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CUMULAÇÃO DE EXECUÇÕES
EXECUÇÃO CONTRA TERCEIROS DEVEDORES
TÍTULO JUDICIAL IMPRÓPRIO
Sumário
I – O título executivo a que alude o nº 3 do art. 777º do CPC formado pela notificação aos terceiros devedores - os restantes herdeiros - e a falta de declaração destes, é tida pela doutrina e pela jurisprudência como um título judicial impróprio, visto o mesmo encerrar uma condenação dos devedores decorrente da lei, que sanciona o seu silêncio com a presunção de que o crédito penhorado existe nos exactos termos em que foi penhorado, limitando-se o juiz a verificar a validade desses documentos. II – Perante um requerimento do exequente, o Sr. Juiz a quo não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art. 5º/3 do CPC). III – Por outro lado, na procura de uma solução ou compromisso equilibrado, e no apelo ao Dever de Gestão Processual e Princípio da Adequação Formal – arts. 6º e 547º, ambos do CPC –, bem como ao Princípio da Economia Processual, antes se impõe e justifica que o tribunal abandone as velhas praxis de que as formalidades devem prevalecer sobre a substância do litígio.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
1 – RELATÓRIO
No âmbito do Processo de Execução de Sentença nº 1225/10...., que corre termos por apenso ao Processo Comum (Tribunal Singular) nº 1225/10...., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Braga – Juiz ..., foi proferido, em 09-02-2024, despacho judicial com o seguinte teor:
«Veio o exequente requerer a cumulação de execuções, alegando para o efeito que tendo os requeridos procedido à venda do bem imóvel melhor identificado na escritura pública que juntou, pese embora se encontrasse penhorado o direito ao quinhão hereditário do executado AA, e não procederam ao depósito à ordem destes autos da quantia que o executado auferiu com o produto da referida venda. Apreciando.
Lê-se no artigo 711.º do CPC que: “1 – Enquanto uma execução não for extinta, pode o exequente requerer, no mesmo processo, a execução de um outro título, desde que não se verifique qualquer das circunstâncias que impedem a cumulação sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 – Cessa o obstáculo previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 709.º quando a execução iniciada com vista à entrega de coisa certa ou de prestação de facto haja sido convertida em execução para pagamento de quantia certa.”
Em anotação ao sobredito normativo, pode ler-se no Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, pág. 39 que “a cumulação sucessiva obedece a regras semelhantes às da cumulação inicial, sendo permitida se e enquanto a execução não estiver extinta. Acresce ainda a possibilidade de se cumular sucessivamente pedido baseado em título executivo para pagamento de quantia certa, ainda que a execução se tenha iniciado com a finalidade de entrega de coisa certa ou de prestação de facto, desde que, entretanto, tenha havido conversão em execução para pagamento de quantia certa, nos termos dos arts. 867.º e 869.º. Nesse caso, a conversão ocorrida é compatível com a cumulação sucessiva de uma pretensão pecuniária. Esta cumulação supõe que as partes sejam as mesmas, quer do lado activo, quer do lado passivo.” (sublinhado nosso). Em face do exposto, uma vez que a cumulação ora requerida não pressupõe a similitude de partes com a execução inicial, sem necessidade de tecer maiores considerações, indefiro a requerida cumulação de execuções.»
Inconformado com tal decisão, dela veio o exequente e requerente interpor o presente recurso, que na sua motivação culmina com as seguintes conclusões e petitório:
I - O despacho recorrido viola e faz uma errada interpretação das disposições legais constantes dos artigos 781.º, 773.º e 777.º, n.º 3, todos do C.P.C. bem como do artigo 820.º do Código Civil. II - É inaceitável o indeferimento da cumulação requerida pelo facto de inexistirem similitude de partes com a execução inicial. III - Com a subsunção do presente caso às referidas normas, outra conclusão não poderá ser retirada senão a de que, independentemente da similitude das partes, deve a presente execução prosseguir contra os terceiros devedores. IV - Na sequência do apuramento de que o Executado AA era herdeiro nas heranças abertas por óbito de BB, CC ...72, e por óbito de DD, CC ...40, o Exequente solicitou a penhora do quinhão hereditário do mesmo nas referidas heranças. V - O agente de execução notificou, ao abrigo do disposto no artigo 781.º, n.º 1 do C.P.C., todos os herdeiros nas aludidas heranças (A Cabeça de Casal, EE, a 28-02-2020; FF a 27-02-2020; GG a28-02-2020; HH a 28-02-2020; II a 05-03-2020; JJ a 24-07-2020; KK a 20-12-2021) VI - Nas aludidas notificações foram todos os herdeiros advertidos de que o direito do Executado AA ao quinhão hereditário incluía todos os bens que o constituíam e que estes ficavam, desde a data das referidas notificações, à ordem do agente de execução. VII - Regularmente notificados para esse efeito, nenhum dos referidos herdeiros prestou quaisquer declarações. VIII - Posteriormente, apurou o Exequente que após a concretização da penhora do direito aos quinhões hereditários, o Executado e restantes herdeiros, procederam à venda do único bem que compunha os referidos quinhões penhorados, a saber, o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...78, da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ...40 da dita freguesia e concelho, através da AP. ...28 de 2021/03/11. IX - Após a aludida venda, a cabeça de casal não depositou à ordem do processo a quantia que do produto da mesma coube ao Executado e cujo direito ao quinhão hereditário estava penhorado. X - O Exequente exigiu aos co-herdeiros, a prestação em falta, servindo de título executivo a certidão extraída dos autos de execução que se juntou como documento n.º 4 com o requerimento executivo, requerendo o prosseguimento da execução contra aqueles como executados. XI - Penhorado o quinhão hereditário do Executado, o objeto da penhora é um direito e, como tal, por aplicação subsidiária do n.º 4 do art.º 773.º do C.P.C., nada declarando, os herdeiros notificados reconheceram ao agente de execução o direito que ao executado foi atribuído por via do ato daquelas notificações. XII - Tendo os notificados procedido à venda do único bem que compunha a herança, deveriam ter entregue ao agente de execução o que do produto da mesma coube ao executado; XIII - Não o tendo feito, como consta da certidão emitida pelo agente de execução e que constituiu o título executivo contra os herdeiros, terão de responder por isso nos termos do disposto nos artigos 773.º e 777.º, ambos do C.P.C., conjugados com o artigo 820.º do Código Civil. XIV - O título executivo a que se refere o n.º 3 do artigo 777.º do C.P.C. é formado pela notificação aos terceiros devedores, in casu, os herdeiros, e a falta de declaração daqueles (título judicial impróprio). XV - A execução instaurada com base nesse título executivo contra os terceiros devedores corre nos próprios autos da execução primitiva, tratando-se de uma execução incidental e instrumental em relação àquela conforme é defendido por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, Almedina, vol. II, páginas 158 e 162, no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 16/12/2021, e disponível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/7d4056a5063a8801802587c90037c bd2?OpenDocument e no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 01/02/2018, proferido no âmbito do processo n.º 249/16.4T8CHV.B.G1. XVI - Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, [n]o âmbito das acções executivas podem ocorrer modificações subjectivas da instância pela intervenção de novas partes, quer do lado activo, quer do lado passivo - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 28-05-2013, e disponível em http://www.gde.mj.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/66fa0242da39deed80257b8d00344966?OpenDocument XVII - Separar uma e outra acção executiva revela-se, consequentemente, contraproducente, não só em termos jurídicos como, inclusive, práticos - cfr Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 25-06-2009, e disponível em http://www.gde.mj.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/d459e3e1fd0389148025764a00665b97?OpenDocument
(…)
Termos em que,
Invocando-se o douto suprimento desse Venerando Tribunal, deverá o presente recurso ser declarado procedente e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido, ordenando-se o recebimento do requerimento executivo e o prosseguimento da execução contra os co-herdeiros do Executado.
E assim se fará, parece ao Recorrente, a melhor e costumada JUSTIÇA.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto.
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Tendo os autos sido distribuídos à Secção Penal junto deste Tribunal da Relação, o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer, pugnando pelo provimento do recurso.
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Foi mandado cumprir o disposto no art. 417º/2 do CPP.
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Nada tendo sido dito, conclusos os autos ao Exmº Relator, foi proferida decisão singular que declarou a incompetência em razão da matéria desta Secção Criminal para conhecer do recurso, a qual cabe às Secções Cíveis deste Tribunal da Relação de Guimarães.
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Remetidos os autos à distribuição pelas Secções Cíveis, foram facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos.
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Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR
Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende a revogação do despacho recorrido e que seja ordenado o recebimento do requerimento executivo e o prosseguimento da execução contra os co-herdeiros do Executado.
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3 – OS FACTOS
Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Pretende o exequente e requerente LL a reapreciação de mérito do despacho recorrido que indeferiu a requerida cumulação de execuções, por não estar verificada a similitude de partes com a execução inicial, e que não ordenou o prosseguimento da presente execução contra os terceiros devedores.
A cumulação de execuções é permitida desde há muito no nosso ordenamento processual civil, seja a cumulação inicial (cfr. art. 53º do CPC revogado e, actualmente, art. 709º do CPC), em que originária e simultaneamente, nuns mesmos autos executivos, se cumulam execuções fundadas em títulos diferentes, seja a cumulação sucessiva (cfr. art. 54º do CPC revogado e, actualmente, art. 711º do CPC), em que, estando em curso autos executivos por determinado título, se cumula, no mesmo processo, a execução de outro(s) título(s).
Como expressa aquele art. 711º/1 do CPC: “Enquanto uma execução não for extinta, pode o exequente requerer, no mesmo processo, a execução de outro título, desde que não se verifique qualquer das circunstâncias que impedem a cumulação, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
Quer dizer, a “cumulação de execuções produz-se quando o mesmo credor promove contra o mesmo devedor mais do que uma execução no mesmo processo”[1].
Assim, embora o processo seja o mesmo, na cumulação (sucessiva) de execuções do que se trata é de diversas execuções, logo, por quantias exequendas diversas e por títulos executivos diversos (por diversos pedidos e causas de pedir).
A vantagem é visível: aproveita-se um só processo executivo para fazer operar diversas execuções, simultânea ou sucessivamente, com os inerentes ganhos em termos de economia processual.
Daí decorrem, obviamente, ganhos para o exequente e para o sistema de justiça, evitando-se a multiplicação dos processos, sem prejuízo para o executado ou para terceiros.
De facto, as garantias de defesa do executado não saem beliscadas com a cumulação sucessiva (nem com a inicial), pois que, perante a nova execução (sucessiva), embora em autos já pendentes, correrão a seu favor todas as garantias de defesa como se se tratasse de uma execução em novos autos executivos.
No caso em apreciação, face à parcimónia da decisão recorrida no que concerne à identificação das partes nas execuções cuja cumulação foi requerida, depreende-se que o obstáculo encontrado contenda com o lado passivo, dado que do lado activo o exequente - LL - é o mesmo em ambas as execuções, e atendendo a que na primitiva era executado AA e na ora a cumular são os restantes herdeiros - EE, FF, GG, HH, II, JJ e KK -.
Como assim, dúvidas não existem que não está verificada a similitude de partes com a execução inicial.
Todavia, in casu, como bem argumenta o apelante, não se pode ignorar que estamos perante um título executivo a que alude o nº 3 do art. 777º do CPC formado pela notificação aos terceiros devedores - os restantes herdeiros - e a falta de declaração destes, é tida pela doutrina e pela jurisprudência como um título judicial impróprio, visto o mesmo encerrar uma condenação dos devedores decorrente da lei, que sanciona o seu silêncio com a presunção de que o crédito penhorado existe nos exactos termos em que foi penhorado, limitando-se o juiz a verificar a validade desses documentos. Ora, tratando-se de um título judicial impróprio, tal significa que para efeitos do disposto nos arts. 550º/2, al. a) e 703º/1, al. a), do CPC, aquele título executivo assim formado pela notificação efectuada aos terceiros devedores da penhora do crédito e da falta de declaração destes é havido como sentença judicial condenatória. Logo, a execução que é instaurada contra os executados com base nesse título executivo corre nos próprios autos da execução primitiva, tratando-se, aliás, de execução incidental e instrumental em relação à execução primitiva, estando dependente das vicissitudes que nesta aconteçam, de modo que a extinção, total ou parcial, da execução principal altera o objecto da execução incidental ou fá-la mesmo perder a sua utilidade, sem prejuízo das custas que fiquem em dívida[2].
Como assim, ainda que não se possa falar de cumulação sucessiva de execuções, na decisão recorrida, afastando-se do formalismo excessivo e das velhas praxis[3], perante a pretensão do exequente de que a presente execução prossiga contra os terceiros devedores, antes se impunha e justificava que a Srª Juiz a quo, que não está sujeita às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art. 5º/3 do CPC), por apelo ao Dever de Gestão Processual e Princípio da Adequação Formal – arts. 6º e 547º, ambos do CPC –, bem como ao Princípio da Economia Processual, providenciasse pelo prosseguimento da execução, verificando os pressupostos legais para que a presente execução prosseguisse também contra os terceiros devedores - os restantes herdeiros -, e caso entendesse que a execução devia prosseguir, proferisse despacho de citação dos executados para, no prazo de 20 dias, pagarem ou oporem-se à execução (cfr. nº 6 do art. 726º do CPC). Em alternativa, caso entendesse que o requerimento do exequente lhe oferecia dúvidas ou apresentasse irregularidades, deveria convidar o exequente a esclarecê-las ou suprir tais irregularidades do requerimento executivo.
Deste modo, ainda que com outros fundamentos, resta anular o despacho recorrido, devendo a Srª Juiz a quo aproveitar o requerimento executivo do exequente paraordenar a citação dos terceiros devedores, sem prejuízo, caso assim o venha a entender, de convidar o exequente a esclarecer ou suprir eventuais irregularidades de tal requerimento (executivo).
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6 – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo exequente LL, e consequentemente, revogar a decisão recorrida, dando-se prosseguimento aos autos em conformidade.
Sem custas.
Notifique.
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Guimarães, 21-11-2024
(José Cravo)
(Alcides Rodrigues)
(António Figueiredo de Almeida)
[1] Assim já o Ac. TRL de 14-03-1991, in Proc. 0045392, com sumário em www.dgsi.pt. [2] Neste sentido, cfr. Ac. da RE de 16-12-2021, in Proc. nº 3229/15.3T8LLE-A.E1, consultável em www.dgsi.pt. [3] Neste sentido, cfr. Ac. da RL de 22-06-2023, in Proc. nº 2232/14.5T8LSB.L1-2, consultável em www.dgsi.pt.