I - A contradição entre factos provados e não provados e a motivação ou a consideração de matéria de facto provada “sem sustentação probatória adequada” ou, ainda, a falta de motivação da decisão da matéria de facto, não constituem vícios da decisão susceptíveis de gerar nulidade, à luz do artigo 615º, nº1, do Código de Processo Civil.
II - Relativamente ao justo receio de perda da garantia patrimonial previsto no artigo 406º, nº 1, do CPC, e no artigo 619º do CC exige-se um juízo de probabilidade muito forte, não bastando qualquer receio que pode corresponder a um estado de espírito que derivou de uma apreciação ligeira da realidade, num exame precipitado das circunstâncias.
III - Por isso se entende que se verifica o justo receio de perda de garantia patrimonial quando o devedor adopte, ou tenha o propósito de adoptar, relativamente ao seu património conduta indiciada por factos concretos susceptíveis de fazer recear pela solvabilidade do devedor para satisfazer o direito do credor, sendo a ocultação de património, a alienação ou a expectativa de alienação ou de transferência de património sinais dos quais pode resultar o justo receio da perda da garantia patrimonial.
IV - A intenção de proceder à venda de um imóvel, por si só, sem conhecimento da situação patrimonial e económica do requerido não permite concluir que gerará uma situação de risco de garantia patrimonial do direito da Requerente; nem a constituição de empréstimo garantido por hipoteca, sem qualquer contexto factual, permite concluir no sentido da fragilidade económica do requerido.
Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relatora: Anabela Mendes Morais
Primeiro Adjunto: Desembargador Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais
Segundo Adjunto: Desembargador António Mendes Coelho
I_ Relatório
“A..., Lda.” intentou o procedimento cautelar de arresto contra “B..., Lda.”, AA, BB e CC, pedindo que seja decretado o arresto dos seguintes bens:
a. No que diz respeito à primeira requerida: contas bancárias, nomeadamente, junto do “Banco 1..., S.A.” e do “Banco 2...”, créditos públicos, até ao montante global em dívida) e veículos automóveis;
b. No que diz respeito aos restantes requeridos: contas bancárias, bens imóveis identificados na alínea b) e bens móveis que aí sejam encontrados, bem como veículos automóveis.
Alegou, em síntese, que:
_ A Requerente A... LDA. é uma sociedade dedicada à compra e venda de imóveis, projectos e investimentos imobiliários, bem como à construção, ampliação, reparação, transformação e restauro de edifícios, além da montagem de edifícios pré-fabricados.
2. A Requerida, B..., LDA., é uma sociedade cujo objecto social inclui a construção, reabilitação e reparação de edifícios, bem como a prestação de todos os serviços técnicos, no âmbito de Engenharia, Arquitetura e Design; foi constituída em 04 de Novembro de 2013, com o capital social de €5.000,00 (cinco mil euros), sendo os seus sócios DD e CC, exercendo o primeiro o cargo de gerente ao qual renunciou em 24 de Junho de 2014, data na qual a sede da sociedade foi alterada para o ..., na Rua ..., ... Maia, e nomeado BB gerente da sociedade B..., LDA. Em 19 de Fevereiro de 2020, foi feito um aumento do capital social de €28.000,00 (vinte e oito mil euros) para €33.000,00 (trinta e três mil), divido em duas quotas, sendo o sócio CC titular de uma quota no valor de €26.400,00 (vinte e seis mil e quatrocentos euros) e BB, titular de uma quota no valor de €6.600,00 (seis mil e seiscentos). Em 26 de Março de 2021, a sede da sociedade foi novamente alterada, passando a estar localizada na Rua ..., ... Vila do Conde, e AA ingressou na sociedade B..., LDA., ficando o capital social distribuído igualmente entre os três sócios, pertencendo a cada um deles a quota de €11.000,00. Em 30 de Abril de 2024, BB apresentou a sua renúncia ao cargo de gerente e houve uma alteração na estrutura societária, passando o capital social a ser distribuído entre dois sócios, AA, titular de uma quota no valor de €11.000,00, e C..., LDA., que passou a deter duas quotas, cada uma no valor de €11.000,00, sendo nomeado gerente EE.
_ No momento da celebração do contrato de empreitada e acordo compromissório, AA, BB e CC, eram sócios e gerentes da Requerida B..., LDA..
_ Em 2 de Agosto de 2021, a Requerente e os Requeridos celebraram um contrato de empreitada denominado por “Contrato De Empreitada Global De Trabalhos De Construção – Edifício ...”, mediante o qual a primeira, na qualidade de dona da obra, contratou a segunda, na qualidade de empreiteira, para coordenar e executar a construção de um edifício de habitação coletiva do tipo chave na mão - ..., localizado na Rua ..., freguesia .../..., em prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ..., com licença de obra em processo de licenciamento n.º... da Câmara Municipal .... O preço global da empreitada foi estipulado em €2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros), incluído o IVA à taxa legal, conforme previsto na 2.ª Cláusula.
_ De acordo com a 2.ª Cláusula do Contrato de Empreitada, a forma de pagamento foi estipulada com base nos preços especificados no Mapa de Acabamentos e de acordo com o auto de medição e avaliação da entidade bancária que financia a obra, bem como de acordo com todo o projecto aprovado pela Câmara Municipal ....
_ Ficou estipulado que “A obra deverá ser concluída até dia 30 de Dezembro de 2022, sendo o início dos trabalhos de vedação, demolição e preparação do imóvel para edificação, no dia 02 de Agosto de 2021.
– As partes estipularam uma cláusula penal, no contrato de empreita na alínea d) da 5.ª Cláusula, para o caso de atraso na conclusão da obra, fixando uma penalidade no valor de €55,00 (cinquenta e cinco euros) por cada dia de atraso.
_ Em 7 de Março de 2022, através de título em procedimento Casa Pronta de «Abertura de Crédito com Hipoteca e Fiança», celebrado no Posto de Atendimento da Conservatória do Registo Predial do Porto, a Mutuante Banco 3..., C.R.L., abriu um crédito a favor da Mutuária, A..., Lda., até ao montante de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros), pelo prazo de trinta e seis (36) meses, para ser utilizado por tranches durante o período de dezoito (18) meses a contar daquela data.
_ A Requerida não cumpriu o prazo de entrega previsto nos autos de medição referente ao 18.º (décimo oitavo) mês, tendo incorrido na penalidade constante da alínea d) da cláusula n.º 5 do Contrato de Empreitada, referente à cláusula penal.
_ A Requerida não entregou a obra na data prevista de 30 de Dezembro de 2022.
_ Como consequência do atraso na execução da obra foi posteriormente celebrado um ACORDO COMPROMISSÓRIO entre a Requerente e os Requeridos, no dia 27 de Fevereiro de 2023, no qual foi estabelecido, sem prejuízo do acerto de contas a realizar no futuro e das penalidades previstas no dito contrato de empreitada, que a Requerente efectuaria (e efetuou) o pagamento de 172.919,43€ (cento e setenta e dois mil, novecentos e dezanove euros e quarenta e três cêntimos), sendo 100.000,00€ (cem mil euros) pagos no dia 27 de Fevereiro 2023 e o restante valor de 72.919,43€ (setenta e dois mil, novecentos e dezanove euros e quarenta e três cêntimos) até dia 17 de Março de 2023, a título de adiantamento por conta do contrato de empreitada.
_ Na segunda tranche referente ao valor de 72.919,43€ (setenta e dois mil, novecentos e dezanove euros e quarenta e três cêntimos), a Requerente pagou um total de 117.817,38€ (cento e dezassete mil, oitocentos e dezassete euros e trinta e oito cêntimos), este montante extra foi destinado a cobrir verbas relativas a trabalhos cuja execução não foi efetivamente concluída.
_ Em contrapartida, os Requeridos comprometeram-se a concluir a obra referente ao Edifício ..., sito em ..., impreterivelmente, até dia 31 de Julho de 2023 (Cláusula n.º 2), estipulando que em caso de rescisão justificada por parte da Requerente, dona da obra, ou de incumprimento contratual por parte dos Requeridos, estes incorreriam imediatamente em responsabilidade pelo pagamento e devolução do valor pago a título de adiantamento.
_ Estipularam, ainda, as partes que, em caso de incumprimento da 2.º cláusula, por cada dia de atraso, a responsabilidade imediata pelo pagamento de €300,00 (trezentos euros), a título de cláusula penal. (Cláusula 3.ª).
_ A Requerida e os respetivos sócios e gerentes, à data, igualmente se responsabilizaram pelo cumprimento do prazo de entrega da obra, bem como, pela devolução do valor de 172.919,43€ (cento e setenta e dois mil, novecentos e dezanove euros e quarenta e três cêntimos) e, ainda, pela cláusula penal no valor de 300,00€ (trezentos euros), em caso de não entrega da obra na data prevista e por cada dia de atraso. (Cláusula 4.º)
_ Os Requeridos voltaram a incumprir o prazo estipulado, não tendo concluído a obra em 31 de Julho de 2023, nem posteriormente, encontrando-se a obra inacabada, no dia 29 de Agosto de 2023, com consideráveis percentagens de trabalho por executar e os executados apresentavam vários defeitos, anomalias e desconformidades.
_ Os Requeridos, alegando dificuldades financeiras, solicitaram várias vezes à Requerente que concedesse mais tempo para a conclusão da obra, prometendo que a finalização ocorreria em breve, o que foi sendo aceite pela Requerente, considerando que a contratação de um novo empreiteiro implicaria
custos acrescidos e, por, ingenuamente acreditar que os Requeridos iriam terminar mês após mês, a aludida obra.
_ No entanto, face às sucessivas interpelações e reuniões, verbais e escritas, por parte dos promitentes-compradores, com a ameaça de rescisão dos contratos promessa de compra e venda celebrados, a Requerente não viu outra alternativa se não fosse fixar um último prazo certo.
_ No dia 30 de Abril de 2024, cerca de 9 (nove) meses após a nova data prevista de conclusão e entrega da obra, a Requerente, em virtude da prolongada situação de mora, interpelou a Requerida, concedendo-lhe um novo e último prazo até ao dia 10 de Maio de 2024 para concluir a empreitada, prazo suficiente e idóneo para a conclusão da obra, desde que todos os subempreiteiros realizassem os seus trabalhos com reforço de meios e materiais, o que, até então, não aconteceu.
_ A Requerente salientou, na mesma interpelação, que após o dia 10 de Maio de 2024, o contrato de empreitada encontrar-se-ia definitivamente incumprido por culpa imputada à Requerida, tendo a rescisão efectivamente ocorrido, uma vez que esta não entregou a obra cuja conclusão estava inicialmente prevista para o dia 30 de Dezembro de 2022, nem tão pouco na nova data fixada de 31 de Julho de 2023.
_ Os Requeridos não cumpriram com o compromisso assumido, nem sequer se dignaram a responder à referida interpelação, tendo, ao invés, abandonado a obra. Desde, pelo menos, Fevereiro de 2024, a Requerida não tinha trabalhadores ou subempreiteiros a trabalhar na obra como era suposto.
- Tal incumprimento e mora acarretaram inúmeros prejuízos à Requerente, tanto financeiros quanto em termos de confiança e credibilidade no mercado.
_ A Requerente celebrou 16 (dezasseis) contratos de promessa de compra e venda, com a previsibilidade da entrega dos imóveis, em consonância com as datas acordadas para a conclusão da empreitada. O facto de a obra não estar concluída colocou em causa os supramencionados contratos de promessa de compra e venda realizados, com possibilidade de eventuais rescisões e devoluções de
Sinal que não ocorreram devido a muita negociação e cedências por parte da Requerente, nomeadamente, ofertas de acabamentos e electrodomésticos não contemplados aquando da celebração dos contratos de promessa de compra e venda.
_ Contudo, não se pode dizer o mesmo quanto à credibilidade e confiança da Requerente no mercado: a cerca de 200 metros do Edifício adjudicado à Requerida (Edifício ... – I), foi iniciada a construção do empreendimento...; por uma questão de visitas e de maior visibilidade daquilo que seria o empreendimento Edifício ..., os interessados dirigiam-se ao Edifício I e trocavam informações, nomeadamente quanto ao longo atraso do empreendimento Edifício I, o que claramente fazia ressentir os interessados compradores no empreendimento Edifício ... e que se reflectiu em dificuldades nas vendas do Edifício....
_ Face à não entrega da obra por parte da Requerida, aliás abandono, houve necessidade por parte da Requerente de contratar novo empreiteiro para finalizar a obra, bem como, para reparar defeitos e anomalias reportados, o que fez a 27 de Maio de 2024, tendo contratado a empreiteira D..., Unipessoal Lda. que iniciou os trabalhos a 1 de Junho de 2024, tendo sido a obra concluída e reparada a 30 de Junho de 2024.
_ Devido ao atraso na execução da obra, a entidade financiadora – Banco 3... - procedeu a um aditamento no contrato com a Requerente, reduzindo o montante global do valor do crédito. Em 18 de Junho de 2024, o montante global do crédito utilizado pelo Requerente e que se encontrava em dívida, era de um 1.931.200,00€ (um milhão novecentos e trinta mil e duzentos euros). O referido crédito utilizado e não reembolsado, terá de ser integralmente liquidado até 05 de Março de 2025. O reembolso em causa só será possível com a realização das escrituras que não avançam, pois, são necessários documentos que se encontram na posse dos Requeridos, documentos esses que os Requeridos se recusam a entregar.
_ O financiamento bancário contraído, enquanto todas as escrituras não se realizam, mantém-se em vigor e encontra-se a vencer juros, calculados no valor médio de €9.272,39 (nove mil, duzentos e setenta e dois e trinta e nove cêntimos), valor cuja responsabilidade é única e exclusivamente da Requerida e dos seus sócios e gerentes.
_ Estes prejuízos só cessarão quando a Requerente obtiver os documentos supra referenciados e concluir as escrituras e assim, amortizar o financiamento bancário.
_ Relativamente aos danos, invoca:
(a) Inicialmente, a entrega da obra estava prevista para 30 de Dezembro de 2022. A cláusula penal decorrente do contrato de empreitada fixava o valor de €55,00 (cinquenta e cinco euros) por cada dia de atraso. De 30 de Dezembro de 2022 até ao momento, dia 6 de Setembro de 2024, decorreram 616 dias, resultando num total de €33.880.00 (trinta e três mil, oitocentos e oitenta euros), a título de cláusula penal por incumprimento do contrato de empreitada, sem prejuízo da devida atualização.
(b) Por consequência do incumprimento da conclusão da obra, a Requerente e a Requerida celebraram um acordo compromissório com nova data de entrega, no dia 27 de Fevereiro de 2023. Do mesmo modo, conforme estipulado no Acordo Compromissório, a não entrega da obra na data prevista, ou seja, no dia 31 de Julho de 2023, implicaria a devolução do adiantamento feito por conta do contrato de empreitada, no valor de €172.919,43 (cento e setenta e dois mil, novecentos e dezanove euros e quarenta e três cêntimos). Além disso, implicaria o pagamento da cláusula penal acordada, no valor de €300,00 (trezentos euros) por cada dia de atraso. Desde 31 de Julho de 2023 até ao presente momento, dia 6 de Setembro de 2024, contabiliza-se 403 dias, o que corresponde ao valor total (403 dias x 300 euros) de € 120.900,00 (cento e vinte mil e novecentos euros), por incumprimento do acordo celebrado com todos os Requeridos, sem prejuízo da devida atualização consoante os juros vencidos e vincendos.
(c) O pagamento de juros bancários pela Requerente, no valor de €120.541,10 (cento e vinte mil, quinhentos e quarenta e um euros e dez cêntimos), deve-se única e exclusivamente aos Requeridos pois, se não fosse o atraso na execução da obra e, aliás abandono da obra e não entrega da mesma, a Requerente não estaria nesta situação.
(d) O valor despendido no novo contrato de empreitada, orçamentado no valor de 200.770,00€ junto da D..., Unipessoal, Lda., constitui um prejuízo adicional para a Requerente, que teve de contratar uma nova empresa para concluir a obra e eliminar defeitos, anomalias e desconformidades devido ao incumprimento da Requerida.
_ A Requerida está constituída em mora, desde 30 de Dezembro de 2022 até ao presente momento, uma vez que, por causa à mesma imputável, a prestação, embora possível, não foi efetuada no tempo devido, o que obriga esta a reparar os danos à Requerente, por incumprimento do contrato de empreitada.
_ Conclui que é titular de um direito de crédito sobre a Requerida no montante global de €649.010,53 (seiscentos e quarenta e nove mil, dez euros e cinquenta e três cêntimos), como consequência do incumprimento do contrato de empreitada.
_ A título de danos não patrimoniais, a Requerente sofreu prejuízos consideráveis no que diz respeito à sua imagem e credibilidade, que foram seriamente postas em causa no mercado. A desconfiança gerada afectou a sua reputação perante parceiros comerciais e clientes, resultando numa perda significativa de oportunidades de negócios. Conclui que em razão desses danos não patrimoniais, deve a Requerente ser indemnizado no valor total de €20.000,00 (vinte mil euros), de modo a compensar/amenizar adequadamente o impacto negativo sofrido.
Para fundamentar o fundado receio de perda da garantia patrimonial, alega que.
_Face aos avultados prejuízos sofridos pela Requerente e às dificuldades económicas que são conhecidas à Requerida, enquanto devedora, existe um fundado receio de perda da garantia patrimonial. O capital social da Requerida é de 33.000,00€ (trinta e três mil euros), o que é manifestamente insuficiente para cobrir os prejuízos financeiros enfrentados pela Requerente, estimados em €649.010,53 (seiscentos e quarenta e nove mil, dez euros e cinquenta e três cêntimos). Esta insuficiência de capital social evidencia a incapacidade da Requerida para cobrir os débitos e obrigações decorrentes do incumprimento contratual, exacerbando o risco de insolvência.
_ A Requerente tem conhecimento, através de declarações da própria Requerida, de que esta atravessa um período prolongado de dificuldades económicas, sendo certo que no início do presente ano, os Requeridos pretenderam solicitar um PEAP, tendo em conta que o seu passivo era superior ao seu activo, sendo os Requeridos devedores de mais de €160.000,00 mil euros (cento e sessenta mil euros) aos subempreiteiros, remetendo para o documento n.º 27 junto com o requerimento inicial.
_ Face aos sucessivos incumprimentos, a Requerente tem um justificado receio de que a situação financeira da Requerida se tenha deteriorado drasticamente:
_ Tomou conhecimento, através de informações do mercado em que opera que os valores pagos à Requerida nos termos do contrato de empreitada foram utilizados para saldar dívidas, com fornecedores de outras obras executadas pela Requerida.
_ Verifica-se nos autos de medição mensais, que os pagamentos foram efectuados integralmente pela Requerente, no entanto, os fornecedores, cujas facturas deveriam ter sido quitadas com esses valores, estão agora a reclamar os montantes correspondentes, evidenciando uma gestão inadequada e um desvio de verbas por parte da Requerida da obra da Requerente, remetendo para o documento n.º28.
_ A Requerente pagou à Requerida um montante superior ao valor total dos trabalhos efetivamente realizados, relativamente ao pagamento do valor de 117.817,38€ (cento e dezassete mil, oitocentos e dezassete euros e trinta e oito cêntimos), excedendo o valor da segunda tranche de 72.919,43€ (setenta e dois mil, novecentos e dezanove euros e quarenta e três cêntimos). Estes pagamentos não correspondem à execução real dos trabalhos contratados. A Requerente pagou mais do que o custo dos trabalhos efetivamente realizados, considerando as discrepâncias e desconformidades encontradas na execução dos mesmos.
_ A Requerida afirmou por várias vezes que determinados trabalhos haviam sido concluídos, a título de exemplo, como a instalação de ar condicionado. No entanto, na prática, o material estava apenas presente na obra, sem ter sido efetivamente instalado, o que significa que o trabalho não foi concluído. Devido a essas declarações incorretas sobre a execução dos trabalhos, surgiram incongruências nos autos, onde foram registados trabalhos executados, mas, na realidade, não estavam concluídos.
_ Durante o prazo de execução concedido, a Requerida esteve envolvida em dois processos de insolvência requeridos por fornecedores, bem como em várias execuções movidas por subempreiteiros cujos serviços prestados não foram devidamente remunerados, agravando ainda mais a sua situação financeira, remetendo para a análise dos processos judiciais em curso e concluindo que, apenas no ano de 2024, a Requerida é interveniente em dezassete (17) ações judiciais, nas quais figura como executada, ré ou devedora, sendo que o montante global dessas acções ascende a €123.974,35 (cento e vinte e três mil, novecentos e setenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos), evidenciando de forma inequívoca o grau de endividamento e o passivo acumulado da Requerida, o que comprova o seu estado de pré-insolvência.
_ A Requerente tem conhecimento de que os Requeridos têm deliberadamente iniciado atos de dissipação de património, nomeadamente através da venda de materiais de construção – andaimes, empilhadores, utensílios e ferramentas a outros empreiteiros, em clara tentativa de desviar activos da empresa.
_ Apurou-se e consta-se que os Requeridos estão a proceder à tentativa de venda das suas habitações e à transferência de bens móveis e imóveis para terceiros, incluindo familiares, o que sugere uma tentativa flagrante de ocultação de património, com o objetivo de inviabilizar futuras penhoras e execuções judiciais, encontrando-se a anunciar nos portais imobiliários a venda dos seus imóveis, infra identificados. (cf. Documento n.º 30, 31 e 32).
_ A conduta dos Requeridos vai ainda mais além, pois têm procedido ao despedimento de trabalhadores, justificando tal medida com o alegado encerramento da empresa, o que não só reflete a sua falta de liquidez, como também demonstra a clara intenção de encerrar a actividade empresarial de forma definitiva.
_ Os próprios trabalhadores e encarregado Sr. FF vem propalando que se preparam para encerrar a empresa e não pagar aos fornecedores.
_ Ao que se consta também, como resultado desses despedimentos, a Requerida não dispõe atualmente de mão-de-obra para a execução das obras públicas que lhe foram adjudicadas, levando ao
incumprimento reiterado dos prazos contratuais previamente estabelecidos, agravando a sua posição perante os adjudicantes e comprometendo a sua credibilidade no mercado.
_ A Requerida dedica-se também a construção e reabilitação de obras de natureza pública, constando que não se encontra a concluir em termos de prazos contratuais e, daí resultarão multas que irão ser impostas no âmbito do Código dos Contratos Públicos.
_Os Requeridos encontram-se numa frágil situação económica, sendo o seu passivo muito superior ao activo. O Requerido CC constituiu recentemente, concretamente no dia 29/07/2024, uma hipoteca voluntária sobre a sua habitação própria em favor da Banco 4..., no montante de €110.823,33 (cento e dez mil, oitocentos e vinte e três euros e trinta e três cêntimos). Este acto evidencia claramente a fragilidade da situação económica do Requerido e a necessidade de recorrer e de garantir financiamento adicional para enfrentar a crise financeira que aqui se demonstra. Os Requeridos BB e AA encontram-se igualmente onerados com hipotecas voluntárias constituídas a favor de instituições bancárias, agravando ainda mais a sua já precária situação financeira.
_ A prática de alienação de bens e a transferência de património para terceiros configura uma tentativa deliberada de frustração dos direitos dos credores, incluindo a Requerente, o que coloca em causa a satisfação do crédito da Requerente, que se encontra seriamente comprometida.
_ A conduta dos Requeridos revela uma gestão dolosa e fraudulenta dos bens da empresa, reforçando o fundado receio de que, caso não sejam adotadas medidas preventivas, o crédito da Requerente seja irremediavelmente frustrado, dada a evidente dissipação do património da sociedade.
_ Os Requeridos têm-se mostrado indisponíveis, não respondendo a pedidos de reuniões ou qualquer outro tipo de contacto, demonstrando uma falta de comunicação, não atendendo telefonemas ou respondendo a e-mails, o que compromete ainda mais a resolução das questões em causa.
_ Observa-se uma significativa alteração societária na B..., LDA., decorrente da cessação das funções dos sócios BB e CC em Abril de 2024 e, simultaneamente, a aquisição pela C... LDA., recém-sócia da B..., das quotas anteriormente pertencentes aos referidos sócios CC e BB, passando a deter uma participação de €22.000,00 (vinte e dois mil euros) no capital social da empresa.
_ Formalmente constituída em 18 de Julho de 2023, a C... LDA. tem o capital social modesto de €1.000,00 (mil euros) e a sua estrutura societária é composta por EE e GG, cada um detendo uma quota no valor de €500,00 (quinhentos euros). EE ocupa também a posição de gerente na B..., LDA., residindo no mesmo endereço da sede da C..., LDA. HH, cônjuge de GG (sócia da C... LDA.), é colaborador na B..., LDA. Conclui que a cessão de quotas à C... LDA., realizada em Abril de 2024, apresenta-se claramente como uma operação meramente fictícia, tendo como principal objetivo criar a ilusão de uma transformação na estrutura societária da B..., LDA., sem, no entanto, implicar uma mudança efetiva no controlo da empresa. A proximidade entre as partes envolvidos sugere que a C... LDA. não passa de uma fachada, um instrumento criado para mascarar a verdadeira natureza da reestruturação. Esta estratégia revela-se uma tentativa de afastar as responsabilidades financeiras e melhorar a imagem da B..., LDA. perante credores e fornecedores que já tinham começado a recusar linhas de crédito devido à deterioração da sua reputação financeira.
_ A Requerida não dispõe de acesso a crédito bancário, seja por meio de contas correntes caucionadas, contratos de confirming ou seguros de caução. Apesar de utilizar o serviço de confirming para otimizar a gestão dos pagamentos aos fornecedores, tal prática revela-se insuficiente para assegurar crédito adicional.
_ O valor do imobilizado da empresa é notavelmente reduzido, estimado em cerca de €50.000,00 (cinquenta mil euros), evidenciando uma base de activos físicos extremamente limitada.
_ A C... LDA. funciona como uma "testa de ferro", sendo utilizada para proteger os verdadeiros gestores e responsáveis pelas obrigações da B..., LDA., desviando a atenção dos credores. Através desta operação, procuram continuar as actividades da empresa sob uma nova fachada, enquanto evitam as consequências das dívidas acumuladas e das obrigações legais por cumprir. Este estratagema configura uma clara tentativa de evasão de responsabilidades, comprometendo não só os direitos dos credores como a integridade do mercado. A C... LDA., neste contexto, surge como uma peça central numa manobra cuidadosamente delineada para proteger os ativos da B..., LDA. e evitar a aplicação de sanções jurídicas e financeiras, bem como, para afastar a Responsabilidade dos aqui Requeridos.
Concluiu, assim, que é titular de um crédito no montante global de €669.010,53 (seiscentos e sessenta e nove mil, dez euros e cinquenta e três cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, por incumprimento do contrato de empreitada e do acordo compromissório.
Requereu, ainda, que a providência seja decretada sem a audiência dos Requeridos para não comprometer a sua finalidade e a inversão do contencioso.
I.1_ Proferido despacho em 12/9/2024, foi indeferida a requerida inversão do contencioso e designada data para produção de prova.
I.2_ Realizada a produção da prova, foi proferida decisão, constando do dispositivo:
“Nestes termos, julgo a providência cautelar de arresto improcedente e, em consequência, absolvo os requeridos do pedido formulado.
Custas pela requerente.
Valor do procedimento cautelar: 669.010,53 euros (art. 304º, n.º 2, alínea e), do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”.
I.3_ Inconformada a Requerente interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. O presente recurso é interposto da douta Decisão proferida nos autos (Ref.ª 4563652138, de 23/09/2024), nos termos da qual o Dign.º Tribunal “a quo” entendeu julgar improcedente a providência cautelar de arresto e, em consequência absolveu os Requeridos do pedido formulado.
B. Assim, em primeira linha,
C. Importa salientar que, é humilde entendimento da aqui Recorrente, que há contradição insanável da fundamentação quando, sendo feito um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva a uma decisão contrária àquela que foi tomada e entre os factos provados e não provados se contradigam entre si ou se excluam mutuamente.
D. Salvo o devido respeito, verifica-se este vício quando, na fundamentação da douta sentença recorrida, e a respeito da responsabilidade subsidiária dos Requeridos a Merit.ª Juíza a quo deu como provado “a requerida "B..., Lda." e BB, CC e AA "adiante designada apenas por «Segunda Contratante» (ou «Empreiteiro»); por si e na qualidade de legais representantes da sociedade", a 27 de Fevereiro de 2023, celebraram um acordo denominado "Acordo Compromissório", mas, ao mesmo tempo, não considera como provado a existência de um crédito relativamente aos Requeridos.
E. Do que, com a devida vénia, se conclui então que há contradição insanável entre a fundamentação e a decisão de facto, o que, por conseguinte, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, determina a nulidade da douta sentença aqui recorrida, por contradição entre os fundamentos e a decisão contemplada.
F. Com efeito, apraz desde já salientar que, a aqui Recorrente não se pode conformar com a douta sentença em crise, e isto porque, desde logo, a mesma se baseia em pressupostos factuais que carecem de sustentação probatória adequada, desconsiderando elementos cruciais que demonstram a existência de um justificado receio de perda da garantia patrimonial.
G. Em suma, não resta senão concluir que se encontra a sentença em crise inquinada de nulidade, por contradição entre a decisão de facto e a motivação, bem como, por ter julgado erroneamente de acordo com a prova junta e produzida em audiência, por se terem verificado os pressupostos para o decretamento da providência cautelar de arresto.
Sem prejuízo de tudo quanto supra exposto,
H. Com efeito, entende a ora Apelante ter sido incorretamente julgada a factualidade constante da matéria provada sob o ponto 33º e 91.º (referente à responsabilidade dos Requeridos).
I. E, ainda, entende também por incorretamente julgada a factualidade vertida nos pontos 124.º a 128.º da decisão proferida, a qual, deveria ter sido considerada provada, e, por isso, impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, havendo que reapreciar a prova produzida nos autos.,
J. Porquanto, salvo a devida vénia, que é sempre muita pela Merit.ª Juíza “a quo”, sempre se entende que a mesma não avaliou criticamente a prova documental e testemunhal produzida em julgamento.
K. Designadamente, a versão da aqui Recorrente no sentido de que, os Requeridos assumiram responsabilidade pessoal no Acordo Compromissório, e que tanto a Requerida quanto os Requeridos têm adotado diversas medidas com o intuito de frustrar o crédito da Recorrente.
L. Resulta, pois, que o Dign.º Tribunal “a quo”, relativamente a esta matéria descurou a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, mormente, da prova testemunhal, conjugada com a prova documental, sendo que, ao invés do decidido, deveria ter dado como provada a factualidade vertida no requerimento inicial e, como tal, refletida na matéria de facto provada.
M. Isto porque, estamos em crer, que com base na prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, coadjuvada pela prova documental presente nos autos, se revelava adequado que o Dign.º Tribunal “a quo” desse como provados os factos supracitados naqueles precisos termos, já que resultou com absoluta veracidade a confirmação de tudo quanto havia sido alegado pela Requerente, ora Apelante, nos autos para fundamentar a procedência do petitório por si deduzido.
N. De modo que, em suma, da prova testemunhal produzida, mormente do depoimento das testemunhas supra indicadas e cujas passagens da gravação se indicam e aqui tem por reproduzidas, em conjugação com a prova documental constante dos autos, sempre resulta patente a veracidade de tudo o alegado pela Requerente.
O. Donde, no modesto entender da aqui Recorrente, conclui-se que o Digníssimo Tribunal “a quo” não ponderou devidamente a matéria de facto que lhe foi apresentada, tendo, por isso, feito uma incorreta valoração dos meios de prova que lhe foram apresentados.
P. Donde, atenta a alteração que deverá ocorrer na decisão a proferir sobre a matéria factual, sempre será de concluir pela procedência da providência cautelar de arresto da aqui Requerente, com todas as consequências legais daí advenientes. Outrossim, sem prescindir.
Q. Ainda sem conceder de tudo quanto supra exposto, vem ainda a aqui Apelante, inconformada com a douta decisão proferida pelo Dign.º Tribunal “a quo”, interpor o presente recurso, por entender que a douta Decisão recorrida padece de uma clara e inequívoca errónea interpretação jurídica dos factos que considerou como não provados, e como tal, não poderá aquela Decisão manter-se, isto porque, na modesta opinião da aqui Apelante, o Dign.º Tribunal incorreu em errada aplicação, ao caso concreto, do disposto no artigo 391.º do CPC, entendendo haver fundamento bastante para que a referida providência cautelar de arresto tivesse sido ordenada, antes, ora se impondo o seu decretamento.
R. Com efeito, não podemos deixar de salientar que, nos termos daquela disposição, são dois os requisitos essenciais do decretamento daquela providência: um direito de crédito, e, o justificado receio de perda de garantia patrimonial.
S. Isto é, o Requerente da providência cautelar deve alegar e provar, ainda que indiciariamente, que é detentor de um determinado crédito, e que receia a perda da sua garantia patrimonial.
T. Quanto ao direito de crédito, como vimos supra, sempre se entende que o mesmo existe relativamente à Requerida e aos Requeridos, conforme prova documental junta, a qual menciona a qualidade dos Requeridos como 2.º Outorgantes “por si e na qualidade de representantes legais”.
U. No que toca ao receio de perda de garantia patrimonial o mesmo foi concretizado pela Requerente: 17 processos judiciais nos quais configuram como executados/devedores, incumprimento do contrato de empreitada e do acordo compromissório, alterações societárias e subsequentes renúncias de dois dos três sócios, alienação de bens imóveis, despedimentos e iminência de insolvência.
V. Assim, salvo o devido respeito, parece-nos que mal andou o Dign.º Tribunal “a quo”, ao ter desconsiderado por completo tais atos – que demonstram de forma certa, segura e inequívoca o fundado receio de perda da garantia patrimonial.
W. Por se entenderem preenchidos os pressupostos para o decretamento da providência de arresto, nos termos do artigo 391.º do CPC.
X. Sendo certo que, toda a jurisprudência e doutrina é unanime em considerar que, em sede de procedimento cautelar, a prova a produzir é meramente indiciária dos factos relevantes, não carecendo de ser certa, segura e inequívoca.
Y. Porém, não foi este o critério seguido pelo Distinto Tribunal, que exigiu da prova aquele caracter de certeza que está ausente da providencia, e caracteriza a ação definitiva.
Z. Não se justificando, assim, o não decretamento da presente providência cautelar, antes, ora se impondo a sua decretação.”.
I.4_ Por despacho de 15/10/2024, foi admitido o recurso, nos termos legais e os autos correram vistos, nada se observando que obste ao conhecimento da apelação.
Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº. 4, e 639º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Assim, perante as conclusões apresentadas pelos Recorrentes, importa apreciar as seguintes questões:
i. Nulidade da decisão, com fundamento no artigo 615.º n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
ii. Impugnação da decisão da matéria de facto tendo por referência os seguintes pontos:
ii.a. Pontos 33º[1] e 91º[2] do requerimento inicial, na parte respeitante à responsabilidade dos Requeridos): deve ser considerada provada.
ii.b. Pontos 124º[3], 125º[4], 126º[5], 127º[6] e 128º[7] do requerimento inicial: deve ser considerada provada a factualidade vertida nesses pontos.
iii. Da verificação dos pressupostos para o decretamento do arresto.
Pelo Tribunal a quo foram considerados “indiciariamente provados os seguintes factos:
a) A requerente “A..., Lda.”, constituída a 6 de Outubro de 2003, está matriculada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º ..., 2º direito, traseiras, sala ..., freguesia ... e ..., Vila Nova de Gaia, tendo como objecto a compra e venda de imóveis, projectos e investimentos imobiliários, construção, ampliação, reparação, transformação e restauro de edifícios, assim como a montagem de edifícios pré-fabricados;
b) A requerida “B..., Lda.” está matriculada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ..., com sede na Rua ..., freguesia ... e ..., concelho de Vila do Conde, tendo como objecto a construção, reabilitação, remodelação e outros serviços em edifícios, prestação de todos os serviços técnicos no âmbito de engenharia, arquitectura e design, serviços de consultoria fiscal, jurídica, urbanismo, avaliação de imóveis, gestão de negócios e comércio, importação e exportação de serviços e mercadorias, representação de matérias de construção civil e outros, com o capital de 33.000,00 euros, sendo gerente EE;
c) Foi constituída a 4 de Novembro de 2013, com sede na Rua ..., sala ..., Matosinhos, com o capital de 5.000,00 euros, tendo como sócios DD e CC, exercendo o primeiro a gerência;
d) Através da inscrição com a ap. ..., de 16 de Junho de 2014, mostra-se registada a cessação de funções de gerente de DD, por renúncia;
e) Através da inscrição com a ap. ..., de 16 de Junho de 2014, mostra-se registada a alteração da sede para “...”, Rua ..., n.º ..., ..., Maia, e a designação de BB como gerente;
f) O sócio DD transmitiu a sua quota a favor do sócio CC e de BB;
g) Através da inscrição com a ap. ..., de 31 de Janeiro de 2020, mostra-se registado um aumento de capital de 28.000,00 euros, passando o capital a ser de 33.000,00 euros, dividido em duas quotas, uma no valor nominal de 26.400,00 euros, titulada pelo sócio CC e a outra no valor nominal de 6.600,00 euros, titulada pelo sócio BB;
h) Através da inscrição com a ap. ..., de 17 de Março de 2021, mostra-se registada a alteração da sede para a Rua ..., ... e ..., Vila do Conde;
i) Naquela data a requerida passou a ter como sócios CC, BB e AA, cada um titular de uma quota no valor nominal de 11.000,00 euros;
j) Através da inscrição com a ap. ..., de 12 de Abril de 2024, mostra-se registada a cessação de funções de gerente de BB, por renúncia;
k) Na mesma data foi registada alteração ao contrato de sociedade, passando a ser sócios AA, titular de uma quota no valor nominal de 11.000,00 euros, e “C..., Lda.”, titular de duas quotas no valor nominal de 11.000,00 euros cada uma, antes tituladas por CC e BB;
l) Ainda na mesma data (ap. n.º 1), foi registada a designação de EE como gerente;
m) A sociedade comercial “C..., Lda.” foi constituída a 18 de Julho de 2023, com sede na Avenida ..., ..., ..., Penafiel, com o capital de 1.000,00 euros, dividido em duas quotas, no valor nominal de 500,00 euros cada, uma titulada por EE e outra titulada por GG, exercendo o primeiro a gerência;
n) A 2 de Agosto de 2021, a requerente e a requerida celebraram o acordo junto com o requerimento inicial como documento n.º 9, denominado “Acordo de Empreitada Global de Trabalhos de Construção – Edifício ...”, nos termos e condições que aqui se dão por reproduzidos;
o) A requerente, na qualidade de dona da obra, contratou a requerida, na qualidade de empreiteira, para coordenar e executar a construção de um edifício de habitação coletiva do tipo chave na mão - ..., localizado na Rua ..., freguesia .../..., em prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., com o número ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ..., com licença de obra em processo de licenciamento n.º ... da Câmara Municipal ..., nos termos e condições constante do documento n.º 9 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido, denominado “Contrato de Empreitada Global de Trabalhos de Construção”;
p) A adjudicação à requerida dos trabalhos de edificação e execução refere-se a um prédio composto por 1 cave, rés-do-chão, 2 andares e recuado, sendo as caves para aparcamento automóvel, rés-do-chão, 2 andares e o recuado destinados a habitação, totalizando 20 unidades habitacionais;
q) O preço global da empreitada foi estipulado em €2.500.000,00, incluído o IVA à taxa legal, conforme previsto na 2.ª Cláusula, ponto 2;
r) Quanto ao prazo de execução da obra, prevê a 4.ª Cláusula o seguinte: “A obra deverá ser concluída até dia 30 de Dezembro de 2022, sendo certo que o início dos trabalhos de vedação, demolição e preparação do imóvel para edificação, serão efectuados no dia 02 de agosto de 2021”;
s) Nos termos da 5ª da Cláusula, ponto 1, “O pagamento será efectuado com base nos preços que relativamente ao fornecimento de materiais e à montagem se encontram especificados no Anexo I (…), e de acordo com o auto de medição e avalização da entidade bancária que irá financiar a obra, bem como de acordo com todo o projecto aprovado pela Câmara Municipal ..., que originou a emissão da licença de obras e suas alterações, a qual é do conhecimento da Segunda Outorgante (…)”;
t) A 5ª Cláusula, ponto 2, alínea d), estipula o seguinte: “Se existir atraso na conclusão da obra, a Segunda Contratante liquidará 55€ por cada dia de atraso, assumindo ainda todas as responsabilidades patrimoniais e não patrimoniais, os custos e/ou encargos que venham a existir e a ser exigidos à Primeira Outorgante pelos promitentes compradores de cada fracção autónoma.”;
u) A 5ª Cláusula, ponto 2, alínea e), estipula o seguinte: “Os pagamentos serão efectuados após verificação da boa qualidade dos trabalhos executados, sem defeitos ou imperfeições, de acordo com o caderno de encargos e memória descritiva que fazem parte integrante deste contrato”, acrescentando a alínea f) que “Existindo desacordo quanto ao valor do auto de medição e respectivo pagamento, entre a Primeira e a Segunda Outorgantes, somente será liquidado o valor referente ao auto de medição efectuado e aprovado pela entidade bancária”;
v) De acordo com o plano de pagamentos e cronograma financeiro elaborado pela requerida, o valor total da empreitada estaria dividido por 18 meses;
w) A 15 de Dezembro de 2021, a Banco 3..., C.R.L. comunicou à requerente a aprovação da proposta de crédito no montante de € 2.000.000,00, pelo prazo de 36 meses, ser utilizado por tranches durante o período de 18 meses, nos termos constantes do documento n.º 14 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
x) Através da inscrição com a ap. ..., de 7 de Março de 2022, mostra-se registada sobre o prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., com o número ..., hipoteca voluntária a favor da “Banco 3..., CRL”, para garantia de empréstimo, sob a forma de abertura de crédito, capital de 2.000.000,00 euros, juro anual de 10%, capitalizáveis, acrescida, em caso de mora, da sobretaxa de 3%, despesas de 80.000,00 euros, montante máximo assegurado de 2.860.000,00 euros;
y) A requerida não entregou a obra na data prevista de 30 de Dezembro de 2022;
z) Na sequência de tal facto, a requerente, designada por “Primeira Contratante” ou “Dono da Obra”, a requerida “B..., Lda.” e BB, CC e AA “adiante designada apenas por «Segunda Contratante» (ou «Empreiteiro»); por si e na qualidade de legais representantes da sociedade”, a 27 de Fevereiro de 2023, celebraram um acordo denominado “Acordo Compromissório”, junto com o requerimento inicial como documento n.º 15, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
aa) Em tal acordo, na parte dos “Pressupostos”, na alínea b), lê-se o seguinte: “Considerando que, na presente data, o edifício se encontra, ainda, em execução dos trabalhos adjudicados”;
bb) Na alínea c) lê-se o seguinte: “Considerando que, na presente data, e sem prejuízo do acerto de contas a realizar no futuro, a aqui Primeira Outorgante efectua o pagamento da quantia de €172.919,43 (…), por conta da obra identificada”;
cc) A 1ª cláusula tem o seguinte teor:
“§1 – Pelo presente Acordo a Primeira Contratante, na qualidade de dono da obra, efectua o pagamento da quantia de €172.919,43 (…), através de transferência bancária para o IBAN (…), dos quais €100.000,00 ao dia 27-02-2023 e os restantes €72.919,43 até ao dia 17 de março de 2023, por conta do contrato de empreitada e adiantamento celebrado com a Segunda Contratante, referente à execução do denominado Edifício ..., sito em ...;
§2 – O pagamento supre mencionado, efectuado na presente data, entrará em regra de contas a realizar, futuramente, tendo por referência adjudicações e adiantamento na empreitada do prédio de ...”;
dd) A requerente procedeu ao pagamento da quantia de 100.000,00 euros, por transferência bancária, e emitiu à ordem da requerida o cheque n.º ..., datado de 17 de Março de 2023, no valor de 117.817,38 euros, sacado sobre a “Banco 3...”, debitado a 20 de Março de 2023;
ee) A 2ª cláusula do referido acordo tem o seguinte teor: “Como contrapartida de tal pagamento, a aqui Segunda Outorgante, compromete-se a concluir a obra referente ao Edifício ..., sito em ..., impreterivelmente, até ao dia 31 de Julho de 2023”;
ff) A 3ª cláusula tem o seguinte teor: “Em caso de incumprimento do prazo estipulado na Cláusula 2ª para conclusão da obra, e por cada dia de atraso na entrega da obra, decorre imediatamente a responsabilidade da Segunda Outorgante pelo pagamento do valor diário de €300,00 (…), a título de cláusula penal”;
gg) Na 4ª cláusula prevê-se o seguinte: “Em caso de eventual rescisão justificada por parte da Primeira Outorgante ou incumprimento contratual por parte da Segunda Outorgante, decorre imediatamente a responsabilidade da aqui Segunda Outorgante pelo pagamento e devolução do valor pago a título de adiantamento à Primeira Outorgante”;
hh) No denominado “Acordo Compromissório” pode, ainda, ler-se o seguinte: “Como contrapartida deste acordo, o primeiro contraente adjudica ao segundo contraente a obra denominada ..., para qual, o segundo contratante já deu preço de acordo com email datado de 3 de Agosto de 2022, com o valor total sem IVA de 2.110.807,54€, condicionado directamente ao facto de a Segunda Outorgante entregar a obra no prazo e termos referidos na cláusula 2ª”;
ii) A 31 de Julho de 2023 a obra não estava concluída, o mesmo se verificando a 29 de Agosto do mesmo ano;
jj) Após tais datas, tiveram lugar reuniões e contactos tendo em vista a conclusão da obra;
kk) A 30 de Abril de 2024 a requerente remeteu à requerida a comunicação electrónica junta como documento n.º 22 com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido, concedendo-lhe o “prazo final e impreterível até ao próximo dia 10/05/2024” para concluir a obra, advertindo “para efeitos de interpelação admonitória – que, caso assim não suceda e a obra continue inacabada, temos a v/obrigação por definitivamente não cumprida, convertendo-se a mora em incumprimento definitivo/culposo e, consequentemente, definitivamente incumprido o contrato de empreitada celebrado a 02/08/2021, por culpa a V. Eas, imputável (…)”;
ll) A obra não foi concluída pela requerida até ao dia 10 de Maio de 2024;
mm) A requerente construiu vários empreendimentos, em regime de propriedade horizontal, na Maia e em Vila Nova de Gaia;
nn) A requerente celebrou 16 contratos promessa de compra e venda tendo por objecto as fracções autónomas a constituir no prédio urbano identificado na alínea o), juntos com o requerimento inicial como documento n.º 23, com indicação de datas previsíveis para a conclusão do empreendimento;
oo) A requerente, perante o facto referido na alínea ll), contratou um novo empreiteiro, a “D..., Unipessoal, Lda.”, nos termos constantes do documento n.º 24, junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
pp) A obra foi considerada concluída a 30 de Junho de 2024;
qq) A 18 de Abril de 2024 a Banco 3..., C.R.L. comunicou à requerente a aprovação das alterações ao acordo referido na alínea w), nos termos e condições que aqui damos por reproduzidos;
rr) Entre Agosto de 2023 e Agosto de 2024, a Banco 3..., C.R.L. cobrou à requerente juros, relativamente ao aludido acordo, nos valores constantes do documento n.º 26, junto com o requerimento inicial;
ss) Entre 6 de Março e 2 de Setembro de 2024 foram instauradas contra a requerida as acções e execuções identificadas no documento n.º 29, junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
tt) A requerida dedica-se também à construção e reabilitação de obras de natureza pública;
uu) Encontra-se descrita na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Trofa, freguesia ..., com o número ...-F, a fracção autónoma designada pela letra F, cuja propriedade está registada a favor do requerido CC, desde 3 de Abril de 2018;
vv) Através da inscrição com a ap. ..., de 29 de Julho de 2024, foi registada sobre tal fracção autónoma uma hipoteca voluntária a favor da “Banco 4..., S.A.”, para garantia de empréstimo com o montante máximo assegurado de 188.684,48 euros;
ww) Através da inscrição com a ap. ..., de 29 de Julho de 2024, foi registada sobre tal fracção autónoma uma hipoteca voluntária a favor da “Banco 4..., S.A.”, para garantia de empréstimo com o montante máximo assegurado de 59.589,95 euros;
xx) Encontra-se descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia, freguesia ..., com o número ......, a fracção autónoma designada pela letra R, cuja propriedade está registada a favor do requerido AA;
yy) Sobre tal fracção autónoma foi constituída hipoteca voluntária, para garantia de empréstimo, com o montante máximo assegurado de 134.477,20 euros, registada desde 14 de Outubro de 2010, agora a favor da “Banco 5..., S.A.”;
zz) Encontra-se descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga, freguesia ... (...), com o número ......, a fracção autónoma designada pela letra I, cuja propriedade está registada a favor do requerido BB e II desde 23 de Fevereiro de 2022;
aaa) Sobre tal fracção autónoma foi constituída hipoteca voluntária, para garantia de empréstimo, com o montante máximo assegurado de 168.840,00 euros, registada desde aquela data a favor do “Banco 1..., S.A.”;
bbb) Encontra-se descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga, freguesia ... (...), com o número ......, a fracção autónoma designada pelas letras AJ, cuja propriedade está registada a favor do requerido BB desde 24 de Janeiro de 2005;
ccc) Sobre tal fracção autónoma foi constituída hipoteca voluntária, para garantia de empréstimo, com o montante máximo assegurado de 32.970,00 euros, registada desde 1 de Janeiro de 2010 a favor do “Banco 2..., S.A.”.
IV_ Fundamentação de direito
1ª Questão
Invoca a Recorrente a existência de nulidade da decisão recorrida por constar, da decisão da matéria de facto, que «a requerida "B..., Lda" e BB, CC e AA "adiante designada apenas por «Segunda Contratante» (ou «Empreiteiro»); por si e na qualidade de legais representantes da sociedade", a 27 de Fevereiro de 2023, celebraram um acordo denominado "Acordo Compromissório" e na fundamentação de direito, não ter sido considerado “como provado a existência de um crédito relativamente aos Requeridos”.[alíneas N) e O) das conclusões]
Dispõe o artigo 615.º n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil que “É nula a sentença quando [o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Afigura-se-nos existir equívoco da Recorrente porquanto, o vício apontado só se verifica quando a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida aponta num certo sentido e na parte dispositiva surge um sentido que, de todo, não se coaduna com as premissas.
O regime das nulidades destina-se a remover aspectos de ordem formal que inquinem a decisão, ou seja, trata-se de vícios que afectam a regularidade do silogismo judiciário da peça processual que é a decisão, não se confundindo com erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito.
Como ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 3/3/2021[8], “É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito: as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual [nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma] ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.”
Referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[9], “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se”.
Analisada a sentença recorrida, a parte dispositiva mostra-se em consonância, quer com a fundamentação factual, quer com a subsunção jurídica. A Recorrente insurge-se por constar da factualidade considerada assente que os requeridos BB, CC e AA assinaram o “Acordo de Compromisso” e de o Tribunal a quo ter considerado, na fundamentação de direito, “no que diz respeito aos requeridos AA, BB e CC, os factos não permitem dar como demonstrada a probabilidade da existência de um crédito (e muito menos o justificado e fundado receio de perda da garantia patrimonial)”.
Em rigor, a Recorrente dissente do sentido da decisão proferida em 1.ª instância, ou seja, estará, neste caso, em causa erro de direito.
Pelo exposto, a imputação efectuada à decisão não consubstancia a arguida nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.
Invoca, ainda, a Recorrente que a decisão enferma de nulidade [pontos f) e g) das conclusões] por se “basea[r] em pressupostos factuais que carecem de sustentação probatória adequada…” e com fundamento na existência de “contradição entre a decisão de facto e a motivação, bem como, por ter julgado erroneamente de acordo com a prova junta e produzida em audiência…”.
Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão pois, conforme já referido, as nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos da mesma. A contradição entre factos provados e não provados e a motivação ou a consideração de matéria de facto provada “sem sustentação probatória adequada” ou, ainda, a falta de motivação da decisão da matéria de facto, não constituem vícios da decisão susceptíveis de gerar nulidade, à luz do artigo 615º, nº1, do Código de Processo Civil. Nestas circunstâncias podemos estar perante um erro ou vício da decisão de facto, situações que encontram acolhimento na previsão do art.º 662.º do C.P.C. relativamente à modificabilidade da decisão de facto.
No caso, a discordância da Recorrente remete-nos para a decisão proferida quanto à matéria de facto, pelo que apreciar-se-á esta pretensão recursória em sede de impugnação da decisão da matéria de facto.
Pelo exposto, improcede a nulidade da sentença recorrida, com fundamento no artigo 615º do Código de Processo Civil.
2ª Questão
Insurge-se a Recorrente com a decisão proferida quanto à matéria de facto por referência aos seguintes pontos:
i. Pontos 33º e 91.º do requerimento inicial, na parte respeitante à responsabilidade dos Requeridos: deve ser carreada para a matéria de facto provada.
ii. Ponto 124º do requerimento inicial [“…apurou-se e consta-se que os Requeridos estão a proceder à tentativa de venda das suas habitações e à transferência de bens móveis e imóveis para terceiros, incluindo familiares, o que sugere uma tentativa flagrante de ocultação de património, com o objetivo de inviabilizar futuras penhoras e execuções judiciais.”]: deve ser carreada para a matéria de facto provada.
iii. Ponto 125º do requerimento inicial [“Encontrando-se a anunciar nos portais imobiliários a venda dos seus imóveis, infra identificados.”]: deve ser carreada para a matéria de facto provada.
iv. Ponto 126º do requerimento inicial [126. A conduta dos Requeridos vai ainda mais além, pois têm procedido ao despedimento de trabalhadores, justificando tal medida com o alegado encerramento da empresa, o que não só reflete a sua falta de liquidez, como também demonstra a clara intenção de encerrar a atividade empresarial de forma definitiva.]: deve ser carreada para a matéria de facto provada.
v. Ponto 127º do requerimento inicial [127. Os próprios trabalhadores e encarregado Sr. FF, vem propalando que se preparam para encerrar a empresa e não pagar aos fornecedores.]: deve ser carreada para a matéria de facto provada.
vi. Ponto 128º do requerimento inicial [Ao que se consta também, como resultado desses despedimentos, a Requerida não dispõe atualmente de mão-de-obra para a execução das obras públicas que lhe foram adjudicadas, levando ao incumprimento reiterado dos prazos contratuais previamente estabelecidos, agravando a sua posição perante os adjudicantes e comprometendo a sua credibilidade no mercado.]: deve ser carreada para a matéria de facto provada.
Cumpre apreciar e decidir.
Pontos 33º e 91º do Requerimento inicial
Consta do ponto 33º do Requerimento inicial que “Requerida e os respectivos sócios e gerentes, à data, igualmente se responsabilizaram [no documento intitulado “Acordo Compromissório”] pelo cumprimento do prazo de entrega da obra, bem como, pela devolução do valor de 172.919,43€ (cento e setenta e dois mil, novecentos e dezanove euros e quarenta e três cêntimos) e, ainda, pela cláusula penal no valor de 300,00€ (trezentos euros), em caso de não entrega da obra na data prevista e por cada dia de atraso (Cláusula 4.º).”.
Consta do ponto 91º do Requerimento inicial que “as partes fixaram, por acordo, o montante da indemnização exigível, em caso de incumprimento dos prazos estipulados, quer em termos do contrato de empreitada, quer nos termos do acordo compromissório, neste último com responsabilidade subsidiária dos sócios e gerentes aqui Requeridos.”
O acordo em causa encontra-se vertido no documento nº 15, intitulado “Acordo compromissório”,
Consta desse documento que o “Acordo compromissório” é celebrado “[e]ntre:
“1.A..., Lda. (…)adiante designada por “Primeira Contratante” (ou “Dono da Obra”);
e
2. B..., Lda., (…) e BB, CC e AA, adiante designada apenas por «Segunda Contratante» (ou «Empreiteiro»); por si e na qualidade de legais representantes da sociedade”.
Constam entre os factos indiciariamente assentes:
“z) Na sequência de tal facto [Y) A requerida não entregou a obra na data prevista de 30 de Dezembro de 2022], a requerente, designada por “Primeira Contratante” ou “Dono da Obra”, a requerida “B..., Lda.” e BB, CC e AA “adiante designada apenas por «Segunda Contratante» (ou «Empreiteiro»); por si e na qualidade de legais representantes da sociedade”, a 27 de Fevereiro de 2023, celebraram um acordo denominado “Acordo Compromissório”, junto com o requerimento inicial como documento n.º 15, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
As cláusulas 1ª, 2ª, 3ª e 4ª que integram esse acordo, bem como os pressupostos constantes das alíneas b) e c), e o penúltimo parágrafo, mostram-se vertidos na decisão da matéria de facto – cfr. pontos aa) a gg).
Pelo exposto, já consta da matéria de facto provada que os requeridos vincularam-se ao acordo, “por si e na qualidade de representantes legais” da Requerida.
Apurar se a expressão “Segunda Outorgante” que consta das cláusulas 2ª (“… a aqui Segunda Outorgante compromete-se a concluir a obra …até ao dia 31 de Julho de 2023…) e 4ª (…responsabilidade da aqui Segunda Outorgante pelo pagamento e devolução do valor pago a título de adiantamento…) do Acordo respeita apenas à “Segunda Outorgante Sociedade” - como mencionado no pressuposto a) do acordo - ou à “Segunda Outorgante” como se encontra definida na identificação das partes, é questão a apreciar em sede de interpretação do acordo.
Improcede a impugnação da decisão da matéria de facto, nesta parte.
No que tange ao segmento final do ponto 91º do requerimento inicial [com responsabilidade subsidiária dos sócios e gerentes aqui Requeridos”] trata-se de matéria de direito e não de facto.
Resulta, assim, da matéria de facto provada que os requeridos vincularam-se ao acordo, “por si e na qualidade de representantes legais” da Requerida.
Pelo Tribunal a quo foi considerado que “[n]ão se provaram indiciariamente outros factos, nomeadamente, os demais alegados nos artigos (…) 33º (quanto aos requeridos pessoas singulares), (…) 91º, última parte (…) do requerimento inicial.
Considerando que a matéria de facto à qual há que aplicar o direito é a factualidade e não juízos conclusivos apresentados como sendo factos, procede-se à eliminação, da decisão da matéria de facto, a referência ao artigo 91º, última parte que consta do parágrafo no qual o Tribunal a quo indica os factos que “[n]ão se provaram indiciariamente”.
Por se mostrar em contradição com o ponto z) dos factos indiciariamente provados, elimina-se dos factos não provados a referência ao “artigos 33º (quanto aos requeridos pessoas singulares)”.
No mais, improcede a impugnação da decisão da matéria de facto.
Factos vertidos nos pontos 124º a 128º do Requerimento inicial
Ponto 124 [“Para além disso, apurou-se e consta-se que os Requeridos estão a proceder à tentativa de venda das suas habitações e à transferência de bens móveis e imóveis para terceiros, incluindo familiares, o que sugere uma tentativa flagrante de ocultação de património, com o objectivo de inviabilizar futuras penhoras e execuções judiciais.”] e ponto 125 [Encontrando-se a anunciar nos portais imobiliários a venda dos seus imóveis, infra identificados.]
Sobre a transferência de bens móveis dos Requeridos, existe ausência de prova, o mesmo sucede quanto à transferência de bens, móveis ou imóveis, para familiares. Esta conclusão resulta desde logo, da prova indicada pela Recorrente. Nenhuma das testemunhas por si indicada aludiu à venda de bens móveis por parte dos requeridos ou de transferência de bens, móveis ou imóveis, para familiares.
E quanto à venda de imóveis, pelos requeridos?
Ouvida a gravação dos dois depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pela Recorrente, JJ e KK e articulada esta com a prova documental, concorda-se com a análise crítica efectuada pelo Tribunal a quo.
Vejamos.
A testemunha JJ, mediador imobiliário, sócio da “E..., Lda.”, declarou conhecer o Requerido CC por se cruzar com o mesmo na obra. Referiu que andava à procura de um apartamento na Maia e a empresa imobiliária “Rigor” enviou-lhe “meia dúzia” de apartamentos. Entre esses apartamentos, houve um que sobressaiu, sendo o apartamento do Engenheiro CC. Acrescentou a testemunha que nem foi mostrar o apartamento, apesar de “estar a muito bom preço”. Referiu, ainda, que o preço era €359.000,00.
O anúncio junto aos autos como documento nº37 respeita a um imóvel, na Maia, sendo o preço €359.000,00. Nada nos permite concluir que se trata de apartamento pertencente ao Requerido CC. Das certidões juntas aos autos, não resulta que o Requerido CC seja titular do direito de propriedade sobre qualquer imóvel sito em Maia, mas o Requerido AA. Em terceiro lugar, se se tratava de um imóvel à venda por “muito bom preço” (nas palavras da testemunha) e ter sobressaído entre as ofertas, não se descortina qual a razão para a testemunha não ter aproveitado essa oportunidade e apresentado o imóvel aos clientes.
A testemunha KK declarou que trabalha diariamente com várias imobiliárias e foi “alertado” sobre um imóvel, na Trofa, que estava a venda, há cerca de duas semanas, pertencente ao Requerido CC. O documento nº34 respeita à publicitação da venda de uma fracção na Trofa. Da sua análise não pode extrair-se que se trata efectivamente da fracção cuja propriedade pertence ao Requerido. Em segundo lugar, não se descortina qual a razão para ter si alertado para aquele imóvel em específico !? A localização !? O Preço?! As características do imóvel?!
Como refere o Tribunal a quo, a “coincidência” com que as testemunhas se depararam com imóveis à venda do Requerido CC, não merece credibilidade. Os factos narrados não se mostram minimamente contextualizados, nem concretizados. Repare-se que a atenção de ambas as testemunhas foi despertada para os imóveis alegadamente pertencentes ao Requerido, sem terem conseguido explicar, de modo objectivo, coerente e consistente, a razão ou razões para justificar esse especial interesse em tais imóveis que a ter existido, não se encontra reflectido em quaisquer diligências com vista à concretização da venda dos mesmos.
Por último, o documento nº30 respeita à publicitação da venda de um apartamento T3 de um prédio localizado em ..., Trofa; o documento nº31 respeita à publicitação da venda de um apartamento T4 de um prédio localizado na Avenida ... e ..., Braga; o documento nº32 respeita à publicitação de um apartamento T3 de um prédio localizado em Maia. Da mera análise das certidões das Conservatórias do Registo Predial e dos anúncios juntos aos autos, não se mostra possível fazer a correspondência entre os imóveis a que respeitam tais documentos e concluir que os imóveis cuja venda está publicitada em tais anúncios são os imóveis cujo direito de propriedade está registado em nome dos Requeridos.
Pelo exposto, não se encontra demonstrado que os Requeridos estão a proceder à tentativa de venda das suas habitações e à transferência de bens móveis e imóveis para terceiros, incluindo familiares, único facto constante do ponto 124º, sendo o restante conteúdo, juízos conclusivos; nem se encontra demonstrada a matéria de facto constante no ponto 125.
Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto, nesta parte.
Ponto 126 [A conduta dos Requeridos vai ainda mais além, pois têm procedido ao despedimento de trabalhadores, justificando tal medida com o alegado encerramento da empresa, o que não só reflete a sua falta de liquidez, como também demonstra a clara intenção de encerrar a actividade empresarial de forma definitiva.], ponto 127 [Os próprios trabalhadores e encarregado Sr. FF, vem propalando que se preparam para encerrar a empresa e não pagar aos fornecedores.] e ponto 128 [Ao que se consta também, como resultado desses despedimentos, a Requerida não dispõe atualmente de mão-de-obra para a execução das obras públicas que lhe foram adjudicadas, levando ao incumprimento reiterado dos prazos contratuais previamente estabelecidos, agravando a sua posição perante os adjudicantes e comprometendo a sua credibilidade no mercado.].
Previamente à reapreciação da prova importa salientar que os pontos 126, 127 e 128 contêm matéria de facto e juízos conclusivos. Conforme já foi referido, há que aplicar o direito à matéria de facto e não a juízos conclusivos apresentados como sendo factos, pelo que na reapreciação da prova, por referência aos pontos 126, 127 e 128, não serão tomados em consideração os juízos conclusivos que constam dos mesmos.
Ouvida a gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pela Requerente e analisados os documentos juntos aos autos, entende-se que a prova produzida não se mostra bastante para permitir concluir que a Requerida tem procedido ao despedimento de trabalhadores, pretende encerrar a empresa e a actividade empresarial e não dispõe actualmente de mão-de-obra para a execução das obras públicas que lhe foram adjudicadas.
Iniciar-se-á a análise pela prova documental junta aos autos.
Invoca a Recorrente a existência de 17 processos pendentes. O documento junto aos autos pela Recorrente apenas contém informação sobre a data da propositura da acção, tipo de acção e respectivo valor. A mera indicação da instauração de acções executivas não permite, por si só, aferir a capacidade económica da empresa executada. Basta atentar na eventualidade de, nessas acções executivas, estar a ser possível a penhora de bens da executada ou já ter sido obtido o pagamento coercivo da quantia exequenda ou, ainda, ter sido deduzida oposição julgada procedente. O mesmo sucede com as acções declarativas: da simples propositura de uma acção não é possível concluir que é procedente a pretensão deduzida pelo Autor/Requerente.
Nessa lista consta a menção da entrada de um processo de insolvência, em 9/3/2024. Curiosamente, não foi junto aos autos qual a decisão final proferida nesses autos. Dir-se-á que dificilmente um processo de falência encontra-se pendente durantes seis meses, sem decisão proferida. No caso da Requerida, não consta da certidão da Conservatória do Registo Comercial que tenha sido decretada a sua insolvência, na sequência do processo instaurado em 9 de Março de 2024. A mera propositura de um processo de insolvência, em 9/3/2024, ou seja, há mais de seis meses, sem a demonstração da decisão nele proferida, não permite concluir que é deficitária a situação económica da Requerida.
Do documento 23 junto com o requerimento inicial não é possível extrair a conclusão que a Requerida, reiteradamente, não cumpriu/cumpre os prazos nos concursos público aí elencados.
Nenhuma das testemunhas inquiridas revelou conhecimento directo sobre a situação económica da Requerida ou de qualquer dos Requeridos. As testemunhas limitaram-se a emitir a sua opinião sobre a capacidade económica da Requerida, o que, salvo o devido respeito, não releva para a formação da convicção do Tribunal.
A testemunha JJ - mediador imobiliário, sócio da “E..., Lda.” -, quando inquirida sobre a situação económica da Requerida, respondeu “ouve-se falar que está em insolvência”. Como é manifesto, este depoimento é insuficiente para se considerar demonstrada a capacidade/incapacidade da Requerida para cumprir as suas obrigações. Inquirida sobre a presença de trabalhadores/ausência de trabalhadores, na obra, a testemunha referiu que a Requerida encontrava-se a executar outra obra, na ..., e nessa obra tinha “17/18/20 funcionários”, ou seja, o “pessoal estava na outra obra e não estava na nossa”. Esta situação é bastante diversa da situação de inexistência de trabalhadores na obra por terem sido despedidos e de o despedimento ter sido motivado por incapacidade da Requerida de proceder ao pagamento dos vencimentos aos seus trabalhadores.
A testemunha KK - presta serviços à requerente, desde 2018 - referiu que “alguns” trabalhadores desabafavam consigo que ao dia 18/19 de cada mês ainda não tinham recebido o vencimento desse mês e “não compreendiam o porquê da situação”. Além de se tratar de um depoimento vago, sem um mínimo de concretização, o que se extrai desse depoimento é que não era perceptível para os trabalhadores a razão do pagamento do vencimento mensal ocorrer após o dia 17 ou 18 do respectivo mês, o que contraria a situação de incapacidade económica/encerramento da actividade.
Referiu a testemunha KK que a partir de determinada data, passou a ser outra empresa a trabalhar na obra, acrescentando que, em Maio de 2024, “o que achámos estranho é que começaram a fazer o carregamento….” dos utensílios/ferramentas, chegando ao ponto de não existir, no local, “carrinho para o transporte”. Importa ter presente que em 30 de Abril de 2024, a Requerente enviou uma carta à Requerida, através da qual lhe concedeu o “último prazo até ao dia 10 de Maio de 2024 para concluir a empreitada - cfr. documento n.º 22 – e que decorrido esse prazo, considerava o contrato de empreitada definitivamente incumprido, tendo invocado, no requerimento inicial, a resolução do contrato de empreitada, nessa data.
Referiu, ainda, esta testemunha que numa manhã do mês de Abril, não apareceu ninguém na obra; nesse dia, na parte da tarde, apareceram os trabalhadores, tendo o Encarregado da obra, o Sr. FF, lhe transmitido que tinha havido um plenário da empresa no âmbito do qual foram informados que “a empresa ia encerrar portas”.
Perguntado à testemunha “O Senhor está convencido que a B... se é que não entrou em insolvência está prestes a entrar em insolvência?”, a testemunha respondeu “tenho ideia disso”.
Não foi ouvido qualquer trabalhador ou ex-trabalhador da Requerida, nomeadamente o Sr. LL que procurou junto da Requerente, se havia um posto de trabalho vago para si. Como se referiu, o processo de insolvência teve início em Março de 2024, não estando demonstrado que tenha sido proferida decisão a decretar a insolvência da Requerida, pese embora já tenha decorrido mais de seis meses.
A testemunha MM – presta serviços para a Requerente, fiscalizando e acompanhando as obras, nomeadamente a obra em causa – declarou que na sequência da não execução da obra no prazo estipulado, entre a Requerente e Requerida existiram novas conversações e que foi fixado um último prazo, Maio de 2024, que também não foi cumprido, esclarecendo que, nesta data, estava executada cerca de “80 e tal por cento/noventa por cento da obra”, restando, apenas, “remates”. Do depoimento da testemunha MM resulta ainda ter existido desentendimento entre Requerente e Requerida quanto aos trabalhos executados/por executar, referindo que esta entendia existirem trabalhos executados que não estavam a ser incluídos, pela Requerente, nos Autos. Apesar disso, admitiu a testemunha que entre 80%/90% da obra foi executada pela Requerida, não imprimindo esta ritmo à obra e que isso era motivado pela “falta de pessoas de equipas”, sendo que a testemunha JJ atribuiu a ausência de trabalhadores à circunstância de a Requerida colocar os empregados numa obra a decorrer, na ... [o “pessoal estava na outra obra e não estava na nossa”].
Referiu a testemunha MM ter tido uma conversa com o Requerido CC e que este lhe manifestou preocupação “relativamente às suas responsabilidades pessoais”. Inquirida sobre a “sobrevivência da B...”, respondeu “concretamente não sei nada, não tenho provas de nada. A minha opinião é que é uma empresa destinada a fechar a muito curto prazo”.
A testemunha NN referiu ter feito “várias obras” para a Requerente. Entrou na obra no início de Maio de 2024 para acabar os trabalhos de serralharia e executou-os. A factura foi paga pela Requerente, tendo sido por si comunicado ao legal representante da Requerente que só fazia os trabalhos caso tivesse a garantia que seriam pagos por esta, caso a Requerida não efectuasse o pagamento.
Na apreciação deste depoimento, não pode o tribunal deixar de chamar à colação a interpelação efectuada pela Requerente, em 30 de Abril de 2024, para terminar os trabalhos no prazo de dez dias, sob pena de considerar incumprido definitivamente o contrato, alegando, no ponto 44 do requerimento inicial, ter ocorrido a rescisão do vínculo contratual, decorrido esse prazo.
Contrariamente ao defendido pela Recorrente, a testemunha não referiu ter sido alertada para a situação da Requerida. Declarou a testemunha que existiam comentários de “pessoas” sobre problemas da requerida nos pagamentos e na execução das obras. Referiu ainda que teve uma conversa com um cliente e que este lhe perguntou se conhecia a empresa Requerida, tendo a testemunha respondido “conheço”. E o cliente perguntou-lhe “então?”, tendo a testemunha respondido “tenham algum cuidado mas aquilo é gente boa”. Perguntado à testemunha, “porque incumpriu consigo?”, respondeu “já vinha de trás”, “atrasavam as liquidações”. Perguntado à testemunha, “de momento sabe alguma coisa?”, respondeu “dois sócios saíram, venderam a parte deles”; “não sei se está a funcionar”.
Não foi ouvido um único trabalhador da Requerida. Pese embora a Recorrente nas suas alegações, mencione que se encontra demonstrada a frequência de despedimentos, ouvidos os depoimentos constata-se a referência a um despedimento concreto, o despedimento do “Sr. LL”, sendo certo que se desconhece o motivo do despedimento – se foi por justa causa ou se a extinção do vínculo foi motivada por dificuldades económicas da requerida ou outra causa - pois, nada foi referido.
Por último, consta entre os factos considerados não provados (nessa parte, não foi impugnada a decisão da matéria de facto):
a. desde, pelo menos, Fevereiro de 2024, a Requerida não tinha trabalhadores ou subempreiteiros a trabalhar na obra (ponto 47);
b. a Requerida tenha abandonado a obra (segmento constante do ponto 50);
c. os Requeridos têm procedido à venda de materiais de construção – andaimes, empilhadores, utensílios e ferramentas a outros empreiteiros (ponto 123);
d. os Requeridos eram devedores de quantia superior a €160.000,00 mil euros (cento e sessenta mil euros) aos subempreiteiros, incluindo carpinteiros, electricistas, serralheiros e outros.
Salvo o devido respeito, a prova produzida mostra-se vaga e inconsistente. Não é possível concluir que uma sociedade está numa situação de insolvência com base, apenas no seu capital social e em depoimentos de testemunhas que transmitem “na minha opinião” ou “tenho ideia”.
Pelo exposto, improcede a impugnação da decisão quanto à matéria de facto.
3ª Questão
Dissente a Recorrente da decisão proferida pelo Tribunal a quo por, no seu entender, além do direito de crédito relativamente a todos os Requeridos, verifica-se o justo receio de perda da garantia patrimonial.
Invoca a titularidade de um direito de crédito relativamente aos Requeridos, sendo o fundamento o acordo por estes assinado, “por si e na qualidade de representantes legais” da Requerida.
Advoga, ainda, que o receio de perda de garantia patrimonial mostra-se concretizado “nos 17 processos judiciais nos quais configuram como executados/devedores, no incumprimento do contrato de empreitada e do acordo compromissório [e nas] alterações societárias e subsequentes renúncias”.
Cumpre apreciar e decidir.
Na sua essência, o procedimento cautelar é destinado a garantir a quem o invoca a titularidade de um direito, contra a ameaça ou um risco que sobre ele paira e que é tão iminente que a sua tutela não pode aguardar a decisão da acção judicial.
Com efeito, dispõe o artigo 362.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que «sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado».
Requerida a providência cautelar de arresto, dispõe o artigo 391º, nº 1, do Código de Processo Civil que “O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.”
Por seu turno, o artigo 392º, nº 1, do Código de Processo Civil estabelece que “O requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado (…)”.
Resulta do disposto nos artigos 391º e 392º do Código de Processo Civil que compete ao requerente provar os factos constitutivos do direito de crédito de que se arroga e a existência de justo receio da sua lesão e de perda de garantia patrimonial desse crédito, tratando-se de requisitos de necessária verificação cumulativa.
Deste modo, o procedimento cautelar destina-se à adopção de medidas provisórias que permitam remover ameaças sobre o direito, enquanto a questão não é definitivamente decidida, sendo seus fundamentos a invocação da probabilidade séria da existência de um direito (“fummus bonni juris”) e o fundado receio de que a demora natural na solução do litígio acarrete um prejuízo grave de difícil reparação (o “periculum in mora”), tudo isto aferido mediante prova sumária, isto é, não aprofundada mas, em todo o caso, minimamente consistente (“summaria cognitio”).
Feita esta prova, o Tribunal decretará a providência desde que o prejuízo causado ou a causar ao requerido não exceda aquele que o requerente, por sua vez, pretende evitar. E sempre dentro de uma perspectiva de instrumentalidade hipotética, ou seja, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente.
No que tange à aparência do direito de crédito de que a Recorrente se arroga titular, consta da decisão recorrida que relativamente aos Requeridos, “os factos não permitem dar como demonstrada a probabilidade da existência de um crédito”.
Relativamente à requerida “B..., Lda.”, ainda que os factos possam demonstrar a provável existência de um crédito (cujo montante não é possível aferir), cremos que não é possível extrair dos mesmos o justificado e fundado receio de perda da garantia patrimonial”.
Considerando o objecto do recurso, não será apreciado o direito de crédito invocado pela Requerente sobre a Requerida e o respectivo valor.
Prescreve o artigo 1208º do Código Civil que o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
Nas palavras de José Baptista Machado[10], “Cumprimento defeituoso ou inexacto – a) É aquele em que a prestação efectuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e boa fé. b) A inexactidão pode ser quantitativa e qualitativa. c) O primeiro caso coincide com a prestação parcial em relação ao cumprimento da obrigação. d) A inexactidão qualitativa do cumprimento em sentido amplo pode traduzir-se tanto numa diversidade da prestação, como numa deformidade, num vício ou falta de qualidade da mesma ou na existência de direitos de terceiro sobre o seu objecto”.
No regime jurídico do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, os direitos conferidos ao dono da obra terão que ser exercidos desta forma sequencial: i) em primeiro lugar, o dono da obra goza do direito de exigir ao empreiteiro a eliminação dos defeitos; ii) caso tal eliminação não seja viável, tem o direito a exigir nova construção, salvo, em ambos os casos, se as despesas com a eliminação dos defeitos ou a nova construção forem desproporcionadas em relação ao proveito; iii) apenas no caso de não serem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, tem o dono da obra o direito a exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, mas, neste último caso, somente se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.- cfr. artigos 1221º, 1222º e 1123º do C.Civil.
Os Requeridos não são partes no contrato de empreitada celebrado entre Recorrente e Requerida mas, outorgantes do “Acordo Compromissório”, datado de 27/2/2023, do qual consta entre o mais que:
_ Pelo presente Acordo a Primeira Contratante, na qualidade de dono da obra, efectua o pagamento da quantia de €172.919,43 (…), através de transferência bancária para o IBAN (…), dos quais €100.000,00 ao dia 27-02-2023 e os restantes €72.919,43 até ao dia 17 de março de 2023, por conta do contrato de empreitada e adiantamento celebrado com a Segunda Contratante, referente à execução do denominado Edifício ..., sito em ...;
_ Como contrapartida de tal pagamento, a aqui Segunda Outorgante, compromete-se a concluir a obra referente ao Edifício ..., sito em ..., impreterivelmente, até ao dia 31 de Julho de 2023. (2ª cláusula)
_ Em caso de incumprimento do prazo estipulado na Cláusula 2ª para conclusão da obra, e por cada dia de atraso na entrega da obra, decorre imediatamente a responsabilidade da Segunda Outorgante pelo pagamento do valor diário de €300,00 (…), a título de cláusula penal. (3ª Cláusula).
_ Em caso de eventual rescisão justificada por parte da Primeira Outorgante ou incumprimento contratual por parte da Segunda Outorgante, decorre imediatamente a responsabilidade da aqui Segunda Outorgante pelo pagamento e devolução do valor pago a título de adiantamento à Primeira Outorgante. (4ª cláusula)
Não tendo a obra sido executada no prazo estipulado, no acordo, e face à cláusula penal aí convencionada, encontra-se demonstrada a aparência do direito de crédito da Requerente sobre os Requeridos, embora em valor inferior ao invocado pela primeira. Desde logo por a Requerente não ter demonstrado que não se encontravam executados os trabalhos a que se destinava o pagamento da quantia de 117.817,38€ (cento e dezassete mil, oitocentos e dezassete euros e trinta e oito cêntimos) que excedia o valor da segunda tranche de 72.919,43€ (setenta e dois mil, novecentos e dezanove euros e quarenta e três cêntimos), estipulado no “acordo compromissório”, quantia que reclama.
Não logrou a Requerente provar que os trabalhos executados apresentavam vários defeitos, anomalias e desconformidades e que os custos com a nova empreiteira, D..., Unipessoal Lda., no valor de €200.770,00 (duzentos mil e setecentos e setenta euros), destinaram-se também à reparação desses defeitos, anomalias e desconformidades.
Não demonstrou que foi devido ao atraso na execução da obra que a entidade financiadora – Banco 3... - procedeu a um aditamento no contrato celebrado com a Requerente, reduzindo o montante global do valor do crédito e que o reembolso do montante global do crédito utilizado pela Requerente só será possível com a realização das escrituras que não avançam por serem necessários documentos que se encontram na posse dos Requeridos e que estes se recusam a entregar. Reclama a Recorrente a quantia devida a título de juros desse financiamento bancário, calculados no valor de €120.541,10
Não demonstrou qualquer dos factos nos quais alicerça a existência de danos não patrimoniais que quantificou em 20.000,00€.
Assim, embora esteja demonstrada a aparência do direito de crédito da Recorrente sobre os Requeridos, o seu valor é inferior ao indicado pela primeira.
Relativamente ao justo receio de perda da garantia patrimonial previsto no artigo 406º, nº 1, do CPC, e no artigo 619º do CC exige-se um juízo de probabilidade muito forte, não bastando qualquer receio que pode corresponder a um estado de espírito que derivou de uma apreciação ligeira da realidade, num exame precipitado das circunstâncias.
Por isso se entende que se verifica o justo receio de perda de garantia patrimonial quando o devedor adopte, ou tenha o propósito de adoptar, relativamente ao seu património conduta indiciada por factos concretos susceptíveis de fazer recear pela solvabilidade do devedor para satisfazer o direito do credor, sendo a ocultação de património, a alienação ou a expectativa de alienação ou de transferência de património sinais dos quais pode resultar o justo receio da perda da garantia patrimonial.
Para o receio ser justificado tem de assentar em factos concretos que revelem, à luz de uma prudente apreciação, o referido justo receio (factos concretos que se demonstram, entre outros, a situação económica e financeira do devedor, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, o montante do crédito, etc.).
É, assim, essencial a alegação e prova de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança desse provável crédito já constituído.
O critério de avaliação deste requisito não pode assentar em simples conjecturas mas, ao invés, como ensina António Geraldes[11], “deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva”. Trata-se, em todo o caso, de um juízo provisório que terá de assentar em critérios de mera verosimilhança.
A Jurisprudência tem considerado a verificação de periculum in mora, para efeitos de decretamento do arresto, em situações em que existe, nomeadamente, a tentativa do devedor de alienar bens imóveis; o risco de o devedor ficar em situação de insolvência por dissipação ou oneração do seu património; a demonstração de que o devedor se furta aos contactos e pretende vender o património conhecido; o acentuado défice entre o crédito exigido e o valor do património conhecido do devedor, juntamente com a circunstância de o mesmo ser facilmente ocultável; a descapitalização de empresas, através da transferência dos activos, ou a prática de actos de alienação gratuita a favor de terceiros ou actos simulados de alienação ou de oneração[12].
Pelo Supremo Tribunal de Justiça foi considerado como factos indiciadores desse justo receio da perda da garantia patrimonial, «designadamente que... alienou ou está em vias de alienar determinados bens ou que deu o seu consentimento ou tenciona dá-lo quanto à alienação doutros.»[13]
Analisados os factos indiciariamente provados, não se encontra preenchido o requisito do justo receio.
Explicitando.
Dissente a Recorrente da decisão proferida pelo Tribunal a quo, sustentando que “padece de uma clara e inequívoca errónea interpretação jurídica dos factos que considerou como não provados”. A não prova de um facto equivale à não articulação desse facto, tudo se passando como se tal facto não existisse.
Consta, dos factos alegados e considerados não provados (nesta parte, a decisão da matéria de facto não foi impugnada), que:
_ Os Requeridos, alegando dificuldades financeiras, solicitaram várias vezes à Requerente que concedesse mais tempo para a conclusão da obra (ponto 37).
_ Os Requeridos não responderam à interpelação efectuada pela requerente, tendo, ao invés, abandonado a obra (ponto 46).
_ Desde, pelo menos, Fevereiro de 2024, a Requerida não tinha trabalhadores ou subempreiteiros a trabalhar na obra (ponto 47).
_ Os Requeridos pretenderam solicitar um PEAP, tendo em conta que o seu passivo era superior ao seu activo.
_ Os Requeridos eram devedores de quantia superior a €160.000,00 (cento e sessenta mil euros) aos subempreiteiros – incluindo carpinteiros, electricistas, serralheiros e outros.
_ Os valores pagos à Requerida nos termos do contrato de empreitada foram utilizados para saldar dívidas com fornecedores de outras obras executadas por aquela.
_ Nos autos de medição mensais constam que os pagamentos foram efectuados integralmente pela Requerente, mas os fornecedores, cujas facturas deveriam ter sido quitadas com esses valores, estão agora a reclamar os montantes correspondentes, evidenciando uma gestão inadequada e um desvio de verbas por parte da Requerida, da obra da Requerente.
_ A Requerida esteve envolvida em dois processos de insolvência, intentados por fornecedores, bem como em várias execuções movidas por subempreiteiros cujos serviços prestados não foram devidamente remunerados.
_ A Requerida dedica-se também a construção e reabilitação de obras de natureza pública, não cumprido os prazos contratuais o que implica multas impostas no âmbito do Código dos Contratos Públicos.
_ Os Requeridos têm-se mostrado indisponíveis, não respondendo a pedidos de reuniões ou qualquer outro tipo de contacto, demonstrando uma falta de comunicação, não atendendo telefonemas
ou respondendo a e-mails.
_ A Requerida não dispõe de acesso a crédito bancário, seja por meio de contas correntes caucionadas, contratos de confirming ou seguros de caução.
_ O valor do imobilizado da empresa está estimado em cerca de €50.000,00 (cinquenta mil euros).
Todos estes factos não se encontram demonstrados pelo que não podem ser tomados em consideração na aferição dos pressupostos para o decretamento do arresto.
No que tange aos Requeridos, é desconhecida a sua situação patrimonial e económica. Ainda que o Requerido CC tivesse intenção de proceder à venda do seu imóvel, esta circustância, por si só, não permite concluir que gerará uma situação de risco de perda ou dissipação desse montante ou de garantia patrimonial do direito da Requerente. Trata-se de uma hipótese meramente teórica, sem suporte no (escasso) contexto factual alegado pela Requerente quanto à situação patrimonial e económica dos Requeridos.
Como ensina o Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª ed., págs. 25-26, “Uma coisa é o justo receio de ocultação, outra a grande facilidade ou possibilidade de ocultação”. Não é suficiente o facto de se tratar de bens de fácil ocultação, é preciso que exista o perigo concreto de ocultação ou dissipação. “É indispensável que ele tenha praticado factos ou assumido atitudes que, razoavelmente interpretados, inculquem a suspeita de que se prepara para subtrair os seus bens à acção dos credores” (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª ed., págs. 25 e 26), o que não resulta demonstrado pois, dos factos indiciariamente provados não consta qualquer acto praticado por qualquer dos Requeridos que indicie o propósito de ocultar, diluir ou alienar o respectivo património.
Ao exigir que o receio seja fundado, pretende a lei que o mesmo seja “apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.” [14]. Alega a Requerente que os Requeridos encontram-se numa frágil situação económica, sendo o passivo muito superior ao activo. No entanto, dos factos indiciariamente provados não constam factos que sustentem essa conclusão. Não basta dizer que os Requeridos venderam/pretendem vender um imóvel para, desse facto, extrair que é frágil a sua situação económica.
O mesmo sucede com a constituição de hipoteca sobre o imóvel como garantia do empréstimo contraído.
Dos factos indiciariamente provados resulta que:
_ sobre a fracção cujo direito de propriedade está registado em nome do Requerido CC, desde 3 de Abril de 2018, foi registada uma hipoteca para garantia de empréstimo no montante máximo assegurado de 188.684,48 euros e uma hipoteca para garantia de empréstimo com o montante máximo assegurado de 59.589,95 euros, ambas em 29 de Julho de 2024, a favor da “Banco 4..., S.A.”;
_ sobre a fracção cujo direito de propriedade foi registado em nome do Requerido AA, encontra-se registada uma hipoteca para garantia de empréstimo, com o montante máximo assegurado de 134.477,20 euros, registada em 14 de Outubro de 2010, a favor da “Banco 5..., S.A.”;
_ sobre a fracção cujo direito de propriedade está registado em nome do Requerido BB e de II, foi registada uma hipoteca voluntária, para garantia de empréstimo, com o montante máximo assegurado de 168.840,00 euros, a favor do “Banco 1..., S.A.”;
_ sobre a fracção cujo direito de propriedade está registado em nome do Requerido BB, foi registada uma hipoteca para garantia de empréstimo, com o montante máximo assegurado de 32.970,00 euros, em 1 de Janeiro de 2010, a favor do “Banco 2..., S.A.”.
A cumulação do não cumprimento de um contrato com a celebração de mútuos garantidos por hipoteca, sem o apuramento de qualquer outra circunstância, nomeadamente o património do visado, as suas obrigações e a relação entre o património e as obrigações, não é suficiente para se considerar justificado o receio de perda de garantia patrimonial, pois o fundado receio, pressuposto no arresto, não se basta com o mero temor, quer do eventual incumprimento, quer da eventual superveniente impossibilidade de efectivação do cumprimento coercivo através do património do devedor. Acresce que o empréstimo celebrado pelo Requerido AA data de 2010. O empréstimo celebrado pelo Requerido AA data de 2022, data na qual ainda não havia sido celebrado o “acordo promissório”, não sendo os Requeridos parte no contrato de empreitada. É certo que no caso do Requerido CC, a aquisição do imóvel foi registada no ano de 2018 e as duas hipotecas constituídas como garantia dos dois contratos de mútuo localizam-se em julho de 2024. Todavia, como se referiu, a constituição de empréstimo garantido por hipoteca não permite, por si só, concluir no sentido da fragilidade económica do mutuário.
E quanto à Requerida? O não cumprimento do contrato e a intenção de ocultar ou dissipar património são realidades distintas. Como refere o Tribunal a quo, “ainda que tenham sido instauradas contra a requerida várias acções e execuções (cujo estado se desconhece), não resulta dos factos que estejam a ser praticados actos de ocultação, oneração, dissipação ou alienação que impossibilitem a satisfação do crédito. É desconhecido o património da requerida e o montante do seu capital social nada nos diz acerca do referido justificado receio de perda da garantia patrimonial (apesar de o capital social ter uma função de garantia, o princípio da intangibilidade tem um alcance muito limitado; este princípio não assegura que existam no património líquido da sociedade bens, incluindo dinheiro, de valor correspondente à cifra do capital social).”.
Invoca, ainda, a Recorrente, as “alterações societárias e subsequentes renúncias de dois dos três sócios”.
Resulta da matéria de facto provada que:
_ A requerida “B..., Lda.” foi constituída a 4 de Novembro de 2013, com o capital de 5.000,00 euros, tendo como sócios DD e CC, sendo o primeiro gerente.
_ A 16 de Junho de 2014, foi registada a cessação de funções de gerente por DD, por renúncia; a alteração da sede para “...”, Rua ..., n.º ..., ..., Maia, e a designação de BB como gerente.
_ O sócio DD transmitiu a sua quota a favor do sócio CC e de BB.
_ A 31 de Janeiro de 2020, foi registado o aumento de capital de 28.000,00 euros, passando o capital a ser de 33.000,00 euros, dividido em duas quotas, uma no valor nominal de 26.400,00 euros, titulada pelo sócio CC e a outra no valor nominal de 6.600,00 euros, titulada pelo sócio BB.
_ A 17 de Março de 2021, mostra-se registada a alteração da sede para a Rua ..., ... e ..., Vila do Conde, passando a Requerida a ter como sócios CC, BB e AA, cada um titular de uma quota no valor nominal de 11.000,00 euros.
_ A 12 de Abril de 2024, mostra-se registada a cessação de funções de gerente de BB, por renúncia, passando a ser sócios AA, titular de uma quota no valor nominal de 11.000,00 euros, e “C..., Lda.” (constituída em 18/7/2023), titular de duas quotas no valor nominal de 11.000,00 euros cada uma, antes tituladas por CC e BB; e a designação de EE como gerente.
Das alterações registadas no contrato de sociedade e na composição societária não se extrai igualmente que a requerida esteja a adoptar comportamentos com vista à sonegação do seu património, nomeadamente com vista a subtrair-se ao pagamento do alegado crédito da Requerente, ou seja, não está alegado nenhum comportamento concreto da parte da Requerida susceptível objectivamente de colocar em risco a garantia patrimonial do crédito da Requerente.
A matéria de facto indiciariamente demonstrada não se mostra suficiente para se concluir que a cessão de quotas à C... LDA., realizada em Abril de 2024, apresenta-se como “uma operação meramente fictícia”, tendo como “principal objectivo criar a ilusão de uma transformação na estrutura societária da B..., LDA., sem, no entanto, implicar uma mudança efectiva no controlo da empresa”; a C... LDA. “não passa de uma fachada, um instrumento criado para mascarar a verdadeira natureza da reestruturação”, sendo esta estratégia “uma tentativa de afastar as responsabilidades financeiras e melhorar a imagem da B..., LDA. perante credores e fornecedores, que já tinham começado a recusar linhas de crédito devido à deterioração da sua reputação financeira; a C... LDA. funciona como uma "testa de ferro", sendo utilizada para proteger os verdadeiros gestores e responsáveis pelas obrigações da B..., LDA.; através desta operação, procuram continuar as actividades da empresa sob uma nova fachada, surgindo a C... LDA. como uma peça central numa manobra cuidadosamente delineada para proteger os ativos da B..., LDA. e a afastar a responsabilidade dos Requeridos.
Em suma, não se encontra demonstrado qualquer facto concreto susceptível de permitir a conclusão de que a Requerida ou os Requeridos se encontram a praticar actos ou assumindo atitudes no sentido do extravio ou delapidação do respectivo património; ou a ocorrência de qualquer procedimento anómalo, ainda que a título preparatório, que revele esse propósito da requerida ou dos Requeridos.
Salvo o devido respeito, a entender-se que dos factos indiciariamente assentes está justificado o receio da perda da garantia patrimonial do seu provável crédito, quase todas as situações de incumprimento dos contratos seriam fundamento para o recurso a uma providência cautelar.
Ensina António Santos Abrantes Geraldes[15], “…não é toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da contraparte. Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm essa virtualidade de permitir ao tribunal, mediante solicitação do interessado, a tomada de uma decisão que o defenda do perigo.
Compreende-se o cuidado posto pelo legislador ao restringir a concessão de tutela provisória. É esse mesmo cuidado que deve guiar o juiz quando se debruça sobre a situação sujeita à apreciação jurisdicional. De facto, tratando-se de uma tutela cautelar decretada, por vezes, sem audiência contraditória, não é qualquer lesão que justifica a intromissão na esfera jurídica do requerido com a intimação para se abster de determinada conduta ou com a necessidade de adoptar determinado comportamento ou de sofrer um prejuízo imediato relativamente ao qual não existem garantias de efectiva compensação em casos de injustificado recurso à providência cautelar (artigo 390º, nº1).”
Como observa o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-12-2016[16], «é indispensável que se aduzam factos a partir dos quais se objective, segundo o critério prudente do homem médio, a iminente perda ou grave degradação do acervo garantístico do crédito em causa”. É suficiente "a prova de actos preparatórios que permitam prever a ocorrência de um evento objectivamente idóneo a prejudicar o direito". Mas não chega que, em abstracto, haja a mera possibilidade de o acto de dissipação poder ser praticado; "não basta a prova de que o devedor é capaz de ocultar" (9) os seus bens.».
A falta de verificação (cumulativa) deste requisito importa a improcedência da providência cautelar.
Improcede, assim, o recurso, impondo-se a confirmação da decisão recorrida.
Considerando que a Recorrente não obtive provimento, as custas do recurso são a seu cargo.
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida, sem prejuízo da eliminação dos factos considerados não provados, do ponto “33.° (quanto aos requeridos pessoas singulares)” e do ponto “91.º, última parte”.
Custas do recurso a cargo da Recorrente - cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil.
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