ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
PODERES DO JUIZ
Sumário


I - No processo de acompanhamento de maior, por força do disposto no art. 891º/1 do CPC, o processo “tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.”.
II - Dada a natureza dos poderes atribuídos ao juiz em sede de instrução, nos termos dos arts. 891º/1 e 897º do CPC, a realização de segunda perícia, ao abrigo do art. 487º do CPC, ou a realização de outra perícia permanecendo dúvidas, nos termos do art. 899º/2 CPC, fica sempre dependente do juízo de conveniência por parte do juiz.
III - Existindo dúvidas fundadas quanto à situação da requerida, designadamente quanto à sua (in)capacidade de compreender o alcance da prática de atos de disposição patrimonial, deve o tribunal proceder às diligências tidas como necessárias, designadamente, através da realização de uma segunda perícia à requerida.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

1 RELATÓRIO

AA, residente na Rua .... ..., ... ..., ora apelante, veio propor em 22-09-2023 ACÇÃO ESPECIAL DE ACOMPANHAMENTO DE MAIOR[1], de BB, nascida a 28 Agosto de 1947, actualmente residente na Rua ... - ... ..., sua irmã, pugnando pelo decretamento de medida de acompanhamento, com representação geral, dispensando-se a constituição do conselho de família prevista no art. 145º/2, a), 1ª parte e 4 do CC, ficando a beneficiária impossibilitada de celebrar negócios da vida corrente, bem como exercer os direitos pessoais indicados no nº 2 do art. 147º do citado diploma legal.
Alegou que a requerida sofre de problemas psiquiátricos graves, tendo sido desde ../../1965 considerada pelo Tribunal Judicial de Barcelos como “oligofrénica” (imbecil) com uma idade mental à data de 6 anos de idade e um q.i. igual a 40, mais tendo sido considerada que a beneficiária face ao estado deficitário de que padece desde pelo menos aquela data, é incapaz de responder pelos seus actos. Mais alega que a beneficiária padece de atraso mental grave, consistindo essa perturbação sobretudo em alterações de humor com períodos de euforia e mania com gastos exorbitantes e comportamentos disruptivos, perturbações que implicam que a beneficiária fique impossibilitada de governar a sua pessoa e administrar o seu património. Mais refere que a beneficiária não consegue estabelecer o que é o correto ou não em determinadas situações, não sabe ler nem escrever e que tais comportamentos colocam em perigo a própria beneficiária, bem como, quem a rodeia, não sendo, por isso, capaz de entender a realidade e relacionar-se com ela. Indicou testemunhas.

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Foi ordenada a citação pessoal da Beneficiária, que se concretizou.
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A beneficiária apresentou contestação, impugnando os factos e requerendo a condenação do requerente como litigante de má-fé. Indicou testemunhas.
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Procedeu-se à audição da beneficiária e à realização de exame médico por parte do Sr. Perito com vista à elaboração do relatório pericial a que alude o art. 899º/1 do CPC, a quem foi concedido o prazo de 10 dias para a sua apresentação.
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Foi junto relatório pericial, tendo sido formulado pedido de esclarecimento, oportunamente satisfeito.
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Foram inquiridas as testemunhas arroladas.
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Aberta vista nos autos, o MP promoveu nos seguintes termos:
Finda a produção de prova, pese embora o esclarecimento prestado pelo Sr. Perito (cfr. fls. 76 verso), estamos em crer que subsistem dúvidas acerca da capacidade/incapacidade de BB para compreender o alcance da prática de actos de disposição patrimonial.
Com efeito, na nossa perspectiva, não se extrai de forma inequívoca dos elementos documentais/periciais conjugados com o resultado das demais diligências, a amplitude da sua incapacidade, designadamente no que concerne à invocada impossibilidade de testar.
Isto posto, considerando as repercussões que a resposta a tal quesito configura, promovo que se oficie o INML solicitando o agendamento de uma segunda perícia médico-legal, nos termos do artigo 388.º, do CC, e dos artigos 467.º, n.º 1, 475.º, n.º 1, 897.º, n.º 1 e 899.º, todos do CPC, apresentando-se, para o efeito, os devidos quesitos relativos à condição de saúde da requerida BB.
1. Qual(is) a(s) concreta(s) patologia(s) de que padece?
2. Qual(is) o(s) efeito(s) da(s) patologia(s) diagnosticada(s)?
3. A(s) mesma(s) tem (têm) consequências no seu quotidiano?
4. A requerida conhece o valor venal do dinheiro?
5. É capaz de fazer operações de cálculo aritmético simples?
6. Sabe o preço de bens essenciais?
7. A afeção de que padece condiciona ou impossibilita a administração dos seus bens?
Na afirmativa, em que moldes?
8. A condição que a acomete impossibilita-a de celebrar contratos (que tipo de contratos) ou de testar?
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Tendo-se subsequentemente o requerente pronunciado nos seguintes termos:

AA, requerente nos autos à margem referenciados e aí melhor identificado, notificado da douta promoção vem aos presentes expor e requerer a V.Exa o seguinte:

1. Tal qual decorre do exame pericial e dos esclarecimentos do Sr. perito junto aos autos, a beneficiária padece de incapacidade.
2. Refere aliás que não tem qualquer capacidade para contas, desconhece na generalidade o dinheiro, designadamente moedas, não sabe fazer pagamentos no multibanco.
3. Atente-se o teor do relatório pericial apresentado, onde consta “… documento de doação e mandato, dato de 10/03/2015, entre a examinanda e a Sr.ª CC e o Sr. DD. A examinanda desconhece a sua existência, referindo que nunca o fez, mas que é sua vontade doar os seus bens à Sr.ª CC na condição desta cuidar de si na velhice”.
4. Ora, o que a senhora procuradora pretende, salvo o melhor e douto entendimento, mostra-se já respondido nos presentes autos,
5. Pelo que, os quesitos que pretende ver esclarecidos, mostram-se já respondidos.
6. Desta feita, salvo melhor opinião, a perícia ora requerida, com inclusão dos quesitos ora apresentados mostrar-se-á inócua,
7. Porém, melhor habilitado estará o tribunal para decidir.
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Ao que se seguiu em 27-09-2024, o seguinte despacho:
Promoção de 11-09-2024 e requerimento de 23-09-2024 – da realização de segunda perícia:
Pretende o Ministério Público a realização de segunda perícia, alegando que subsistem dúvidas acerca da capacidade/incapacidade de BB para compreender o alcance da prática de atos de disposição patrimonial.
Notificado para se pronunciar, o requerente veio pugnar pelo indeferimento de tal pretensão.
Nos termos do artigo 899º, nº 2, do C.P.C., no caso de permanecerem dúvidas quanto ao relatório pericial, o juiz pode autorizar o exame numa clínica da especialidade ou ordenar quaisquer outras diligências.
No caso dos autos, atendendo ao que resultou da audição da beneficiária – designadamente, a intenção clara manifestada pela própria em doar o imóvel sito no Lugar ... à Sra. CC, tendo revelado, no entendimento do tribunal, conhecimento dos efeitos da celebração desse ato – e, bem assim, considerando o teor do relatório pericial, entende o tribunal que, de facto, subsistem ainda dúvidas quanto à situação da requerida, designadamente quanto à sua (in)capacidade de compreender o alcance da prática de atos de disposição patrimonial.
Em face do exposto, com vista a eliminar tais dúvidas, determino a realização de uma segunda perícia, que deverá ser requisitada ao IML, e ser realizada por um único perito.
O relatório pericial a ser elaborado deverá ter em consideração toda a informação clínica junta aos autos pela requerente (a qual deverá ser remetida por meio eletrónico) e, bem assim, o relatório pericial remetido em 14/02/2024, devendo, para além do mais que se afigurar pertinente, responder às seguintes questões:
1. A Beneficiária padece de afeção de saúde, deficiência ou adota comportamento que a impossibilita de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres?
2. Em caso de resposta positiva, qual a afeção de que padece?
3. E manifesta-se de forma habitual e permanente?
4. E quais as suas consequências? Designadamente, impossibilita a Requerida de administrar total ou parcialmente os seus bens? Impossibilita a Requerida de celebrar contratos? Impossibilita a Requerida de realizar as atividades instrumentais de vida diária (tais como, gestão de dinheiro e medicação, multibanco, pagamento de contas, uso de transportes públicos, responsabilidades financeiras, tributárias ou outras)? Impossibilita a Requerida de casar? Impossibilita a Requerida de constituir situações de união? Impossibilita a Requerida de procriar, perfilhar ou de adotar? Impossibilita a Requerida de cuidar e de educar os filhos ou os adotados? Impossibilita a Requerida de escolher profissão? Impossibilita a Requerida de se deslocar no país ou no estrangeiro? Impossibilita a Requerida de fixar domicílio e residência? Impossibilita a Requerida de estabelecer relações com quem entender? Impossibilita a Requerida de testar? Impossibilita a Requerida de fazer testamento vital e/ou emitir procuração para cuidados de saúde?
5. Qual a data provável de início da afeção?
6. Quais os meios de apoio e de tratamento aconselháveis?
Prazo: 20 dias.
Notifique.
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Inconformado com esse despacho que determinou a realização de uma segunda perícia, o Requerente AA interpôs recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

I. É extemporâneo o pedido de realização de segunda perícia.
II. Nos autos já se encontram produzidos elementos probatórios suficientes para que o tribunal possa formar uma convicção robusta sobre a capacidade de BB.
III. O relatório pericial prévio, elaborado por perito qualificado, respondeu de forma clara às questões pertinentes, evidenciando as dificuldades que a beneficiária enfrenta em relação ao manejo de questões patrimoniais.
IV. Assim, a realização de uma nova perícia revela-se desnecessária e redundante.
V. O princípio da proporcionalidade, que impõe que as diligências processuais sejam adequadas e necessárias ao fim que se pretendem alcançar.
VI. A continuidade do processo sem a realização de novas diligências é imprescindível, dado que as provas já produzidas são suficientes para a apreciação do caso.
VII. A realização de uma nova perícia poderá acarretar prejuízos graves ou irreparáveis à beneficiária, tanto do ponto de vista processual quanto psicológico.
VIII. O atraso na resolução do estado de capacidade da beneficiária pode comprometer a sua proteção e direitos, sendo que a submeter a uma nova avaliação pode resultar em desgaste emocional, o que contraria o princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana consagrado na Carta dos Direito Fundamentais da União Europeia.
IX. A decisão do tribunal parece estar em contradição com o teor das provas já produzidas, que já demonstraram uma clara compreensão da beneficiária acerca do ato de doação.
X. O entendimento já consolidado nos autos deve ser respeitado, evitando-se a repetição de diligências que já se mostraram eficazes.
XI. Em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a economia processual e a celeridade na administração da justiça devem ser priorizadas.
XII. O prolongamento desnecessário do processo não deve ser admitido quando os elementos probatórios disponíveis permitem uma decisão justa e eficaz.
XIII. O requerente reitera que a manutenção dos elementos já apresentados é suficiente para a apreciação do caso, invalidando a necessidade de uma nova perícia.
XIV. Por fim, é evidente que uma nova perícia não trará novos esclarecimentos, pois os quesitos propostos seriam, em sua maioria, redundantes e desnecessários, considerando o já exposto no relatório pericial anterior e os esclarecimentos prestados em audiência.
XV. Diante do exposto, requer-se a revogação da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, reconhecendo-se a suficiência dos elementos probatórios já apresentados e, consequentemente, a inaplicabilidade da realização de uma nova perícia, em respeito aos princípios da economia processual, celeridade e dignidade da pessoa humana.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá o despacho ser revogado e substituído por outro que ordene que seja proferida de imediato a decisão nos presentes autos.
ASSIM DECIDINDO, VOSSAS EXCELÊNCIAS, MUITO ILUSTRES DESEMBARGADORES FARÃO, COMO SEMPRE, JUSTIÇA!
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O MP apresentou resposta, que finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. O despacho judicial recorrido é insusceptível de qualquer juízo de censura, encontrando-se fundamentado de forma irrepreensível e bastante clara, tendo sido enunciadas as dúvidas, formadas no espírito do julgador, que careceriam de melhor esclarecimento, suprível através de realização de uma segunda perícia à requerida.
2. A decisão sob escrutínio encontra-se alicerçada no art. 899.º, n.º 2 do C.P.C. e insere-se no âmbito dos poderes instrutórios conferidos exclusivamente ao julgador (cfr. 897.º e ss do C.P.C.), cuja amplitude não se encontra cerceada por qualquer dispositivo legal.
3. Destarte, só à Mm.ª Juiz a Quo – que irá proferir a sentença - compete aferir da suficiência dos elementos de prova e da pertinência ou necessidade de realizar diligências adicionais.
4. Significa isto que, ante a assunção pelo Tribunal da existência de dúvidas que urgia dissipar, nomeadamente no tocante à alegada (in)capacidade da requerida para alcançar os efeitos dos atos de disposição patrimonial, é absolutamente legítimo e imperioso ordenar a realização de outra perícia (vide Ac. TRP de 06/09/2021 atrás citado: a realização de outra perícia permanecendo dúvidas, nos termos do art. 899.º, n.º 2 do C.P.C. fica sempre dependente do juízo de conveniência do juiz»).
5. Acresce que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, inexiste qualquer extemporaneidade na determinação da realização do segundo exame pericial, ignorando-se qual o normativo legal que fixa prazo para a conclusão das diligências instrutórias.
6. Em suma, não merece censura ou reparo o despacho colocado em crise, já que o Tribunal só estará apto a proferir sentença quando dissipar as dúvidas que, na sua óptica, ainda subsistem, pelo que se pugna pela sua manutenção nos seus precisos e exactos termos.
Termos em que, e nos melhores de Direito, não dando provimento ao recurso e, concomitantemente, mantendo a douta decisão recorrida,
farão V.ªs Ex.ªs, ora como sempre,
JUSTIÇA.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, a questão a decidir contende com a reapreciação do despacho de 27 de Setembro de 2024 que determinou a realização de uma segunda perícia.
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Está aqui em causa a reapreciação do despacho de 27 de Setembro de 2024 que determinou a realização de uma segunda perícia. Entendendo o recorrente ser extemporâneo o pedido de realização de segunda perícia e não ser de admitir o prolongamento desnecessário do processo, na medida em que os elementos probatórios disponíveis permitem uma decisão justa e eficaz. Mais entendendo que uma nova perícia não trará novos esclarecimentos, pois os quesitos propostos seriam, em sua maioria, redundantes e desnecessários, considerando o já exposto no relatório pericial anterior e os esclarecimentos prestados em audiência.
Por força da aprovação da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, que entrou em vigor no dia 10 de Fevereiro de 2019, foi criado o regime jurídico do maior acompanhado, o qual além de eliminar os institutos da interdição e da inabilitação, veio introduzir alterações processuais no CPC, modificando a redacção dos seus arts. 16º, 19º, 20º, 27º, 164º, 453º, 495º, 891º a 904º, 948º a 950º, 1001º, 1014º e 1016º, além de revogar, desse mesmo Código, o nº 3 do art. 20º, o art. 905º e a al. d) do art. 948º.
O presente processo iniciado em Setembro de 2023 surge, pois, em plena vigência deste novo regime jurídico.
Neste sentido, por força do disposto no art. 891º/1 do CPC, o processo em apreço “tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.
Ou seja, muito embora não esteja inserido no Título XV do Livro V do Código de Processo Civil relativo aos processos de jurisdição voluntária, certo é que, por força daquele preceito citado, é conferida, em concreto, ao juiz a possibilidade de investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes ao mesmo tempo que lhe é conferida a prerrogativa de apenas admitir as provas que considere necessárias para a boa decisão da causa (cfr. art. 986º/2 do CPC).
A prova pericial, com a especificidade de ter a mediação de uma pessoa – o Perito – para a demonstração do facto, consiste na perceção ou apreciação de factos pelo perito/s chamado a os percecionar (com os órgãos dos sentidos) e/ou a os valorar (à luz dos seus especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos), conhecimentos esses que, não fazendo parte da cultura geral e da experiência comum, se presumem não detidos pelo julgador[2].
Em termos de enquadramento normativo, temos ainda que, nos termos do nº 1 do art. 899º do CPC, o relatório pericial, uma vez determinado, deve precisar, sempre que possível, “a afecção de que sofre o beneficiário, as suas consequências, a data provável do seu início e os meios de apoio e de tratamento aconselháveis”.
Uma eventual “segunda” perícia, por sua vez, está prevista no nº 2 do mesmo preceito quando estatui que “permanecendo dúvidas, o juiz pode autorizar o exame numa clínica da especialidade, com internamento nunca superior a um mês e sob responsabilidade do director respectivo, ou ordenar quaisquer outras diligências”. Aliás, em termos gerais, estando em causa um processo de carácter urgente, salvo a existência das tais dúvidas sérias, a opção deve privilegiar a regra de um único exame pericial e mesmo este, segundo alguns, apenas caso o tribunal o repute como necessário[3].

Verificando-se que, in casu, relativamente ao relatório pericial foram já pedidos esclarecimentos, sendo que a reclamação contra o relatório e o requerimento de segunda perícia têm objectivos diversos, pois que, enquanto a reclamação é o meio de reacção contra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição detectadas no relatório e visa levar os peritos que o elaboraram) a completá-lo, esclarecê-lo ou dar-lhe coerência (art. 485º, do CPC) a segunda perícia é o meio de reacção contra inexactidão do resultado da primeira e procura que outros peritos confirmem essa inexactidão e a corrijam (art. 487º, nº 3, do CPC)[4].
Sendo que, no processo de acompanhamento de maior, dada a natureza dos poderes atribuídos ao juiz em sede de instrução, nos termos do art.891º/1 e art.897º CPC, a realização de segunda perícia, ao abrigo do art. 487º CPC, ou a realização de outra perícia permanecendo dúvidas, nos termos do art. 899º/2 CPC, fica sempre dependente do juízo de conveniência por parte do juiz[5].
Como assim, sendo legal e tempestiva a realização da segunda perícia, resta aferir da sua pertinência, que o recorrente também questiona.
Considerando o teor do relatório pericial, é invocada na decisão recorrida, a subsistência de dúvidas quanto à situação da requerida, designadamente quanto à sua (in)capacidade de compreender o alcance da prática de atos de disposição patrimonial, pois resultou da audição da beneficiária a intenção clara manifestada pela própria em doar o imóvel sito no Lugar ... à Sra. CC, tendo revelado, no entendimento do tribunal, conhecimento dos efeitos da celebração desse ato.
Ora, contrariamente ao alegado pelo recorrente, resultam efectivamente dos autos as expressas dúvidas formadas no espírito do julgador a carecerem de melhor esclarecimento, o que, como assertivamente refere o MP na sua resposta às alegações, é suprível através de realização de uma segunda perícia à requerida. Pertencendo sempre ao Sr. Juiz a quo – que irá proferir a sentença – aferir da suficiência dos elementos de prova e da pertinência ou necessidade de realizar diligências adicionais. Com efeito, o art. 411º do CPC estabelece um “poder-dever” do juiz que não se limita à prova de iniciativa oficiosa, como se conclui do segmento “mesmo oficiosamente”, incumbindo-lhe realizar ou ordenar as diligências relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, preservando sempre o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade.
Logo, apesar do relatório já efectuado e dos esclarecimentos prestados, não se revelam as provas já produzidas suficientes para a apreciação e boa decisão da causa, subsistindo as dúvidas identificadas que urge dissipar, revelando-se a determinada segunda perícia como a diligência adequada a alcançar tal desiderato, mormente através da resposta aos quesitos propostos.           

Assim, não assistindo qualquer razão ao recorrente, improcede totalmente o recurso, com custas a pagar pelo mesmo (art. 527º do CPC).
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e consequentemente manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 21-11-2024

(José Cravo)
(Afonso Cabral de Andrade)
(Joaquim Boavida)


[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ... - JL Cível - Juiz ...
[2] Neste sentido, cfr. Ac. da RP de 26-10-2020, proferido no Proc. nº 258/18.9T8PNF-A.P1 e disponível em www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, Nuno Luís Lopes Ribeiro, em O Maior Acompanhado – Lei 49/2018, acessível em CEJ, Colecção Formação contínua FEV 2019, pág. 103.
[4] Cfr. Ac. da RG de 16-11-2017, proferido no Proc. nº 1024/15.9T8BGC-A.G1 e disponível em www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, cfr. Ac. da RP de 6-09-2021, proferido no Proc. nº 2487/19.9T8VFR.P1 e disponível em www.dgsi.pt