DOMICÍLIO
CARTÃO DE CIDADÃO
CITAÇÃO
NULIDADE
FALTA DA CITAÇÃO
PRAZO
Sumário


I- Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.
II- A morada do cartão de cidadão (seu elemento oculto em circuito integrado) é a residência do cidadão para efeitos de contacto com os serviços do Estado e da Administração Pública, e que se baseia numa presunção de residência do seu titular.
III- Por isso se diz que o legislador criou um novo conceito de domicílio legal, que não consta do Código Civil, mas ao qual a lei dá relevância, nomeadamente para apuramento da residência do citando, para levar a cabo a sua citação.
IV- Um dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, previstos no art.º 729º do CPC, é a falta de intervenção do réu no processo de declaração, pelo que o prazo para o executado arguir a nulidade ou a falta da sua citação no processo declarativo, é de 20 dias após a sua citação no processo executivo, que é o prazo que a lei lhe concede para deduzir oposição à execução.

Texto Integral


Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Margarida Alexandra Gomes
2ª Adjunta: Anizabel Sousa Pereira

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Por apenso à Execução para pagamento de quantia certa que lhe move AA, veio a executada BB deduzir Oposição à execução, mediante Embargos de executado, invocando, além do mais, a inexequibilidade do título executivo e a nulidade da citação, por causa que não lhe é imputável, requerendo, a final, a extinção da execução movida contra si.
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O Exequente veio contestar os embargos, alegando, em síntese, que na ação declarativa foram cumpridas todas as formalidades da citação da Ré, ora embargante, pelo que não se verifica falta ou nulidade da citação, sendo que, depois de cumprido o disposto no art.21.º do CPC, passou a mesma a estar representada pelo M.P, a quem foi notificada a sentença dada à execução. Mais alega que caso existisse nulidade da citação, a mesma estaria sanada, na medida em que a executada, após a sua citação na execução, juntou procuração nos autos e não arguiu de imediato tal vício, pelo que o mesmo se considera sanado.
Concluiu pela improcedência da oposição.
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Tramitados regularmente os autos, foi proferida, a final, a seguinte decisão:
“Em face de tudo o exposto e das disposições legais citadas, julgam-se procedentes por provados os presentes embargos de executado e, em consequência, determina-se a extinção dos autos executivos relativamente à executada BB.
Custas pelo Exequente/Embargado (art.527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil). Notifique e registe. Comunique ao Agente de Execução”.
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Não se conformando com a sentença proferida, dela veio o exequente/embargado interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos à margem referenciados que decidiu julgar procedentes por provados os embargos de executados e, em consequência, determinou a extinção dos autos executivos relativamente à executada BB.
II. O presente recurso de apelação tem por objeto a impugnação da matéria de facto dada como provada e sua reapreciação, bem assim do erro e contradição na apreciação e valoração da prova produzida, com as respetivas implicações na subsunção ao direito.
III. Pretende o ora recorrente a alteração da matéria de facto dos pontos I, R, W e X da factualidade dada como provada, a qual deve ser alterada para não provada.
IV. Relativamente ao ponto I dos factos provados, as declarações/depoimento de parte da executada prestadas na audiência de discussão e julgamento do dia 18.01.2024 (início da gravação às 10:04:45 e fim de gravação às 11:02:42) e o depoimento da testemunha CC prestado na audiência de discussão e julgamento do mesmo dia (início da gravação às 11:48:12 e fim de gravação às, 12:10:13), conjugado com a prova documental junta aos autos (existe correspondência nos autos enviada para aquela morada que ou foi devolvida ou foi recebida por outras pessoas que não a testemunha CC, aliás, nenhuma carta há recebida por esta), impõem decisão diversa da recorrida e a consequente alteração deste facto para não provado.
V. Da prova atrás referida resultou que não existe qualquer relação de amizade entre a executada e aquela CC, que esta não estava incumbida/responsável de receber o seu correio, podendo-o receber apenas pontualmente, o que nem sequer foi demonstrado, pois que não há nenhuma carta nos autos recebida por esta e que é falso que a executada tenha contacto com a residência até aos dias de hoje. A Executada confirmou já não ter chaves de acesso ao imóvel, confirmou saber que o mesmo foi vendido em leilão, o que também resulta dos autos.
VI. Relativamente ao ponto R. da factualidade dada como provada, a prova documental aduzida aos autos, confrontada com o depoimento/declarações de parte da Executada, produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento, no dia 18.01.2024 (início da gravação às 10:04:45 e fim de gravação às 11:02:42), impunha à Mm.ª Juiz a quo decisão diversa da recorrida.
Nessa parte, impõe-se ainda considerar o depoimento da Sra. Agente de Execução, DD, inquirida em sede de audiência e julgamento, no dia 18.01.2024 (início da gravação às 11:33:48 e fim de gravação às 11:45:40), a qual asseverou perante o Tribunal que tendo questionado uma vizinha, a mesma a informou que a D. BB estava no estrangeiro, facto que havia asseverado no auto de não citação junto aos autos.
Não existem assim nos autos elementos suficientes para apurar e dar como correta, e como provada ser a morada da executada a sita na Rua ..., ..., ..., como erradamente decidiu a Sra. Juiz do Tribunal a quo.
VII. Do depoimento da Executada, no qual a Mm.ª Juiz a quo assentou quase que exclusivamente a sua decisão, resulta que de ../../2019 a meados de 2020, a Executada vivia na Rua ..., ..., ... em ... e ali habitou, por mais de um ano, naquele imóvel que era sua propriedade, comum com o seu marido.
Em meados de Maio de 2020, a ser como alegou a Executada, esta mudou-se para a localidade de ..., mormente, para a morada supra mencionada, Rua ..., ... que, de todo, não colhe e não pode, portanto, o seu depoimento considerar-se fidedigno, tal como melhor explicitaremos infra.
Na oposição à execução deduzida pela aqui Embargante e Recorrida, é a própria quem, em “Enquadramento Prévio”, traz aos autos a informação de que em ../../2019, intentou uma ação de divórcio litigioso sem mútuo consentimento do outro cônjuge, que correu termos sob o Processo n.º 2276/19...., do Juízo de Família e Menores de ..., do Tribunal da Comarca de Porto Este e cuja pretensão – do divórcio – foi decretada em ../../2020, tudo isto conforme Doc. n.º 3 junto aos autos pela Executada, em sede de embargos.
Contudo, não é de somenos importância atentar no facto de que, na Procuração que a ora Recorrida outorga a favor do seu Ilustre Mandatário para essa ação especial de divórcio, datada do mesmíssimo dia da propositura da ação, consta, de entre o mais relevante a esta matéria, o seguinte: “BB, portadora do cartão de cidadão n.º ..., válido até 08-08-2022, emitido pela República Portuguesa, contribuinte fiscal nº ...96, residente na Avenida ..., ..., ..., ... ..., confere os poderes (…) ..., ../../2019” – negritos e sublinhados nossos – conforme melhor se pode confirmar pelo Doc. n.º 27 junto pelo Exequente/Recorrente a estes autos, com a Contestação oferecida.
Ora, inelutavelmente, a veracidade do depoimento da Executada é – ou pelo menos, devia ter sido! – de imediato, colocada em causa, uma vez que ainda antes de maio de 2020, a Executada, de acordo com o teor da Procuração Forense, já vivia noutra morada que não na Rua ..., ..., ..., ..., pois a ser verdade o conteúdo da Procuração – como deve ser! – vivia já a Executada na Avenida ..., ..., ..., ... ....
VIII. Não tinha, por isso, como desconhecer ou ignorar a Mm.ª Juiz a quo da manifesta contradição do depoimento prestado pela Executada, que depois de prestar juramento, faltou à verdade nas suas declarações, no que respeita à indicação das moradas onde residiu e reside, desde que regressou a Portugal, vinda do ....
Não é verdade, mesmo que a Executada prefira insistir, que se mudou pela primeira vez para ..., mais concretamente para a Rua ... em maio de 2020, pois que, nove meses antes, assinou por seu punho, documento forense que comprova já antes estar a residir na localidade, ainda que noutro endereço, o que contradiz cabalmente o seu depoimento!
IX. Deste modo, andou mal a Mm.ª Juiz a quo ao valorar o depoimento da Embargante, ora Recorrida, ao “confirmar as moradas”, quando, em momento algum do seu depoimento, sequer mencionou a morada constante da Procuração Forense, que em setembro de 2019, sete meses após regressar do ..., outorgou a favor do seu Ilustre Mandatário.
X. Ainda a este respeito, considerou a Mm.ª Juiz – mui erradamente, a nosso ver – que a Executada, ora Recorrida, comprovou “documentalmente (cartão de cidadão) que a sua residência era no ... andar e não no ... andar do n.º ...17 da Rua ..., em ...”. A respeito do “Comprovativo de Renovação”, documento sobre o qual incidiu significativa valoração por parte da Mm.ª Juiz a quo, e desconhecendo o Recorrente o sentido de oportunidade da ora Executada em, somente em ../../2021, aquando da renovação do seu cartão de cidadão (que, contudo, só expiraria em agosto de 2022…), indicar como sua residência a Rua ..., ..., ... ... ..., não tinha a Mm.ª Juiz a quo como dar como provado que a Executada efetivamente residia e reside naquela morada, mormente, no ... e não no ..., do n.º ...17 da Rua .... Pois vejamos:
É sabido e decorre do senso comum, não ser exigível ao cidadão que pretende renovar o seu cartão de cidadão qualquer tipo de comprovativo, documental, testemunhal, ou por qualquer outro meio de prova, de que efetivamente reside na morada que indica como sendo “sua residência”. Ou seja, a mera indicação de um endereço postal junto dos serviços do IRN competentes, por parte do cidadão interessado na renovação do seu cartão de cidadão, ou então, interessado tão somente na atualização dos dados constantes do seu cartão de cidadão válido – pois que esta, claramente, também é uma hipótese – bastará, suficientemente, para que da base de dados dos IRN (registos centrais da República Portuguesa) passe a constar a morada indicada. Aliás, tanto assim é verdade que, qualquer cidadão pode alterar, a qualquer momento, querendo, a morada constante do seu cartão de cidadão, bastando, para tanto, aceder ao sítio online E-Portugal e indicar, escrevendo, a morada que pretende que, doravante, passe a constar como sua, para todos os devidos e legais efeitos. E também assim, claro está, não é necessário juntar qualquer tipo de comprovativo de que a morada indicada pelo interessado na alteração tenha a mínima correspondência factual com aquela que, efetivamente, é a sua residência.
XI. Ou seja, junto das entidades do IRN, indicou a Executada como sendo a morada correta a Rua ..., ..., ... ... ..., o que, contudo, não torna verdade ou sequer minimamente verosímil que efetivamente a Executada aí resida. Não podia, por isso, ter a Mm.ª Juiz a quo dado como provado tal facto, de que a ora Recorrida residiu e reside nessa morada indicada, pois que a única sustentação dessa alegação é, efetivamente, um documento que, não obstante ser emitido pelas competentes entidades da República Portuguesa, o teor do mesmo não carece, nem sequer depende, da confirmação ou verificação por parte desta ou outra qualquer entidade!
Por outras palavras, quisesse a Executada, ora Recorrida, aquando da renovação do seu documento de identificação, em ../../2021, indicar que reside num outro qualquer endereço postal - imagine-se, por exemplo, no distrito ... - isso mesmo passaria a constar, imediatamente, da base de dados central e, bem assim, do cartão de cidadão a emitir, mesmo não residindo lá, ou sequer lá perto, pois que inexiste serviço de verificação dos dados que são indicados pelos cidadãos portugueses, em circunstâncias de renovação ou atualização dos dados constantes dos seus documentos identificativos. E essa morada indicada, verdadeira ou não, passaria a constar da base de dados tributária, bem como da base de dados da Segurança Social, sendo que os documentos que a Executada junta aos autos executivos em 04.01.2023, mormente “Extrato de Remunerações”, emitido pela Segurança Social em 21.12.2022, na parca tentativa de fazer parecer que a morada Rua ..., ..., ... ... ... é efetivamente a sua morada correta, nada acrescenta ou sequer sustenta a sua alegação.
XII. Não obstante o poder de livre apreciação da prova produzida que assistia à Mm.ª Juiz a quo, inexiste nos autos prova de que a Executada efetivamente reside, habita, pernoita, faz as refeições, enfim, VIVE, efetivamente naquela morada indicada aos serviços do IRN, aquando da mui conveniente renovação do seu cartão de cidadão, em ../../2021. Além disso, em momento algum, quer em sede de oposição à execução, quer em sede de depoimento em audiência de discussão e julgamento, a Executada, ora Recorrida, logrou provar que a morada aposta no documento comprovativo da renovação do seu cartão de cidadão, por sua indicação, correspondia ou corresponde, à sua verdadeira morada.
Isto porque, a ser verdade que é arrendatária da Fração Autónoma que integra o ... do n.º ...17 da Rua ... - o que claramente não colhe, apenas se admite a hipótese para mera demonstração de raciocínio que vimos encadeando – lógica e facilmente ocorreria à Executada fazer a “prova mais simples” e imediata enquanto arrendatária que alega ser, apresentando, por exemplo, um contrato de arrendamento por si outorgado para aquele locado; um recibo de renda ou, sequer, no limite da sua hercúlea tentativa e provar o que sabe não ser verdade, um contrato de fornecimento de água ou energia elétrica; porém, NADA apresentou a Executada, nada disso logrou provar. Se junto do IRN não se exigia à Executada, ora Recorrida, esse ónus de prova acerca da veracidade da morada por si indicada, em tribunal, esse ónus impendia sim sobre a Executada, não lhe bastando alegar e juntar um comprovativo de que renovou o documento de identificação e que, nesse dia, indicou o ... andar do n.º ...17 da Rua ... como sua morada, uma vez que, em boa justiça, este documento, per si, absolutamente nada comprova!
Nem uma única testemunha arrolou nesse sentido!
XIII. Quanto ao ponto W e X da factualidade dada como provada, também nesta parte as declarações de parte/depoimento da executada foram erradamente valoradas pela Sra. Juiz.
Na verdade, as declarações de parte/depoimento da executada conjugadas com o depoimento da oficial de justiça EE (inquirida na audiência de discussão e julgamento do dia 16.04.2024, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível em aplicação informática em uso no Tribunal - início da gravação às 14h50:03 e fim da gravação às 15:00:51) impunham decisão diversa da recorrida quanto a estes concretos pontos da matéria de facto.
Relativamente ao ponto X, aos termos do negócio, ao conhecimento da ação declarativa, não foi valorado, como devia pela Sra. Juiz, o depoimento do Exequente (inquirido na audiência de discussão e julgamento do dia 18.01.2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível em aplicação informática em uso no Tribunal - início da gravação às 11h06:22 e fim da gravação às 11:32:30) - assim como as inúmeras comunicações juntas aos autos (prova documentos).
XIX. Em 01 de Junho de 2021, a Sr.ª Oficial de Justiça nomeada afixa, efetivamente, o edital na morada indicada, portanto, no ... do n.º ...17 da Rua ..., em ....
Ora, aqui chegados, já refutamos supra que a Executada nunca ofereceu aos autos a mais singela prova de que, efetivamente, reside no ...... e não no ... do n.º ...17 da Rua ... e quanto a isto que logicamente só podemos dar como não provado, em tudo nos remetemos para a argumentação aduzida supra.
Contudo, e sem prescindir, importa perceber efetivamente as circunstâncias do prédio onde foi promovida a citação edital, pois que se trata de um prédio manifestamente pequeno, com apenas três andares, sem elevador. E isto mesmo esclareceu a Executada, perante o Tribunal a quo, em sede de audiência e julgamento de 18.01.2024.
Ora, tendo por certo que o Edital foi afixado dentro do prédio n.º ...17 da Rua ..., em ..., facto que, aliás, a Mm.ª Juiz a quo dá como provado, com base no depoimento da Sra. oficial de Justiça, e tendo igualmente por certo que o prédio in casu tem somente três andares e seis moradores, SEM ELEVADOR, e ainda que por MERA HIPÓTESE DE RACIOCÍNIO SE CONCEDA que a Executada viveria no ... andar (o que sempre não se concede!), temos necessariamente de concluir que, ao entrar e sair de casa, a Executada tem de subir e descer TODOS OS PISOS do prédio em questão, pelo que, em bom rigor, não lhe passaria, despercebido, a afixação de um Edital aposto dentro do edifício, na porta do ... ou noutra qualquer ou até em algum expositor próprio no hall de entrada.
Aliás, a própria executada refere, aos minutos 00:12:14 a 00:12:25 da gravação do seu depoimento “Não, não. Ao subir as escadas, automaticamente, uma pessoa vê um papel ou vê qualquer coisa numa porta e tem aquela curiosidade de ir ver o que se passa. Mas nunca vi lá papel nenhum”.
Pelo que, ao dizer que nada foi afixado, mentiu, já que a Sra. Oficial de Justiça confirmou a afixação.
A fundamentação da Sra. Juiz do Tribunal a quo, nesta parte, como em muitas outras é contraditória, pois que dá como assente que o edital foi afixado, ao mesmo tempo que dá como assente que a executada não o viu, quando é a própria a dizer que se o mesmo tivesse sido afixado, que não foi, segundo ela, teria visto.
Presumir que um Edital – um documento emitido por entidade judicial a que o comum cidadão reconhece a significativa importância – foi aposto e à partida, mais tarde ou mais cedo, foi retirado é tão errado como presumir-se que, à partida, a Executada subia as escadas de olhos postos no chão – uma e outra situação não passam de meras especulações, sem razão de ser, e também sem qualquer fundamento probatório.
Mui errada nos parece a argumentação da Mm.ª Juiz a quo, vai mesmo muito longe até, ao considerar o desconhecimento sobre quanto tempo esteve o Edital afixado e se este foi ou não até, removido por alguém. Das duas uma: ou a Mm.ª Juiz a quo dá como provado – como deu – que a Citação Edital se concretizou, independentemente de ser no ... andar ou no ... andar da Rua ..., mas sempre no interior do edifício n.º ...17 dessa morada, ou então, pelo contrário, não dá como provada a concretização de tal citação edital, de todo, pois que considerar ambas, em tais circunstâncias, não é coadunável.
Esta citação edital não foi feita numa moradia isolada, na localidade de ....
Foi concretizada no interior de um prédio, inquestionavelmente pequeno, SEM ELEVADOR, sendo certo que a Executada alega lá residir – no último andar, veja-se, confirmando que passa por toda e qualquer uma das portas, dos três pisos, do edifício.
Estando lá o Edital aposto, como estava, não tinha como não o ver, de facto, contudo, perante o Tribunal a quo, coisa diferente lhe convém.
XV. Andou mal a Mm.ª Juiz a quo, uma vez mais, ao considerar provados factos que, em si mesmos, têm uma correlação necessária. De igual modo, andou mal a Mm.ª Juiz a quo, salvo devido respeito, ao cogitar hipóteses de remoção do Edital aposto, sobre quanto tempo terá estado lá o Edital ou não porque, de facto, esses são os riscos inerentes a uma qualquer citação edital! E por isso mesmo é que esta modalidade de citação é a ÚLTIMA RATIO das citações, precisamente pela possibilidade de insegurança e incerteza na cognoscibilidade da mesma.
CONTUDO, pior andou a própria Executada, que se tivesse sido diligente, não teria permanecido com a morada fiscal na morada que indicou ser dos familiares do seu ex-marido, logo depois de confirmar não ter – nem parecer querer – qualquer possibilidade de contacto com as pessoas que, efetivamente aí residiam. Dormientibus non sucurrit ius!!! Desde que regressou do ..., em ../../2019, até ../../2021, não se interessou nunca a Executada em atualizar os seus dados no cartão de cidadão que, aliás, estava válido até agosto de 2022….
Mais parece, na verdade – meramente cogitando também… – que a Executada nem estava em Portugal, pois que tantas vezes se “Mudou” e tantas moradas lhe são conhecidas nos últimos cinco/seis anos, mais moradas até do que a própria Executada teve interesse em indicar à Mm.ª Juiz a quo que, em todo o seu exercício judicativo, acreditou que, em ..., a Executada só teve uma morada – o que, bem sabemos, é mentira. Estava sempre a Executada noutro sítio que não o sítio onde todas as outras pessoas tinham indicação de que ela estava, o que, em todo o caso, é de valorar, mais não seja pelo mérito em (pelo menos tentar) esquivar-se.
XVI. Por tudo o exposto a Sra. oficial de Justiça afirmou que colocou o edital no .... A executada diz perentoriamente que se o mesmo tivesse sido aí colocado o teria visto. Quer isto dizer que a executada faltou à verdade, pois viu o edital, tantas as vezes que passava no local (trabalho-casa, casa- trabalho).
Sendo certo que, até na questão do trabalho mentiu, respondendo às perguntas conforme lhe convinha, umas vezes dizendo que trabalhava em teletrabalho, outras que trabalhava fora de casa, ao referir trabalho-casa, casa-trabalho, ver concretamente, Minutos 00:25:24 a 00:25:27 e Minutos 00:50:28 a 00:50:43 da gravação.
XVII. Face aos elementos probatórios nos autos, não tinha a Mm.ª Juiz a quo, como dar como provado que efetivamente a Executada nunca teve conhecimento do negócio, como se dele nunca tivesse feito parte, quando esta, a bem da verdade, sempre soube que prometeu vender o imóvel sito na Rua ... ao Exequente e que este, e muito bem, a interpelou várias vezes para concretização da escritura pública e esta rececionou tais interpelações, simplesmente preferiu ignorar, assim como não podia desconhecer os autos principais tanto foram as missivas que lhe foram enviadas previamente à instauração da ação e atenta a forma como foi concretizada a citação edital, acima explanada.
XVIII. Na ação declarativa que precede esta instância executiva foram várias as diligências levadas a cabo pelo Tribunal e pelo Exequente com vista à citação da ali Ré, BB. A saber:
1 - Em 13.01.2021, foi remetida carta registada com aviso de receção a Ré, ora Executada Embargante, com o duplicado da petição inicial e documentos, para a morada sita na Rua ..., ..., ..., em .... Esta carta foi devolvida ao Tribunal com a indicação “Mudou-se”, aposta pelo distribuidor do serviço postal.
2 – Frustrada esta primeira tentativa de citação postal, a secretaria procedeu a pesquisa na base de dados de identificação civil, tendo apurado que a ali Ré, ora Executada Embargante, tinha residência na Avenida ..., ... e ..., ....
Em 20.01.2021 foi remetida carta registada com aviso de receção à Ré, ora Executada Embargante, para essa mesma morada apurada, com o duplicado da petição inicial e respetivos documentos. Foi essa carta devolvida ao Tribunal com a indicação “Mudou-se”, aposta pelo distribuidor do serviço postal.
3 – Em 22.01.2021 e 25.01.2021, a secretaria fez novas pesquisas nas bases de dados da Segurança Social e Registo Automóvel, onde se apurou constar como morada da Ré, ora Executada Embargante, a já referida Avenida ..., ... e ..., ....
4 – Em 25.01.2021, tendo advindo ao conhecimento do ali Autor, aqui Exequente Embargado, que a Ré/Embargante, passou a residir em ..., na seguinte morada: Rua ..., ..., ... – ..., requereu ao Tribunal a sua citação nessa morada, o que o Tribunal fez em 26.01.2021. Essa carta foi devolvida ao Tribunal com a indicação aposta pelo distribuidor do serviço postal de “objeto não reclamado”.
5 – Face a essa devolução, por requerimento junto aos autos em 18.02.2021, o ali Autor, aqui Exequente Embargado, requereu a notificação do co-Réu FF, ex-marido da Ré/Executada Embargante, para vir aos autos indicar a morada da Ré, o que o Tribunal ordenou, sendo certo que a essa notificação remetida ao Réu FF, em 24.02.2021, este nada disse.
6 – Nessa sequência, em 12.04.2021, o ali Autor, aqui Exequente Embargado, procedeu à junção aos autos de requerimento a informar já ter procedido ao pagamento da provisão à Agente de execução nomeada para proceder à sua citação por contacto pessoal, nomeação que já havia ocorrido em 10.02.2021.
7 – Em 11.05.2021, a Agente de Execução nomeada juntou aos autos o resultado da diligência de citação pessoal da Embargante, por si efetuada, nos seguintes termos: “No dia 11 de maio de 2021 pelas 12:00 horas sito na Rua ..., concelho ..., onde me desloquei na qualidade de agente de execução no processo supra identificado, a fim de proceder à citação da requerida BB, não tendo sido possível, em virtude de ter sido informada por uma vizinha que a mesma se encontra ausente no Estrangeiro. Em face do exposto não foi possível proceder à citação da requerida.”
8 – Esgotadas todas as possibilidades de citação pessoal da Ré, ora Executada Embargante, em 19.05.2021, o Exequente Embargado apresentou requerimento aos autos, requerendo, a citação edital da Ré, aqui Embargante, nos seguintes termos: “(…) tendo sido notificado da impossibilidade da citação da R. e uma vez que efetuadas pesquisas na base de dados, não foi encontrada morada diferente daquelas que já constam nos autos e face à sua ausência em parte incerta, requer a sua citação edital, nos termos do artigo 240.º do CPC”, o que foi deferido por despacho em 24.05.2021.
Assim, nesse seguimento, em 01.06.2021 foi concretizada a citação edital da Ré, ora Executada Embargante, através de afixação de edital na última morada conhecida desta – Rua ..., ..., ..., ... - e publicação de anúncio público, tendo sido cumpridas todas as formalidades legais exigíveis, tal como resulta dos documentos juntos aos autos declarativos pela Sr.ª Oficial de Justiça e, bem assim, do depoimento prestado pela própria, em audiência de discussão e julgamento, no dia 16.04.2024, tal como se transcreveu supra.
XIX. Pelo exposto, verificou-se integralmente cumprido o disposto no artigo 236.º do Código de Processo Civil, uma vez que foram efetuadas todas as diligências a fim de se apurar a morada atual ou o paradeiro da Ré, ora Embargante, o que sempre teria de ocorrer, face ao elemento literal da disposição em causa.
Depois de esgotadas todas as hipóteses de concretizar a citação pessoal de pessoa certa, e de se concluir pela impossibilidade da mesma – por não ser comprovadamente possível apurar o paradeiro do citando – poder-se-á avançar com a realização das diligências tendentes à citação edital.
XX. No caso em apreço, foi precisamente o que aconteceu. Frustrada a citação postal, frustrada também a citação por contacto direto da Sr.ª Agente de Execução e feitas – mais de uma vez – as pesquisas a que reporta o referido n.º 1 do art. 236.º do Código de Processo Civil, fez-se legítimo uso da modalidade prevista no art.º 240.º do mesmo Código – a citação edital!
XXI. Assim, a verdade é que a citação edital concretizada pela Sr.ª Oficial de Justiça em 01.06.2021 com vista a citar a requerida, ora Executada, BB, cumpriu e observou todas as formalidades legais exigíveis – concretamente, a afixação de edital na última morada conhecida da requerida e publicação de anúncio público.
XXII. E mais: nesse sentido, a ora Executada passou a estar representada na instância declarativa pelo Ministério Público, ao abrigo do n.º 1 do art. 21.º do Código do Processo Civil.
XXIII. O facto de a Ré, aqui Executada, não ter estado em juízo, no sentido de não ter comparecido (e por isso mesmo ter sido representada pelo Ministério Público!) também não constitui, per si, nenhuma invalidade de citação pois, como se referiu já, um réu regularmente citado pode, ainda assim, não comparecer em juízo – basta-lhe não querer.
XIX. Por isso mesmo, a sentença que julga totalmente procedente a pretensão do ali Autor, aqui Exequente, e que condena a ali Ré, aqui Executada, foi, necessária e validamente, notificada a quem de Direito, ou seja, ao Ministério Público.
XX. Ainda que se admitisse – por mera hipótese de raciocínio apenas – verificar-se a falta ou a nulidade da citação da ora Executada naqueles autos declarativos, sempre estes vícios se encontrariam, inquestionavelmente, SANADOS.
XXI. Como resulta do ponto V da factualidade provada, a Executada foi citada para os autos executivos em 21.11.2022, tal como consta da Certidão de Citação/Notificação Pessoal assinada pela Executada e pela Sr.ª Agente de Execução, junta aos autos. Em 05.12.2022, o seu Ilustre Mandatário juntou aos autos executivos a competente Procuração; no dia 06.12.2022, juntou Procuração na ação declarativa que deu origem a esta execução. EM NENHUMA DESTAS DATAS, A EXECUTADA ARGUIU A FALTA DA CITAÇÃO.
XXII. Considera-se suprida a nulidade de falta de citação quando o réu intervier no processo sem logo arguir essa omissão”, sendo que, “por "intervenção no processo" deve entender-se o que se reporta à prática de acto susceptível de por termo à revelia do réu, sendo que a intervenção do réu (ou do Ministério Público) preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão.
XXIII. Ou seja, se tendo conhecimento do processo, ou pelo menos, tendo possibilidade de conhecimento do processo, o réu intervém sem arguir a falta de citação, não está pois, interessado, em prevalecer-se dessa omissão ou falta, devendo a mesma considerar-se sanada.
XXIX. Para o que aqui nos releva, conforme melhor nos explica ABÍLIO NETO, “[a] junção de procuração demonstra que o demandado tem conhecimento da pendência da causa; e estando assistido por mandatário judicial, não pode invocar desconhecimento das consequências processuais daí resultantes – sanando a eventual falta ou nulidade de citação”, em Novo Código de Processo Civil Anotado, 3.ª Ed., 2015, pág. 256.
XXX. Por intervenção no processo, se deve entender “Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 196º, do CPC, quando o réu/executado intervier no processo sem arguir logo aquela omissão, entendendo-se por intervenção no processo a prática de acto susceptível de pôr termo a revelia do réu, o que se verifica com a constituição de advogado; A junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (acto judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo que a mesma permite, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação”.
XXXI. Tendo junto procuração aos autos executivos em 05.12.2022, e aos autos declarativos, em 06.12.2022, em ambas as situações por meio de requerimento, assinado VIA CITIUS, pelo seu Mandatário judicial constituído, tramitado de forma eletrónica, a verdade é que, só mais tarde, veio a Executada arguir a nulidade da citação, quando a lei se lhe exige uma reação imediata. Ou seja, com tais intervenções relevantes, a Executada teve possibilidade de conhecimento cabal do processo e, ainda assim, não arguiu de imediato as nulidades que, só mais tarde, quis invocar, mas já delas não podendo fazer proveito por se consubstanciarem em arguições intempestivas.
Outra conclusão não poderá ter-se senão esta: a verificarem-se, efetivamente, nulidades na citação da Executada e não tendo esta imediatamente arguido o vício, mormente, nas datas de 05.12.2022 e 06.12.2022, verificam-se sanadas as alegadas nulidades, pelo que, ao abrigo dos artigos 196.º e 198.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, devem as mesmas ser julgadas improcedentes, por intempestivamente arguidas.
XXXII. Violou, assim, a douta sentença recorrida, entre outros, o disposto nos artigos 21.º, n.º 1, 188.º, 189.º, 196.º, 219.º, 225.º, 226.º, 232.º, 236.º, 240.º, 249.º, n.º 3 e 729.º, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente, os embargos de executado deduzidos pela executada BB, determinando-se, assim, quanto à mesma, o prosseguimento dos autos principais de execução.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado integral provimento ao presente recurso e, em consequência deve revogar-se a douta decisão recorrida e substituir-se por outra que julgue totalmente improcedentes, os embargos de executado deduzidos pela executada BB, determinando-se, assim, quanto à mesma, o prosseguimento dos autos principais de execução…”.
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A embargante veio apresentar Resposta ao recurso pugnando pela sua improcedência.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso de Apelação são as seguintes – por ordem lógica de conhecimento:
- A de saber se é de alterar a matéria de facto, no sentido pretendido pelo recorrente;
- E se é de alterar a decisão proferida, com a improcedência dos embargos.
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Foram dados como provados na primeira Instância os seguintes factos:

“A) Os executados celebraram casamento civil no dia ../../1996, sem convenção antenupcial, no regime de comunhão de adquiridos.
B) Em ../../2019, a ora embargante intentou “ação especial de divórcio litigioso sem consentimento do outro cônjuge” onde, em suma, alega que, fruto da deterioração da relação conjugal, desde ../../2019, deixou de partilhar a mesma casa, não existindo possibilidade de reatar a vida em comum, sendo que, por sentença datada de ../../2020, o divórcio foi decretado, assim dissolvendo o casamento entre ambos.
C) Com a rutura definitiva da relação conjugal, a executada abandonou a residência habitual do casal sita no ... onde se encontravam emigrados, e regressou definitivamente a Portugal, no dia ../../2019, estabelecendo residência, inicialmente, na Rua ...., ..., ... ... correspondente a um imóvel propriedade do casal.
D) Nos autos principais de execução foi oferecido como título executivo uma sentença judicial proferida no âmbito do processo 73/21.... que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Central Cível de ..., Juiz ..., nos termos da qual, a ação foi julgada procedente, e, consequentemente, declarado o alegado contrato promessa de compra e venda verbal ali em discussão, e celebrado entre Autor e Réus, nulo por vício de forma e, em consequência, os Réus (aqui executados), condenados a devolver ao Autor (aqui exequente) a quantia que lhes foi entregue na execução do contrato promessa, no valor de 56.500,00€ (cinquenta e seis mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.
E) Na petição inicial da dita ação declarativa, que deu entrada em juízo em 11 de janeiro de 2021 foi indicado como domicílio da ora executada a Rua ...., ..., ....
F) A executada, regressada a Portugal em ../../2019, numa fase inicial, estabeleceu residência naquela morada.
G) Na ação declarativa, e com vista a concretizar a citação da ali Ré BB, foram efetuadas várias diligências.
H) Em 13/01/2021, foi remetida carta registada com aviso de receção à R./ora embargante, com o duplicado da petição inicial e documentos, para a morada sita na Rua ...., em .... Essa carta foi devolvida ao Tribunal com a indicação, pelo distribuidor do serviço postal de “mudou-se”.
I) A ora executada mantém alguma relação de amizade naquele local com CC, proprietária/gerente de um espaço comercial contiguo, a qual tinha instruções para, em seu nome, receber quaisquer notificações dirigidas à embargante, sendo que a embargante nunca perdeu o contacto com essa residência até aos dias de hoje, onde se desloca regularmente, ali recebendo todas as notificações referentes, nomeadamente, às despesas inerentes ao uso como eletricidade e água, bem como, referentes ao cumprimento das obrigações fiscais..
J) Depois da pesquisa efetuada pela secretaria nas bases de dados de identificação civil apurou-se ter a embargante residência na Av. ... - ... e ..., ....
K) Em 20/01/2021 foi remetida carta registada com aviso de receção à R./ora embargante para essa morada, com o duplicado da petição inicial e documentos, todavia, essa carta foi devolvida ao Tribunal com a indicação, pelo distribuidor do serviço postal de “mudou-se”.
L) Em 22/01/2021 e 25/01/2021, a secretaria fez novas pesquisa nas bases de dados da Segurança Social e Registo Automóvel, onde se apurou constar como morada da R./ora embargante a referida Av. ... - ... e ..., ....
M) Nessa altura, a ali Ré não havia ainda alterado a morada que se encontrava registada nos serviços centrais correspondente precisamente à morada/residência da mãe do executado FF, sita na Avenida ..., ... ..., ....
N) Em 25/01/2021, tendo advindo ao conhecimento do A./aqui embargado que a embargante passou a residir em ..., na seguinte morada: Rua ..., ..., ... - ..., requereu ao Tribunal a sua citação nessa morada, o que o Tribunal fez em 26/01/2021, tendo essa carta sido devolvida ao Tribunal com a indicação, pelo distribuidor do serviço postal, de “objeto não reclamado”.
O) Face a essa devolução, por requerimento junto aos autos em 18/02/2021, o A. requereu a notificação do co-réu FF para vir indicar nos autos a morada da aqui embargante, o que o Tribunal ordenou, sendo certo que a essa notificação remetida ao R., em 24/02/2021, este nada disse.
P) Nessa sequência, em 12/04/2021, o A./aqui embragado procedeu à junção aos autos de requerimento a informar já ter procedido pagamento da provisão à Agente de Execução nomeada para proceder à sua citação por contato pessoal, nomeação que já havia ocorrido em 10/02/2021.
Q) Em 11/05/2021, a Agente de Execução nomeada juntou aos autos, o resultado diligência de citação pessoal da embargante por si efetuada, nos seguintes termos: “No dia 11 de maio de 2021 pelas 12:00 horas sito na Rua ..., concelho ..., onde me desloquei na qualidade de agente de execução no processo supra identificado, a fim de proceder à citação da requerida BB, não tendo sido possível, em virtude de ter sido informada por uma vizinha que a mesma se encontra ausente no Estrangeiro. Em face do exposto não foi possível proceder á citação da requerida”.
R) A Ré, ora embargante, à data da diligência a que se faz referência, residia já, efetivamente, na “Rua ..., ...” em ..., todavia, não no .... conforme indicado pelo Autor/aqui exequente, mas sim no ....
S) Em 19/05/2021, o embargado apresentou requerimento aos autos, requerendo a citação edital da R./aqui embargante, nos seguintes termos: “(…) tendo sido notificado da impossibilidade de citação da R. e uma vez que efetuadas pesquisas nas bases de dados não foi encontrada morada diferente daquelas que já constam nos autos e face à sua ausência em parte incerta, requer a sua citação edital, nos termos do artigo 240.º do CPC”, o que foi deferido por despacho de 24/05/2021,tendo sido elaborados os respetivos editais.
T) O edital foi afixado na porta de entrada do ... do n.º ...17 da Rua ..., em ....
U) Por a executada ter sido citada editalmente nos autos declarativos, a mesma passou a ser representada pelo Ministério Público a, após ter sido prolatada a respetiva sentença foi a mesma notificada ao Ministério Público que, ao tempo, representava a ora embargante.
V) A executada foi citada nos autos principais de execução em 21/11/2022 tendo junto procuração aos autos em 05/12/2022 e 06/12/2022, respetivamente, na ação declarativa e na ação executiva e, nessas datas não arguiu a falta ou nulidade de citação.
W) Durante todo o período que decorreu desde a data da entrada em juízo da ação declarativa até à prolação de sentença, a Executada permaneceu completamente alheia a todos os acontecimentos.
X) Só com as citações da Senhora Agente de Execução para os termos da presente ação executiva, é que a ora embargante teve conhecimento que o que serve de título aos autos principais de execução é uma Sentença onde foi julgada e condenada à sua revelia, uma vez que nunca recebeu qualquer citação/notificação, tendo a embargante, na sequência da citação na execução consultado a ação declarativa e tomado conhecimento do processado ali desenvolvido”.
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I- Da impugnação da matéria de facto:

Insurge-se o recorrente contra a decisão da matéria de facto, designadamente contra os factos dados como provados em I, R, W e X, pugnando pela sua decisão como “não provados”, com recurso aos elementos de prova que indica, e que segundo afirma foram mal valorados pelo tribunal recorrido.

Relativamente ao ponto I dos factos provados, diz que as declarações/depoimento de parte da executada, prestadas na audiência de julgamento de 18.01.2024, e o depoimento da testemunha CC, prestado na audiência do mesmo dia, conjugados com a prova documental junta aos autos, impõem alteração desse facto para não provado.

Vejamos:
Consta do facto descrito em I) que “A ora executada mantém alguma relação de amizade naquele local com CC, proprietária/gerente de um espaço comercial contiguo, a qual tinha instruções para, em seu nome, receber quaisquer notificações dirigidas à embargante, sendo que a embargante nunca perdeu o contacto com essa residência até aos dias de hoje, onde se desloca regularmente, ali recebendo todas as notificações referentes, nomeadamente, às despesas inerentes ao uso como eletricidade e água, bem como, referentes ao cumprimento das obrigações fiscais”.
Afirma o recorrente que da prova produzida em audiência resultou que não existe qualquer relação de amizade entre a executada e aquela CC; que esta não estava incumbida/responsável de receber o seu correio, podendo recebê-lo apenas pontualmente; e que é falso que a executada tenha contacto com aquela residência até aos dias de hoje.
Ora, analisada a questão colocada nos autos pela embargante – e que obteve acolhimento do tribunal recorrido -, a mesma contende com a nulidade da sua citação edital na ação declarativa onde viria a ser condenada à revelia, por errada identificação da sua residência, e colocação do respetivo edital num local que não correspondia à mesma.
Já o facto impugnado tem a ver com as primeiras diligências levadas a cabo pelo tribunal para tentar a citação da ré numa primeira morada, que viria a ser desconsiderada, e tentada a citação da ré noutra morada indicada nos autos.
Donde, a essa luz, o facto ora impugnado (vertido na alínea I) apresenta-se de todo irrelevante para a decisão da causa, sendo indiferente para o desfecho da ação, apurar se existe ou não uma relação de amizade entre a executada e a testemunha CC; se esta estava ou não incumbida de receber o seu correio; e se a executada mantém ou não contacto com aquela residência até aos dias de hoje.
Como tem sido defendido unanimemente na jurisprudência, o direito à impugnação da matéria de facto não subsiste por si só, antes assume um carácter instrumental face à decisão de mérito da ação. Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o tribunal de recurso não deve reapreciar a matéria de facto, quando os factos concretos objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (Ac. RC de 24.04.2012 e de 27-05-2014, e desta RG de 15-02-2018 e de 11-07-2017, todos disponíveis em www.dgsi.pt.)
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto, quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.
Concluímos assim do exposto que a matéria de facto vertida na alínea I) se apresenta de todo irrelevante em termos de decisão jurídica da causa, qualquer que seja o sentido que pudesse ser dado à mesma, pelo que nos dispensamos de a reapreciar, para evitar levar a cabo a prática de atos inúteis que a lei processual proíbe (art.º 130º do CPC).
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Relativamente ao ponto R), considera o recorrente que a prova documental trazida aos autos, confrontada com o depoimento/declarações de parte da executada, produzidas na audiência de julgamento de 18.01.2024, impunha uma decisão diversa da proferida, sendo ainda de considerar o depoimento da Sra. Agente de Execução, inquirida também na audiência de julgamento de 18.01.2024, a qual asseverou ao tribunal que tendo questionado uma vizinha, a mesma a informou que a D. BB estava no estrangeiro, facto que havia já feito constar do auto de não citação da ré junto aos autos.

Vejamos:
Consta daquela alínea que “A Ré, ora embargante, à data da diligência a que se faz referência, residia já, efetivamente, na “Rua ..., ...” em ..., todavia, não no .... conforme indicado pelo Autor/aqui exequente, mas sim no ...”.
Para dar tal facto como provado baseou-se o tribunal recorrido no “…documento de suporte ao cartão de cidadão emitido em ../../2021, onde consta como morada da embargante, em ../../2021, o ... do n.º ...17 da Rua ..., em ..., sendo certo que, na sequência de uma informação trazida aos autos pelo autor nos autos declarativos, o n.º do andar informado foi o ... (…).
Teve-se também em consideração os depoimentos e declarações de parte e a prova testemunhal. A embargante confirmou as moradas onde residiu e reside em Portugal depois da separação e do divórcio do seu ex-marido, também ele executado nos autos principais, afirmando e comprovando documentalmente (cartão cidadão), que a sua residência era no ... andar e não no ... andar do n.º ...17 da Rua ..., em ...…”
Como se vê, a prova documental apresentada pela embargante – o documento de suporte ao seu cartão de cidadão –, foi decisiva para o tribunal dar como provada tal matéria, prova essa que foi corroborada pelas declarações da própria embargante, de que a sua residência era no local indicado pelo exequente, mas no ... andar e não no 1º, local onde foi afixado o edital para a sua citação.
E bem em nosso entender.
Como resulta dos autos – e não é questionado pelo embargado -, foi o próprio A na ação declarativa (ora embargado e recorrente) que informou o tribunal, que a embargante passou a residir em ..., na Rua ..., ..., ..., requerendo a sua citação nessa morada, o que o tribunal fez, em 26/01/2021, tendo essa carta sido devolvida com a indicação pelo distribuidor do serviço postal, de “objeto não reclamado”.
O que se mostra compatível com o afirmado pela embargante, de que residia naquela morada na data em que foi citada editalmente, mas no ... andar (e não no 1º), comprovando essa afirmação com o documento de suporte ao seu cartão de cidadão (onde consta efetivamente aquela morada).
E nenhum reparo temos a fazer ao juízo de valor que foi feito pela sra. Juiz perante a prova produzida (documental e pessoal).
Sobre a força probatória do cartão de cidadão (e do documento que lhe serve de suporte), o que tem sido decidido na jurisprudência é que ele não constitui, de facto, prova legal plena da residência efetiva do cidadão, para efeitos do art.º 347º do CC (prova essa que só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela é objeto) (Ac. RL de 18-04-2013, disponível em www.dgsi.pt).
No entanto, como é por todos sabido, o cartão de cidadão é título bastante para provar a identidade do seu titular, sendo esse o seu valor probatório (quer quanto aos seus elementos visíveis, quer quanto aos seus elementos ocultos no circuito integrado, como é o caso particular da morada).
E aqui concordamos com o recorrente, de que é o cidadão que indica a sua morada, ao preencher o formulário com vista à emissão do cartão de cidadão (sem que a mesma seja confirmada ou verificada por qualquer entidade pública), passando a mesma a constar da base de dados dos registos centrais. Nessa medida, o cartão de cidadão e o seu elemento oculto em circuito integrado, não constituem prova legal plena da residência efetiva do cidadão para efeitos do art.º 347º do CC.
A morada do cartão de cidadão é a residência do cidadão para efeitos de contacto com os serviços do Estado e da Administração Pública, não estando impedido o requerente de indicar outros endereços para fins profissionais ou convencionais.
Isso mesmo decorre da Lei nº 7/07, de 5.2. (que criou o cartão de cidadão e rege a sua emissão e utilização), que dispõe, no seu art.º 4º, intitulado “Eficácia”, que “O cartão de cidadão constitui título bastante para provar a identidade do titular perante quaisquer autoridades e entidades públicas ou privadas, sendo válido em todo o território nacional, sem prejuízo da eficácia extraterritorial reconhecida por normas comunitárias, por convenções internacionais e por normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte, quando tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos”.
O art.º 8.º do mesmo diploma legal estatui por sua vez sobre a informação contida no circuito integrado, consignado que “o cartão de cidadão incorpora um circuito integrado onde são inseridos, em condições que garantam elevados níveis de segurança, os seguintes elementos de identificação do titular (…) Morada…”, prevendo o art.º 13 do mesmo diploma, que “A morada é o endereço postal físico, livremente indicado pelo cidadão, correspondente ao local de residência onde pode ser regularmente contactado” (nº1). “Para comunicação com os serviços do Estado e da Administração Pública, nomeadamente com os serviços de identificação civil, os serviços fiscais, os serviços de saúde e os serviços da segurança social, o cidadão tem-se por domiciliado, para todos os efeitos legais, no local referido no número anterior, sem prejuízo de poder designar outros endereços, físicos ou electrónicos, para fins profissionais ou convencionais nos termos previstos na lei” (nº2). “O titular do cartão de cidadão deve comunicar novo endereço postal e promover, junto de serviços de recepção, a actualização da morada no cartão de cidadão logo que deixe de ser possível o seu contacto regular no local anteriormente indicado” (nº3).
Como decorre do texto legal, a morada do cartão de cidadão é a residência do cidadão para efeitos de contacto com os serviços do Estado e da Administração Pública, não impedindo o requerente do cartão de indicar outros endereços para fins profissionais ou convencionais.
Como se anotou com pertinência no citado Ac. RL de18-04-2013, criou o legislador com aquela lei um conceito novo de domicílio legal que não consta do Código Civil, para efeitos de comunicação do cidadão com o Estado e com os serviços de Administração Pública, o qual se baseia numa presunção de residência do seu titular.
Aliás, é a própria lei (art.º 236º do CC), que ao regular a citação na situação de “Ausência do citando em parte incerta”, dá credibilidade a essa informação, estipulando, no seu nº 1, que “Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais”.
Como decorre de resto da alínea J) da matéria de facto provada, foi com recurso a essa base de dados de identificação civil, que a secretaria do tribunal tentou a citação da embargante na ação declarativa, tendo apurado que a ali Ré tinha residência, na altura, na Avenida ..., ... e ..., ....
Ora, foi baseado nessa presunção de residência do seu titular, que o tribunal recorrido deu relevância ao que do cartão de cidadão da embargante constava como sendo a sua morada, facto que a mesma confirmou em sede de declarações de parte.
Apela o embargado, para contrariar tal convicção do tribunal, às declarações da sra. Agente de execução – de que a mesma asseverou ao tribunal que tendo questionado uma vizinha, a mesma a informou que a D. BB estava no estrangeiro, facto que havia já feito constar do auto de não citação da ré junto aos autos –, pretendendo com isso demonstrar que a embargante não residia naquela morada.
Reiteramos, no entanto, que foi o próprio A que indicou a morada da ré naquele local.
Ademais, é certo que a certidão de não citação da ré, lavrada pela Sra. Agente de Execução e junta aos autos, corroborada pelas suas declarações prestadas em audiência, constitui prova plena dos factos documentados como sendo por si praticados e/ou por si percecionados (art.371º do CC), enquanto autoridade pública no exercício das suas funções (José Lebre de Freitas, “A Acção Declarativa Comum, à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 2000, pág. 67).
No entanto, tal força probatória não pode ser extensiva aos demais factos constantes daquela certidão, designadamente os factos afirmados por uma vizinha da embargante, de que a dona da casa estava no estrangeiro. Ora apenas a informação dada à Sra. Agente de Execução constitui facto incontestado; não que a embargante ali não residisse.
Decorre assim do exposto, que tendo demonstrado a embargante que a sua residência, constante do seu cartão de cidadão, era a indicada, e não tendo a mesma sido contrariada pela prova do embargado, não vemos como dar tal facto como não provado.
*
Discorda também o recorrente da decisão proferida na primeira instância sobre os factos vertidos nas alíneas W) e X), dizendo que também nesta parte as declarações de parte/depoimento da executada foram erradamente valoradas pela Sra. Juiz.
Mas também aqui sem razão, adiantamos já.
Consta daquelas alíneas, que “Durante todo o período que decorreu desde a data da entrada em juízo da ação declarativa até à prolação de sentença, a Executada permaneceu completamente alheia a todos os acontecimentos” e que “Só com as citações da Senhora Agente de Execução para os termos da presente ação executiva, é que a ora embargante teve conhecimento que o que serve de título aos autos principais de execução é uma Sentença onde foi julgada e condenada à sua revelia, uma vez que nunca recebeu qualquer citação/notificação, tendo a embargante, na sequência da citação na execução consultado a ação declarativa e tomado conhecimento do processado ali desenvolvido”.
E para dar tais factos como provados, justificou o tribunal recorrido a sua convição da seguinte forma: …na sequência de uma informação trazida aos autos pelo autor nos autos declarativos, o n.º do andar informado foi o ..., e a carta de citação, a diligência efetuada pela AE e o edital foram afixados em local incorreto, tendo a Sr.ª Funcionária de Justiça afirmado que, apesar de não se lembrar, em concreto, desta diligência (…) não afixa o edital na porta de entrada do edifício mas sim afixa sempre o edital na porta de entrada do andar/fração referida no documento de citação, ou seja, no caso concreto, afixou no ... do n.º ...17 quando a executada nunca residiu nessa fração, mas sim no ... andar do n.º ...17 da Rua ..., em ... (…).
Por outro lado, apesar de percebermos as diligências levadas a cabo pelo exequente com a finalidade de conseguir concretizar a morada da executada BB, o certo é que a indicação que ele próprio fez nos autos declarativos, de forma incorreta, do n.º do andar da executada, originou que fosse considerado como última morada da ora embargante em Portugal, para efeitos de citação edital, uma morada que nunca foi, realmente, a morada da executada, tendo sido nesse local que a Sra. Oficial de Justiça afixou o edital.
Tal facto não é de somenos importância porque o edital tem sempre de ser afixado na última morada conhecida e essa morada nunca foi uma morada na qual a executada, alguma vez, tivesse a sua residência ou residido no local.
O Tribunal não se convenceu que, efetivamente, a embargante tivesse tido conhecimento de tal citação, não só porque, apesar do edital ter sido aposta no ... andar do n.º ...17, não sabemos por quanto tempo o mesmo esteve na porta, se o mesmo foi retirado da porta por alguém, ou sequer podemos afirmar que o mesmo tenha sido visto pela executada/embargante porque ninguém veio afirmar tal facto em Tribunal.
Por outro lado, não foi trazida a Tribunal a proprietária da fração do ... que pudesse confirmar que viu o dito edital na sua porta e que ela mesma deu conhecimento do seu teor à executada pelo que, não se tendo provado que o edital tenha sido aposto no ... andar do n.º ...17 (morada da executada), e que esta teve conhecimento do seu teor, parece-nos que, à falta de melhor prova, temos de aceitar que, na verdade, a executada não teve conhecimento do teor da citação nem da ação declarativa que contra ela correu termos…”.
E nenhum reparo temos a fazer ao raciocínio desenvolvido pelo julgador da primeira instância, que se limitou a retirar as suas ilações de tudo quanto havia sido dado como provado nas alíneas anteriores.
No fundo, a Sra. Juiz limitou-se a concluir o que os factos dados como provados anteriormente, em S), T), U) e V) - não questionados, de resto, pelo recorrente -,  enunciavam: que não tendo ocorrido a citação (edital) da ré no local correto, com a colocação do edital no número da porta da residência da embargante (no ... andar), a mesma não teve conhecimento da ação contra si movida pelo A, e que só com a sua citação para a ação executiva se pôde inteirar de tudo quanto havia ocorrido anteriormente.
Ou seja, tomou-se em consideração, que em 19/05/2021 o A requereu a citação edital da Ré na última morada conhecida daquela - ... andar. do n.º ...17, da Rua ..., ... -, que ele próprio forneceu aos autos, o que foi deferido, por despacho de 24/05/2021, tendo sido elaborados os respetivos editais (Alínea S). O edital foi afixado na porta de entrada do .... do n.º ...17 da Rua ..., em ... (Alínea T). Por a executada ter sido citada editalmente nos autos declarativos, a mesma passou a ser representada pelo Ministério Público, e após ter sido prolatada a respetiva sentença, foi a mesma notificada ao Ministério Público, que ao tempo representava a Ré (Alínea U). A executada foi citada nos autos principais de execução em 21/11/2022, tendo junto procuração aos autos em 05/12/2022 e 06/12/2022, respetivamente, na ação declarativa e na ação executiva (Alínea V).
Como se vê, fácil é de concluir que a citação da ré, porque efetuada numa morada que não era a sua, não lhe permitiu tomar conhecimento do teor da ação declarativa contra si movida pelo A, nada existindo nos autos que nos permita concluir que ela tivesse tomado conhecimento dessa ação por qualquer outra forma.
Assim sendo, nada temos a objetar à consideração desses factos dados como provados.
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II- Da oportunidade da arguição da nulidade da sua citação por parte da embargante:

Insiste o recorrente que ainda que se admitisse verificar-se a falta ou a nulidade da citação da embargante (ré na ação declarativa), sempre esses vícios se encontrariam sanados, por não terem sido oportunamente denunciados.
Diz que a executada foi citada nos autos executivos em 21.11.2022, e que em 05.12.2022, o seu Mandatário juntou àqueles autos a competente Procuração, tendo também junto Procuração na ação declarativa que deu origem a esta execução no dia seguinte, em 06.12.2022.
E que em nenhuma dessas datas a executada arguiu a falta da sua citação, sendo seu dever fazê-lo, pois em seu entender, considera-se suprida a nulidade de falta de citação, quando o réu intervier no processo sem logo arguir essa omissão, sendo que, por "intervenção no processo" deve entender-se o que se reporta à prática de ato suscetível de por termo à revelia do réu, sendo que a intervenção do réu (ou do Ministério Público) preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão.
Ou seja, se tendo conhecimento do processo, ou pelo menos tendo possibilidade de conhecimento do processo, o réu intervém nele sem arguir a falta de citação, não está interessado em prevalecer-se dessa omissão ou falta, devendo a mesma considerar-se sanada (art.º 196º do CPC e Abílio Neto - Novo Código de Processo Civil Anotado, 3.ª Ed., 2015, pág. 256).
Donde, conclui, a verificarem-se as nulidades na citação da executada, e não tendo esta imediatamente arguido o respetivo vício, mormente nas datas de 05.12.2022 e 06.12.2022, encontram-se sanadas as alegadas nulidades, pelo que considera, que ao abrigo dos artºs 196.º e 198.º, n.º 2 do CPC, devem as mesmas ser julgadas improcedentes, por intempestivamente arguidas.
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A questão ora suscitada pelo recorrente já havia sido por ele arguida em sede de contestação aos Embargos, tendo merecido da Sra. Juiz pronúncia, em termos que consideramos corretos.
Efetivamente, após longa exposição sobre a função da “citação”, e as suas várias modalidades,  dissertou-se na sentença recorrida, muito acertadamente em nosso entender, sobre a distinção entre a “falta da citação” e a “nulidade da citação”, concluindo-se, a final, da seguinte forma:
“Face ao predito, parece-nos que houve preterição das formalidades prescritas na lei. Contudo, no caso ora em apreço, a modalidade da nulidade (falta de citação ou nulidade da citação por inobservância das formalidades prescritas na lei), é, no entanto, irrelevante ao destino dos presentes autos, considerando que, verificada aquela omissão, a ré não interveio, como supra já referimos, nos autos de ação declarativa cuja sentença transitou em julgado e constitui o título executivo oferecido nos autos principais de execução.
Assim sendo, seja por falta de citação, seja por nulidade da citação por preterição de formalidades prescritas na lei, o que está em causa é o vício ocorrido e a falta de intervenção da ré, ora executada, na ação respetiva, a qual correu à sua revelia.
Na verdade, nem sequer se exige, para que possa ser invocada a nulidade da citação em sede de embargos de executado, que a falta cometida possa ter prejudicado a defesa do citando, pois a inexequibilidade do título, que resulta da falta de requisitos do mesmo (como sucede com a nulidade da citação na ação declarativa sendo o título a sentença a proferida), determina a extinção da execução (art.º 732.º, n.º 4 CPC)…”.
E debruçando-se sobre a questão colocada pelo embargado, decidiu-se o seguinte:
“Alega o exequente que a nulidade, a existir, encontra-se sanada na medida em que a embargante não arguiu tal nulidade assim que efetuou a junção de procuração, quer nos autos declarativos, quer nos autos executivos (…).
Chamamos à colação o entendimento da nossa Jurisprudência, o qual sufragamos, explanado no Acórdão da Relação de Coimbra de 24/04/2018, onde podemos ler o seguinte: “I - O conceito de intervenção do processo, de que de fala o art.º 189º do CPC para efeitos de sanação de nulidade decorrente da falta de citação, deve ser interpretado no sentido de pressupor uma atuação ativa no processo da parte demandada através da prática ou intervenção em acto judicial, que lhe permitam tomar pleno conhecimento de todo o processado ou, pelo menos, que façam presumir esse efetivo conhecimento. II- A simples junção aos autos de uma procuração forense pela parte demandada não se integra, só por si, nesse conceito de intervenção no processo (…) sendo assim, a simples junção aos autos de uma procuração forense pela executada não configura qualquer intervenção processual da sua parte no processo, e nem dela se pode extrair (à falta de mais elementos) a conclusão de que a mesma tomou conhecimento do seu processado (por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa). Interpretação em sentido contrário colidiria/afrontaria, a nosso ver, com o princípio de tutela jurisdicional efetiva e do acesso aos tribunais, consagrado no art.º 20º da nossa Lei Fundamental e bem assim com o princípio da tutela da confiança, que decorre do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no art.º 2º da mesma Lei.”
Produzida a prova apurou-se, para além do mais, que: A executada foi citada nos autos principais de execução em 21/11/2022 para pagar ou deduzir oposição à execução, tendo junto procuração aos autos em 05/12/2022 e 06/12/2022, respetivamente, na ação declarativa e na ação executiva e, nessas datas, não arguiu a falta ou nulidade de citação.
Ora, como resulta da prova produzida, foi na sequência da citação para os autos executivos que a executada juntou aos autos declarativos uma procuração forense e consultou os aludidos autos para se inteirar da sua tramitação e poder defender-se, designadamente nos presentes autos executivos através da dedução de oposição à execução.
Se continuasse a desconhecer o dito processo declarativo onde foi proferida a sentença ora dada à execução como título executivo, não podia defender adequadamente os seu direitos e interesses, arguindo, como fez agora em sede de embargos de executado, a falta ou nulidade de citação para os autos declarativos.
Assim sendo, salvo melhor opinião, a arguição do vício de falta ou nulidade de citação é tempestiva, e a dita nulidade não se encontra sanada como pretende o exequente…”.
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E temos de concordar com a decisão proferida, a cujos argumentos acrescentaremos apenas um, que nos parece incontestado:
Nos termos do art.º 728º do CPC, intitulado “Oposição mediante embargos”, “O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação”, sendo um dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, previstos no art.º 729º do mesmo diploma, a falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º, ou seja, que “tendo o processo corrido à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior.”
Ou seja, da conjugação dos preceitos legais envolvidos, fácil é concluir que o prazo para o executado arguir a nulidade ou a falta da sua citação no processo declarativo, é de 20 dias após a sua citação para o processo executivo, que é o prazo que a lei lhe concede para deduzir oposição à execução.
Ora, o cumprimento desse prazo, ou a tempestividade dos embargos, não é posto em causa nos autos – nem pelo exequente nem pelo tribunal -, pelo que o prazo para a embargante arguir a falta e/ou a nulidade da sua citação não se mostra excedido.
Improcedem, assim, na sua totalidade as alegações de recurso do embargado.
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V- DECISÃO:

Pelo exposto, Julga-se improcedente a Apelação, e mantém-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas da Apelação pelo recorrente (art.º 527º nº1 e 2 do CPC).
Notifique e D.N.
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Sumário do acórdão:
I- Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.
II- A morada do cartão de cidadão (seu elemento oculto em circuito integrado) é a residência do cidadão para efeitos de contacto com os serviços do Estado e da Administração Pública, e que se baseia numa presunção de residência do seu titular.
III- Por isso se diz que o legislador criou um novo conceito de domicílio legal, que não consta do Código Civil, mas ao qual a lei dá relevância, nomeadamente para apuramento da residência do citando, para levar a cabo a sua citação.
IV- Um dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, previstos no art.º 729º do CPC, é a falta de intervenção do réu no processo de declaração, pelo que o prazo para o executado arguir a nulidade ou a falta da sua citação no processo declarativo, é de 20 dias após a sua citação no processo executivo, que é o prazo que a lei lhe concede para deduzir oposição à execução.
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Guimarães, 14.11.2024.