constitui o princípio ético-retributivo), a prevenção geral (negativa, de intimidação ou dissuasão, e positiva, de integração ou interiorização) e a prevenção especial (de ressocialização, reinserção social, reeducação mas que também apresenta uma dimensão negativa, de dissuasão individual) representam três exigências atendíveis na escolha da pena, principio este tendencial uma vez que podem apresentar incompatibilidade.

Atendendo aos critérios estabelecidos pelo citado artigo 71.º, n.º 2 em desfavor do arguido militam as seguintes circunstâncias:

– a ilicitude considerando o contexto dos factos e os danos psíquicos causados à ofendida;

- o facto de o arguido ter atuado com dolo direto;

– a circunstância de, à data dos factos, o arguido já ter sido condenado e encontrar-se sujeito a pena de prisão suspensa na sua execução pela prática de crime de violência doméstica tendo por vítima a ex-companheira[13].

Por seu turno, em favor do arguido há que considerar o seguinte:

- a inserção profissional e familiar do arguido.

- o facto de ter deixado de procurar e contactar a aqui ofendida.

As exigências de prevenção especial mostram-se acentuadas atenta a natureza e o número de crimes que o arguido foi anteriormente condenado, tendo o período de suspensão da pena de prisão que lhe foi anteriormente aplicada por crime de idêntica natureza se encontrar em curso à data da prática dos factos.

Por sua vez, são evidentes e muito elevadas as exigências de prevenção geral, desde logo, atenta a persistência e a disseminação deste tipo de criminalidade na sociedade portuguesa actual, que não dá mostras de retrocesso, mau grado todas as medidas de ordem preventiva e repressiva adoptadas, com clara perturbação comunitária e, por vezes, com graves consequências para as vítimas.

Assim, ponderando as circunstâncias supra enumeradas, afigura-se-nos adequada, proporcional e ajustada uma pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão.

Peticiona, ainda, o MP a condenação do arguido na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, prevista no nº 4 do artigo 152º e ainda na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, com o afastamento da residência desta e seu local de trabalho e fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (nº 5).

O art. 152º do Código Penal, que prevê e pune o crime de violência doméstica, dispõe, nos nº 4 e 5, o seguinte:

(…)

4 – podem ser aplicadas ao condenado por crime de violência doméstica «as penas acessórias de proibição de contactos com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica»;

5 – «a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância».

Por um lado urge garantir a segurança da vítima, de modo a que esta possa viver o seu dia-a-dia com a maior normalidade e tranquilidade possíveis, sem o medo de novos ataques e represálias por parte do condenado ou, pelo menos, sem o constrangimento e sobressalto de temer perseguições por parte deste; e por outro garantir que o condenado por crime de violência doméstica alcance a consciência de que as Vítimas/as mulheres são seres dignos de respeito, mormente as suas companheiras; assim se alterando um paradigma da sociedade e o comportamento individual do aqui arguido.

Fixamos, pois a condição de o arguido AA não se aproximar da ofendida BB pelo período de 3 (três) anos (o que inclui residência e local de trabalho).

Tendo presente que a vítima já não reside próximo do arguido e que este não tem manifestado intenção de procura-la, não se estabelece a obrigação de controlo/fiscalização eletrónica à distância, por não se considerar imprescindível.

Atenta a gravidade da conduta e o facto de já existir condenação anterior por crime de igual natureza, na pessoa da ex-companheira, é imprescindível que o arguido frequente programas específicos de prevenção da violência doméstica.

Condição que também se fixa.

Da suspensão da execução da pena de prisão

A pena de prisão aplicada ao aqui arguido, porque não superior a 5 anos, poderá ser suspensa na sua execução desde que verificado o pressuposto material enunciado no artigo 50.º, n.º 1, do CP.

Vejamos.

Nos termos do disposto no art. 50º, n.º 1 do CP “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Não são, pois, considerações de culpa que devem presidir na decisão sobre a decisão de suspensão da execução da pena ou não, mas antes razões ligadas às exigências de prevenção geral e especial, sendo que na ponderação das segundas não pode nunca perder-se de vista a salvaguarda das primeiras.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, § 518) “pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – bastarão para afastar o delinquente da criminalidade”, acrescentando “para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto”. Adverte ainda o citado Professor (ob. citada, § 520) que, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (…) Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa”.

Como justamente se salientou no Ac. do S.T.J. de 25-06-2003 (acessível em www.dgsi.pt) o instituto em causa “constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas. (…) Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas”.

Subjacente à suspensão da execução da pena de prisão está sempre um juízo de prognose favorável, traduzido numa expectativa fundada, mas assente num compromisso responsável com o condenado, de que a mera censura do facto e a ameaça da prisão sejam bastantes para que não sejam cometidos novos crimes.

O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido.

Acresce que a aplicação de uma pena de substituição não é uma faculdade discricionária do tribunal, mas, pelo contrário, constitui um verdadeiro poder/dever, sendo concedida ou denegada no exercício de um poder vinculado.

Revertendo para o caso que nos ocupa, sem descurar que a condenação anterior não serviu de advertência para que o arguido adotasse comportamentos de respeito para com a dignidade das suas companheiras/mulheres, a verdade é que se encontra inserido profissional e familiarmente; e, além disso – fator que temos como preponderante -, nunca mais procurou a ofendida.

Acresce que das próprias declarações para memória futura da ofendida resulta que o arguido tinha um mínimo de consciência do que representava a pena suspensa que sobre si pairava, na altura[14]; o que nos leva a, em última instância, formular, ainda, um juízo de prognose favorável no sentido que esta pena de 2 anos e 9 meses de prisão suspensa na sua execução (por 3 anos) o fará repensar o seu caminho e conduzir-se de forma adequada (a que não serão alheias as penas acessórias em que também vai condenado: de afastamento da vítima com proibição de contactos e de frequência de programas específicos para a prevenção da violência doméstica).

Por outro lado, pensamos que é ajustado e adequado sujeitar a suspensão da execução da pena de prisão que se aplica a regime de prova e plano de reinserção social, a elaborar e fiscalizar pela DGRSP, nomeadamente no sentido de o arguido se abster do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e se prevenir o risco de reincidência.

Pelo exposto, decidimos, suspender a execução da pena de 2 anos e 9 meses de prisão pelo período de 3 (três) anos, assente em Regime de Prova conforme acima determinado.


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DIREITO A INDEMNIZAÇÃO - artigo 82.º-A do Código de Processo Penal ex vi do art. 21.º, n.º 2 da Lei 112/2009 de 16 de Setembro.

Estabelece o artigo 82º-A do Código de Processo Penal:

“Artigo 82.º-A

Reparação da vítima em casos especiais

1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”

Por seu turno, estabelece o artigo 21º nºs 1 e 2 da Lei nº112/2009 de 16 de setembro[15], com a redação dada pela Lei nº57/2021 de 16 de agosto:

“Artigo 21.º

Direito a indemnização e a restituição de bens

1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.

2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.”

O primeiro dos preceitos transcritos estabelece, em certos casos e reunidos determinados pressupostos, a atribuição oficiosa à vítima dos factos ilícitos em que se fundamenta a condenação criminal, de uma reparação pelos prejuízos sofridos, sem prejuízo, naturalmente, do disposto no artigo 129º do Código Penal e nos artigos 71º a 82º do Código de Processo Penal, relativos à dedução em Processo Penal, de pedido de indemnização por quem tem legitimidade (artigo 74º do mesmo código).

No caso de se estar perante uma condenação por crime de violência doméstica, por força do segundo dos preceitos acima transcritos, tal arbitramento de uma compensação à respetiva vítima, é obrigatório e decorre da condenação criminal, não dependendo da verificação dos pressupostos estabelecidos no transcrito artigo 82º-A, mantendo, contudo, o seu caráter de instituto subsidiário do pedido de indemnização civil formulado pelo lesado, conforme decorre do nº1 do preceito, não se admitindo o arbitramento cumulativo de quantias fixadas no âmbito de um e outro instituto, como decorre do nº3 (“A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em ação que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”).

Em anotação ao artigo 82º-A do Código de Processo Penal, escreve Tiago Caiado Milheiro[16]:

“O pedido cível em processo penal ou não penal mantém-se autónomo e em nada é afetado por este instituto. Tem um caráter subsidiário (como resulta claramente da afirmação literal pela negativa “Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º”). Significa que, se tiver sido deduzido o pedido cível em processo criminal ou em processo não penal (de qualquer índole: cível, laboral, comercial, administrativo, família e menores, etc.) ou já existir decisão que tenha fixado a indemnização (entendendo-se toda aquela que seja vinculativa), não poderá haver lugar a arbitramento oficioso. Se porventura, existiu um pedido, mas não uma decisão de fundo (v.g. absolvição da instância por questões formais) mantém-se a possibilidade de reparação oficiosa. Só o veredito que tenha analisado os pressupostos materiais para a concessão de uma indemnização impede a reparação oficiosa. (…) O procedimento é oficiosamente iniciado e decidido pelo Tribunal. Isso não impede que possa ser solicitado (aliás é um dever do MP “pedir” quando seja aplicado o processo sumaríssimo cf. Art. 394º nº2 alínea b), mesmo que a vítima tenha deixado decorrer os prazos para dedução do pedido cível.

(…)

Assim, só será arbitrada uma indemnização oficiosa se a vítima de violência doméstica ou especialmente vulnerável não tenha deduzido pedido cível, o agressor tiver sido condenado e se provar a existência de danos.”

Voltando ao caso dos autos, tendo presentes as breves considerações tecidas supra.

 O Ministério Público, em sede de despacho de encerramento do inquérito em que deduziu acusação contra o arguido imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica, promoveu:

«Do Arbitramento Oficioso de Reparação à Vítima:

Da conjugação do disposto nos artigos 21º, nºs 1 e 2 da Lei 112/2009 de 16 de Setembro e 82º - A do C.P.P., no caso de o arguido vir a ser condenado pela prática do crime de violência doméstica, resulta a obrigatoriedade de arbitramento de indemnização às vítimas.

Esta determinação legal tem por fundamento a verificação de particulares exigências de proteção e a não oposição, por parte da vítima, que tem que ser manifestada de forma expressa.

A reparação oficiosa da vítima tem pois como requisitos e condições: i) a prova de danos causados; ii) a condenação do arguido pelo crime imputado; iii) e a não oposição da vítima à reparação.

Face ao exposto, sem prejuízo da faculdade que a vítima detém de deduzir pedido de indemnização cível nos termos do disposto nos artigos 71º e 77º, nºs 3 e 4, ambos do C.P.P., ou do direito de oposição expressa por parte destas; e considerando o estipulado nos artigos 21º, nºs 1 e 2, da Lei 112/2009 de 16.09 e 82º- A, nº 1 do C.P.P., promovo que, em caso de condenação do arguido, seja arbitrada uma quantia à vítima, a título de reparação pelos prejuízos sofridos.»

O Ministério Público, neste caso, atuou enquanto garante da legalidade, promovendo o cumprimento do disposto nas citadas disposições legais.

Não atua nas vestes de representante da vítima, formulando, em nome dela, um pedido de indemnização, como faz noutros casos. Aliás, atente-se no teor da promoção em causa, na qual não se peticiona uma indemnização, mas pede-se/promove-se, que se aplique a lei.

Nos termos do disposto no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, - que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas -, “À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. Para efeitos da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”.

Da conjugação do teor dos artigos 21.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, com o artigo 82.º-A, n.º 1 do Código de Processo Penal, conclui-se que, em caso de condenação pelo crime de violência doméstica, impõe-se ao tribunal condenar o agente do crime no pagamento à vítima de uma indemnização arbitrada a título de reparação dos prejuízos (materiais e/ou não patrimoniais) sofridos, independentemente de particulares exigências de proteção da vítima (por já serem inerentes ao tipo de crime em causa), salvo oposição expressa da vítima.

Nos termos do artigo 483.º do Código Civil, «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem...fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

Os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito são, pois: a violação de um direito; a ilicitude do facto danoso; o nexo de imputação do facto ao agente; o dano; um nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado.

Face à factualidade provada, todos estes pressupostos estão inequivocamente reunidos.

Dentro da obrigação de indemnizar incluem-se, de acordo com o artigo 496.º, n.º1, do Código Civil, os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado «que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».

Estes danos – que tradicionalmente eram designados de danos morais - resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem-estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação,…), verificando-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, maxime, de personalidade (ver Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 85 e 86, edição de 1976).

No caso em apreço, não se suscitam dúvidas quanto a ter a ofendida sofrido danos de natureza não patrimonial, sendo igualmente inquestionável, a nosso ver, que estes últimos assumem gravidade suficiente para justificar a intervenção reparadora do direito.

O montante da reparação correspondente deve ser calculado, em qualquer caso, segundo critérios de equidade, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

Não foi deduzido pedido de indemnização civil e a indemnização/reparação oficiosa está sujeita a critérios de equidade, sendo conformada pelos factos constantes da acusação, em relação aos quais incidiu a produção de prova na audiência de discussão e julgamento.

Assim, considerando a matéria de facto provada e relevante para a fixação do quantum, afigura-se-nos ajustado o valor de reparação de 1.700,00€.


*

III- DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, e, consequentemente:

- declara-se sanada a irregularidade do despacho que determinou a inquirição da ofendida em audiência de julgamento, por não ter sido arguida tempestivamente pelo Recorrente/Ministério Público presente aquando da prolação do despacho judicial – art. 123º do CPP;

- determina-se que as declarações para memória futura prestadas pela ofendida BB devem ser apreciadas pelo Tribunal, ao abrigo do Princípio da Livre Apreciação da Prova, por não nos encontrarmos no âmbito da prova proibida;

- por erro de julgamento, procede-se à alteração da matéria de facto, transpondo os factos não provados para os FACTOS PROVADOS conforme acima de decidiu;

- em consequência desta alteração o arguido AA encontra-se incurso na prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal;

- crime pelo qual se condena na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 (três) anos, sujeito a Regime de Prova e plano de reinserção social, a elaborar e fiscalizar pela DGRSP, nomeadamente no sentido de o arguido se abster do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e se prevenir o risco de reincidência.

- ao abrigo do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 152º do CP condena-se o arguido nas penas acessórias de:

- proibição de contactos com a vítima BB, quer na sua residência quer no seu local de trabalho, pelo período de 3 (três) anos.

- obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica (a ministrar pela DGRSP).

- condena-se o arguido/Recorrente AA, a pagar à ofendida BB o valor de € 1.700,00 (mil e setecentos euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais por esta sofridos.

Recurso sem tributação.

Notifique.


Porto, 13 de Novembro de 2024
Paula Pires
Raul Cordeiro
José António Rodrigues da Cunha [COM O SEGUINTEVOTO VENCIDO:
Voto vencido quanto à decisão de suspender a execução da pena de pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão em que foi condenado o arguido, ainda que com regime de prova e plano de reinserção social, pelas seguintes razões:
Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade [art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal], e que é em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e especial, e não em função de considerações de culpa que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão.
Assim, para aplicação da referida pena de substituição, é necessário, em primeiro lugar, que não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a que não afronte o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Isto é, a suspensão não pode de forma alguma levar a que a comunidade encare a suspensão como um sinal de impunidade. Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, ponderada a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias do mesmo, que a ameaça da pena, como medida de reflexão sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos.
O que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é, porém, qualquer "certeza", mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco "prudencial" (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada[17].
No caso concreto, como consta dos factos provados, do CRC do arguido constam as condenações melhor descritas a fls. 272 a 277 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido:
1 - Por sentença de 5/05/2008 foi condenado na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução, pela prática, em 12/01/2007, de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º do Código Penal;
2 - Por acórdão de 9/01/2009 foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática, em 3/03/2007, de um crime de roubo e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p., respetivamente, pelo art.º 6.º n.º 1, al. c), com ref. aos art.ºs 2.º, n.º 1, als. o), s) e t), 3.º, n.º 2, al. l), da Lei 5/2006, de 23/02, e pelo art.º 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com ref. ao art.º 204.º, n.º 2, al. f) e 4, do Código Penal;
1 - Por despacho de 14/10/2009 foi revogada a suspensão da referida pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
2 - Por acórdão de 5/05/2009 foi condenado na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada ao cumprimento de plano de reinserção social, pela prática, em 25/02/2007, de um crime de furto qualificado, p. e p., pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e), com ref. ao art.º 202.º, al. d), do Código Penal;
3 - Efetuado o cúmulo jurídico das duas últimas penas, por acórdão de 14/01/2010, foi condenado na pena única de 4 anos de prisão, extinta em 23/04/2014;
4 - Por sentença de 2/04/2019, foi condenado na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, pela prática, em 15/06/2008, de um crime de coação grave na forma tentada (na pessoa da aqui ofendida);
5 - Por sentença de 11/10/2022, transitada em julgado em 10/11/2022, foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em 03/07/2021, de um crime de violência doméstica contra cônjuge ou análogo, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, al. a), do Código Penal. A referida pena foi suspensa na sua execução por 2 anos e 6 meses, acompanhada de regime de prova, a elaborar pela Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, com frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos do art. 50.º, n.º 1 e 3 e art. 53.º, n.º1 e 2 do Código Penal e, ainda, nos termos do disposto no artigo 34.º- B, da Lei 112/2009, de 16 de Setembro, o afastamento do arguido da ofendida, da sua residência e local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio durante o período da suspensão; Foi ainda condenado na pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 9 (nove) meses, bem como na pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 6 (seis) meses, ao abrigo do disposto no art. 152.º, n.º4 e 5 do Código Penal.
Temos, pois, que antes da condenação dos presentes autos, o arguido já tinha sofrido 5 condenações pela prática de diversos crimes. Uma delas pela prática de um crime de coação agravada na forma tentada (na pessoa da aqui ofendida), outra pela prática de um crime de violência doméstica.
Foi condenado em penas de prisão, cuja suspensão lhe foi revogada cumprindo prisão efetiva. Constata-se que parte significativa dos factos em que foi condenado nos presentes autos ocorrerem no período da suspensão da execução da pena de 2 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica [sentença de 11/10/2022, transitada em julgado em 10/11/2022].
Resulta, pois, evidente que o arguido não aproveitou de todo as oportunidades que lhe foram dadas pela aplicação de medidas não detentivas, existindo, pois, fundadas dúvidas em como a simples censura do facto e a ameaça da prisão desta vez o afastarão da prática de novos crimes, o que não aconteceu até agora. Desde logo, porque não sucedeu no passado.
Por outro lado, são fortes as razões de prevenção geral no que ao crime de violência doméstica diz respeito, razões que impõem uma resposta punitiva firme. Com efeito, como se refere no presente acórdão, são evidentes e muito elevadas as exigências de prevenção geral, desde logo, atenta a persistência e a disseminação deste tipo de criminalidade na sociedade portuguesa actual, que não dá mostras de retrocesso, mau grado todas as medidas de ordem preventiva e repressiva adoptadas, com clara perturbação comunitária e, por vezes, com graves consequências para as vítimas.
Nestes termos, condenava o arguido em pena de prisão efetiva.]
_______________
[1] Uma vez que tabelarmente limitou-se a admitir a contestação e respetivo rol de testemunhas.
[2] Afirma que tal inquirição foi determinada exatamente para que ocorresse a recusa em prestar depoimento.
[3] Artigo 28.º
Intervenção no inquérito
1 - Durante o inquérito, o depoimento ou as declarações da testemunha especialmente vulnerável deverão ter lugar o mais brevemente possível após a ocorrência do crime.
2 - Sempre que possível, deverá ser evitada a repetição da audição da testemunha especialmente vulnerável durante o inquérito, podendo ainda ser requerido o registo nos termos do artigo 271.º do Código de Processo Penal.
[4] AC. TRL de 20-04-2022; proc. 37/21.6SXLSB-L1-3
[5] Designadamente na resenha histórica que faz e que nos conduz na compreensão do que o Legislador foi, em cada alteração, introduzindo e pretendendo.
[6] Prestadas a 20-6-2023 e ouvidas no Média Studio do Citius; transcritas no email de 3-08-2023 constante do CITIUS.
[7] Prestadas a 12-05-2023 e ouvidas no Média Studio do Citius.
[8] Realçando a certidão da sentença proferida no âmbito do Processo 461/21.4GAPRD em que o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica perpetrado sob a sua então companheira.
[9] Querendo referir-se a acompanhamento de Saúde Mental.
[10] Querendo fazer referência ao Regime de Prova por pena suspensa pela condenação por crime de violência Doméstica.
[11] A Ofendida relata que no primeiro ano eram um casal normal; depois ele começou a beber, a não ter trabalho certo e foi quando começaram os factos em evidência relacionados com ela própria. O arguido ficava agressivo, só fumava e bebia bastante. Que com o álcool ingeria a medicação dela: “Xanax”. Afirma que ele nunca lhe bateu – excluindo o episódio em que lhe mordeu o nariz e o episódio que levou a que abandonasse a casa - porque ela dizia-lhe que se lhe tocasse que chamava a GNR e ele sabia que tinha uma pena suspensa por violência doméstica contra a ex-mulher. Afirma que ainda hoje – à data em que prestou as declarações - tem medo de sair à rua, porque sabe do que ele é capaz; que teve ajuda psicológica porque lhe é muito difícil falar do assunto.
[12] Tendo por base esmagadoramente as Declarações para memória Futura prestadas pela Ofendida e a demais prova junta aos autos.
[13] Consultámos a certidão da sentença proferida no âmbito do processo 461/21.4GAPRD em que o arguido foi condenado pela prática do crime de violência doméstica, perpetrado sobre a sua ex-companheira – cfr. referência CITIUS 8780234 datada de 15-05-2023
[14] Apesar de não o ter impedido de praticar atos semelhantes.
[15] A qual, nos termos do seu artigo 1ª “estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas.”
[16] In “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo I, Almedina dezembro de 2019, páginas 879 a 888.
[17] Figueiredo Dias, "As Consequências Jurídicas do Crime", Editorial Notícias, 1993, pág. 345.