LETRA DE CÂMBIO
ACEITE
RELAÇÕES IMEDIATAS
AVAL
Sumário

I – Quem assina a Letra no local do aceite, ainda que tal aposição da assinatura possa/deva ser interpretada, não se constitui aceitante se o mesmo não é sacado, ou seja, só o sacado pode ser aceitante.
II – Nas relações imediatas – e em sentido divergente do Assento de 1.02.1966 - pode apurar-se, e concluir-se, que o aval dado sem indicação de beneficiário ou referindo (apenas) “bom por aval ao subscritor” não foi dada em favor do sacador, mas de outro obrigado e, concretamente, do sacado/aceitante.
III – Conclusão que mais plausível se revela se estamos perante um aval em branco e uma letra que não entrou em circulação.
IV – Mesmo perante uma conceção mais objetiva do aval, não há que exigir o protesto por falta de pagamento quando sacado e avalista intervieram no contrato subjacente ao título e no pacto de preenchimento e todos foram notificados, pelo sacador, antes do preenchimento do título em branco, para o pagamento da dívida.
V – A resolução do contrato, feita por mandatário, extrajudicialmente, e sem que o mesmo estivesse munido de poderes para o ato é ineficaz.

Texto Integral

Processo n.º 17381/22.8T8PRT-A.P1

Recorrentes – AA, BB e CC
Recorrida – A..., Lda.

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Jorge Martins Ribeiro.

Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
AA, BB e CC, por apenso à execução que a A..., Lda. intentou contra eles, vieram deduzir embargos e pretender, pela sua procedência, a extinção da execução.

Como melhor especificaremos, a exequente deu à execução, como título executivo, uma letra de câmbio no montante de 126.811,37€ e juntou ao requerimento executivo[1] um escrito particular denominado “Contrato”, datado de 7.08.2013, um outro escrito particular denominado “Autorização para preenchimento de letra em branco/avalistas”, também datado 07.08.2013 e a cópia de três cartas, enviadas a cada um dos executados, datadas de 20.07.2022.

Os embargantes (e ora recorrentes), fundamentando a pretensão (à extinção da execução) vieram alegar, especialmente e em síntese: - Falta dos requisitos essenciais da letra, em branco, e do seu original. - Falta de protesto/apresentação a pagamento e preenchimento abusivo da letra apresentada como título executivo, sendo incorreta e indevida a quantia exequenda, inexistindo título válido e exequível. - Impossibilidade originária objetiva da prestação. - Prescrição da obrigação subjacente, por força do artigo 310, al. g), do Código Civil (CC). - Abuso do direito/ilegalidade da cláusula penal, redução da cláusula penal, e da ausência de fiança. No mesmo articulado, pretendem a suspensão da execução, ao abrigo do disposto no artigo 733, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil (CPC).

Recebidos os embargos, foi a exequente notificada para os contestar e pronunciar-se, sobre a requerida suspensão da execução.

A embargada (e ora recorrida) contestou e, nessa ocasião, fez juntar aos autos o original da letra de câmbio. Essencialmente, impugnou a factualidade alegada pelos embargantes, aceitando apenas os factos articulados nos primeiros cinco artigos [1.º - O título executivo em apreço foi subscrito, a 07.08.2013, pelos Executados/Embargantes à Exequente/Embargada, em branco, 2.º - Tendo sido nela aposto apenas: as assinaturas dos aceitantes – Executados/Embargantes –, no campo designado para o efeito, que a assinaram ainda, como avalistas, na parte posterior do referido documento, depois da expressão “Bom por aval ao subscritor”. 3.º - No demais, o referido documento permaneceu em branco. 4.º - Ora, sendo a letra entregue à Exequente/Embargada em branco e com as assinaturas dos seus subscritores para em momento posterior aquela a preencher, ficou a mesma com a obrigação de o fazer, nos precisos termos acordados no pacto de preenchimento. 5.º - Importa, por tal, aferir se o título executivo ora em crise, cumpre com os seus requisitos essenciais para que possa valer como tal]. Refere que os embargantes se constituíram sacados, ao assinarem o “aceite” e a letra está assinada e carimbada pela embargada. Acrescentam que o protesto é desnecessário, quando, como sucede, se está no domínio das relações imediatas. Nega que tenha havido preenchimento abusivo da letra, sustenta que houve resolução contratual relativamente a todos os embargantes, e validamente operada pelo mandatário. Defende que não há impossibilidade originária da prestação ou prescrição da obrigação, a qual é única e sujeita ao prazo de prescrição de 20 anos. Refere, ainda, que o contrato celebrado entre as partes não é um contrato de adesão, que não há excesso no montante peticionado ou na cláusula penal invocada, nem a obrigação é inexigível ou ilíquida. Conclui que a execução deve prosseguir os seus termos.

Foi depois apresentada resposta pelos embargantes, na qual renovam a sua pretensão à suspensão da execução. A embargada respondeu, defendendo a inadmissibilidade do articulado dos embargantes.

Na sequência, foi proferido despacho que suspendeu a execução [(...) considerando os vários interesses aqui em presença, a natureza dos bens passíveis de execução e o tempo já decorrido, não se mostrando ser posta em causa a efetividade da realização do direito da exequente, por nos parecer justificado e equitativo, defiro o citado pedido, ficando suspensa a execução na pendência dos embargos (...)] e determinou a notificação da exequente para juntar aos autos elementos/documentos pretendidos pelos executados.

Foram juntos diversos documentos pela exequente (e pela sociedade Café B..., Lda.) tendo havido pronúncia das partes.

Foi, então, proferido, a 2.05.2023, o despacho que se transcreve: “(...) considerando ainda todos os relevantes benefícios da célere e eficaz solução consensual e extinção imediata do litígio [designadamente, de redução significativa de custos, de tempo, de deslocações e de incómodos e de obtenção imediata de tranquilidade/paz para as partes], e atendendo a todos os elementos entretanto juntos e ao atual estado dos autos, exortam-se agora todas as partes e seus ilustres mandatários para os efeitos de ser alcançada, com maior brevidade e eficácia e com os relevantes benefícios para as partes, a solução negociada e a extinção deste litígio, com a justa autocomposição, encetando-se as pertinentes e efetivas (re)negociações, informando os autos em conformidade e juntando a transação/acordo, caso seja obtido, no prazo de 10 dias. Notifique. * Caso se mantenha o litígio (o que não se espera), atento o estado atual dos autos e as questões já debatidas, bem como os princípios da cooperação/colaboração e olhando à melhor simplificação e agilização processual, para clara e melhor interpretação dos articulados desta ação, bem como para facilitar o bom saneamento, a descoberta da verdade e a boa instrução e decisão desta causa: 1 - notifique ainda os ilustres mandatários das partes deste apenso para, em 10 dias, apresentarem preferencialmente de forma conjunta (numa peça muito singela, única e por todos subscrita) a relação/identificação dos factos alegados já admitidos por acordo ou provados por documento e dos factos alegados ainda controvertidos. 2 - no citado prazo, devem também as partes pronunciar-se quanto à possibilidade de decisão imediata destes embargos/apenso-A ou da necessidade de produção de prova (neste caso, indicando os respetivos factos concretos a carecer de prova). 3 - no citado prazo, devem também as partes esclarecer se prescindem ou não da realização da audiência prévia, sendo a falta de declaração entendida no sentido de que não pretendem tal diligência. (...)”.

Reconhecendo a complexidade da causa, a exequente requereu a prorrogação do prazo estabelecido no despacho acabado de transcrever e o mesmo solicitaram os embargantes. O tribunal, deferindo o pretendido, por despacho de 19.05.2023, adicionou ao prazo anterior o de 20 dias.

Os embargantes, por requerimento de 9.06.2023, vieram alegar os “factos admitidos por acordo e provados por documento”, invocar a “necessidade de produção de prova adicional” e a “necessidade de realização da audiência prévia” (fls. 472/476 do processo eletrónio – p.e.). A embargada, por sua vez, veio dizer que não aceitava os factos “supostamente admitidos por acordo” e acrescentar que devia “ser agendada e realizada Audiência Prévia” (requerimento de 12.06.2023).

Foi designada a audiência prévia (entretanto adiada) e a fls. 445 do p.e mostra-se junta uma procuração, datada de 19.07.2023, que confere ao mandatário da recorrida “os mais amplos poderes especiais para confessar, desistir e transigir, no processo n.º 1781/22.8T8PRT-A (...). A instância foi suspensa por trinta dias, com vista a eventual transação (despacho de 5.09.2023) mas, porque inviável, a audiência prévia veio a ter lugar a 8.11.2023 e aí, não obstante tentada, voltou a não ser possível a conciliação entre as partes.

Na audiência de prévia foram juntos documentos pelo mandatário da exequente e concedido prazo para contraditório. Foi exibido o original da letra e, perante a exibição da mesma, pelos embargantes foi requerido que “ficassem sem efeito os artigos 12.º a 16.º e 30.º a 32.º da Petição de Embargos [12.º Falta o nome e morada de a quem deve ser paga (sacador), apenas consta o NIF ... da sacadora (art. 1.º n.º 6 da LULL). 13.º Ora, a falta de menção do tomador em termos legítimos implicará a nulidade da letra, nos termos do disposto no art. 2.º da LULL. 14.º A assinatura de quem passa a letra (sacador) é de DD, sem carimbo que identifique que o faz em nome e representação de outrem (art 1.º n.º 8 da LULL) 15.º Relativamente às pessoas coletivas, sobre a assinatura autógrafa do seu representante, será de apor, com caracter de autenticação, o carimbo da firma-nome ou denominação. 16.º Não cumprindo com tal pressuposto essencial, nos termos do art. 2.o da LULL, de igual forma, o mencionado título importa a nulidade do mesmo. (...) 30.º A fotocópia de uma letra, ainda que autenticada, não tem incorporada, como a própria letra, a obrigação cambiária. 31.º O facto de alguém ser portador legítimo de uma letra deve traduzir-se pelo uso da própria letra, apresentando-a à execução. 32.º Não pode servir de fundamento à execução a fotocópia (mesmo que) autenticada de uma de uma letra, salvo ocorrência de caso de força maior, que torne impossível ao Exequente/Embargada o uso original da letra, o que os Executados/Embargantes desconhecem e por isso impugnam], prescindindo das questões aí invocadas”. Na mesma ocasião, os embargantes entenderam “não estarem reunidas as condições para ser de imediato proferida decisão de mérito, devendo os autos prosseguirem para apreciação da prova”; a embargada, diferentemente, considerou que as aludidas condições estavam reunidas, e o tribunal despachou no seguinte sentido: “Considerando a atual configuração destes autos, atendendo à matéria de facto alegada e contestada e aos documentos ora juntos, entendo não estarem reunidos os pressupostos para ser, desde já, proferida decisão de mérito, sendo conveniente e essencial à descoberta da verdade e à boa decisão desta causa o prosseguimento dos autos para julgamento”.

No mais, foi proferido o despacho saneador, fixando-se o valor da causa [127.714,68€], identificando-se ainda o objeto do litígio [- se os aqui executados/embargantes são responsáveis pelo pagamento das quantias peticionadas e, na afirmativa, em que termos. - se existe litigância de má-fé das partes] e enunciando-se os temas da prova [- os factos essenciais relativos aos acordos entre as partes, sua celebração, sua validade, o seu âmbito, contexto, (in)cumprimento e sua resolução/extinção, incluindo o alegado pagamento e a concretização dos montantes ainda em dívida]. Foi designada a audiência final para 15.12.2023.

Entretanto, foram juntos novos documentos, e as partes prescindiram da audiência final, da produção de prova e das alegações, conforme informação prestada nos autos [Com a informação a V/ Exa, atento os requerimentos que antecedem (ref. 47424979 e 47425074) e a diligência agendada para o dia de hoje, contactei telefonicamente os Ilustres Mandatários dos Embargantes - Dr. EE, Dr. FF e Dr. GG (falei com os próprios) a fim de dar conhecimento do seu teor. Os Ilustres Mandatários declararam que: - tomaram conhecimento dos requerimentos supra mencionados; - nada terem a opor a que seja dado sem efeito o julgamento; - mantêm o entendimento de que se encontram já reunidos os pressupostos para ser imediatamente proferida decisão de mérito; e - prescindem das alegações. Tendo em consideração a posição dos Ilustres Mandatários dos Embargantes, contactei telefonicamente o escritório do Dr. HH que declarou prescindir também das alegações].

E foi proferido o despacho com a mesma data: “Atenta a informação que antecede e considerando a invocada situação de saúde do ilustre advogado da embargada e o exposto e requerido/acordado pelos ilustres mandatários das partes, e conjugando o disposto nos arts. 40.º, n.º 1, al. a), 58.º, n.º 1, 140.º, 151.º, n.ºs 1 e 5, 272.º, n.º 1, 547.º, 594.º e 603.º, n.º 1, todos do CPC, e tendo-se também em conta a proximidade da data designada e para evitar deslocações, diligências e gastos inúteis, dou sem efeito a data da audiência final já aqui marcada. Notifique e desconvoque pela via mais expedita. Comunique ao Sr. AE. Atentos os motivos invocados pela embargada e para boa decisão desta causa e descoberta da verdade material, considerando também os vários documentos já juntos anteriormente e as sucessivas tomadas de posição das partes, nos termos do disposto nos arts. 411.º e 423.º, n.º 3, do CPC, admito a junção aos autos dos documentos juntos pela embargada em 30/11/2023, sem qualquer multa, indeferindo o requerido pelos embargantes. Considerando a posição das partes, que prescindiram agora da audiência final e da respetiva produção da prova testemunhal/pessoal, bem como das alegações, oportunamente será proferida a respetiva decisão final. Notifique”.

Com data de 16.02.2024 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo improcedentes os presentes embargos de executado/oposição à execução, prosseguindo a execução como pedido pela exequente. Custas pelos aqui executados/embargantes, por terem ficado vencidos (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, e 529.º, n.ºs 1 e 4, do CPC). Registe e notifique. Comunique ao Sr. AE. Oportunamente, arquive-se, dando a devida baixa”.

II – Do Recurso
Inconformados com o decidido, os executados vieram apelar. Pretendem, novamente, a procedência dos embargos e o arquivamento da execução. Para tanto, formulam as seguintes Conclusões:
A - A sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615, n.º 1 al. d) e n.º 4 do CPC, encontrando-se por decidir as seguintes questões controvertidas: I - Requerimento da sociedade embargada via citius com ref. 34697814 de 08.02.2023 e requerimento dos embargantes via citius com ref. 35033001, datado de 13.03.2023 quanto à obrigação ser incerta, ilíquida e inexigível, tendo em consideração as listagens contabilísticas apresentadas pela embargada e pela Café B... e da nulidade do título executivo tendo em consideração o contrato celebrado a 08.05.2013; II - Requerimento dos embargantes via citius com ref. 35892094, datado de 09.06.2023 quanto aos factos admitidos por acordo e provados por documentos; III - Requerimento da sociedade embargada via citius com ref. 36290828, datado de 21.07.2023, quanto à recusa em juntar os elementos, em sua posse, requeridos pelos embargantes; IV - Requerimento dos embargantes via citius com ref. 37336628, datado de 20.11.2023 quanto à impugnação dos documentos juntos pela sociedade embargada em sede de audiência prévia; V - Requerimentos da interessada Café B..., via Citius com ref. 34880237 de 27.02.2023 quanto à listagem contabilística da sociedade embargada e com ref. 36713334 de 21.09.2023, quanto à injunção apresentada pela embargada contra a Café B...; VI - Requerimento da embargada via citius com ref. 34697814 a 08.02.2023 e documentos juntos em sede de audiência prévia, a 08.11.2023, quanto à ausência de correspondência entre as faturas entregues aos autos.
Sem Prescindir,
B - A embargada deu entrada de um requerimento executivo contra os embargantes, dando à execução, como título executivo não apenas uma letra de câmbio original, mas o conjunto dos seguintes documentos: uma letra de câmbio original no valor de 126.811,37€; um escrito particular denominado “Contrato” datado de 07.08.2013; um escrito particular denominado “Autorização para preenchimento de letra em branco/avalistas” datada de 07.08.2013; cópia de três cartas de interpelação, enviadas a cada um dos ora embargantes, todas datadas de 20.07.2022, com os respetivos comprovativos de registo e avisos de receção assinados, à exceção da dirigida ao embargante BB, de cujo aviso de receção não consta qualquer assinatura, por ter sido devolvida. Sendo esta conjugação é essencial, porquanto a validade, eficácia e exigibilidade da letra exequenda depende dela própria, mas também dos restantes documentos dados à execução e que integram a respetiva causa de pedir.
C - A letra exequenda apenas identifica o embargante CC, o que acarreta a sua nulidade nos termos do artigo 1.º, n.º 3, 2.º LULL.
D - Uma vez que o único sacado identificado é o embargante CC, as assinaturas do BB e do AA apostas na face anterior da letra consideram-se avales (art. 31 LULL, § 1 do art. 25 LULL).
E - Uma vez que os avales do CC, do BB e do AA apostos na face posterior da letra indicam que são prestados ao subscritor, entende-se que o são ao sacador (art. 1.º n.º 8 e 75 n.º 7 LULL, § 3 do art. 31 LULL e § 1 do art. 25 LULL, parte final do § 4 art. 31 LULL).
F - Uma vez que a letra não contém a cláusula sem despesas não está dispensada de protesto pela falta de pagamento, por imposição dos arts. 44 a 46 da LULL e arts. 119, n.º 1 al. a), 120 n.º 1 e 127 do Código do Notariado.
G - O pacto de preenchimento dado à execução não constitui parte integrante da letra e do contrato dados à execução, mas sim de um outro contrato datado de 08.05.2013, junto aos autos pela embargada.
H - Inexistiu qualquer pacto de preenchimento para a letra exequenda relativa ao contrato dado à execução, determinando que a letra exequenda não seja um título em branco, mas sim um título emitido de forma incompleta e desacompanhado do acordo de preenchimento indispensável para legitimar o tomador a preenchê-lo e, como tal, ferido de nulidade.
I – Entre a embargada e os embargantes foram celebrados dois contratos: um datado de 08.05.2013 e junto a fls. dos autos e o datado de 07.08.2013 dado à execução.
J – O café vendido, entregue e faturado pela embargada à “Café B..., Lda.” diz respeito aos dois contratos indistintamente, e os respetivos pagamentos dizem também respeito aos dois contratos, indistintamente.
L - Pelo que a obrigação exequenda é incerta, ilíquida e inexigível, atenta a indistinção das vendas, entregas, faturações e pagamentos representarem a impossibilidade de determinar o montante alegadamente em dívida para o contrato de 07.08.2013 dado à execução.
M – E o montante aposto na letra pela embargada não corresponde ao valor contratual em dívida, atendendo às quantidades entregues em cumprimento do contrato dado à execução.
N - A resolução do contrato dado à execução não foi efetuada pela A..., Lda., mas sim pelo seu mandatário, e uma vez que que o mandato forense não confere poderes de gerência para resoluções contratuais, o contrato apenas deve considerar-se resolvido com a citação quanto aos embargantes CC e AA.
O - Uma vez que o embargante BB não recebeu a carta de resolução por se encontrar ausente da sua residência, a resolução do contrato dado à execução quanto a ele apenas se operou com a citação.
P - Todos os fornecimentos destinados à execução do contrato dado à execução foram entregues e faturados à Café B..., Lda., podendo o mesmo ser resolvido nos termos da cláusula sexta, n.º 1 b) “ocorrendo, por qualquer motivo, o encerramento do estabelecimento comercial dos Segundos Outorgantes e supra identificado [Café B...], ou a suspensão ou interrupção da atividade por um período superior a 60 (sessenta) dias”, o que consubstancia impossibilidade originária da prestação geradora de nulidade do contrato dado à execução por violação do disposto no art. 401 CC.
Q – A obrigação exequenda encontra-se extinta, por prescrição, nos termos do disposto no art. 310 al. g) CC, por emergir de prestações contratuais periodicamente renováveis destinadas “essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor”.
R – O contrato dado à execução prevê apenas, em caso de resolução contratual por causa imputável aos embargantes, o direito da sociedade embargada “do reembolso do montante entregue e valor das restantes contrapartidas” (27.750,00€), sem qualquer referência ao IVA e do “valor global descrito no n.º 1 da cláusula 3.ª a título de cláusula penal” (27.750,00€), não prevendo, qualquer pagamento pelos kgs de café não adquiridos, nem tampouco isso resultando do estabelecido nos arts. 432 e ss CC, mais ainda quando sequer tal quantidade de café chegou a ser fornecida pela embargada, pelo que nunca a embargada poderia chegar ao montante peticionado de 126.811,37€.
S – O valor de 27.750,00€ da cláusula penal do contrato dado à execução encontra-se a ser duplamente peticionado, pelo que deve ser reduzido nos termos do art. 812 do CC.
T - Ainda que se aceitasse a aplicação da cláusula penal pelo montante evocado, o que só por mero dever de patrocínio se equaciona, o montante aposto pela sociedade embargada na letra exequenda, excede o valor total do cumprimento do contrato, caso tivessem sido fornecidos os 1800 kgs de café – que seria de 17.232,00€ (€24,99/kg * 1800 kg = 44.982,00€ – 27.750,00€ = 17.232,00€) e perfaz mais do que o quádruplo do montante alegadamente previsto cláusula penal, constituindo abuso do direito da embargada nos termos do disposto no art. 334 CC, por exceder de forma manifesta os limites impostos pela boa fé. Pelo que:
U – Deve ser dada a seguinte redação ao facto provado 1: “1.- A exequente deu à execução como título executivo a letra de câmbio original constante do processo executivo a que este está apenso, com o número ..., no valor de 126.811,37€, com data de emissão de 02/08/2022 e data de vencimento de 02/08/2022, aceite pelo embargante CC, o qual figura como sacado, assinadas na frente, no local do aceite, pelos embargantes BB e AA, e avalizada por todos os embargantes, conforme assinaturas apostas no seu verso, após a expressão “Bom por aval ao subscritor”, sendo nela indicado a exequente como sacadora/beneficiária, com o seu carimbo aposto nos locais destinados ao sacador e com a assinatura do seu legal representante aposta sob o respetivo carimbo, não tendo aposta a cláusula sem despesas, e sem ter sido preenchido o campo destinado ao local de pagamento, conforme tudo consta do documento junto e cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
V – Deve ser dada a seguinte redação ao facto provado 4: “4.- Entre a sociedade aqui exequente/embargada e os aqui executados/embargantes foram celebrados dois contratos de fornecimento de café e outros, em regime de exclusividade, obrigando-se, em cada um deles, os executados/embargantes a adquirir à exequente/embargada 1.800kg de café, lote “...”, sendo fixada a duração de 60 meses, em quantitativos mensais mínimos de 30 kg de café, obrigando-se os executados/embargantes a consumir e publicitar os produtos da exequente/embargada através da sociedade comercial “Café B..., Lda.”, cujos demais termos e condições constam dos escritos particulares datados de 08/05/2013 e 07/08/2013 e por todos assinado nas respetivas qualidades, conforme tudo consta dos documentos juntos na execução e posteriormente nos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
X - Deve ser dada a seguinte redação ao facto provado 5: “5.- A letra de câmbio acima referida foi entregue à exequente em branco, não continha a data de vencimento nem o seu montante, estando apenas assinada pelos embargantes, na qualidade de aceitante quanto ao BB e na qualidade de avalistas quanto a todos os embargantes, para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do contrato de fornecimento de café de 08.05.2013 junto aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
Z - Deve ser aditado aos factos não provados: “A letra de câmbio acima referida foi subscrita em 07/08/2013”.
AA - Deve ser dada a seguinte redação ao facto provado 6: “6.- Por escrito particular de 07/08/2013, junto aos autos com o requerimento executivo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, titulando uma autorização de preenchimento de letras em branco/avalistas, para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do contrato celebrado com a Exequente/Embargada a 08/05/2013, os aqui executados/embargantes subscreveram e avalizaram entre si letra em branco em que autorizaram o preenchimento de letra quando a exequente o entendesse oportuno, podendo fixar-lhe a data de vencimento, o valor e o local de pagamento, sendo o montante devido pelos subscritores à primeira solicitação, ainda que exista qualquer vício, o que tudo ficou a constar da autorização escrita assinada pelos aqui executados/embargantes (como subscritores e avalistas) e junta com o requerimento executivo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo tais elementos posteriormente preenchidos pela exequente.”
AB - Deve ser aditado aos factos não provados: “Por escrito particular de 07/08/2013, titulando uma autorização de preenchimento de letras em branco/avalistas, os aqui executados/embargantes autorizaram ainda o preenchimento da letra dada à execução quando a exequente o entendesse oportuno, podendo fixar-lhe a data de vencimento, o valor e o local de pagamento, sendo o montante devido pelos subscritores à primeira solicitação, ainda que exista qualquer vício, o que tudo ficou a constar da autorização escrita assinada pelos aqui executados/embargantes (como subscritores e avalistas) e junta com o requerimento executivo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo tais elementos posteriormente preenchidos pela exequente”.
AC - O n.º 8 dos factos dados como provados deverá ser dado como não provado.
AD – Deve ser aditado aos factos não provados: “Por referência ao escrito particular de 07.08.2013, foram consumidos pela Café B... 90kg de café.”
AE - Deve ser aditado aos factos não provados: “Do contrato dado à execução resulta a obrigação do pagamento do café em falta, a que corresponde a peticionada quantia de 64.928,87€, contemplada no montante de 126.811,37€, aposto na letra e indicado nas aludidas cartas de resolução.”
AF - Deve ser dada a seguinte redação ao facto provado 9: “9.- Na data da cessação da aquisição de café pelos executados/ embargantes à exequente, o preço do quilograma de café da marca ..., lote “...”, era de 24,99, mais IVA.”
AG - Deve ser aditado aos factos não provados: “Na data da cessação da aquisição de café pelos executados/ embargantes à exequente, o preço do quilograma de café da marca ..., lote “...”, era de €30,87, mais IVA, sendo fornecido café aos executados entre 2014 e 2018, num total de 90 kg.”
AH - Deve ser dada a seguinte redação ao facto provado 10: “10.- Além do contrato acima identificado, em 08/05/2013, a exequente havia celebrado com os aqui executados/ embargantes um anterior contrato de fornecimento de café e outros, em regime de exclusividade, conforme tudo consta do documento junto pela exequente/ embargada nestes autos em 08/02/2023, cujo teor aqui se dá por reproduzido (Doc. 1), estando tal contrato mencionado no escrito particular de 07/08/2013, relativo à autorização de preenchimento de letras em branco, já acima referido.”.
AI - Deve ser dada a seguinte redação ao facto provado 11: “11.- As encomendas de café e respetiva faturação dizem respeito aos dois contratos, cujos pagamentos eram feitos todos juntos, ou seja, a mercadoria encomendada era faturada para os dois contratos, e os pagamentos eram feitos todos juntos, como tudo consta das faturas, recibos e listagem contabilística juntos aos autos, cujos teores aqui se dão por reproduzidos (Docs. 2 a 38).”.
AJ - O n.º 12 dos factos dados como provados deverá ser dado como não provado.
AL - Devem ser excluídos os n.º 4 e 6 dos factos não provados.
AM – A embargada deu à execução um título nulo que não poderá valer como letra, por falta de elementos essenciais, e o objeto da prestação é indeterminável, pelo que a obrigação exequenda não é certa, nem líquida, nem exigível.
AN – E os embargos devem ser julgados procedentes, ordenando-se o arquivamento da execução.

A exequente respondeu ao recurso e, defendendo a sua improcedência, apresentou as seguintes Conclusões:
1 - No tocante à primordial questão suscitada, a saber, a alegada omissão de pronúncia, impõe-se refutar categoricamente a insinuação de falha procedimental.
2 – O tribunal, prolator da decisão em foco conduziu o feito com diligência e discernimento, abarcando todas as questões e requerimentos apresentados pelas partes, os recorrentes, a recorrida e a sociedade interveniente acidental.
3 - A objeção dos recorrentes versa sobre a alegada ausência de apreciação de determinados requerimentos, entretanto, urge ressaltar que a grande maioria destes revelou-se, a todas as luzes, redundante, caracterizando-se por mera repetição ou acréscimo de argumentos já abordados na petição de embargos, ou, ainda, referindo-se a particularidades de índole periférica, despidas de relevância para o deslinde da causa.
4 - De salientar ainda que a realização da audiência prévia e a subsequente prolação do despacho saneador, instâncias nas quais poder-se-ia, eventualmente, suscitar questões de nulidade, transcorreram sem que os recorrentes externassem qualquer ressalva a esse respeito, acarretando, por via de consequência, a preclusão do direito de arguição de nulidade em momento posterior.
5 - De igual modo, faz-se sublinhar que a função precípua do despacho saneador (artigo 595, n.º 1, alínea a) do C.P.C), consiste precisamente na análise e resolução de questões processuais prementes, devendo, portanto, ter sido oportuno para conhecer de tais nulidades se as houvesse.
6 - Assim sendo, e considerando até aquilo que vem a fls. 9 e 10 da sentença, “Não resultaram provados todos os demais factos alegados relevantes, designadamente a demais factualidade constante dos temas de prova, em especial os demais artigos da petição de embargos e da contestação, mas sem prejuízo do que provado ficou. Todas as demais alegações vertidas nos articulados que não se encontram direta ou indiretamente compreendidas na presente decisão são irrelevantes, repetidas, impertinentes, conclusivas ou constituem matéria de direito.”, a sentença proferida é cristalina, não padecendo de quaisquer nulidades,
7 – Pois que, segundo a mesma, todos requerimentos apresentados foram devidamente apreciados e ponderados, ainda que, aqueles de natureza repetitiva ou desprovida de relevância substancial para a lide, tenham sido sumariamente descartados, em conformidade com os princípios basilares do contraditório e da economia processual.
8 - Por conseguinte, ante a robustez e coerência dos fundamentos ora elencados, a recorrida está confiante da sentença, ressaltando-se a sua conformidade plena com os ditames legais e processuais aplicáveis.
9 - Quanto às assinaturas constantes da letra de câmbio, título executivo, cumpre agora à recorrida esclarecer, com a devida precisão e acuidade, a natureza dos vínculos estabelecidos entre as partes litigantes, bem como a validade e eficácia do título executivo em questão.
10 - No que tange à suposta irregularidade nas assinaturas constantes no título executivo, é de notório conhecimento que a recorrida figura como sacadora, enquanto os recorrentes figuram como sacados, conformando-se e alinhando-se com a essência da relação comercial estabelecida entre as partes, pois que, recorrida e recorrentes celebraram entre si um contrato, já junto com o Requerimento Executivo sob o n.º 2.
11 - Conforme asseverado por (A. Correia, 1975:154), os recorrentes só adquirem responsabilidade pela obrigação se a aceitarem expressamente, o que, de maneira clara e inequívoca, se verifica na letra dada à execução, devidamente junta aos autos com o R.E. sob o doc. n.º 1, cujo original também consta dos autos.
12 - Ao assinarem a letra, os recorrentes, pois basta uma mera assinatura na parte do "aceite", configuram-se como sacados, assumindo, por conseguinte, a obrigação de pagamento que voluntariamente contraíram.
13 - Tal entendimento encontra respaldo no artigo 25 da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL), que estipula que o aceite é expresso pela assinatura do sacado.
14 - Aliás, a recorrida “pode livremente escolher por demandar o avalista ou o avalizado, sem que o primeiro/avalista tenha o direito de exigir a excussão prévia dos bens do segundo (art. 47 da LULL), impondo a lei a inexistência de qualquer subsidiariedade (cfr., entre outros, a jurisprudência fixada no AUJ do STJ n.º 4/2013, publicado no DR-I-s, n.º 14, de 21/01/2013; bem como Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, 2016, Almedina)”, conforme sentença, fls. 19.
15 - Diante desse contexto, não há margem para dúvidas de que os recorrentes são devidamente considerados sacados no âmbito da presente letra, sendo evidente a presença das suas assinaturas na parte do aceite.
16 - Assim, é incontroverso que a letra de câmbio em apreço preenche os requisitos essenciais para ser considerada válida como título de crédito, estando devidamente aceite e avalizada pelos ora recorrentes, não se vislumbrando, portanto, qualquer nulidade por inobservância de assinaturas a respeito.
17 - No que tange às alegações relativas ao protesto por falta de pagamento e à qualificação da letra como incompleta, em detrimento de uma letra em branco,
18 - importa salientar que, conforme estipulado no artigo 44 da LULL), a recusa de pagamento deve ser formalmente exercida através de um ato específico, qual seja, o protesto por falta de pagamento.
19 - Nesse contexto, todas as interpelações admonitórias efetuadas, mediante carta registada com aviso de receção (A.R.), bem como as cartas de resolução contratual enviadas sob mesma forma, e que estão devidamente juntas aos autos, configuram protestos formais, conforme disposto nos artigos 44, 45 e 46 da LULL.
20 - De notar ainda que a recorrida observou rigorosamente todos os requisitos para que a letra em questão fosse saldada extrajudicialmente, concedendo prazos mais do que adequados.
21 - Mais ainda, a própria autorização para preenchimento de letras em branco/ avalistas, que figura nos autos e é objeto de apreciação adiante, confere à recorrida total liberdade para determinar, preencher e solicitar o pagamento da letra em caso de incumprimento, mesmo que algum vício eventualmente exista.
22 - Não desmerecendo o acima descrito, conforme entendimento jurisprudencial consolidado, a falta de protesto por falta de pagamento não invalida os direitos de ação contra os avalistas do subscritor da letra, por serem obrigados diretos e solidários.
23 - Decorrendo tal entendimento da interpretação conjugada dos artigos 32, 53, 77 e 78 da LULL, que estabelecem que o aceitante e o seu avalista estão excluídos do regime de perda de direitos em caso de falta de protesto por falta de pagamento.
24 - Ademais, a alegação dos recorrentes de que o documento de autorização de preenchimento de letras em branco/avalistas pertence a um contrato distinto do objeto litigioso nesta ação, carece de fundamento.
25 - Verifica-se, de maneira inequívoca, que o referido documento está devidamente datado e assinado, não corroborando, portanto, a alegação de que se refere a um contrato diverso.
26 - Além disso, a data de celebração e assinatura do contrato em discussão coincide com a data constante do referido documento de autorização, refutando assim a suposição dos recorrentes.
27 - Assim sendo, além de ter cumprido rigorosamente o protesto por falta de pagamento, quando tal nem era necessário, a recorrida preencheu integralmente o título executivo dado à execução, de acordo com o documento assinado pelos recorrentes, o qual está devidamente junto com o Requerimento Executivo sob o n.º 3.
28 - Por conseguinte, à luz dos argumentos expostos, a recorrida não tem dúvidas de que a letra foi subscrita em branco e preenchida de acordo com a autorização de preenchimento, e que apesar de não se revelar necessário o protesto por falta de pagamento, conforme supra descrito, o mesmo foi devidamente concretizado, devendo, portanto, manter-se a sentença.
29 - Já relativamente às alegações contidas e referenciadas sob as letras D, E, F, H, os recorrentes alegam que a execução do contrato foi realizada com a sociedade comercial Café B..., Lda., e não diretamente com eles, contudo, a documentação presente nos autos demonstra claramente que a celebração ocorreu entre a recorrida e os recorrentes.
30 - O contrato, devidamente junto aos autos e subscrito pelas partes, estabelece de forma inequívoca os compromissos assumidos pelos recorrentes em relação ao fornecimento e publicidade dos produtos da recorrida, estando presente na cláusula 5.ª do referido contrato que o mesmo é celebrado com os recorrentes independentemente a quem sejam vendidos/faturados os bens que adquiram.
31 - Ora, foram os recorrentes que assumiram a posição contratual, tal como foram os recorrentes que receberam as contrapartidas previstas na cláusula 3.º do contrato, portanto teriam de cumprir o contrato tal e qual se obrigaram, o que mais do que visto está que não ocorreu, não se verificando qualquer aplicação do artigo 401.º CC.
32 - Quanto ao valor excessivo da Letra e suposta excessividade da Cláusula Penal, estes (valores), estão de acordo, minuciosamente, com o contrato que recorrentes e recorrida validamente celebraram.
33 - Tendo-se levado em conta os montantes previstos em caso de incumprimento contratual/resolução de contrato, ou seja, desde logo os previstos na cláusula 3.ª e 7.ª, advindo o valor da letra dada à execução de: - 27.500€ que foi dado adiantadamente pela recorrida que corresponde a: -10.000€ em cheque entregue a um dos Recorrentes cujos restantes dois deram quitação, - 9.000€ em cheque, entregue a um dos recorrentes cujos restantes dois deram quitação, -7.850€ em materiais, que ficam na propriedade da aqui Embargada até cumprimento total do contrato como garantia. - 64.928,87€ a título de pagamento do café em falta sem qualquer desconto, como explicito na cláusula 7.ª. - 27.500€ a título de Cláusula Penal, que em nada é excessivo, visto ser um valor equivalente ao que foi dado antecipadamente pela Recorrida, não fazendo qualquer sentido a mesma ser reduzida.
34 - Ora, o incumprimento contratual tem de ter consequências, senão não haveria porquê cumprir o contrato, se o incumprimento não trouxesse consequências.
35 - A Cláusula Penal é uma figura jurídica “compulsória” e funciona como uma garantia de cumprimento de contrato, por outro lado, caso um dos contraentes se torne faltoso, esta representa um valor, normalmente monetário que fica a ser devido ao contraente fiel aquando do incumprimento definitivo.
36 - Amparando-se a recorrida do AC. do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 142/11.7TBFAF.61, no qual se pode ser o seguinte: “I - Para avaliar do caráter manifestamente excessivo da cláusula penal, nos termos do art. 812, n.º 1 do Código Civil, deve-se levar em conta o que o credor teria auferido se o contrato tivesse realmente sido cumprido (função indemnizatória), a que acresce a função compulsória, que aquela também possui e que permite que o respetivo valor, ainda dentro da normalidade conceptual da figura, transcenda o dos “danos contratuais positivos”, assim se tutelando o interesse que o credor tem no cumprimento do contrato, reportado ao seu momento genético. II – Nos contratos típicos de fornecimento de café, o vendedor, quando coloca ab initio à disposição do comprador equipamentos e montantes pecuniários avultados (que frequentemente, permitem a este último o arranque da sua atividade comercial), fá-lo evidentemente na expectativa de uma relação comercial duradoura e estável, visando a inclusão no contrato da cláusula penal no valor daqueles equipamentos e montantes, blindar coercivamente tal relação das vicissitudes que poderão atingir o cumprimento pontual do contrato.”.
37 - ORA, não há quaisquer dúvidas de que a Cláusula Penal, contratual e previamente acordada entre os recorrentes e a recorrida, em nada é excessiva, nem tão pouco se apresenta como excessivo o valor da letra de cambio dada à execução, pois que, o valor da mesma corresponde apenas e tão só às consequências contratuais por incumprimento, previstas e acordadas pelas partes no seio contratual, não se verificando qualquer abuso de direito por parte da recorrida, nem tão pouco devendo o valor indemnizatório ser reduzido.
38 - Relativamente à resolução extrajudicial do contrato, esta foi realizada após o claro e culposo incumprimento por parte dos recorrentes.
39 - Antes de proceder à resolução, a recorrida cumpriu todas as formalidades legais, incluindo a devida interpelação extrajudicial, conforme previsto no Código Civil (art. 808), interpelações e resoluções contratuais essas que foram enviadas por advogado signatário, com procuração forense para o efeito, para o domicílio convencionado entre recorrentes e recorrida, sendo tais plenamente válidas e eficazes, pois que, o advogado signatário da recorrida atuou dentro dos poderes conferidos por esta e enviou as supra referidas cartas para a morada convencionada.
40 - Não devendo, portanto, serem levadas em conta as alegações contidas e referenciadas sob as letras D, E, F, H, nem tão pouco o ponto “V” das alegações, mantendo-se a sentença.
41 - Já relativamente à alegada prescrição da obrigação, em resposta, a recorrida entende que, salvo melhor opinião, a prescrição da obrigação/ação cambiária não se verifica, apesar de, e no que a esta diz respeito, os recorrentes alegarem que se aplica o prazo previsto no art. 310, al. g) do Código Civil.
42 - Aplica-se sim o prazo geral de 20 anos, previsto no art. 309 do Código Civil, em virtude da natureza do contrato de fornecimento de café em questão, pois que, não constituem prestações periodicamente renováveis as acordadas entre os Recorrentes e Recorrida, sendo antes uma única obrigação (comprar 1800 kg de café), que foi fracionada em 30 kg mensais, aplicando-se à mesma um prazo de prescrição de 20 anos de acordo com o supra referenciado artigo do C.C e de acordo com o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 3180/13.1TBOER.L1-1.
43 - Ademais, a prescrição foi interrompida em diversas ocasiões, incluindo no 5.º dia posterior à instauração da execução e na data da citação dos embargantes.
44 - Portanto, a prescrição não pode ser invocada como fundamento ou alegação, pois que a mesma não se verifica, devendo manter-se assim a sentença, em conformidade com a legislação aplicável e os argumentos aqui apresentados.
45 - Ao nível agora da factualidade dada como provada/não provada, vêm agora os recorrentes apresentar argumentos, argumentos de que a decisão proferida é integralmente infundamentada, contudo tal não se demonstra ser verdade, pois que,
46 - A decisão é integralmente fundamentada refletindo uma análise meticulosa dos documentos juntos aos autos, e dos próprios articulados apresentados.
47 - A aplicação da regra orientadora estabelecida no artigo 414 do C.P.C. demonstra o compromisso do tribunal em alcançar uma decisão justa e equitativa, em total consonância com os princípios processuais vigentes.
48 - Quanto à relevância da prova requerida pelos recorrentes e mencionada no recurso (Requerimento de 21/07/2023), a qual a recorrida não juntou um dos documentos, cumpre esclarecer que o documento requerido não guardava pertinência com o objeto central da controvérsia em julgamento,
49 - Pelo contrário, tal requerimento representava uma clara tentativa de sobrecarregar o processo com provas irrelevantes, violando o princípio da economia processual e desvirtuando o escopo da demanda. A recusa da recorrida em fornecer tal documento foi, portanto, uma medida justificada e em total consonância com o direito processual.
50 - Quanto à conduta da recorrida, reitera-se que todas as ações foram pautadas pela transparência, honestidade e respeito aos preceitos legais, tanto na esfera comercial quanto no âmbito judicial.
51 - Qualquer insinuação em contrário carece de fundamento, e representa uma tentativa infundada de desacreditar a sua conduta, a qual sempre se manteve íntegra e em conformidade com os ditames legais.
52 - No que concerne, agora sim, à análise dos factos provados e não provados, é de salientar que a sentença abordou minuciosamente os mesmos, de forma coerente e consistente com a prova produzida nos autos.
53 - A versão apresentada pelos recorrentes foi devidamente refutada com base em elementos (muitos) documentais sólidos e na aplicação das regras da experiência comum, da normalidade e da lógica, não existindo qualquer obscuridade ou equívoco nas conclusões do tribunal a quo, as quais se mostram robustas e bem fundamentadas.
54 - Existiu e existe sim uma intenção dos recorrentes em protelar o desfecho do processo, mediante requerimentos incessantes de provas que só vieram comprovar a verdade dos factos e a razão que assiste à recorrida, recorrida que sempre pautou pela celeridade e a boa-fé processual.
55 - Na verdade, as diferenças destacadas pelos recorrentes em relação ao facto número 1 dado como provado, são, em última análise, irrelevantes.
56 - Conforme já mencionado supra, a letra de câmbio, que é o título executivo nesta ação, foi aceite e avalizada por todos os embargantes, portanto, adicionar detalhes que se desviem da essência da letra da sentença apenas violaria o princípio fundamental da celeridade e economia processual.
57 - A inclusão do número de referência do título executivo, a especificação dos nomes dos embargantes, que são simultaneamente avalistas, não agrega nenhum valor substancial ao processo.
58 - Portanto, considerando que a letra de câmbio foi aceite e avalizada por todos os recorrentes, quaisquer mudanças propostas por estes não contribuiriam para a compreensão ou veracidade dos factos em questão. Ao invés disso, apenas serviriam para prolongar o processo de forma injustificada e contrária aos interesses da eficiência e agilidade processual.
59 - Assim sendo, é prudente manter o facto número 1 conforme inicialmente redigido, em conformidade com os princípios da celeridade e economia processual, e em respeito à verdade substancial dos fatos.
60 - Quanto ao facto n.º 4 dado como provado, enfatiza-se que o contrato que os recorrentes procuram fazer constar não possui relevância alguma para o deslinde da presente ação.
61 - Este contrato foi apresentado unicamente a pedido dos recorrentes, sendo que a sua inclusão nos autos, juntamente com toda a documentação requerida por estes, serviu apenas para uma justa valoração do título executivo subjacente à execução.
62 - Destacar que o contrato datado de 08.05.2013 não tem qualquer pertinência para o objeto do litígio em questão. Tanto este quanto o contrato dos autos, junto com o Requerimento Executivo, são documentos distintos, assinados e datados em espaços temporais diferentes, cada um com as suas próprias contrapartidas e garantias, ou seja, são dois negócios jurídicos distintos.
63 - De salientar que o contrato de 08.05.2013 não foi acionado em termos legais, não sendo utilizado como fundamento para a presente ação, sendo imprescindível manter o foco nos documentos fundamentais para a compreensão do litígio, como o contrato junto com o R.E., bem como os demais documentos que o embasam.
64 - Nesse sentido, o facto número 4 deve permanecer inalterado, como na sentença.
65 - Já relativamente à tentativa dos recorrentes em modificar o facto número 5, tal não corresponde à verdade dos fatos, conforme já esclarecido anteriormente, pois que, conforme já devidamente contra-alegado, com as evidências documentais presentes nos autos, facilmente se chega à conclusão de que a letra de câmbio em questão está intrinsecamente vinculada ao contrato datado de 07.08.2013, portanto, deve manter-se o facto número 5 exatamente como foi originalmente redigido pelo tribunal.
66 - Ademais, a menção do “facto não provado a aditar”, que refere a subscrição da letra de câmbio em 07.08.2013, deve ser ignorada, pois que, qualquer tentativa de alteração para incluir uma relação com um contrato datado de 08.05.2013 é infundada e contrária à evidência presente nos autos.
67 - Quanto ao facto número 6, tal como foi estabelecido na sentença, deve permanecer inalterado e mantido como provado.
68 – Os recorrentes, mais uma vez, tentam alegar que a autorização de preenchimento de letra em branco, bem como a letra de câmbio, estão relacionadas com o contrato datado de 08.05.2013, no entanto, esta alegação, repetida à exaustão, não condiz com a realidade. Pelo contrário, é uma distorção flagrante dos factos.
69 - A recorrida vê com perplexidade a insistência dos recorrentes nesta questão. Seria no mínimo incoerente conceber a realização de um contrato em maio e, apenas três meses depois, subscrever uma letra de câmbio e assinar uma autorização de preenchimento de letra em branco, consubstanciando tal alegação, salvo melhor opinião, uma afronta à inteligência do homem médio.
70 - Portanto, não há necessidade de mais provas, pois a letra de câmbio e a autorização de preenchimento de letra em branco são claramente associadas ao contrato celebrado em 07.08.2013. Mantendo-se o facto 6 na sua redação original e integral, conforme estabelecido, preservando-se a integridade da decisão judicial e a fidedignidade dos elementos probatórios apresentados nos autos.
71 - O facto número 8, tal como proferido pelo tribunal, deve permanecer inalterado, devendo o pedido dos recorrentes, para que seja dado como não provado e que seja aditado aos factos não provados, não ser levado em conta.
72 - O montante especificado no facto número 8, dado como provado, reflete precisamente os valores acordados e fixados entre as partes contratantes. Cada parcela mencionada é resultado de um acordo prévio entre as partes envolvidas, estipulado em conformidade com os termos contratuais estabelecidos. Portanto, não há motivo para contestar a veracidade de tais valores.
73 - O facto número 9, tal como foi considerado pelo tribunal, deve ser mantido na sua redação original, pois reflete a realidade dos documentos apresentados pela recorrida, documentos esses, claros quanto ao preço do quilograma de café da marca ..., lote "...", na data da cessação da aquisição pelos aqui Recorrentes e claros quanto aos kg de café consumidos pelos recorrentes.
74 - Qualquer tentativa de alterar este facto para incluir um valor diferente ou dá-lo como não provado, é injustificada, pois não está em conformidade com as evidências documentais apresentadas nos autos.
75 - Já relativamente ao facto dado como provado sob o n.º 10, a distinção subtil entre os dois textos reside na temporalidade expressa pelo verbo utilizado. Na redação do tribunal ao usar o pretérito perfeito simples ("celebrou"), implica-se que a celebração do contrato ocorreu em 08/05/2013, de forma independente, sem menção a nenhum contrato anterior. Por outro lado, na redação dos recorrentes, com o pretérito mais-que-perfeito composto ("havia celebrado"), sugere-se que a celebração do contrato ocorreu antes de uma outra ação passada ou mencionada, que no caso é a celebração de um contrato identificado anteriormente.
76 - Contudo, a tentativa dos recorrentes de destacar essa diferença não se alinha com a realidade documental. O documento de autorização de preenchimento de letras em branco (junto com o requerimento executivo sob o n.º 3), não faz qualquer menção ao contrato de 08.05.2013, estando, ao invés disso, associado e elaborado em conformidade com o contrato datado de 07.08.2013.
77 - Em apreciação agora do facto dado como provado sob o número 11, este, deve ser mantido exatamente como está. As faturas, recibos e listagens contabilísticas apresentadas pela recorrida, são documentos fundamentais que comprovam a veracidade das encomendas de café e a sua faturação. Tais documentos, juntamente com as listagens de consumos, não apenas corroboram as alegações da recorrida, mas também esclarecem de forma clara e inequívoca, as encomendas referentes a cada um dos contratos.
78 - Mesmo que o contrato de 08.05.2013 não esteja em discussão judicial, a apresentação das listagens de consumos é relevante para evidenciar a relação entre as encomendas de café e os contratos celebrados entre as partes. Portanto, manter o facto 11 na sua íntegra é essencial para preservar a precisão e a exatidão dos acontecimentos relatados nos autos.
79 - Quanto ao facto dado como provado sob o número 12, este deve ser mantido na sua forma original tal e qual a sentença, pois que, ao examinar os documentos relacionados com a faturação e as listagens apresentadas pela embargada, fica claro que existe uma diferenciação entre os contratos.
80 - Já relativamente aos factos dados como não provados sob os números 4 e 6 devem ser mantidos como não provados, pois que, com base na análise completa dos elementos apresentados supra, não há justificação ou relação causal suficiente para que esses factos sejam considerados provados, sendo, portanto, apropriado mantê-los na categoria de não provados, conforme determinado pelo tribunal.

O recurso foi recebido nos termos legais pela primeira instância, e nessa ocasião, a propósito na invocada nulidade da sentença, deixou-se dito: “(...) face ao disposto nos arts. 613.º, 615.º, n.º 1, e 617.º, n.º 1, do CPC, sendo taxativa a enumeração das nulidades da decisão, cremos que, por falta de suficiente e adequado fundamento, e tal como já defendeu a exequente/embargada na sua resposta, não se verificam as nulidades invocadas pelos recorrentes, tendo sido apreciadas todas as questões pertinentes suscitadas pelas partes, mostrando-se a decisão judicial clara, inteligível e unívoca, inexistindo os apontados motivos para dúvidas e inexistindo qualquer lapso ou omissão, carecendo de fundamento o seu pedido. Toda a atuação das partes e toda a documentação junta aos autos foram já apreciadas pelo juiz e deram origem à sentença proferida, não implicando decisão diversa da que foi proferida, pois foi seguida pelo julgador uma posição jurídica diversa da antes defendida pelos aqui executados/ embargantes/recorrentes, como tudo consta dos fundamentos de facto e de direito da sentença aqui prolatada. Assim, indefere-se o requerido a tal respeito, contudo V. Exas., Venerandos Desembargadores, farão, como sempre, justiça”.

Os autos correram Vistos e nada se observa que obste ao conhecimento do mérito da apelação, cujo objeto, atentas as conclusões apresentadas pelos embargantes, se traduz em saber se a) a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia; b) deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto e c) a execução deve ser declarada extinta, revogando-se a decisão recorrida, uma vez que – a letra dada à execução é nula; os avales foram prestados à sacadora; foi omitido o protesto por falta de pagamento; o pacto de preenchimento refere-se a outro contrato (celebrado a 8.05.2013); - a obrigação é incerta, ilíquida e inexigível; o montante aposto na letra não corresponde ao valor em dívida; - a resolução do contrato não foi efetuada pela exequente, nem o embargante BB recebeu a carta de resolução; - o contrato subjacente é nulo, por impossibilidade originária; - a obrigação exequenda está prescrita; - o valor da cláusula penal está duplicado, é excessivo e o valor aposto na letra excede o valor total do cumprimento do contrato.

III – Fundamentação
Da nulidade da sentença
Na sua primeira conclusão (A), os apelantes sustentam a nulidade da sentença, por ter havido omissão de pronúncia (artigo 615, n.º 1 al. d) e n.º 4 do CPC) relativas às questões controvertidas suscitadas nos requerimentos que identifica[2]:
I - Requerimento da sociedade embargada via citius com ref. 34697814 de 08.02.2023 [1.º Na execução de que estes autos são apenso, está apenas em causa um dos contratos, num total de dois, celebrados com os Executados. 2.º Para além, do contrato a que se refere o presente processo, existe um outro que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (Doc. 1). 3.º As encomendas de café e respetiva faturação, dizem respeito aos dois contratos, e cujos pagamentos eram feitos todos juntos, ou seja, a mercadoria encomendada era faturada para os dois contratos, e os pagamentos eram feitos todos juntos. 4.º Assim, junta-se aos presentes autos faturas, recibos e listagem contabilística, dando- se os seus teores por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. (Docs. 2 a 38). REQUER A V. EX.ª, MUI RESPEITOSAMENTE, A JUNÇÃO AOS AUTOS].
- E requerimento dos embargantes via citius com ref. 35033001, datado de 13.03.2023 quanto à obrigação ser incerta, ilíquida e inexigível, tendo em consideração as listagens contabilísticas apresentadas pela embargada e pela Café B... e da nulidade do título executivo tendo em consideração o contrato celebrado a 08.05.2013 [“I – DA LISTAGEM CONTABILÍSTICA APRESENTADA PELA EMBARGADA E DA CONTA CORRENTE APRESENTADA PELA “CAFÉ B..., LDA.”
1. A Embargada veio juntar aos autos um segundo contrato de fornecimento, cujo teor deu por integralmente reproduzido. 2. Isto porque, conforme a Embargada evocou “as encomendas de café e respetiva faturação dizem respeito aos dois contratos, e cujos pagamentos eram feitos todos juntos, ou seja, a mercadoria encomendada era faturada para os dois contratos, e os pagamentos eram feitos todos juntos.” 3. Motivo pelo qual, segundo alegou, a listagem contabilística junta aos autos pela Embargada dizia respeito a dois contratos – reitera-se, sem qualquer distinção – e não apenas a um, 4. Sob pena de, cálculos feitos, se constatar que a “Café B..., Lda.” adquiriu as quantidades mínimas exigidas por via do contrato que acompanhou a letra dada à execução. Sucede que,
5. Aquando da apresentação do Requerimento Executivo, referiu a Embargada nas suas cartas de interpelação ali juntas, remetidas a cada um dos embargantes o seguinte: “2. Acontece que, no ano de 2013, V. Exa não adquiriu qualquer Kg de café; no ano de 2014 V. Exa apenas adquiriu 30 Kgs de café; no ano de 2015 V. Exa apenas adquiriu 20 Kgs de café; no ano de 2016 V. Exa apenas adquiriu 10 Kgs de café; no ano de 2017 V. Exa apenas adquiriu 20 Kgs de café; no ano de 2018 V. Exa apenas adquiriu 10 Kgs de café, quando em tais períodos, a quantia mínima era (e é) de 360 Kgs, por cada ano. 3. Assim, e nos períodos supra referidos no número anterior, a quantidade de café, por V. Exa adquirida, foi de 90 Kgs; (...) 5. Desta forma, e dado que a quantidade mínima de café a adquirir por V. Exa, era (e é) de 1800 Kgs, e V. Exa apenas adquiriu 90 Kgs, ocorre um diferencial de 1710 Kgs de café, com o que o valor devido à M/ Constituinte é de €52.787,70 (1710 Kgs x €30,87)”. Ora,
6. O facto de a faturação para ambos os contratos se encontrar indistinta, vem contrariar o ali vertido e ora citado, o que só poderá acarretar efeitos nefastos à pretensão da Embargada, 7. ficando os Embargantes, sem sequer saber não só como a Embargada chega aos valores alegadamente em dívida apostos no alegado título dado à execução e ora peticionados e, tampouco, o incumprimento do referido contrato, subjacente à referida letra. Neste escopo,
8. Incumprindo com o ónus da prova a que estava incumbida, nos termos do estatuído no art. 342.o do CC, 9. Revela-se ainda notório que é impossível, à Embargada, determinar o montante alegadamente em dívida para o contrato em apreço, que veio a ser aposto, pela própria, no alegado título dado à execução, 10. em virtude da existência de um outro contrato de fornecimento, anteriormente celebrado, e da indistinção da respetiva faturação entre ambos. 11. E se nem a Embargada consegue determinar a que se refere o valor aposto na letra, só revela que o objeto é indeterminável, bem como a inerente obrigação. E, neste escopo, - DA OBRIGAÇÃO INCERTA, ILÍQUIDA E INEXIGÍVEL (...)
23. In casu, a obrigação não está determinada, e por isso não é exigível e não está quantificada, não sendo tal passível de ser matematicamente confirmado com os dados objetivos que os documentos revelam. Mais,
24. A forma como a Embargada configura a execução e líquida a obrigação exequenda remete-nos necessariamente para a relação subjacente à emissão e preenchimento da letra dada à execução enquanto garantia do cumprimento das obrigações decorrentes daquela (relação subjacente). 25. Ou seja, a definição do crédito exequendo encontra-se dependente das obrigações emergentes do contrato e respetivo (in)cumprimento, assim como das respetivas vicissitudes. 26. Estando a liquidação da obrigação exequenda dependente de elementos exteriores ao próprio título, deixa, a referida letra, de valer, por si só, para efeitos de demonstração da obrigação exequenda que, por isso, não se presume. De notar ainda que,
27. A listagem contabilística apresentada pela Embargada visa apenas a Café B..., Lda.,
28. Inexistindo qualquer elemento contabilístico no que respeita aos Embargantes, como não poderia deixar de ser, conforme suscitado pelos mesmos em sede de embargos, melhor explanados no ponto “DA IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA OBJETIVA DA PRESTAÇÃO”,
29. Pelo que se reitera o ali suscitado.
II – DA EXISTÊNCIA DO CONTRATO DE FORNECIMENTO CELEBRADO A 08.05.2013 – Contrato n.º .... DA LETRA INCOMPLETA E DA LETRA EM BRANCO
30. Conforme os Embargantes suscitaram quer em sede de embargos, quer aquando do exercício ao contraditório, 31. a “autorização para preenchimento de letras em branco/ avalistas” junta ao requerimento executivo, refere o seguinte: “Como garantia e segurança do cumprimento das obrigações emergentes do contrato celebrado com a A..., Lda. [...] a 08.05.2013”. 32. Sucede que, o contrato de fornecimento também naquela sede apresentado cujo alegado incumprimento/resolução originou o valor ora peticionado, havia sido outorgado a 07.08.2013. Desta feita,
33. com a ora junção do segundo contrato de fornecimento, comprovam agora os Embargantes que tal data de 08.05.2013 aposta na autorização de preenchimento em causa, não se deveu a um mero lapso, mas, isso sim, diz respeito a um outro contrato de fornecimento. Nesta medida, forçoso será dizer que,
34. A letra dada à execução não foi acompanhada do respetivo acordo de preenchimento. Mais,
35. Revela-se claro que à letra em causa inexiste qualquer pacto de preenchimento. E, nessa medida,
36. Estamos perante, não de uma letra em branco, mas sim (do preenchimento) de um título incompleto, alegadamente subscrito pelos obrigados, mas sem qualquer acordo que legitime o tomador a preenchê-lo. (...)
Termos em que se requer a V. Exa.: a) Considerar a obrigação exequenda incerta e ilíquida. Sem prescindir, caso assim não se entenda, b) Julgar a nulidade do título dado à execução, extinguindo-se a ação executiva”].
II - Requerimento dos embargantes via citius com ref. 35892094, datado de 09.06.2023 quanto aos factos admitidos por acordo e provados por documentos[3] .
III - Requerimento da sociedade embargada via citius com ref. 36290828, datado de 21.07.2023, quanto à recusa em juntar os elementos, em sua posse, requeridos pelos embargantes [1.º Com a mais elevada consideração e respeito ao ilustre Poder Judiciário, vem a Embargada, através do presente requerimento, 2.ºem observância escrupulosa à ordem judiciária e ao zelo pela lisura processual, expressar que lhe é vedado juntar os documentos pedidos pelo Embargante, 3.º POIS QUE, tais documentos tangenciam temática diametralmente distinta da presente controvérsia judicial, alheia, portanto, à esfera do litígio em apreço, não ostentando qualquer pertinência ou conexão com o Embargante AA, tampouco com os demais Embargantes que figuram nesta ação executiva. 4.º A premissa sine qua non para a tramitação imaculada da demanda forense, repousa na clareza dos fatos e na estrita adesão aos contornos da contenda, razão pela qual a inclusão de informações extrínsecas, não pertinentes, arrefecerá, decerto, a perspicácia e análise da prova, comprometendo, assim, a equidade processual. 5.º Com fundamento em tais considerações, reitera-se, com veemência, a inviabilidade de apresentar os documentos aludidos].
IV - Requerimento dos embargantes via citius com ref. 37336628, datado de 20.11.2023 quanto à impugnação dos documentos juntos pela sociedade embargada em sede de audiência prévia [1. No decorrer da Audiência Prévia foram juntos pela Embargada dois documentos, denominados “Contratos V1”, que a mesma descreveu como sendo duas listagens de consumo referentes ao contrato datado de 08.05.2013 e ao contrato datado de 07.08.2013, 2. Com o alegado intuito de dissipar as dúvidas suscitadas pelos Embargantes quanto aos consumos e à determinação do montante em dívida. Sucede que, 3. Os mencionados documentos não têm qualquer sustentação contabilística ou correspondência com os fundamentos aduzidos pela Embargada ou com a documentação até então junta aos autos pela mesma. 4. Trata-se de meros documentos particulares elaborados e emitidos pela própria Embargada. 5. Motivos pelos quais, os Embargantes impugnam o respetivo teor e alcance pretendidos pela Embargada com a mencionada junção].
V - Requerimentos da interessada Café B..., via Citius com ref. 34880237 de 27.02.2023 quanto à listagem contabilística da sociedade embargada [1.º A Requerente Café B..., Lda. requer a junção aos autos da cópia dos extratos de contabilidade (i.e., “conta-correntes”) relativos às movimentações financeiras/contabilísticas mantidas entre a Café B..., Lda. e a A..., Lda. nos anos de 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 – Docs. 1 a 7. 2.º Conforme oportunamente referido, designadamente no Requerimento que antecede, para poder dar resposta ao que lhe foi determinado, a Requerente Café B..., Lda. teve que contactar o anterior responsável pela contabilidade da empresa, na posse de quem se encontrava a maioria da documentação contabilística referente ao período anterior a 2019, data em que se alterou a estrutura societária da Café B..., Lda. 3.º Contudo, do acervo documental que foi disponibilizado à atual gerência da Requerente Café B..., Lda. apenas constavam as “conta-correntes” agora juntas, não constando, designadamente, cópias dos recibos e/ou das faturas relativas às transações que a Café B..., Lda. manteve com a A..., Lda. entre o início de aquisições (30/julho/2013) e o último pagamento, realizado em 30/junho/2019, não sendo, por essa razão, possível juntar neste momento aos autos tais documentos relativos às compras e vendas realizadas por ambas as empresas entre si. 4.º Por outro lado, não pode deixar de se fazer notar que, de acordo com a análise que pode ser feita das “conta-correntes” agora juntas, a Café B..., Lda. não recebeu da A..., Lda. qualquer valor de bónus ou crédito por aquisições, pois se isso tivesse acontecido tal recebimento teria de constar na(s) “conta-corrente(s)” agora junta(s) como movimento a crédito, por contrapartida de entrada na respetiva conta bancária, o que não acontece].
- E com ref. 36713334 de 21.09.2023, quanto à injunção apresentada pela embargada contra a Café B... [CAFÉ B..., LDA. (...) vem dar cumprimento ao que lhe foi determinado, o que faz nos seguintes termos: A interveniente Café B..., Lda., relativamente ao valor em dívida de € 164,68, recebeu da A..., Lda. a Injunção cuja cópia se junta como Doc. 1. Mais se esclarece que tal dívida não motivou, como não teria de motivar, qualquer resolução contratual operada pela A..., Lda. junto da interveniente Café B..., Lda., pelo que, nessa medida, nenhuma carta de interpelação/comunicação da resolução do contrato há que a interveniente Café B..., Lda. possa juntar].
VI - Requerimento da embargada via citius com ref. 34697814 a 08.02.2023 [1.º Na execução de que estes autos são apenso, está apenas em causa um dos contratos, num total de dois, celebrados com os Executados. 2.º Para além, do contrato a que se refere o presente processo, existe um outro que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (Doc. 1). 3.º As encomendas de café e respetiva faturação, dizem respeito aos dois contratos, e cujos pagamentos eram feitos todos juntos, ou seja, a mercadoria encomendada era faturada para os dois contratos, e os pagamentos eram feitos todos juntos. 4.º Assim, junta-se aos presentes autos faturas, recibos e listagem contabilística, dando- se os seus teores por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. (Docs. 2 a 38)] e documentos juntos em sede de audiência prévia, a 08.11.2023, quanto à ausência de correspondência entre as faturas entregues aos autos [Ulteriormente, pelo Ilustre Mandatário da Embargada/Exequente foi pedida a palavra, e, sendo-lhe concedida, no uso dela, pronunciou-se nos termos constantes da gravação efetuada digitalmente na aplicação informática, Habilus Media Studio, em uso neste Tribunal, de cujo teor e, em súmula, resulta: - - Requereu a junção aos autos da listagem de consumos referente ao contrato datado de 08.05.2013 e ao contrato datado de 07.08.2013 a fim de dissipar as dúvidas suscitadas pelos Embargantes na Petição de Embargos quanto aos consumos e à determinação do montante em dívida].

Nos termos do artigo 615, n.º 1, alínea d) do CPC e na parte do preceito que ao invocado pelos apelantes poderia importar, a sentença será nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (...). Tal normativo, na parte citada, liga-se necessariamente ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 608 do mesmo diploma, segundo a qual, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela decisão dada a outras (...)”.

Como esclarece Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, “Integra esta causa de nulidade a omissão de conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes”. E prossegue: “Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de uma [sic] qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes”[4].

No caso presente, os apelantes não apontam à sentença a falta de apreciação (pronúncia) sobre qualquer dos fundamentos da sua petição de embargos, a falta de conhecimento (pronúncia) sobre qualquer questão que, no seu entender, revelado pela referida petição, conduziria à extinção da execução o que, desde logo, levaria ao desatendimento da invocada nulidade.

É certo que as nulidades da sentença se aplicam, ainda que com as necessárias adaptações, aos próprios despachos (613, n.º 3, do CPC), mas, no caso, não há qualquer despacho sob censura nem se invoca que a omissão teve reflexo na sentença, à qual – repetimos – não se aponta a omissão de qualquer questão suscitada pelos embargantes na sua pretensão à extinção da execução.

O que se passa, verdadeiramente, é que os apelantes entendem haver requerimentos – não apenas seus, mas igualmente da embargada e até de uma sociedade, interveniente acidental (tomando o hipotético vencimento alheio como legitimidade própria) – que deviam ter pronúncia, e a não tiveram.

Note-se, por acréscimo, que alguns dos “requerimentos” (usando o entendimento dos apelantes) nada requerem e outros, como já se disse, não são dos apelantes. Veja-se, exemplificativamente, a pronúncia dos executados, a convite do tribunal, sobre a factualidade que consideram assente ou o requerimento da sociedade Café B..., Lda. a juntar cópia de uma Injunção que lhe foi movida pela recorrida.

Se a omissão de uma ato com influência no exame ou decisão da causa (artigo 195, n.º 1 do CPC) ocorreu – naturalmente, no entendimento dos executados – haviam os mesmos de o ter invocado, com oportunidade e fundamento. Ora, os embargantes participaram na audiência prévia (ocorrida a 8.11.2023) e nenhuma omissão relevante, nenhuma falta de pronúncia invocaram. É certo que depois dessa data (a 20.11.2023) vieram pronunciar-se sobre documentos juntos pela exequente, precisamente na audiência prévia, mas nada requereram, além do prosseguimento dos autos: “termos em que se requer a V. Exa se digne admitir a presente pronúncia, prosseguindo a tramitação subsequente dos autos”. E, mais adiante, vieram dizer – tal como a exequente – que nada opunham a ser dado sem efeito o julgamento e que entendiam estarem reunidos os pressupostos na “ser imediatamente proferida decisão de mérito”, prescindindo, mesmo, “das alegações” (fls. 323 do p.e.).

Em suma, não ocorre, manifestamente, a nulidade da sentença e nenhuma questão com reflexo na decisão se mostra, relevantemente, afetada por omissão de pronúncia.

Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
Como decorre do disposto no artigo 662, n.º 1 do CPC, A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

O preceito, na redação dada pelo novo CPC, clarifica e reforça os poderes da Relação[5], impondo um dever de alteração da decisão sobre a matéria de facto, reunidos que estejam os respetivos pressupostos legais, e de acordo com a sua própria convicção, desde que o impugnante tenha cumprido o ónus imposto pelo artigo 640 do CPC.

O normativo acabado de referir – e além deste, os preceitos que delimitam o objeto do recurso, ou as consequências da sua omissão (cfr. 635, n.º 4 e 641, n.º 2, alínea b), ambos do CPC) - onera o impugnante da decisão relativa à matéria de facto, porquanto o recurso, no que concerne à impugnação da decisão relativa à matéria de facto será total ou parcialmente rejeitado nas situações seguintes: “a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b). b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)). c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.). d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda. e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”[6].

Ainda assim, é entendimento largamente maioritário que relativamente ao recurso da decisão sobre a matéria de facto não existe um possível despacho de aperfeiçoamento e, como referem António Santos Abrantes Geraldes/ Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa[7], tal situação, em lugar “de autorizar uma aplicação excessivamente rigorosa da lei, deve fazer pender para uma solução que se revele proporcionada relativamente à gravidade da falha verificada”. Dito de outro modo, as exigências impostas pelo artigo 640 do CPC ao recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto devem ser entendidas sem um rigor tão excessivo que de imediato e inúmeras vezes conduziria à rejeição do recurso.

Importa ter presente, por último, que a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, e a decorrente reapreciação da prova, só serão de atender, se a factualidade em causa puder contribuir para a apreciação do recurso, sob pena de, em contrário, estar a praticar-se um ato inútil e, por isso, proibido (artigo 130 do CPC).

Vejamos, agora em concreto.

Os presentes autos revestem-se de particularidades inabituais, sendo de destacar a circunstância de não haver outra prova a considerar, além dos documentos juntos aos autos e de, num primeiro momento, apenas a exequente ter considerado que o processo tinha todos os elementos (probatórios) que permitiam o conhecimento imediato do mérito da causa, ao contrário do entendimento dos embargantes e do próprio tribunal que, por isso, determinou a realização da audiência de discussão e julgamento; já num segundo momento – após a junção aos autos de outros documentos – ambas as partes entenderam prescindir de (outra) produção de prova, entendendo que os autos dispunham de todos os elementos necessários ao conhecimento de mérito e o tribunal passou a ter o mesmo entendimento, e daí ter imediatamente proferido a decisão recorrida.

Em suma, em termos probatórios, estamos perante uma decisão que, naturalmente, teve em conta o acervo documental junto pelas partes aos autos e o entendimento de ambas as partes da suficiência de tal acervo documental para o conhecimento do mérito dos embargos.

Por outro lado – e agora quanto ao recurso, propriamente dito – verificamos que os apelantes deduzem a sua impugnação à decisão relativa à matéria de facto, após enumerarem nas suas conclusões todas as questões jurídicas que conduziriam à extinção da execução.

Embora pareça, por assim ser, que a impugnação da decisão relativa à matéria de facto se mostra subsidiária, impõe-se ao tribunal de recurso que a fixação da matéria de facto – desde logo porque a fixada pode ser alterada oficiosamente – seja um antecedente, lógico e natural, da aplicação do Direito.

Dito isto, vejamos se, e em que medida, os apelantes impugnam validamente, no sentido processual dessa validade, a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido.

Lidas as conclusões, não podemos deixar de reconhecer que os apelantes identificam, até por transcrição, os pontos de facto que pretendem ver alterados. Já nos parece, no entanto, que não fundamentam essa sua pretensão, ainda que o pudessem fazer em sede de motivação. Efetivamente, e tal como refere António Santos Abrantes Geraldes, “O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”[8] (sublinhado nosso).

Assim, e para cabal esclarecimento da posição dos embargantes e apreciação do (in)cumprimento do ónus que se lhes impõe, transcrevemos a motivação do recurso no que respeita à impugnação da decisão relativa à matéria de facto. Mantemos o texto original, salvo os sublinhados, que são nossos. Escreveram os apelantes:

IV – Erros de julgamento na douta decisão sobre a matéria de facto:
Na sentença ora em crise, o Meritíssimo Tribunal a quo fundamenta a sua motivação para a decisão da matéria de facto na “análise combinada dos documentos juntos aos autos, em especial os acima identificados nos factos provados, além do acordo das partes, julgando o tribunal segundo a sua consciência e segundo a convicção que formou, tendo-se também em conta a regra orientadora plasmada no art. 414.º do CPC (a dúvida resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita).”
Mas em todo o posteriormente escorrido, não esclarece em que momento tal regra foi aplicada e, messa medida, quais os factos que deu como provados e quais os factos que deu como não provados com fundamento na mesma.
Segundo tal regra orientadora “não é toda a dúvida, lançada em abstrato, que legitima o funcionamento do princípio plasmado no citado” mas “apenas a dúvida argumentada que, em concreto – após a produção e análise crítica de todos os meios de prova relevantes e a sua valoração de acordo com os critérios legais – deixa o julgador (objetivo e distanciado do objeto do processo) num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto.” (Ac. RG, de 18.9.2012: Proc. 7477/10.4TBBRG.G1.dgsi.Net).
Da credibilidade dada pelo Meritíssimo Tribunal a quo à versão dada pela sociedade embargada resulta que a mesma “foi dada como provada por corroborada pelo teor do título executivo/letra e pela extensa documentação junta aos autos com a contestação e resposta, no decurso da fase de instrução/ julgamento e nos autos da execução”, “em conjugação com as regras da experiência comum, da normalidade e da lógica.”
Olvidando que, como se reitera em requerimento em citius com ref. 36290828, de 21.07.2023, a embargada recusou-se a prestar os elementos solicitados pelos embargantes ora recorrentes, que estavam em sua posse, desconsiderando a inversão do ónus da prova, previsto no n.º 2 do art. 344.º CC.
Mais deu como válidos, suficientes e consistentes documentos particulares juntos pela embargada, em sede de audiência prévia, omitindo que o neles plasmado em nada apresenta correspondência com as faturas outrora juntas aos autos, e olvidando que a mesma teve oportunidade de os juntar em momento oportuno e não quando simplesmente lhe conveio, numa clara tentativa vã de “dar o dito por não dito” e que as tão afamadas “regras da experiência comum, da normalidade e da lógica”, bem como o princípio da autorresponsabilidade das partes, quanto a esses, sempre deveriam ter permitido a sua desvalorização.
Dando ainda como provado um facto que resulta contrário ao expressamente convencionado pelas partes quanto ao contrato dado à execução e a alegada respetiva autorização de preenchimento. Com todo o merecido respeito, os princípios e regras orientadoras e da experiência comum, da normalidade e da lógica devem ser aplicados SÓ e QUANDO tal não resulte de forma inequívoca do confessado e provado pelas partes, devendo tais regras, nesse momento, serem afastadas.
Neste escopo, pelos fundamentos supra aduzidos revela-se claro que estamos perante erros de julgamento que resultaram da distorção da realidade factual e na consequente aplicação do direito, de forma a que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
Face ao exposto, e salvo o devido respeito por melhor opinião, a douta sentença recorrida padece de erro da decisão de facto quanto:
a) aos factos provados 1., 4., 5., 6., 8., 9., 10. e 11.;
b) aos factos não provados 1., 2.,3.,4., 5. e 6.;
c) à omissão de outros factos que se impunha terem sido dados como provados.
Facto provado 1
“1.- A exequente deu à execução como título executivo a letra de câmbio original constante do processo executivo a que este está apenso, no valor de €126.811,37, com data de emissão de 02/08/2022 e data de vencimento de 02/08/2022, sendo aceite/sacada pelos aqui executados/embargantes, conforme assinaturas apostas na sua frente no local do aceite, estando também avalizada pelos aqui executados/embargantes, conforme assinaturas apostas no seu verso, após a expressão “Bom por aval ao subscritor”, sendo nela indicado a exequente como sacadora/beneficiária, com o seu carimbo aposto nos locais destinados ao sacador e com a assinatura do seu legal representante aposta sob o respetivo carimbo, não tendo aposta a cláusula sem despesas, nem foi preenchido o campo destinado ao local de pagamento, mas está nela indicado o nome e a morada do executado CC no local destinado ao sacado/aceitante, conforme tudo consta do documento junto e cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
Este facto deverá ser alterado para a seguinte redação:
“1.- A exequente deu à execução como título executivo a letra de câmbio original constante do processo executivo a que este está apenso, com o número ..., no valor de €126.811,37, com data de emissão de 02/08/2022 e data de vencimento de 02/08/2022, aceite pelo embargante CC, o qual figura como sacado, assinadas na frente, no local do aceite, pelos embargantes BB e AA, e avalizada por todos os embargantes, conforme assinaturas apostas no seu verso, após a expressão “Bom por aval ao subscritor”, sendo nela indicado a exequente como sacadora/beneficiária, com o seu carimbo aposto nos locais destinados ao sacador e com a assinatura do seu legal representante aposta sob o respetivo carimbo, não tendo aposta a cláusula sem despesas, e sem ter sido preenchido o campo destinado ao local de pagamento, conforme tudo consta do documento junto e cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
Facto provado 4:
“4.- Entre a sociedade aqui exequente/embargada e os aqui executados/embargantes foi celebrado um contrato de fornecimento de café e outros, em regime de exclusividade, obrigando -se os executados/embargantes a adquirir à exequente/embargada 1.800kg de café, lote “...”, sendo fixada a duração de 60 meses, em quantitativos mensais mínimos de 30 kg de café, obrigando-se os executados/embargantes a consumir e publicitar os produtos da exequente/embargada através da sociedade comercial “Café B..., Lda.”, cujos demais termos e condições constam do escrito particular datado de 07/08/2013 e por todos assinado nas respetivas qualidades, conforme tudo consta dos documentos juntos na execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
Este facto deverá ser alterado para a seguinte redação:
“4.- Entre a sociedade aqui exequente/embargada e os aqui executados/embargantes foram celebrados dois contratos de fornecimento de café e outros, em regime de exclusividade, obrigando-se, em cada um deles, os executados/embargantes a adquirir à exequente/embargada 1.800kg de café, lote “...”, sendo fixada a duração de 60 meses, em quantitativos mensais mínimos de 30 kg de café, obrigando-se os executados/embargantes a consumir e publicitar os produtos da exequente/embargada através da sociedade comercial “Café B..., Lda.”, cujos demais termos e condições constam dos escritos particulares datados de 08/05/2013 e 07/08/2013 e por todos assinado nas respetivas qualidades, conforme tudo consta dos documentos juntos na execução e posteriormente nos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
Facto provado 5:
“5.- A letra de câmbio acima referida foi subscrita em 07/08/2013 e foi entregue à exequente em branco, não continha a data de vencimento nem o seu montante, estando apenas assinada pelos aqui executados/embargantes, na qualidade de aceitantes e de avalistas, para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do referido contrato de fornecimento de café junto aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
Este facto deverá ser alterado para a seguinte redação:
“5.- A letra de câmbio acima referida foi entregue à exequente em branco, não continha a data de vencimento nem o seu montante, estando apenas assinada pelos embargantes, na qualidade de aceitante quanto ao BB e na qualidade de avalistas quanto a todos os embargantes, para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do contrato de fornecimento de café de 08.05.2013 junto aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
Facto não provado a aditar
Deverá ser aditado aos factos não provados: “A letra de câmbio acima referida foi subscrita em 07/08/2013
Facto provado 6:
“6.- Por escrito particular de 07/08/2013, titulando uma autorização de preenchimento de letras em branco/avalistas, os aqui executados/embargantes autorizaram ainda o preenchimento da referida letra quando a exequente o entendesse oportuno, podendo fixar-lhe a data de vencimento, o valor e o local de pagamento, sendo o montante devido pelos subscritores à primeira solicitação, ainda que exista qualquer vício, o que tudo ficou a constar da autorização escrita assinada pelos aqui executados/embargantes (como subscritores e avalistas) e junta com o requerimento executivo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo tais elementos posteriormente preenchidos pela exequente.”
Este facto deverá ser alterado para a seguinte redação:
“6.- Por escrito particular de 07/08/2013, junto aos autos com o requerimento executivo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, titulando uma autorização de preenchimento de letras em branco/avalistas, para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do contrato celebrado com a Exequente/Embargada a 08/05/2013, os aqui executados/embargantes subscreveram e avalizaram entre si letra em branco em que autorizaram o preenchimento de letra quando a exequente o entendesse oportuno, podendo fixar-lhe a data de vencimento, o valor e o local de pagamento, sendo o montante devido pelos subscritores à primeira solicitação, ainda que exista qualquer vício, o que tudo ficou a constar da autorização escrita assinada pelos aqui executados/embargantes (como subscritores e avalistas) e junta com o requerimento executivo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo tais elementos posteriormente preenchidos pela exequente.”
Facto não provado a aditar
Deverá ser aditado aos factos não provados: “Por escrito particular de 07/08/2013, titulando uma autorização de preenchimento de letras em branco/avalistas, os aqui executados/embargantes autorizaram ainda o preenchimento da letra dada à execução quando a exequente o entendesse oportuno, podendo fixar-lhe a data de vencimento, o valor e o local de pagamento, sendo o montante devido pelos subscritores à primeira solicitação, ainda que exista qualquer vício, o que tudo ficou a constar da autorização escrita assinada pelos aqui executados/embargantes (como subscritores e avalistas) e junta com o requerimento executivo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo tais elementos posteriormente preenchidos pela exequente”.
O n.º 8 dos factos dados como provados deverá ser dado como não provado:
“8.- O referido montante peticionado de €126.811,37, aposto na letra e indicado nas aludidas cartas de resolução, corresponde às seguintes parcelas:
a)- €27.750,00, que foi dado adiantadamente pela aqui Embargada, e que corresponde a:
- €10.000,00, em cheque entregue a um dos Embargantes, tendo os restantes dois dado quitação;
- €64.928,87, a título de pagamento do café em falta (1710kgx€30,87=€52.787,70, acrescido de IVA a 23%-€12.141,17);
- €9.900,00, em cheque, entregue a um dos Embargantes, tendo os
restantes dois dado quitação;
- €7.850,00, em material e equipamento, que ficaram na propriedade da aqui Embargada, até cumprimento total do contrato, como garantia.
b)- €6.382,50, a título de IVA a 23% sobre a referida quantia de €27.750,00;
c)- €64.928,87, a título de pagamento do café em falta (1710kgx€30,87=€52.787,70, acrescido do IVA a 23%-€12.141,17), sem qualquer desconto, como indicado na cláusula 7;
d)- €27.750,00, a título de cláusula penal.”
Facto não provado a aditar
Deverá ser aditado aos factos não provados: “Por referência ao escrito particular de 07.08.2013, foram consumidos pela Café B... 90kg de café.”
Facto não provado a aditar
Deverá ser aditado aos factos não provados: “Do contrato dado à execução resulta a obrigação do pagamento do café em falta, a que corresponde a peticionada quantia de €64.928,87, contemplada no montante de €126.811,37, aposto na letra e indicado nas aludidas cartas de resolução.”
Facto provado 9:
“9.- Na data da cessação da aquisição de café pelos executados/ embargantes à exequente, o preço do quilograma de café da marca ..., lote “...”, era de €30,87, mais IVA, sendo fornecido café aos executados entre 2014 e 2018, num total de 90 kg, como tudo consta dos documentos juntos aos autos pela exequente/ embargada, cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
Este facto deverá ser alterado para a seguinte redação:
9.- Na data da cessação da aquisição de café pelos executados/ embargantes à exequente, o preço do quilograma de café da marca ..., lote “...”, era de 24,99, mais IVA.”
Facto não provado a aditar
Deverá ser aditado aos factos não provados: “Na data da cessação da aquisição de café pelos executados/ embargantes à exequente, o preço do quilograma de café da marca ..., lote “...”, era de €30,87, mais IVA, sendo fornecido café aos executados entre 2014 e 2018, num total de 90 kg.”
Facto Provado 10:
“10.- Além do contrato acima identificado, em 08/05/2013, a exequente celebrou com os aqui executados/ embargantes um outro contrato de fornecimento de café e outros, em regime de exclusividade, conforme tudo consta do documento junto pela exequente/ embargada nestes autos em 08/02/2023, cujo teor aqui se dá por reproduzido (Doc. 1), estando também tal contrato mencionado no escrito particular de 07/08/2013, relativo à autorização de preenchimento de letras em branco, já acima referido.”
Este facto deverá ser alterado para a seguinte redação:
“10.- Além do contrato acima identificado, em 08/05/2013, a exequente havia celebrado com os aqui executados/ embargantes um anterior contrato de fornecimento de café e outros, em regime de exclusividade, conforme tudo consta do documento junto pela exequente/ embargada nestes autos em 08/02/2023, cujo teor aqui se dá por reproduzido (Doc. 1), estando tal contrato mencionado no escrito particular de 07/08/2013, relativo à autorização de preenchimento de letras em branco, já acima referido.”
Facto Provado 11:
“11.- As encomendas de café e respetiva faturação dizem respeito aos dois contratos, cujos pagamentos eram feitos todos juntos, ou seja, a mercadoria encomendada era faturada para os dois contratos, e os pagamentos eram feitos todos juntos, como tudo consta das faturas, recibos e listagem contabilística juntos aos autos, cujos teores aqui se dão por reproduzidos (Docs. 2 a 38), incluindo as listagens juntas na audiência prévia e as faturas juntas em 30/11/2023, cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
Este facto deverá ser alterado para a seguinte redação:
11.- As encomendas de café e respetiva faturação dizem respeito aos dois contratos, cujos pagamentos eram feitos todos juntos, ou seja, a mercadoria encomendada era faturada para os dois contratos, e os pagamentos eram feitos todos juntos, como tudo consta das faturas, recibos e listagem contabilística juntos aos autos, cujos teores aqui se dão por reproduzidos (Docs. 2 a 38).
O n.º 12 dos factos dados como provados deverá ser dado como não provado a aditar: “Nas faturas juntas pela embargada há diferença de faturação, sendo que as faturas com denominação “CAFÉ B... 2” são do segundo contrato e as faturas identificadas como “CAFÉ B...” são de referência ao primeiro contrato.”
Devem ser excluídos os n.º 4 e 6 dos factos não provados”.

Sem necessidade de grandes explicações, atenta a clareza resultante da transcrição que antecede, podemos afirmar que os recorrentes olvidam por completo qualquer apreciação crítica da prova (documental) ou, dito de outro modo, esquecem – relativamente a todos os factos, porque em relação a cada um deles – os fundamentos ou razões que justificam a pretendida alteração.

É certo que, inicialmente, imputam à decisão recorrida, mais propriamente à motivação da decisão relativa à matéria de facto a falta de explicação da aplicação da regra contida no artigo 414 do CPC, a necessidade de afastamento, no caso, das regras de experiência e a existência de uma apreciação probatória “em desconformidade com a lei”.

No entanto, estamos perante afirmações genéricas (e discutíveis[9]) que não cumprem a oneração de quem impugna a decisão relativa à matéria de facto. Efetivamente, fica por dizer com base em que documento determinado ponto da factualidade (provada e também não provada) deve ser alterado; fica por esclarecer a razão de tais concretas pretensões dos embargantes. Em suma, não se alcança minimamente a motivação da impugnação; repete-se: relativamente a cada um dos pontos pretendidos alterar ou acrescentar e, por isso, relativamente a todos eles.

Podemos afirmar, assim, que a pretensão impugnativa dos apelantes se revela inepta ou manifestamente inviável, pois não se suporta em qualquer razão aduzida. Não pode nem deve ser conhecida.

Não obstante o que antes referimos, o sentido da modificabilidade da decisão de facto, na sua consagração no artigo 662 do CPC, impõe a este tribunal de recurso algumas correções da factualidade dada como provada, na exata medida em que, dos documentos juntos aos autos, e relevantemente nos juntos com o requerimento executivo resulte realidade objetiva diversa da que se deu como assente.

De seguida, para cabal compreensão do acabado de dizer e das alterações fácticas que devem introduzir-se, juntamos ao presente acórdão cópias da letra de câmbio dada à execução, da autorização (pacto) de preenchimento da letra, carta (enviada a cada um dos embargantes) relativamente à resolução do contrato e contrato celebrado entre as partes a 7.08.2020.



















Dos referidos documentos resulta que a letra dada à execução foi assinada pelos recorrentes no local do aceite (coisa diversa, e a apreciar em sede jurídica, de os recorrentes serem aceitantes) – facto provado 1. Por outro lado, o pacto de preenchimento mostrar-se-á melhor evidenciado com a transcrição do respetivo documento – facto provado 6.

Com as considerações que antecedem, assinalamos as alterações que entendemos objetivas na factualidade que, seguidamente, transcrevemos.

III.I – Fundamentação de facto
Factos provados
1 - A exequente deu à execução como título executivo a letra de câmbio original constante do processo executivo, no valor de 126.811,37€, com data de emissão de 02.08.2022 e data de vencimento de 02.08.2022, estando assinada no local do aceite pelos embargantes e identificando-se como sacado o embargado CC, conforme assinaturas apostas na sua frente no local do aceite, e estando também avalizada pelos aqui embargantes, conforme assinaturas apostas no seu verso, após a expressão “Bom por aval ao subscritor”, sendo nela indicado a exequente como sacadora/beneficiária, com o seu carimbo aposto nos locais destinados ao sacador e com a assinatura do seu legal representante aposta sob o respetivo carimbo, não tendo aposta a cláusula sem despesas, nem foi preenchido o campo destinado ao local de pagamento, conforme consta do anteriormente copiado.
2 - A presente execução ordinária foi instaurada no dia 06.10.2022, sendo os aqui embargantes citados por via postal nos dias 25, 27 e 31.10.2022, respetivamente.
3 - A exequente instaurou a execução através do requerimento executivo que se encontra junto, nele indicando como título executivo a letra acima indicada, fazendo constar, do local destinado à exposição dos Factos, o seguinte: “1. A Exequente, “A..., Lda.”, é dona e legítima portadora, de uma letra de câmbio, do valor de €126.811,37 (cento e vinte e seis mil oitocentos e onze euros e trinta e sete cêntimos), emitida e vencida em 02/08/2022, letra de câmbio que aqui se junta (título executivo). 2. Tal letra de câmbio, foi sacada pela Exequente, aceite e avalizada pelos Executados, 3. e representa o valor devido à Exequente, em consequência de incumprimento contratual/resolução, de contrato comercial, firmado entre aquela e os Executados. 4. A resolução, por incumprimento contratual, operou-se por comunicação, através de cartas registadas, com aviso de receção, dirigidas aos Executados. 5. Os Executados assinaram o documento de autorização para preenchimento da letra de câmbio, em caso de incumprimento contratual/resolução, e pelo valor global da dívida, à aqui Exequente. 6. Assim, os Executados devem solidariamente à Exequente, a quantia titulada pela referida letra de câmbio, do valor de €126.811,37, e ainda os juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, 7. liquidando-se os juros já vencidos até 06/10/2022, na quantia de €903,31, 8. PELO QUE, a quantia exequenda se cifra, em 06/10/2022, no valor global de €127.714,68. 9. A referida letra de câmbio, constitui título executivo, 10. sendo a dívida certa, líquida e exigível”.
4 - Entre a sociedade embargada e os embargantes foi celebrado um contrato de fornecimento de café e outros, em regime de exclusividade, obrigando-se os embargantes a adquirir à embargada 1.800kg de café, lote “...”, sendo fixada a duração de 60 meses, em quantitativos mensais mínimos de 30 kg de café, obrigando-se os embargantes a consumir e publicitar os produtos da embargada através da sociedade comercial “Café B..., Lda.”, cujos demais termos e condições constam do escrito particular datado de 07.08.2013 e por todos assinado nas respetivas qualidades, conforme consta dos documentos juntos à execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5 - A letra de câmbio acima referida foi subscrita em 07.08.2013 e foi entregue à exequente em branco, não continha a data de vencimento nem o seu montante, estando apenas assinada pelos embargantes, conforme referido em 1., para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do referido contrato de fornecimento de café, junto com o requerimento executivo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6 - Conforme “Autorização para preenchimento de letras em branco/avalistas”, datada de 7 de agosto de 2013, onde se refere “Como garantia e segurança do cumprimento das obrigações emergentes do contrato celebrado com a A..., Lda., com o número único de matrícula e pessoa coletiva ... a 8/05/2013 CC (...) BB (...) e AA (...) todos solidariamente e cujos domicílios fixam como convencionados, subscrevem e avalizam entre si letra em branco”. E mais se escreve: “A data de vencimento, o local de pagamento e o seu montante encontram-se em branco, sendo preenchidos pela A..., Lda., quando o considerar oportuno, e o seu montante será o que esta determinar, o que desde já se autoriza, das obrigações não cumpridas e respetiva cláusula penal emergentes do contrato celebrado com a A..., Lda., devidamente indicadas supra, a 7/08/2013, incluindo juros comerciais à taxa máxima legal, despesas e encargos com a letra, montante esse que a A..., Lda., determinará, preencherá, bem como a data de vencimento e local de pagamento, quando considerar oportuno perante o incumprimento verificado, o que desde já se autoriza, sendo o montante devido, pelos subscritores, à primeira solicitação, ainda que exista vício. Os abaixo assinados declaram ter conhecimento das condições e cláusulas do contrato acima referido, que aceitam na totalidade e sem reservas”. O referido documento mostra-se assinado por cada um dos embargantes, à esquerda, enquanto “Os Subscritores” e à direita, enquanto “Os Avalistas”.[10]
7 - Com invocação do incumprimento definitivo do referido contrato, foram os embargantes notificados da sua resolução por cartas datadas de 20.07.2022, enviadas pelo mandatário da exequente sob registo e com aviso de receção, para o domicílio convencionado no contrato, aí se liquidando as obrigações, emergentes do incumprimento contratual, no montante total de 126.811,37€, mais se informando que se tal quantia não fosse paga no prazo de 10 dias a letra de câmbio entregue em branco iria ser preenchida, sendo apenas devolvida a carta enviada ao embargante BB, conforme consta dos documentos juntos à execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8 - O referido montante peticionado de 126.811,37€, aposto na letra e indicado nas aludidas cartas de resolução, corresponde às seguintes parcelas: a) - 27.750,00€, que foi dado adiantadamente pela embargada, e que corresponde a: - 10.000,00€, em cheque entregue a um dos embargantes, tendo os restantes dois dado quitação; - 9.900,00€, em cheque, entregue a um dos embargantes, tendo os restantes dois dado quitação; - 7.850,00€, em material e equipamento, que ficaram na propriedade da embargada, até cumprimento total do contrato, como garantia. b) - 6.382,50€, a título de IVA a 23% sobre a referida quantia de 27.750,00€; c)- 64.928,87€, a título de pagamento do café em falta (1710kg x 30,87€ = 52.787,70€, acrescido do IVA a 23% - 12.141,17€), sem qualquer desconto, como indicado na cláusula 7; d) - 27.750,00€, a título de cláusula penal.
9 - Na data da cessação da aquisição de café pelos embargantes à exequente, o preço do quilograma de café da marca ..., lote “...”, era de 30,87€, mais IVA, sendo fornecido café aos executados entre 2014 e 2018, num total de 90 kg, como consta dos documentos juntos aos autos pela embargada, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
10 - Além do contrato acima identificado, em 08.05.2013 a exequente celebrou com os embargantes um outro contrato de fornecimento de café e outros, em regime de exclusividade, conforme consta do documento junto pela exequente em 08.02.2023, cujo teor aqui se dá por reproduzido (Doc. 1), estando também tal contrato mencionado no escrito particular de 07.08.2013, relativo à autorização de preenchimento de letras em branco, já referido em 6.
11 - As encomendas de café e respetiva faturação dizem respeito aos dois contratos, cujos pagamentos eram feitos todos juntos, ou seja, a mercadoria encomendada era faturada para os dois contratos, e os pagamentos eram feitos todos juntos, como consta das faturas, recibos e listagem contabilística juntos aos autos, cujos teores se dão por reproduzidos (Docs. 2 a 38), incluindo as listagens juntas na audiência prévia e as faturas juntas em 30/11/2023, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
12 - Nas faturas juntas pela embargada há diferença de faturação, sendo que as faturas com a denominação “CAFÉ B... 2” são do segundo contrato e as faturas identificadas como “CAFÉ B...” são de referência ao primeiro contrato, como consta dos documentos juntos pela exequente, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Factos não provados
1 - O referido contrato de fornecimento de café foi celebrado com a sociedade Café B..., Lda., não sendo negociado pelos embargantes, sendo imposto pela exequente, sendo a letra de câmbio preenchida e acionada de forma abusiva pela exequente.
2 - Até à citação para os autos, desconheciam os embargantes a pendência desta dívida, seu valor e vencimento, sendo o seu preenchimento alheio ao conhecimento dos embargantes.
3 - A exequente nunca apresentou a pagamento a letra dada à execução, nem interpelou os embargantes para pagamento do valor aqui peticionado.
4 - O preenchimento da referida letra foi feito sem o acordo ou o conhecimento dos embargantes.
5 - O referido contrato de fornecimento de café foi cumprido pelos embargantes, sendo incumprido pela embargada, nada lhe sendo devido.
6 - A quantia aposta na referida letra é indevida ou incorreta, sendo a dívida reclamada dos aqui embargantes inexistente ou inferior ao indicado pela exequente.

III.II – Fundamentação de Direito
Nos presentes autos – na execução, nos embargos e no recurso da decisão que os julgou improcedentes – estamos em presença, enquanto título executivo (artigo 703, n.º 1, alínea c) do CPC) de uma letra de câmbio (doravante, Letra).
Permitimo-nos transcrever o que, de modo simplificado (atenta a finalidade do que se escreveu) se deixou dito, a propósito da Letra: “Antes de mais, o que é uma letra? (antes de entrarmos nas dificuldades que as letras mais atípicas podem traduzir – sejam as em branco ou preenchidas de modo incompleto – e nas complexidades que resultam da própria conceção da letra, devemos tentar uma definição mais simplificada e, de certo modo, consensual). Assim, a letra:
– É um escrito; antes de qualquer outra coisa e fundamentalmente, é um escrito.
– É, agora num sentido muito geral, um documento.
Que:
– tem de obedecer a rígidas condições formais;
– tem a intervenção imprescindível de uma pessoa (o sacador) que nesse documento ou escrito ordena a uma outra (o sacado);
– ordene que (o tal sacado) pague, em determinado tempo e lugar, uma certa quantia;
– a pague a um terceiro (o tomador) ou à ordem deste.
Pela letra ou com a letra, a pessoa que a emite (que a cria, no sentido de criar o direito de crédito cambiário que ela nunca deixa de ser), o tal sacador, o que “saca”, o que faz “um saque”, dá uma ordem de (para) pagamento a uma outra (sacado), ordem em benefício de uma terceira (tomador) que, por seu turno, poderá indicar outra pessoa, a quem a letra será paga e todos os que forem sendo sucessivamente indicados no documento (na letra) como beneficiários desse (final) pagamento têm igual direito a ele, direito que, de todo o modo, se vai alterando na pessoalidade do beneficiário: o último portador, portador legítimo, será quem percebe, no vencimento, o valor patrimonial final. Na letra, pelo que se disse, há uma relação de vários vetores, mas com três sujeitos típicos: o sacador que ordena; o sacado que paga; o beneficiário (tomador ou outro) que recebe. Porque, logo na sua criação, o sacador admite que a letra seja paga a pessoa diversa do tomador, ainda que por este indicada; seja paga à ordem de outro ou por ordem deste, a letra é um título à ordem. Já aqui uma primeira cautela: o sacador pode dar a ordem para que o pagamento seja a si feito: o sacador saca uma letra à ordem do sacador”[11].

A Letra, nas palavras de Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado[12], é um escrito “que leva a denominação de “letra”, através do qual uma pessoa ordena incondicionalmente a outra que pague, em dado momento ou perante a sua apresentação a pagamento, a si ou à sua ordem, determinada quantia”. A letra – refere Pedro Pais de Vasconcelos[13] – “é constituída por um documento escrito e assinado. Ainda como título de crédito, a letra incorpora um direito de crédito pecuniário. Quanto ao modo de circulação é um título à ordem, circula por endosso. É um título privado e individual”.
A Letra dada à execução mostra-se sacada à própria ordem, ou seja, a tomadora coincide com a sacadora, correspondendo, por isso, à atual “praxis que rompeu com o paradigma da circulação e passou a privilegiar a vinculação cambiária como forma de criar garantias adicionais ou assegurar o acesso imediato ao processo executivo”[14]; dela transparece, assim, a falta de circulação, a ausência de endosso, pois o título não chega a sair das mãos do tomador e afasta-se, “de um golpe, a ortodoxa trilateralidade subjacente à emissão de letras”[15].

A Letra dada à execução, por outro lado, é uma letra em branco, ou seja, e como esclarece José Engrácia Antunes, um “documento que, não contendo todas as menções obrigatórias essenciais que se encontram elencadas no art. 1.º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças (LULL)[16], possua já a assinatura de, pelo menos, um dos signatários cambiários, acompanhada de um acordo expresso ou tácito de preenchimento futuro das menções em falta”[17]. Assim o é – como esclarece o citado autor – porque se trata de um modelo normalizado do qual consta “já a palavra “Letra” suscetível de traduzir a intenção de assumir uma obrigação cambiária”; porque contém “a assinatura de, pelo menos, um dos obrigados cambiários” e, por último, tal como melhor veremos, os subscritores em branco firmaram “com o sujeito a quem a letra foi entregue uma autorização ou acordo destinado a fixar os termos do preenchimento futuro das menções em falta”[18].

Na Letra aqui em causa temos a assinatura dos (de todos os) embargantes enquanto aceitantes, ou seja, no local próprio do aceite; temos a identificação de um deles como sacado e temos a assinatura de todos no verso da letra, enquanto avalistas, e com a indicação de o aval ser dado ao subscritor. Por outro lado, o sacador, mas também tomador, é a exequente e o título não tem qualquer endosso, ou seja, não entrou em circulação.

Sustentam os embargantes que a Letra dada à execução é nula, atento o disposto no artigos 1.º, n.º 3 e 2.º da LULL. Efetivamente, para que o título “nasça e produza os seus efeitos próprios, ele deve observar determinados requisitos formais. Estes requisitos vêm enumerados no art. 1.º da LULL, consubstanciando-se num conjunto de menções obrigatórias relativas à declaração cambiária do sacador, emitente do título: a falta de alguma destas menções cartulares acarreta a consequência de que “o escrito não produzirá efeitos como letra (art. 2.º da LULL)”[19].
No entanto, no caso presente, não se vê como possa proceder a alegação dos recorrentes: a Letra aqui em causa identifica “aquele que deve pagar (sacado)”, como exige o n.º 3 do citado artigo 1.º da Lei Uniforme.

Coisa distinta – e que o título aqui em causa não deixa de revelar – é a circunstância de todos os embargantes terem assinado no local destinado ao aceite, ou seja, como se fossem aceitantes. Sucede que o aceite - negócio jurídico unilateral[20] – implica a assinatura de alguém que seja sacado e é o sacado quem tem de estar identificado, como já referimos no parágrafo anterior. Dito de outro modo, quem não é sacado não pode ser aceitante, pois só pode ser aceitante aquele que deve pagar.

Sustentam os embargantes, ainda, que os aceites aqui em causa se consideram avales, nos termos dos artigos 31 e 25 da LULL.

Salvo o devido respeito, e mesmo considerando o que resulta dos 3.º e 4.º parágrafo daquele artigo 31, a conclusão defendida pelos recorrentes revelar-se-ia inócua ou redundante. Com efeito, e como já se disse, no caso em apreço, um dos embargantes (CC) é sacado/aceitante e os dois restantes (AA e BB) não são aceitantes, pois não são sacados.

Mas os embargantes são avalistas[21]: os embargantes AA e BB. Já a assinatura do sacado/aceitante (CC) enquanto avalista nada acrescenta à (sua) responsabilidade cambiária: quer se tenha a ideia de o aval ser uma garantia subjetiva, que tem por finalidade garantir o pagamento da letra pelo avalizado, quer se considere que aquele traduz uma garantia objetiva, na medida em que o avalista garante, isso sim, o pagamento do título, o certo é que o sacado/aceitante já é, por ter esse qualidade, o principal obrigado, ou seja, nos termos o artigo 28 da LULL, quem tem de “pagar a letra à data do vencimento”.

Assim, e como primeira conclusão, a Letra (em branco) não é nula; foi aceite pelo sacado CC e avalizada pelos demais embargantes.

Defendem os recorrentes que os avales aqui em causa foram prestados à sacadora (exequente).

Com relevo para a apreciação da questão suscitada, o artigo 31 da LULL dispõe o seguinte:
O aval é escrito na própria letra ou numa folha anexa.
Exprime-se pelas palavras «bom para aval» ou por qualquer fórmula equivalente; é assinado pelo dador do aval.
O aval considera-se como resultando da simples assinatura do dador aposta na face anterior da letra, salvo se se trata das assinaturas do sacado ou do sacador.
O aval deve indicar a pessoa por quem se dá. Na falta de indicação, entender-se-á́ ser pelo sacador.

Na interpretação que fez do citado normativo, o Supremo Tribunal de Justiça veio a entender, pelo Assento de 1.02.1966 (Diário do Governo, n.º 44, de 22.02.1966), ainda que com dois votos de vencido, que “Mesmo no domínio das relações imediatas o aval que não indique o avalizado e sempre prestado a favor do sacador”.

Comentando o preceito da LULL e, bem assim, a interpretação do Supremo Tribunal de Justiça acabada de referir, Carolina Cunha não deixa de realçar o tempo de então e a necessidade, se bem vemos, de uma outra e atual interpretação: “caso a norma houvesse sido redigida hoje e não na década de trinta do século passado, as mesmas preocupações que a inspiraram – aproveitar o aval que não indica o beneficiário, maximizando o alcance da responsabilidade do avalista – teriam conduzido, acreditamos, a uma solução bem diversa: o aval deveria entender-se dado pelo aceitante, e não pelo sacador”[22].

E, efetivamente, a jurisprudência posterior àquele Assento vai no sentido de aceitar “que, nas relações imediatas, se prove que o aval sem indicação de avalizado foi prestado a favor de pessoa que não o sacador. Nas relações mediatas, compreende-se que, para tutela dos interesses relacionados com a circulação da letra, a presunção não possa ser ilidida. Até porque a prova em contrário resultaria de factos estranhos ao teor do título. Mas, nas relações imediatas, mais do que falar de uma presunção legal ilidível, parece ser de defender que se trata aqui da oponibilidade de uma exceção fundada nas relações causais ou extracartulares”[23].

A título exemplificativo e no sentido que decorre, citamos os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.05.2002 [Relator, Conselheiro Ferreira de Almeida, Processo n.º 02B1003 (JSTJ00000139), dgsi]: “No domínio das relações imediatas o aval que não indique o avalizado não tem de ser, necessariamente, entendido como prestado a favor do sacador, podendo provar-se que o foi a favor do aceitante”; do Tribunal da Relação de Lisboa de 3.03.2005 [Relator, Desembargador Salazar Casanova, Processo n.º 8778/ 2004-8, dgsi]: “I - No domínio das relações imediatas não havendo que proteger terceiros de boa fé, é admissível a prova de que o aval foi dado a pessoa diferente do sacador, ainda que esta vontade se não encontre expressa no texto da letra. II- Constando, por isso, do verso da letra “ por aval ao subscritor” pode recorrer-se ao pacto de preenchimento convencionado entre os intervenientes no título a fim de se determinar por quem foi dado o aval”; do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.10.2005 [Relator, Desembargador Isaías Pádua, Processo n.º 2270/05, dgsi]: “III – Em relação a terceiros adquirentes de boa-fé da letra (e, portanto, no domínio das relações mediatas) é compreensível que se deva aplicar a presunção, juris et de jure, de que o aval, que não indique o avalizado, foi prestado a favor do sacador, dada a necessidade de proteção desses terceiros de boa fé, pois ao adquirirem a letra em tais condições terão provavelmente confiado que o aval foi prestado em relação ao sacador – dado o disposto no artº 31º, §4, da LULL - e, como tal, devem ser protegidos nessa confiança . IV- Já no domínio das relações imediatas, não havendo terceiros de boa fé a proteger, não faz sentido aplicar as regras específicas de que se revestem os títulos de crédito e que se destinam, fundamentalmente, a proteger a circulação desses títulos e a segurança dos terceiros de boa fé, deles adquirentes. V – Desse modo, nas relações (imediatas) entre o sacador, o aceitante e o avalista é admissível a prova de que o aval foi dado a pessoa diferente do sacador, mais concretamente a favor do aceitante da mesma, e mesmo ainda nos casos em que tal vontade não encontre o mínimo de correspondência no texto da lei, mas que tenha, na realidade, correspondido ao sentir das partes nele envolvidas” e, ainda deste Tribunal da Relação do Porto, de 15.09.2022 [Relator, Desembargador Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 6774/07.0YIPRT-A.P1, dgsi]: “Dada à execução uma letra de câmbio que apresenta no verso uma assinatura sob a expressão «por aval ao subscritor», apesar de a figura do subscritor ser própria da livrança e não da letra de câmbio, a execução não deve ser indeferida liminarmente em relação ao avalista, ao abrigo do art. 31 º, n.º 4, da LULL, mas admitida a fim de, suscitando-se controvérsia a esse respeito, se poder averiguar se o aval foi prestado a favor do aceitante”.

Diga-se, em acrescento e como transparece do último dos acórdãos citados que a omissão do beneficiário do aval equivale ou, ao menos, deve ter a mesma solução à dos casos em que, como no título aqui em causa, o aval é dado ao subscritor. Efetivamente, estamos perante uma Letra, título no qual, diferentemente do que sucede na Livrança, não existe a figura do subscritor.

Dito o que antecede e apreciando o caso que nos ocupa não podemos deixar de atender aos elementos probatórios (documentais) que resultam dos autos e que logo foram juntos com o requerimento executivo. Em primeiro lugar, a Letra, na qual todos os embargantes assinam no local do aceite; depois, o contrato (relação subjacente) que foi celebrado entre a exequente e todos os embargantes e, ainda, o pacto de preenchimento no qual todos os embargantes, outorgantes daquele contrato, assinam, e aí, quer como “subscritores”, quer como “avalistas”. E não se pode esquecer, por outro lado, que estamos, indubitavelmente, nas relações imediatas e perante um título em branco e sem circulação ou, dito de outro modo, relativamente ao qual, não há interesses decorrentes da circulação do título.

Assim, tendo em conta os elementos factuais a que fizemos referência e a natureza do título em causa, devemos concluir que os avales – relevantemente, como já se disse, os avales dos embargantes AA e BB – foram prestados pelo (a favor do) sacado/aceitante.

Assim, e recapitulando, a Letra (em branco) não é nula; foi aceite pelo sacado CC e avalizada, a favor desse sacado, pelos demais embargantes. Ainda que – acrescentemos, pois estamos perante uma letra em branco – tais avales valham “uma vez preenchido o título”[24].

Invocam os embargantes que foi omitido o protesto por falta de pagamento.

O protesto é um ato jurídico formal, feito junto de autoridade dotada de fé pública, que certifica a falta de aceite ou a falta de pagamento (artigos 44 a 46 da LULL). Destina-se a, exatamente, “certificar a falta do aceite ou do pagamento da letra por parte do sacado (função de segurança jurídica), bem como a dar conhecimento desta aos demais subscritores cambiários (função informativa) e a salvaguardar os direitos do portador da letra (função conservatória)[25]”.

Sobre a necessidade do protesto (por falta de pagamento) para – como condição formal de – acionar o avalista, o entendimento jurisprudencial parece-nos relevantemente concordante. Anotamos, a título meramente exemplificativo, algumas decisões dos tribunais superiores: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.11.2018 [Relator, Conselheiro Acácio das Neves, Processo n.º 9334/11.8TBOER-G.L1.S1, dgsi]: “O direito de ação contra o avalista do aceitante de uma letra de câmbio não depende da realização do protesto por parte do respetivo portador”; do mesmo Tribunal Superior, de 14.05.2019 [Relator, Conselheiro José Rainho, Processo n.º 7633/15.9T8STB-A.E1.S1, dgsi]: “I - Mesmo que não tenha sido dispensado o protesto de letra, o protesto não é necessário para ser acionado o avalista do aceitante. II - Deste modo, instaurada execução contra o avalista do aceitante, não pode este avalista ser absolvido do pedido executivo pelo facto do exequente não ter feito protestar a letra por falta de pagamento”[26]; do Tribunal da Relação de Évora de 20.12.2018 [Relator, Desembargador Tomé Ramião, Processo n.º 7633/15.9T8STB-A.E1, dgsi]: “2. No caso do aval prestado ao subscritor de livrança, não é necessário a formalização do protesto, por falta de pagamento, para acionar o avalista, porque este responde no lugar do subscritor, não tem a posição equivalente ao sacador, endossantes e outros coobrigados a que alude o art.º 53.º da LULL, já que estes são meros obrigados de regresso, responsáveis entre si, nos termos do art.º 516 do C. Civil, enquanto o avalista é um obrigado direto, que fica sub-rogado nos direitos do subscritor (art.º 32.º e 77.º da LULL)” e, do mesmo Tribunal, datado de 11.01.2024 [Relatora, Desembargadora Cristina Dá Mesquita, Processo n.º 2679/22.3.T8ENT-A.E1, dgsi]: “O avalista é responsável no lugar do avalizado, nos termos e na medida em que este seria responsável. Dito de outra forma, o avalista responde perante as mesmas pessoas e na mesma medida por que o avalizado responderia, respondendo pois em primeira linha e nunca uma posição subsidiária”.

O último dos acórdãos citados realça o fundamento da desnecessidade de protesto para acionar, no caso, o avalista do sacado/aceitante: aquele responde tal como este, no lugar deste, pois segundo o artigo 32, n.º 1 da LULL “o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”.

É certo que a interpretação gramatical que sobressai realça a visão subjetiva do aval – a garantia dada a outro obrigado cambiário – ao invés de uma conceção mais objetiva, ou seja, a garantia de pagamento do título. Ainda assim, e não obstante o disposto no artigo 30, n.º 1 da LULL, a garantia do pagamento da letra não pode ignorar que o aval é sempre dado (expressa ou presumivelmente) a um determinado sujeito cambiário, o que, salvo melhor saber, realça a similitude da responsabilidade entre avalista e beneficiário do aval, nos termos do artigo 32, n.º 1 da LULL.

Como quer que seja, Carolina Cunha (autora que critica a “equiparação automática da obrigação do avalista à obrigação avalizada”) não deixa de perguntar: “Mas quid iuris quando o título não circulou e entre o portador (que o conserva em seu poder), o obrigado principal e o avalista intercedem relações imediatas? E quando, no contexto dessas relações imediatas fruto de uma convenção executiva trilateral, existe um fluxo de comunicação (tipicamente, escrita) que permite ao avalista inteirar-se com suficiente grau de certeza de recusa de pagamento por parte do obrigado principal avalizado. Poderá escusar-se numa eventual ausência de protesto para afastar a pretensão cambiária do credor?” E responde: “Não cremos”[27].

No caso presente estamos perante uma letra em branco, autorizada por um pacto de preenchimento em que intervieram (escreveu-se: como subscritores e como avalistas) os três embargantes, ou seja, e no que ora importa, além do aceitante/sacado, também os avalistas que (já) considerámos avalistas pelo sacado. O contrato (relação subjacente) foi celebrado entre a exequente os três embargantes e, antes do preenchimento integral do título pela tomadora/sacadora, título esse – como decorre – que não entrou em circulação, o mandatário da exequente enviou cartas aos embargantes (e, inequivocamente, ao sacado/aceitante) a invocar o incumprimento e a resolução do contrato e – relevantemente – a conceder um prazo de pagamento.

Assim, ainda que se entendesse (ao contrário da jurisprudência citada) que o acionamento dos avalistas implicava o prévio protesto por falta de pagamento, no caso não seria mais que um ato inútil.

Sustentam os embargantes que o pacto de preenchimento se refere a um outro contrato (celebrado a 8.05.2013) e que a obrigação é incerta, ilíquida e inexigível, tanto mais que o montante aposto na letra não corresponde ao valor em dívida.

Salvo o devido respeito, os recorrentes não têm razão quando referem que o pacto de preenchimento pressupõe/refere-se a um outro contrato, igualmente celebrado entre as partes, concretamente a 8 de maio de 2013 e, por isso, não ao contrato que serve de relação subjacente. Sustentam, se bem o entendemos – pois só assim relevaria – que a letra em branco foi completada sem pacto de preenchimento (sequer tácito) o que, naturalmente, a invalidaria.

No entanto, e ainda que o pacto de preenchimento se refira (muito laconicamente) ao contrato de 8 de maio de 2013, é forçoso concluir que a autorização de preenchimento da Letra tem como objeto o contrato datado de 7.08.2013 – a mesma data do pacto – e foi esse, juntamente com o contrato dessa data, que a exequente juntou com o seu requerimento executivo.

Relativamente à incerteza ou iliquidez da obrigação – e referimo-nos à obrigação cambiária - parece-nos evidente que os embargantes não têm qualquer fundamento para o alegado, pois a Letra em causa tem, inequivocamente, uma quantia certa e líquida que (sem prejuízo dos juros que podem ser pedidos) se pretende executar.

Relativamente à inexigibilidade da obrigação e à alegada divergência sobre o montante em dívida, os embargantes estão a invocar a relação subjacente, que se apreciará com o ponto seguinte, no qual os recorrentes sustentam que a resolução do contrato não foi efetuada pela exequente, mas pelo mandatário e o embargante BB sequer recebeu a carta de resolução.

Diga-se, antes de mais, o que segue.

Por princípio, refere-o Catarina Cunha, “será vedado ao avalista prevalecer-se das exceções provenientes das relações pessoais entre o credor e o avalizado – ou seja, retirar um benefício de uma relação obrigacional que lhe é estranha[28].

Importa acentuar, no entanto, a qualificação da relação obrigacional como relação “que lhe é estranha”, e não perder de vista, no caso em apreço, que estamos perante uma letra em branco, sem circulação, em que todos os embargados (sacado e avalistas) intervieram conjuntamente e nos mesmos termos, quer no pacto de preenchimento, quer no contrato (relação obrigacional subjacente) celebrado com a exequente.

Tenha-se presente – e voltamos a citar Carolina Cunha[29] - que “a vontade manifestada pelo sujeito que avaliza em branco é a de que o título venha a ser preenchido e a sua declaração negocial completada nos exatos termos utilizados para determinar a obrigação cambiária do avalizado. Esta vontade tanto se pode extrair da celebração de um acordo de preenchimento trilateral (entre o avalista, o avalizado e o credor) como vir a ser reconstruída hermenêuticamente nas hipóteses em que avalista e credor não chegaram a ter contacto. (...) Quer isto dizer, que ao abrigo do art. 10.º LU e nos termos acabados de expor, o avalista pode prevalecer-se de certas vicissitudes de uma relação fundamental à qual é alheio (...) Neste quadro, não é obviamente legítimo chamar à colação o art. 17.º LU para denegar ao sujeito que avalizou em branco a faculdade de arguir a exceção de preenchimento desconforme ou “abusivo” (...) a solução do problema não passa pelos quadros do art. 17.º LU (...). Requer, unicamente, a verificação dos requisitos a que o art. 10.º submete o sucesso da invocação da exceção do preenchimento “abusivo” ou desconforme”.

Em conformidade, no caso presente, quer por força do disposto no artigo 10.º da LULL [Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave], quer por não haver impedimento, em razão do disposto no artigo 17 da mesma Lei [As pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a letra, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor] todos os obrigados em razão do título, ou seja, todos os recorrentes podem excecionar o preenchimento desconforme da Letra.

Os apelantes sustentam, já se disse que a resolução do contrato não foi feita pela exequente, querendo dizer que foi feita por quem não tinha poderes para o efeito.

Importa recordar – pois resulta dos autos – que se mostram juntas ao processo (junto ao requerimento executivo e em sede de embargos) duas procurações, uma simples e outra com poderes de representação neste processo. Ambas de data posterior às cartas de resolução, cartas essas onde é invocada/declarada a resolução do contrato existente entre as partes e que a resolução é também fundamento do preenchimento do título. Diga-se, ainda, que, conjuntamente com as cartas de resolução, não se mostra junta qualquer procuração ou documento do qual pudesse retirar-se a representação da exequente pelo mandatário (que subscreve as aludidas cartas e que representa a exequente nos autos de execução e nos embargos).

Como é sabido, resulta do artigo 1159, n.ºs 1 e 2, do Código Civil (CC) que o mandato geral só compreende os atos de administração ordinária, e que o mandato especial abrange, além dos atos nele referidos, todos os demais necessários à sua execução. Se é certo que a extensão do mandato se afere pelo texto do respetivo documento, no caso presente sequer temos, ao tempo da declaração de resolução, qualquer documento que o esclareça. Note-se que as procurações existentes nos autos, independentemente da sua data, não atribuem ao mandatário quaisquer poderes para a prática de atos extrajudiciais.

Na representação sem poderes, e enquanto não for ratificado o negócio, o declaratário pode revogá-lo ou – simplesmente – rejeitá-lo, salvo se já conhecia a falta de poderes do representante (artigo 268, n.º 4 do CC).

Contrariamente ao que parece sustentar a decisão recorrida, no sentido de a exequente ter ratificado a declaração resolutiva, feita pelo mandatário, ao menos tacitamente, nenhum elemento fáctico nos permite essa conclusão: está em causa a proteção de terceiro e não vemos que aos embargantes hajam sido transmitida qualquer (tempestiva) ratificação, nem esta resulta implícita – perante esses declaratários – do eventual aproveitamento da declaração, com (apenas) o preenchimento do título executivo e a instauração da execução.

Mas o tribunal recorrido – em entendimento expressamente acompanhado pela recorrida – defende que o mandatário tinha poderes bastantes para o ato, por tal decorrer do disposto no artigo 44 do CPC.

Salvo o devido respeito, da leitura daquele normativo – que é, apenas, uma norma de caráter processual – há que concluir justamente o contrário do que se concluiu, quando está em causa, como sucede, um ato realizado extrajudicialmente: o artigo 44 do CPC atribui poderes para os atos e termos do processo, de um concreto processo, seja o processo principal sejam os (seus) incidentes. Não é o caso da declaração de resolução do contrato, feita extrajudicialmente, antes e independentemente de qualquer processo judicial.

Em conformidade, só podemos concluir que a resolução se mostra ineficaz relativamente aos embargantes.

Importa saber, no entanto, se a Letra aqui em causa pode produzir efeitos relativamente a valor diverso do aposto no título.

A questão, ainda que perante uma livrança, já foi tratada no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, proferido a 5.11.2012 [Relator, Desembargador Carlos Gil, aqui segundo Adjunto, Processo n.º 29/10.0TBCNF-A.P1, dgsi] com o seguinte sumário: “I- A demonstração do excesso no preenchimento do valor do título exequendo não implica a extinção da totalidade da lide executiva. II - O título produz efeitos pelo valor efetivamente acordado entre as partes segundo o pacto de preenchimento”. Aí se diz, entre o mais, que “Não parece dogmaticamente sustentável que a um demonstrado abuso no preenchimento de um título corresponda uma total desoneração do obrigado cambiário, ainda que se demonstre a existência de uma dívida do subscritor do título em branco face ao portador do título, de montante inferior ao valor facial do título exequendo. Ao invés, parece lícito aproveitar o enxerto declarativo que é a oposição à ação executiva para o acertamento do título exequendo e assim, sem violação das garantias processuais das partes, determinar o valor efetivamente em dívida, desde que inferior ao valor facial aposto no título exequendo”.

Concorda-se com o sentido decisório expresso no acórdão acabado de citar.

No entanto, e relevantemente, a quantia aposta no título cambiário aqui em causa resulta, toda ela (pois os juros, mesmo os vencidos, são apenas acessório do crédito), da resolução contratual, como decorre, também, do requerimento executivo e, manifestamente, da cláusula sétima do contrato assinado entre as partes. Dito de outro modo, o crédito que se pretende executar, titulado pela Letra preenchida pela exequente, corresponde ao valor decorrente da alegada resolução contratual, não havendo outra causa que importe, sequer parcialmente, a responsabilização cartular.
A conclusão precedente torna inútil a apreciação, nesta sede, das demais questões suscitadas pelos embargantes. Sempre se diga que o contrato (relação subjacente) foi celebrado entre a exequente e todos os recorrentes, e não com outra pessoa, concretamente a pessoa coletiva Café B..., Lda.: não se vislumbra, pois, qualquer impossibilidade originária no seu cumprimento. A obrigação exequenda não se mostra prescrita, porquanto, o contrato celebrado entre a exequente e os recorrentes não é subsumível ao disposto no artigo 310, alínea g) do CC, pois não estamos perante prestações de renovação periódica. O valor, duplicado ou excessivo, da cláusula penal é, agora, juridicamente irrelevante, pois também fundado na (pretensamente válida) declaração de resolução do contrato.

Tudo visto, o recurso e os embargos revelam-se procedentes: a exequente preencheu a Letra em branco em desconformidade ao pacto de preenchimento, que pressupunha a eficaz resolução do contrato (relação subjacente) – artigo 10.º da LULL.

As custas do recurso (e dos embargos em primeira instância) são devidas pela recorrida, atento o seu decaimento.

IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso e, em conformidade, revoga-se a sentença recorrida e, na procedência dos embargos interpostos pelos executados, declara-se extinta a execução.

Custas (do recurso e dos embargos) pela recorrida.

Porto, 11.11.2024
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Jorge Martins Ribeiro
_______________
[1] Requerimento executivo cujo teor se mostra descrito em sede da factualidade dada como provada e que, por isso, nos escusamos a aqui transcrever.
[2] E cujo respetivo conteúdo se transcreve, para melhor perceção da pretensão recursória e cabal compreensão do objeto da invocada nulidade.
[3] Referente (apenas) aos factos que, no entendimento dos recorrentes, estavam admitidos por acordo e provados por documento e que, por isso, nos escusamos a transcrever.
[4] Direito Processual Civil, Volume II, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 454.
[5] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição Atualizada, Almedina, 2022, pág. 333.
[6] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição... cit., pág. 201.
[7] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 831, anotação 2.
[8] Recursos em... cit., pág. 198.
[9] Desde logo a invocação do disposto no artigo 414 do CPC, ainda que também invocado em sede de motivação, na sentença recorrida. Efetivamente, o disposto no artigo 414 do CPC, atinente à repartição do ónus de prova, estabelece um regra de direito ou enuncia uma questão jurídica, que não há que confundir com a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Dito de outro modo, o tribunal considera determinado facto provado ou não provado “independentemente de saber quem tem o ónus de provar o facto” – Alberto Augusto Vicente Ruço, Prova e Formação da Convicção do Juiz, Almedina/CJ, 2016, pág. 289.
[10] Redação que se considera mais conforme com a redação do respetivo documento, assim se substituindo a redação dada ao ponto de facto n.º 6 [Por escrito particular de 07.08.2013, titulando uma autorização de preenchimento de letras em branco/avalistas, os embargantes autorizaram ainda o preenchimento da referida letra quando a exequente o entendesse oportuno, podendo fixar-lhe a data de vencimento, o valor e o local de pagamento, sendo o montante devido pelos subscritores à primeira solicitação, ainda que exista qualquer vício, o que tudo ficou a constar da autorização escrita, assinada pelos embargantes (como subscritores e avalistas) e junta com o requerimento executivo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo tais elementos posteriormente preenchidos pela exequente].
[11] José Eusébio Almeida, “Direito Comercial: Títulos de Crédito (Letras, Livranças e Cheques), in. José Eusébio Almeida, Manuel Tomé Gomes, António Geraldes, O Direito dos Negócios e Societário, INA – Instituto Nacional da Administração, 2007, págs. 11/125, a págs. 47/48.
[12] Títulos de Crédito, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, 2015, pág. 90.
[13] Direito Comercial, Volume I, Almedina, 2015 (2.ª Reimpressão da edição de 2011), pág. 325.
[14] Carolina Cunha, “Valores mobiliários vs. Letras e livranças: virtudes de um confronto pouco usual”, in. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Volume I, Almedina, 2011, págs. 673/700, a pág. 674.
[15] Carolina Cunha, Letras e Livranças: Paradigmas Atuais e Recompreensão de um Regime, Almedina, 2012, pág. 42.
[16] “A letra contém: 1. A palavra «letra» inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redação desse título; 2. O mandado puro e simples de pagar uma quantia determinada; 3. O nome daquele que deve pagar (sacado); 4. A época do pagamento; 5. A indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento; 6. O nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga; 7. A indicação da data em que, e do lugar onde a letra é passada; 8. A assinatura de quem passa a letra (sacador)”.
[17] “A letra em branco”, in. Diálogos com Coutinho de Abreu, Almedina, 2020, págs. 525/537, a pág. 525.
[18] “A letra em branco”... cit., págs. 528/530.
[19] José Engrácia Antunes, Os Títulos de Crédito, 3.ª Edição, GestLegal, 2021, pág. 70.
[20] Esclarece José Engrácia Antunes (Os Títulos... cit., pág. 92): “O aceite (“acceptance”, “Akzept”, “acceptation”, “accettazione”) é o negócio jurídico-cambiário, de natureza unilateral e abstrata, pelo qual o sacado aceita a ordem de pagamento que lhe foi dirigida pelo sacador e se obriga a pagar a letra no vencimento ao tomador ou à ordem deste”.
[21] Voltamos a citar José Engrácia Antunes (Os Títulos... cit., pág. 103): “O aval (security endorsement”, Wechselburgschaft”, “avallo”) é o negócio jurídico-cambiário através do qual uma pessoa (avalista ou dador do aval) garante o pagamento da letra por parte de um dos seus subscritores (avalizado)”.
[22] Manual de Letras e Livranças, 2.ª Edição, Almedina, 2022, págs. 162/163.
[23] Alexandre de Soveral Martins, Títulos de Crédito e Valores Mobiliários, Parte I, Títulos de Crédito, 2.ª Edição, Almedina, 2023, pág. 89.
[24] Manuel Januário da Costa Gomes, “O (in)sustentável peso do aval em livrança em branco prestado por sócio de sociedade para garantia de crédito bancário revolving”, in. Temas de Direito Bancário II, Cadernos O Direito, n.º 9 (2014), Almedina, págs. 13/39, a pág. 25: “(...) por aval aposto em livrança (ou letra) em branco ou aval em branco entendemos a assinatura aposta no título em branco e que se destina a valer como aval cambiário uma vez preenchido o título”
[25] José Engrácia Antunes (Os Títulos... cit., pág. 116).
[26] O citado acórdão tem outro ponto no seu sumário que julgamos relevante e pertinente à apreciação em causa no recurso: “ III - Acresce que tendo a letra assinada pelo avalista sido entregue em branco como garantia de obrigações emergentes do contrato celebrado, e vindo a ser resolvido esse contrato por efeito do não pagamento das quantias previstas e tendo sido comunicada ao avalista a resolução e de que iria ser preenchida a letra nos termos do respetivo pacto de preenchimento, o protesto constituiria um ato desnecessário e sem utilidade”.
[27] Manual de ... cit., págs. 172/173. E acrescenta a autora, na pág. 174: “(...) da convenção executiva que liga o credor-portador ao avalista resultará seguramente um impedimento, decorrente da boa-fé, a que o avalista se escude na ausência de protesto para tentar subtrair ao credor o direito de o acionar sempre que tem pleno conhecimento da recusa (e, quantas vezes, da impossibilidade) de pagamento pelo obrigado principal. Estas considerações aplicam-se, mutatis mutandis, a um universo de casos bastante comum na praxis atual. Referimo-nos às situações em que a letra ou livrança é subscrita em branco pelo obrigado principal e pelo(s) avalista(s) e, de acordo com o pacto de preenchimento celebrado entre eles e o credor, se destina a garantir o cumprimento de uma relação fundamental que intercede entre o mesmo credor e o avalizado”.
[28] Manual de... cit., pág. 131.
[29] Agora em Letras e Livranças... cit., págs. 591/594 e 597.