I. A ilegalidade da prisão não se pode fundamentar no entendimento de que no caso devia ser aplicada medida de coação menos gravosa.
II. A pretensão de ser aplicada medida de coação menos gravosa é questão a decidir pelo Juiz e, em caso de discordância dos sujeitos processuais quanto à decisão proferida em 1ª instância, em recurso ordinário e não em pedido de habeas corpus
Acordam em audiência na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
I. RELATÓRIO
AA, preso preventivamente à ordem dos autos acima identificados veio ”propor o presente pedido de Habeas Corpus … nos termos dos artigos 31.º e seguintes da Constituição da República Portuguesa, conjugados com os artigos 220.º e seguintes do Código de Processo Penal”, com os seguintes fundamentos:
«1.º O requerente, AA, foi detido e sujeito a prisão preventiva no âmbito do processo n.º 3208/24.0JAPRT, no qual se encontra indiciado pela prática de um crime de violação agravada, previsto nos artigos 164.º/2-b) e 177.º/1-b), bem como de um crime de pornografia de menor, previsto no artigo 176.º/1-b), 3 e 8) do Código Penal.
2.º Em 04 de julho de 2024, após o interrogatório judicial de arguido detido, foi aplicada a medida de prisão preventiva, com fundamento nos perigos de continuação da atividade criminosa, perturbação do inquérito, perigo de fuga e perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.
3.º Contudo, após análise detalhada da instrução e com base nos factos já apurados, considera o requerente que a sua prisão preventiva se encontra desprovida de fundamentos factuais e jurídicos válidos, conforme se passará a demonstrar.
4.º Ao contrário do que a acusação sugere, não há, nos autos, qualquer evidência de que o requerente tenha utilizado coação, ameaça ou violência para manter-se na companhia da vítima, seja no dia dos alegados factos, seja antes ou depois. A instrução revelou que a vítima acompanhou o requerente voluntariamente à festa onde ambos estiveram presentes.
5.º A vítima aceitou o convite para acompanhar o requerente até à festa de forma espontânea, sem qualquer sinal de constrangimento ou coação. Em nenhum momento foi forçada a estar na presença do requerente.
6.º Durante a festa, a interação entre o requerente e a vítima foi consensual. Não houve, em qualquer momento, manifestações de desconforto ou resistência por parte da vítima quanto à companhia do requerente.
7.º No dia seguinte aos factos alegados, o requerente enviou algumas mensagens à vítima e chegou a ir à casa dela com o objetivo de a convidar novamente para sair. Este comportamento do requerente é altamente relevante para a análise do caso, pois demonstra a sua boa-fé e a sua crença de que não havia cometido qualquer ato ilícito.
8.º No dia subsequente ao alegado crime, o requerente enviou mensagens à vítima perguntando se ela gostaria de se encontrar novamente. Essas mensagens foram enviadas de forma amigável, sem qualquer conteúdo de ameaça ou coação.
9.º O requerente foi até à casa da vítima, onde a abordou de forma pacífica e educada, respeitando completamente a sua decisão quando ela manifestou que não desejava sair com ele novamente. Em momento algum houve insistência ou qualquer tentativa de forçar a vítima a acompanhá-lo, tendo o requerente saído da casa de forma tranquila e sem incidentes.
10.º Estes comportamentos são completamente incompatíveis com a tese de que o requerente tivesse a intenção de abusar ou coagir a vítima. Pelo contrário, demonstram que, no entendimento do requerente, a relação entre ambos era consensual e amistosa.
11.º O requerente não apresenta qualquer histórico de comportamento violento ou delituoso. Desde o momento da sua detenção, tem colaborado ativamente com o processo, respondendo a todas as solicitações judiciais e participando nas diligências necessárias sem obstrução.
12.º O requerente não tem antecedentes de crimes sexuais, e não há indícios de que, em liberdade, voltaria a envolver-se em condutas ilícitas. A situação descrita como "violação" pelos autos carece de elementos que demonstrem a clara intenção de cometer um crime sexual. A instrução revelou uma sequência de eventos sem coação, e os indícios da prática de pornografia de menor são igualmente fracos, não havendo provas de que as fotos tiradas pelo requerente tenham sido partilhadas ou utilizadas de forma indevida.
13.º A continuidade da prisão preventiva com base no "perigo de continuação da atividade criminosa" é especulativa e desproporcional, não se justificando à luz dos factos concretos.
14.º A instrução do processo encontra-se já numa fase avançada, com as diligências mais relevantes já concluídas. Foram ouvidas as principais testemunhas e a vítima foi inquirida em declarações para memória futura, assegurando a preservação de sua versão dos factos.
15.º Não há qualquer risco objetivo de que o requerente, em liberdade, venha a perturbar o decurso normal do inquérito. O perigo de perturbação do inquérito, alegado como fundamento para a prisão preventiva, é inexistente ou, no mínimo, altamente mitigado pela própria evolução do processo.
16.º O requerente reside em Portugal e mantém fortes laços familiares e sociais no país. Nunca houve qualquer indicativo de que pretenderia abandonar o território nacional ou evitar a justiça.
17.º O requerente tem mantido um comportamento cooperativo com as autoridades e tem cumprido todas as obrigações que lhe foram impostas até ao momento.
18.º As medidas de coação menos gravosas, como a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, seriam mais do que suficientes para garantir que o requerente se mantém à disposição da justiça.
19.º Nos termos do artigo 193.º do Código de Processo Penal, a prisão preventiva deve ser considerada uma medida de última instância, apenas aplicável quando outras medidas de coação menos gravosas se mostrem inadequadas.
20.º O requerente propõe a aplicação de medidas alternativas, tais como:
a. Obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica;
b. Apresentações periódicas às autoridades;
c. Proibição de contactos com a vítima e testemunhas.
21.º Estas medidas seriam suficientes para proteger os interesses do processo sem privar o requerente da sua liberdade de forma desnecessária e desproporcional.
22.º Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o requerente, AA, considera que a sua prisão preventiva é ilegal, porquanto viola os princípios constitucionais de necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade, bem como o disposto nos artigos 193.º e seguintes do Código de Processo Penal.
23.º Assim, requer a este Supremo Tribunal de Justiça que se digne:
a. Julgar procedente o presente pedido de Habeas Corpus;
b. Declarar ilegal a prisão preventiva do requerente, AA;
c. Ordenar a imediata libertação do requerente, sob a aplicação de medidas de coação menos gravosas, nos termos do Código de Processo Penal, tais como:
• Obrigação de permanência na habitação com eventual vigilância eletrónica;
• Apresentações periódicas às autoridades;
• Proibição de contactos com a vítima e testemunhas.
Pede deferimento.».
Foi prestada informação judicial a que alude o art. 223º nº 1 do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:
«Por petição dirigida ao Juiz de Instrução Criminal e enviada hoje por email (18/11/2024, pelas 10:28) vem o Il. defensor do arguido AA apresentar petição que intitula de habeas corpus, pretendendo que o Supremo Tribunal de Justiça declare ilegal a prisão preventiva do arguido e que ordene a sua imediata libertação sob aplicação de medidas de coacção menos gravosas – as que indica.
Para efeitos do disposto no artigo 223.º/1 do CPP, informo:
1 – Por despacho proferido em 04/07/2024 foi ao arguido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, por estar fortemente indiciado da prática de um crime de violação agravado, p. e p. pelos artigos 164.º/2-b) e 177.º/1-b) do Código Penal (CP) – punível com pena de prisão de 4 a 12 anos e 4 meses – bem como de um crime de pornografia de menor, p. e p. pelo artigo 176.º/1-b), 3 e 8 do CP – punível com pena de prisão de 1 a 8 anos de prisão.
2 – O arguido não interpôs recurso do despacho de aplicação da prisão preventiva.
3 – Por despacho proferido em 24/09/2024 foi assegurado ao arguido contraditório em vista da revisão dos pressupostos da prisão preventiva (artigo 213.º/1-a) e 3 do CPP), tendo o arguido, através do seu defensor, se pronunciado em 08/10/2024 (email enviado às 20:53), pugnando que a mesma fosse substituída por uma ou mais medidas de coação menos gravosas, nomeadamente:
• Obrigação de permanência na habitação com eventual vigilância eletrónica;
• Apresentações periódicas às autoridades;
• Proibição de contactos com a vítima e testemunhas;
• Proibição de deslocação a determinadas áreas geográficas.
4 – Por despacho proferido em 11/10/2024 foi mantida a prisão preventiva, tendo o arguido e o seu defensor sido notificados do referido despacho. O arguido no EP em 14/10/2024 e o Il. defensor por carta registada enviada em 14/10/2024.
5 – Prisão preventiva que se mantém.
6 – O MP ainda não proferiu despacho final.».
O processo encontra-se instruído com a documentação pertinente.
Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, realizou-se audiência, em conformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 223º do Código de Processo Penal.
A secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do Código de Processo Penal), fazendo-o nos termos que se seguem.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Questão a decidir
A questão a decidir é a prisão ilegal do peticionante por violação dos princípios constitucionais de necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade, bem como do disposto nos art.s 193º e seguintes do Código de Processo Penal.
2. Factualidade e iter processual
A matéria de facto relevante para a decisão resulta da petição de habeas corpus, da informação prestada, da certidão que acompanha os presentes autos e dos elementos constantes do processo e disponíveis no CITIUS, de que resultam os seguintes elementos de facto:
1. O arguido foi detido no dia 2 de Julho de 2024, na sequência de mandado de detenção fora de flagrante delito.
2. Foi submetido a primeiro interrogatório judicial de arguido detido no dia 3 de Julho de 2024.
3. Na sequência, no dia 4 de Julho de 2024 foi proferido despacho que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, por estar fortemente indiciado da prática de um crime de violação agravado, p. e p. pelos artigos 164º nº 2 al. b) e 177º nº 1 al. b) do Código Penal – punível com pena de prisão de 4 a 12 anos e 4 meses – bem como de um crime de pornografia de menor, p. e p. pelo artigo 176º nº 1 al. b), 3 e 8 do Código Penal – punível com pena de prisão de 1 a 8 anos de prisão “nos termos do disposto nos artigos 191.º/1, 192.º, 193.º/1, 2 e 3, 194.º, 202.º/1-a) e b) e 204.º/a), b) e c). todos do Código de Processo Penal”.
4. Da fundamentação consta que “o caso dos autos evidencia a existência quatro perigos, a saber: perigo de continuação da actividade criminosa, perigo de perturbação do inquérito, perigo de fuga e perigo perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas” e, adiante, que “só a prisão preventiva se mostra adequada a garantir os perigos identificados, é também por isso necessária e é proporcional às sanções que previsivelmente serão aplicadas ao arguido”
5. O arguido não interpôs recurso do despacho de aplicação da prisão preventiva.
6. Por despacho proferido em 24.9.2024 foi assegurado ao arguido contraditório em vista da revisão dos pressupostos da prisão preventiva (art. 213º nº 1 al. a) e 3 do Código de Processo Penal), tendo-se o arguido, através do seu defensor, pronunciado em 8.10.2024 (email enviado às 20:53), pugnando que a mesma fosse substituída por uma ou mais medidas de coação menos gravosas, nomeadamente:
• Obrigação de permanência na habitação com eventual vigilância eletrónica;
• Apresentações periódicas às autoridades;
• Proibição de contactos com a vítima e testemunhas;
• Proibição de deslocação a determinadas áreas geográficas.
7. Por despacho proferido em 11.10.2024 foi mantida a prisão preventiva, tendo o arguido e o seu defensor sido notificados do referido despacho. O arguido no EP em 14.10.2024 e o Il. defensor por carta registada enviada em 14.10.2024.
8. O MP ainda não proferiu despacho final no inquérito.
9. O arguido mantém-se em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de ....
3. O Direito
3.1 Habeas corpus
Todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança (art. 27º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa), exceptuando a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 3 do mesmo preceito constitucional.
O direito à providência de habeas corpus está assegurado constitucionalmente (art. 31º da Constituição da República Portuguesa).
Permite aos cidadãos um mecanismo expedito de reacção contra o abuso de poder, por prisão ou detenção ilegal e constitui não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma e com fim cautelar, destinada a pôr termo no mais curto espaço de tempo a uma situação ilegal de privação de liberdade1.
Exactamente por causa da sua natureza, a providência de habeas corpus não se destina a apreciar a validade e mérito de decisões judiciais, a apurar se foram ou não observadas as disposições da lei do processo e se ocorreram ou não irregularidades ou nulidades resultantes da sua inobservância. Para a análise e apreciação dessas questões estão previstos meios próprios de intervenção no processo, onde devem ser conhecidas, de acordo com o estabelecido nos art.s 118º a 123º do Código de Processo Penal e por via de recurso para os tribunais superiores (art.s 399º e ss do Código de Processo Penal)2.
A concessão do habeas corpus pressupõe a actualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que a petição é apreciada3, o que afasta a possibilidade do habeas corpus preventivo.
O habeas corpus não exclui o direito ao recurso, nem é subsidiário do recurso, no sentido de apenas poder ser utilizado após se esgotarem outras formas de reacção. Pode “coexistir”, com os demais meios judiciais comuns de reacção, como a arguição de invalidade, reclamação ou com o recurso4. Por isso, não existe relação de litispendência ou de caso julgado entre o recurso e a providência de habeas corpus, como refere o artigo 219º nº 2 do Código de Processo Penal.
O art. 222º do Código de Processo Penal, dando expressão ao art. 31º da Constituição da República Portuguesa, dispõe, sob a epígrafe “Habeas corpus em virtude de prisão ilegal”:
«1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.
2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:
a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.»
Como se referiu, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vai no sentido de que o habeas corpus não se destina a apreciar erros de direito, nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade: não tem o propósito de proceder à reanálise do caso, mas sim a constatação de forma expedita da ilegalidade, que por isso mesmo tem de ser patente e pressupõe a actualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que é apreciado o pedido.
E, bem assim, os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão das al.s do nº 2 do art. 222º do Código de Processo Penal, de enumeração taxativa.
Assim, o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar, (a) se a prisão resulta de uma decisão judicial exequível, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial5.
Nos casos de abuso de poder, este há-de ser facilmente perceptível dos elementos constantes do processo, há de tratar-se de um “erro grosseiro, patente e grave, na aplicação do direito”, em todas situações elencadas nas três alíneas do nº 2 do art. 222º do Código de Processo Penal, entendimento que tem sido reiterado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça6.
3.2 Concretização
O Requerente fundamenta a sua pretensão na ilegalidade da prisão por violação dos princípios constitucionais de necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade, bem como do disposto nos art.s 193º e seguintes do Código de Processo Penal.
Baseia-se na invocação de que «a interação entre o requerente e a vítima foi consensual» e que «a continuidade da prisão preventiva com base no "perigo de continuação da atividade criminosa" é especulativa e desproporcional, não se justificando», de que não há perigo de perturbação do inquérito nem perigo de fuga, propondo medidas de coacção alternativas porquanto «a sua prisão preventiva é ilegal, porquanto viola os princípios constitucionais de necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade, bem como o disposto nos artigos 193.º e seguintes do Código de Processo Penal».
É evidente que a pretensão do peticionante não é fundamento para a providência de habeas corpus, porquanto não se trata de um erro grosseiro, patente e grave, na aplicação do direito e facilmente perceptível, como se constata pela análise dos elementos constantes do processo.
Se não vejamos.
Factualmente, o requerente parte de uma versão dos factos que não é a que os autos evidenciam.
Juridicamente, considera não existirem os perigos do art. 204º do Código de Processo Penal e ser desproporcionada e desnecessária a prisão preventiva também com base nessa sua versão.
Porém, o que os autos mostram é que a prisão preventiva é fundamentada nos fortes indícios da prática pelo arguido de um crime de violação agravado, p. e p. pelos artigos 164º nº 2 al. b) e 177º nº 1 al. b) do Código Penal – punível com pena de prisão de 4 a 12 anos e 4 meses – bem como de um crime de pornografia de menor, p. e p. pelo artigo 176º nº 1 al. b), 3 e 8 do Código Penal – punível com pena de prisão de 1 a 8 anos de prisão, na existência dos perigos do art. 204º do Código de Processo Penal e na necessidade, adequação e proporcionalidade dessa medida de coacção, ou seja, verificam-se os pressupostos legais para que possa ser decretada e mantida a prisão preventiva.
Os autos mostram, ainda, que não se esgotou o prazo máximo de prisão preventiva nesta fase processual (art. 215º nº 2 do Código de Processo Penal).
Com este enquadramento, conforme jurisprudência constante deste Tribunal, é manifesta a improcedência do habeas corpus porquanto, a prisão preventiva foi ordenada por Juiz, está fortemente indiciada a prática de crime que admite essa medida de coação e não estão ultrapassados os prazos fixados pela lei. Não cabe no âmbito da providência de habeas corpus apreciar a validade e justeza de juízos firmados com base em vários meios de prova e, por isso, a ilegalidade da prisão não se pode fundamentar no entendimento de que no caso devia ser aplicada medida de coação menos gravosa. Na realidade, “as discordâncias do arguido quanto à medida de coação aplicada, nomeadamente a sua pretensão de ser aplicada medida de coação menos gravosa é questão a decidir pelo Juiz e, eventualmente, em caso de discordância dos sujeitos processuais quanto à decisão proferida em 1ª instância, em recurso ordinário e não em pedido de habeas corpus”7.
Em suma, a prisão preventiva em que o peticionante actualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, decisão proferida pelo juiz de instrução competente, a privação da liberdade encontra-se motivada por facto pelo qual a lei a admite e estão respeitados os respectivos limites de tempo fixados por lei, pelo que não se verifica qualquer das situações a que se referem as alíneas a), b) e c) do nº 2 do art. 222º do Código de Processo Penal.
De tudo se conclui que a presente providência de habeas corpus carece manifestamente de base factual e legal que a suporte (art. 223º nº 6 do Código de Processo Penal).
III. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus apresentada por AA por falta de fundamento bastante - artigo 223º nº 4 al. a) do Código de Processo Penal.
Condena-se o peticionante nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais e na importância de 6 UC a título de sanção processual (art. 223º nº 6 do Código de Processo Penal).
Lisboa, 27 de Novembro de 2024
Jorge Raposo (relator)
Carlos Campos Lobo
Antero Luís
________
1. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2021, proc. 156/19.9T9STR-A.S1.
2. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.11.2022, proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1.
3. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.3.2023, proc. 631/19.5PBVLG-MC.S1
4. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.11.2020. proc. 7/19.4F9LSB-C.S1
5. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.11.2022, proc. 4853/14.7TD PRT-A.S1
6. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2019, proc. 185/19.2ZFLSB-A.S1
7. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.1.2023, proc. 3233/21.2T9VNF-D.S1; no mesmo sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8.4.2020, proc. 72/15.3GAAVZ-O.S1; de 22.11.2023, proc. 470/22.6T9CBR-C.S1; de 23.12.2015, proc. 63/15.4SOLSB-A.S1; de 14.2.2024, proc. 353/22.0PVLSB-A.S1.