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COMPETÊNCIA
TRIBUNAL DE COMÉRCIO
DIREITOS SOCIAIS
ACÇÃO SUB-ROGATÓRIA
Sumário
(do relator) – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil. I – A competência afere-se em função dos termos da acção, tendo em consideração a pretensão formulada pelo autor e os respectivos fundamentos, tudo independentemente da idoneidade do meio processual utilizado e do mérito da pretensão. II – Quando na alínea c) do nº 1 do art.º 128º da Lei de Organização do Sistema Judiciário se refere “acções relativas ao exercício de direitos sociais”, está a pensar-se e a referir-se às acções que emergem do regime jurídico das sociedades comerciais, em que estão em causa e são invocados os direitos sociais emergentes de tal regime jurídico, sendo que podem ser titulares de tais direitos sociais quer os sócios, quer a sociedade, quer os credores sociais, quer mesmo terceiros. III – Na acção sub-rogatória prevista no nº 2 do artigo 78º do CSC o credor reclama para a sociedade, não para si, o direito de indemnização de que esta é titular e ultrapassa a inatividade e inércia da sociedade. IV – A acção que é intentada pela credora da sociedade devedora contra os respectivos administradores a pedir a condenação destes a pagarem-lhe a ela, não à sociedade devedora, quantia correspondente ao crédito que detém sobre a mesma sociedade, enquadra-se na acção pessoal e directa prevista no nº 1 do artigo 78º do CSC. V – A acção assim configurada não se insere na competência material dos Juízos de Comércio prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 128º da Lei da Organização do sistema Judiciário.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,
1. P…, LDA., intentou a presente acção com processo comum contra AG, JP e JC, na qual formulou o seguinte pedido: a) “Ser reconhecido o direito da A. exercer, por via da sub-rogação, o direito de crédito da sociedade IB…, S.A. sobre os aqui RR.; b) Sejam os RR. condenados no pagamento à A. do montante de € 461.029,25 (quatrocentos e sessenta e um mil vinte e nove euros e vinte e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contabilizados desde 17 de janeiro de 2005 (data da citação da ação declarativa) até integral pagamento. c) Deverá a sociedade IB…, S.A. ser citada para os presentes autos; d) Deverão os RR. ser condenados no pagamento das custas processuais e condigna procuradoria.”
Para tanto, alegaram, em síntese, que:
- No âmbito da acção declarativa de condenação que correu termos no Juiz 1 do Juízo Central Cível de Almada do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa sob o n.º de processo …/03.0TBSXL, a IB…, S.A. foi condenada a pagar à autora a quantia de € 461.029,25 acrescida de juros de mora, não tendo até ao momento liquidado tal dívida;
- Sucede que os réus outorgaram um suposto contrato de arrendamento através do qual oneraram o único activo da sociedade (dois imóveis com o valor patrimonial global superior a um milhão de euros) a troco de uma renda no valor irrisório de € 500,00;
- Os réus, enquanto administradores, praticaram actos lesivos da sociedade, violando manifestamente os deveres previstos no n.º 1 do artigo 64.º do CSC, e desse modo impossibilitaram a autora de satisfazer o seu crédito;
- Os réus são responsáveis pelos prejuízos causados, nos termos do art.º 72.º do CSC, em concreto pela impossibilidade em que colocaram a sociedade IB…, S.A., no cumprimento das obrigações a que se encontra adstrita, incluindo em relação à autora;
- A autora na sua qualidade de credora social intenta a presente acção ao abrigo do disposto no art.º 78º, nº 2, do CSC, com fundamento na violação de deveres em relação aos quais se encontravam adstritos os administradores da sociedade IB…, S.A., sub-rogando-se à mesma.
Concluindo o tribunal que estava em causa a competência dos Juízos do Comércio para tramitar a presente acção, de forma a cumprir o contraditório, foi a Autora notificada para, em 10 dias, se pronunciar sobre a incompetência material daquele Juízo de Comércio.
A Autora respondeu, pugnando pela competência material do Juízo de Comércio por estar em causa acção intentada nos termos do artigo 78º n.º 2 do CSC, com vista a apreciar e efectivar a responsabilidade dos réus para com a sociedade, esclarecendo que o crédito da autora somente releva para efeitos de legitimidade na propositura da acção.
Junta a resposta da Autora, em 16/11/2022 foi proferido despacho (refª 420584330) que apreciou a excepção dilatória de incompetência absoluta, tendo o Tribunal concluído pela sua verificação e, como tal, absolvido os RR. da instância.
Inconformada com esta última decisão, dela interpôs recurso a Autora, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Termina as respectivas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. Dúvidas não se colocam que toda a factualidade descrita e desenvolvida em sede da Petição Inicial se reporta à conduta adotada pelos ora Apelados, na sua qualidade de administradores da sociedade comercial anónima designada sob a firma IB…, S.A..
2. Não se compreendendo de que forma o Tribunal a quo considera que a ora Apelante não pretende responsabilizar os administradores diretamente perante a sociedade quando ao longo de toda a factualidade carreada para os presentes autos, a mesma procurou elencar e demonstrar (como salvo melhor opinião o fez) os comportamentos adotados pelos Apelados, na sua qualidade de administradores, lesivos para a sociedade comercial na qual desempenharam as mencionadas funções.
3. Sendo evidente que os Apelados, na sua qualidade de administradores, outorgaram um contrato altamente ruinoso para a sociedade comercial IB… que afetou, de forma irremediável a sua sustentabilidade;
4. Resultam do artigo 64.º do CSC, os deveres fundamentais que os Apelados, deveriam observar no exercício das suas funções, a saber, deveres de cuidado e dever de lealdade.
5. Impendendo sobre os administradores o dever de tomar decisões substancialmente razoáveis, tendo o legislador consagrado a bitola do «gestor criterioso e ordenado», critério esse que é assumidamente mais exigente que o comum, o que se justifica pela circunstância de se dirigir a especialistas fiduciários que gerem bens alheios.
6. Ora, a decisão que se encontra aqui em juízo prende-se, com a decisão de arrendar dois imóveis cujo valor patrimonial global é superior a um milhão de euros a troco de uma renda de quinhentos euros,
7. Quantia essa que conforme demonstrado na Petição Inicial, é insuficiente para suportar sequer os impostos inerentes aos locados.
8. A celebração do contrato de arrendamento em questão somente gerou graves prejuízos para a sociedade IB..., sendo assim desprovida de qualquer racionalidade à luz da bitola do gestor criterioso e ordenado, pelo facto de do mesmo não resultar qualquer vantagem patrimonial;
9. Decorrendo da alínea b) do n.º 1 do artigo 64.º do CSC o dever de lealdade, do qual é feita referência expressa à ideia de sustentabilidade,
10. Sendo inerente à ideia de sustentabilidade o dever dos administradores se absterem de tomar decisões que comprometam irremediavelmente o futuro da sociedade a médio/longo prazo, devendo assim ser evitadas políticas societárias que comprometam a satisfação dos créditos das sociedades.
11. Atendendo a factualidade em questão nos presentes autos resulta por demais evidente que com a outorga dos contratos de arrendamento nos moldes em que os mesmos foram acordados prejudicou claramente a possibilidade da sociedade IB... fazer face aos respetivos créditos, desde logo, o crédito que a Apelante detém sobre a mesma, o que por importante se refere, se demonstra pelo insucesso verificado até à presente data, dos autos executivos através dos quais a aqui Apelante tenta obter a satisfação integral dos seus créditos.
12. Pelo que, a decisão dos Apelados em questão nos presentes autos, configura-se como um ato de gestão claramente atentatório dos ditames mínimos exigidos em qualquer administração/gestão social, movidos por interesses totalmente exógenos aos elencados no artigo 64.º do CSC.
13. Assim, demonstrada a violação de deveres por parte dos Apelados importa aferir da responsabilidade dos mesmos, por forma a contrariar o entendimento do Tribunal a quo segundo o qual inexiste qualquer direito da IB... sobre os seus administradores aqui Apelados.
14. Nos termos do artigo 72.º do CSC os administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais a que se encontram adstritos.
15. Sendo a melhor jurisprudência unânime ao considerar que a violação dos deveres fundamentais que resultam do artigo 64.º do CSC constituem fundamento de responsabilidade dos membros de administração para com a sociedade, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/02/2021, proferido no âmbito do processo 9398/10.1TBVNG.P1 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Setembro de 2017, no âmbito do processo n.º 178/11.8T2AVR.P1.S2 ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
16. Ora, em face do exposto, dúvidas não restam, em nosso entender, que de toda a conduta descrita nos presentes autos resulta demonstrada a violação de deveres por parte dos aqui Apelados, violação essa que, nos termos do artigo 72.º do CSC, gera o dever dos apelados responderem para com a sociedade IB... pelos danos causados à mesma.
17. Em face do exposto, salvo melhor e douto entendimento, não assiste razão qualquer razão ao Tribunal a quo quando na Sentença aqui sob censura, afirma não resultar da causa de pedir ou do pedido, que a sociedade IB... seja titular do direito que a ora Apelante pretender exercer através de sub-rogação nos presentes autos.
18. Incorre ainda o Tribunal a quo, num outro lapso de raciocínio ao afirmar que: «Ao invés, o que a autora pretende é obter a condenação dos réus a pagarem-lhe, a ela directamente, a quantia de que a sociedade é devedora, com fundamento na violação dos deveres a que eles se encontravam adstritos.».
19. Nos termos disposto no artigo 78.º, n.º 2 do CSC segundo o qual, «Sempre que a sociedade ou os sócios o não façam, os credores sociais podem exercer, nos termos dos artigos 606.º a 609.º do Código Civil, o direito de indemnização de que a sociedade seja titular.».
20. Conferindo-se, deste modo, a possibilidade aos credores sociais de exercerem o direito de indeminização da sociedade devedora sobre os respetivos administradores. Ora, conforme referido supra foi exatamente tal possibilidade que a ora Apelante exerceu nos presentes autos;
21. Note-se que ao longo de todo o presente processo a aqui Apelante sempre procurou evidenciar as consequências desastrosas resultantes da atuação dos aqui Apelados, para a sustentabilidade da sociedade IB....
22. Atuação que claramente confere um direito de indeminização à sociedade IB..., tendo sido nesse contexto que a ora Apelante desencadeou os presentes autos, algo para o qual, atenta o quadro normativo traçado supra, detém plena capacidade.
23. Relativamente ao quantum indemnizatório indicado pela Apelante na Petição Inicial, importa aqui recordar que a fixação do mesmo se encontra, nos termos do artigo 563.º do Código Civil, sujeito ao princípio geral da causalidade adequada.
24. Entendendo-se que, «(…) a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.» - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 02 de Novembro de 2010, no âmbito do processo n.º 2290/04.0TBBCL.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
25. Ora, o que se encontra em questão nos presentes autos, centra-se na insustentabilidade da sociedade IB... em virtude da atuação dos aqui Apelados.
26. Insustentabilidade essa que colocou a IB... na impossibilidade de fazer face aos seus créditos, desde logo os detidos pela Apelante, sendo certo que a mesma desconhece e nem pode conhecer a real extensão dos danos que a atuação dos Apelados causou, algo que sempre poderia vir a ser invocado pela mesma aquando da citação para os presentes autos.
27. Assim, o pedido formulado pela Apelante teve por base o princípio geral da causalidade adequada.
28. Ademais, importa ainda evidenciar a ausência de qualquer normativo legal que obsta a que a quantia peticionada na ação judicial interposta ao abrigo do artigo 78.º, n.º 2 do CSC corresponda ao valor de um dos créditos dos quais a sociedade sub-rogada seja devedora.
29. Não assistindo razão ao Tribunal a quo quando entende que os presentes autos se configuram como uma ação pessoal e direta nos termos do artigo 78.º n.º 1 do CSC, sendo certo que ao longo de toda a Petição Inicial a Apelante enquadrou sempre a atuação dos Apelados, na sua qualidade de administradores, em relação à sociedade IB..., maxime na violação dos deveres decorrentes do artigo 64.º do CSC.
30. Aliás, o artigo 64.º do CSC não é, por si só, fonte de responsabilidade civil em face dos credores sociais, não sendo uma norma destinada à protecção destes, conforme defendido pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 28 de Janeiro de 2016, no âmbito do processo n.º 1916/03.8TVPRT.P2.S1, disponível in www.dgsi.pt.
31. Pelo que sempre se deverão considerar os presentes autos como uma causa relativa ao exercício de direitos sociais para efeitos do artigo 128.º alínea c) da Lei 62/2013.
32. Assim, dúvidas não se colocam, em nosso entender, quanto à competência em razão da matéria do Tribunal a quo.
33. Termos em que, cremos, sempre deverá revogar-se a douta Sentença aqui sob censura e substitui-se a mesma por douto Acórdão que, julgando improcedente a exceção incompetência absoluta, determine o prosseguimento dos autos.
Notificados os RR. das alegações, veio o Réu, JP, deduzir contra-alegações, onde conclui que ocorre uma contradição entre o pedido e a causa de pedir formulada pela autora, que, em suma, pretende a obtenção de uma condenação dos réus a pagarem-lhe diretamente o montante de que a sociedade IB... é devedora, fazendo apelo quer aos fundamentos da responsabilidade civil, quer invocando os fundamentos da sub-rogação, olvidando que uns e outros representam distintos institutos.
Também o MP, em representação do Réu ausente, AG, veio formular as suas contra-alegações, as quais conclui do seguinte modo:
A. A acção sub-rogatória dos credores sociais prevista no art.º 78º n.º 2 do CSC tem como finalidade o ressarcimento dos prejuízos causados à sociedade, visando a condenação dos administradores no pagamento de uma indemnização à sociedade.
B. A acção foi configurada com fundamento na responsabilidade civil dos administradores para com o credor, por violação dos deveres impostos no art.º 64º do CSC, tendo apenas cabimento no art.º 78º n.º 1 do CSC o seu pedido de condenação dos Réus a pagarem-lhe directamente a quantia de que a sociedade é devedora.
C. Não se tratando de acção relativa ao exercício de direitos sociais, a mesma não se insere na competência dos Juízos de Comércio – cfr. art.º 128º n.º 1 alínea c), a contrario, da Lei n.º 62/2013, pelo que se conclui pela incompetência absoluta em razão da matéria do Juízo de Comércio, com a consequente absolvição dos Réus da instância (artigos 96º, 97º, 98º, 99º, n.º 1, 576º, n.º 2, 577º, alínea a), e 578º, todos do C.P.C.).
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
2. Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil).
Assim, atendendo ao teor das alegações apresentadas pela Recorrente, a questão fundamental deste recurso é a de saber se os juízos de comércio são competentes, em razão da matéria, para conhecer da presente acção com processo comum, através do qual se pretende que, por via da sub-rogação do direito de crédito da sociedade IB..., S.A., os RR. sejam condenados ao pagamento à Autora do montante de 461.029,25 €, acrescidos de juros de mora até integral pagamento.
3. A factualidade a considerar é a que resulta do exposto no relatório supra, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
4. Sobre a questão da competência, diz a Recorrente que sempre se deverão considerar os presentes autos como uma causa relativa ao exercício de direitos sociais para efeitos do disposto no artigo 128º, alínea c) da Lei 62/2013 (doravante LOSJ), uma vez que na presente acção apenas está a exercer o direito de indemnização da sociedade devedora sobre os respectivos administradores.
Com efeito, é um dado assente quer na doutrina, quer na jurisprudência, que a competência se afere “em função dos termos da acção, tendo em consideração a pretensão formulada pelo autor e os respectivos fundamentos, tudo independentemente da idoneidade do meio processual utilizado e do mérito da pretensão”.[1]
No caso dos autos, a pretensão da sociedade Autora visa a condenação dos administradores da sociedade devedora a assumirem a responsabilidade pelo pagamento das dívidas contraídas por esta. Funda essa sua pretensão, essencialmente, na violação por parte dos RR., na qualidade de administradores da sociedade devedora, dos deveres de cuidado e de lealdade, ao outorgarem um contrato altamente ruinoso para a sociedade comercial IB... que teria afectado, de forma irremediável, a sua sustentabilidade.
Na verdade, segundo o nº 1 do artigo 72º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a violação dos deveres legais gerais – deveres de cuidado e de lealdade (artigo 64º) – por parte dos administradores em relação à sociedade, constitui comportamento ilícito que, verificados os restantes pressupostos, implica também responsabilidade civil dos administradores perante a sociedade.[2] Esta responsabilidade perante a sociedade é efectivada através da chamada acção social, a qual pode assumir duas modalidades: i) a acção social ut universi, prevista no artigo 75º do CSC, e que é proposta pela própria sociedade; e, ii) a acção social ut singuli, prevista no artigo 77º do CSC, que, quando a sociedade não delibere propor a acção, pode ser subsidiariamente proposta por sócios que tenham uma determinada percentagem do capital.[3]
Contudo, “sempre que a sociedade ou os sócios o não façam, os credores sociais podem exercer, nos termos dos artigos 606º a 609º do Código Civil [sub-rogação], o direito de indemnização de que sociedade seja titular.” (artigo 78º, nº 2 do CSC). Trata-se da acção sub-rogatória do(s) credor(es) da sociedade, que apresenta carácter subsidiário e sub-rogatório, em que os credores actuam em nome próprio, mas por conta da sociedade, de forma a aumentar o património desta, tendo em vista ampliar a garantia patrimonial dos seus créditos.
Diferentemente, o nº 1 do artigo 78º do CSC consagra a designada “acção autónoma ou directa dos credores, titulares de direito de indemnização, não acção sub-rogatória (prevista no art.º 78º, nº 2) para proveito direto da sociedade”.[4] Segundo ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, trata-se de “responsabilidade por danos diretos causados aos credores, por violação de normas de proteção, em termos próximos do que resultam do artigo 483º, nº 1 do CC, segunda modalidade, ainda que com especificidades” e não “de responsabilidade por danos indiretos ou reflexos dos credores”, vincando que “o que dita o carácter direto da responsabilidade é o facto de esta resultar da violação de normas que têm diretamente em vista a proteção dos credores e não apenas a proteção da sociedade e reflexamente dos credores”. [5]
Ora, a questão de saber qual é o tribunal competente, em razão da matéria, para julgar as acções de responsabilidade dos administradores tem merecido da doutrina e da jurisprudência respostas divergentes. Assim, para LEBRE DE FREITAS, o exercício do direito à indemnização (pela sociedade, pelo sócio ou por credor), não visa assegurar o regular funcionamento actual da sociedade, mas antes reparar danos verificados em consequência da actuação passada dos seus administradores ou gerentes, não constituindo, por isso, um direito social, mas um direito da sociedade contra terceiro devedor. Entende, por isso, que cabe aos tribunais de competência genérica conhecer da acção social ut universi.[6] Já para COUTINHO DE ABREU e MARIA ELISABETE RAMOS, “em face do direito positivo, os juízos do comércio são competentes para julgar a acção social ut universi”, cuja causa de pedir “é consubstanciada pelos factos que integram os pressupostos jurídico-societários da responsabilidade perante a sociedade”. Além disso, acrescentam, “a expressão “direitos sociais” [constante da alínea c) do nº 1, do artigo 128º da LOSJ] não impede uma interpretação de modo a abranger (também) o exercício de direitos da sociedade contra os seus administradores.”[7] Também no que se refere à acção sub-rogatória de credores os mesmos autores são do entendimento que “os juízos de comércio são materialmente competentes para preparar e julgar a acção social de responsabilidade proposta por credores sociais ao abrigo do art.º 78º, nº 2.”[8] Consideram, por fim, que a acção autónoma dos credores sociais prevista no nº 1 do artigo 78º do CSC[9], apesar de, não ser, imediata e directamente, “relativa ao exercício de direitos sociais” (artigo 128º, nº 1, alínea c) da LOSJ), também em relação a ela deve ser afirmada a competência dos juízos do comércio, designadamente, por – na sequência do que havia sido ponderado pelo STJ no Ac. de 18/12/2008 (proc.08B3907)[10] – estar em causa “o regime jurídico-societário da responsabilidade pela administração”, que, segundo o STJ, “assenta em pressupostos específicos concernentes aos deveres dos gerentes e administradores das sociedades, do que decorre a especificidade da matéria quanto aos pressupostos da responsabilidade civil envolventes”.
No que respeita à jurisprudência, é hoje entendimento pacífico que os juízos de comércio são competentes, nos termos conjugados dos artigos 72.º e 75.º do CSC, pois estamos face a uma acção relativa ao exercício de direitos sociais.[11] Para o STJ, a expressão “direitos sociais” (constante da alínea c) do nº 1 do art.º 128º da LOSJ) não equivale ou corresponde a “direitos dos sócios”, devendo entender-se que, quando em tal alínea se fala em “acções relativas ao exercício de direitos sociais”, se está a pensar e a referir às ações que emergem do regime jurídico das sociedades comerciais, se está a pensar e a referir às ações em que estão em causa e são invocados os direitos sociais emergentes de tal regime jurídico, sendo que podem ser titulares de tais direitos sociais quer os sócios, quer a sociedade, quer os credores sociais quer mesmo terceiros.”[12] Com efeito, se o artigo 128º, nº 1, alínea c) da LOSJ determina que compete aos juízos de comércio preparar e julgar as acções relativas ao exercício de direitos sociais e, se a acção de responsabilização dos gerentes ou administradores que, no exercício das suas funções, causaram prejuízos à sociedade corresponde ao exercício de direitos sociais, é certo que os juízos de comércio são os competentes materialmente para julgar esta acção.
Segundo a Recorrente, o Tribunal a quo labora em erro ao entender “que os presentes autos se configuram como uma acção pessoal e directa nos termos do artigo 78º, nº 1 do CSC, sendo certo que ao longo da toda a petição inicial a apelante enquadrou sempre a atuação dos apelados, na sua qualidade de administradores, em relação à sociedade IB..., máxime na violação dos deveres decorrentes do artigo 64º do CSC.” (conclusão 29.). Com efeito, ao longo do seu articulado verifica-se que a ora Recorrente tentou enquadrar a presente acção no nº 2 do artigo 78º do CSC, alegando até que este normativo não obstava a que a quantia peticionada pudesse corresponder ao valor de um dos créditos dos quais a sociedade sub-rogada fosse devedora. Esse não foi, porém, o obstáculo que tribunal a quo relevou, mas antes o facto de a Autora pretender obter a condenação dos RR. a pagarem-lhe a ela, directamente, a quantia de que a sociedade é devedora, com fundamento na violação dos deveres a que eles se encontravam adstritos.
Ora, a acção sub-rogatória prevista no nº 2 do artigo 78º do CSC – que a Recorrente diz ter intentado – “destina-se a permitir que credor(es) da sociedade-devedora (que têm como garantia geral o património societário) se sub-rogue(m) na posição do credor (inativo) da indemnização (a sociedade) devida pelos administradores, de modo a que ela ingresse no património da sociedade”[13]. Ou seja, o credor reclama para a sociedade, não para si, o direito de indemnização de que esta é titular e ultrapassa a inatividade e inércia da sociedade.
Contrariamente, no caso dos autos, a Autora, nem sequer demanda (ou requer a intervenção) (d)a sociedade IB... (pese embora requeira a respectiva citação no fim da petição, sem, para tanto, apresentar qualquer justificação), sendo certo que pede a condenação dos RR. a pagarem-lhe a ela, não àquela sociedade, a quantia de 461.029,25 €, correspondente ao crédito que detém sobre a mesma sociedade. Assim, apesar de também se pedir o reconhecimento “do seu direito a exercer, por via da sub-rogação, o seu direito de crédito” sobre a sociedade IB..., a presente acção não deixa de ser uma acção autónoma de credora social, na medida em que é intentada directamente pela credora da sociedade, não tem por objecto a reparação do dano sofrido pela sociedade, sendo certo que se pede que a alegada “indemnização” devida pelos administradores ingresse directamente no património dos credores-autores.
Trata-se, pois, de uma acção cuja causa de pedir, se aproxima mais da prevista no nº 1 do artigo 78º do CSC (acção pessoal e directa), do que da prevista no nº 2 do mesmo preceito (acção sub-rogatória). Na verdade, é ao pedido principal (no caso, o condenatório da alínea b)) que o tribunal deve atender para determinar a competência do tribunal, como se prevê no artigo 82º, nº 3 do CPC.
Aqui chegados, temos de concordar com a decisão recorrida quando, apoiando-se no Ac. do TRP de 22/03/2021 (proc. 17258/19.4T8PRT.P1)[14], afirma que a acção se insere “no âmbito das acções de indemnização por responsabilidade civil, com fundamento em responsabilidade directa dos gerentes ou administradores para com os credores sociais, cumprindo apurar se no exercício das funções de administradores da sociedade, os réus não observaram as disposições legais que tutelam o interesse dos credores, causando desse modo danos à autora, credora social – não sendo, assim, uma acção relativa ao exercício de direitos sociais”.
Assim, apesar de se entender que os juízos de comércio são materialmente competentes para conhecer das acções sociais, sejam elas propostas pela sociedade, pelos sócios ou pelos credores sociais (nos termos dos artigos 75º, 77º e 78º, nº 2 do CSC), por se configurarem como acções destinadas ao exercício de direitos sociais, não cremos que seja de manter essa competência material quando se trate das demais acções sociais, designadamente as acções autónomas dos credores sociais propostas nos termos do nº 1 do artigo 78º do CSC, como é a dos presentes autos.
Improcedem, por isso, as alegações de recurso.
5. Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente, confirmando, consequentemente, a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 12 de Novembro de 2024
Nuno Teixeira
Elisabete Assunção
Ana Rute Alves Costa Pereira
_______________________________________________________ [1] Cfr. STJ, Ac. de 11/10/2022 (proc. 4669/21.4T8VNF-C.G1.S1), disponível em www.direitoemdia.pt.
[2] Cfr. COUTINHO DE ABREU/MARIA ELISABETE RAMOS, “Comentário ao artigo 72º” in [coord. COUTINHO DE ABREU], Código das Sociedades Comerciais em Comentário, volume I, 2ª Edição, Coimbra, 2017, pág. 899.
[3] Cfr. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Lições e Casos de Direito das Sociedades, Lisboa, 2023, pág. 451 e ss..
[4] Cfr. COUTINHO DE ABREU/MARIA ELISABETE RAMOS, Ibidem, pág. 958.
[5] Cfr. Ob. Cit., pp. 454-455. COUTINHO DE ABREU/MARIA ELISABETE RAMOS, Ob. Cit., pág. 959, apontam várias “disposições legais” que visam a protecção dos credores, designadamente as que provêem a conservação do capital social (artigos 31º-34º, 514º, 236º, 346º, nº 1, 513º, 220º, nº 2, 317º, nº 4 do CSC), as que proíbem a subscrição de acções próprias (artigo 316º, nº 1 do CSC), a que delimita a capacidade jurídica das sociedades (artigo 6º do CSC), bem como, as que prescrevem o dever de os administradores requererem a declaração de insolvência da sociedade em certas circunstâncias (artigo 18º e 19º do CIRE).
[6] Cfr. “Do tribunal competente para a acção de responsabilidade de gerente ou administrador de sociedade comercial”, em Estudos dedicados ao Prof. Doutor Luís Carvalho Fernandes, volume III, UCP (volume especial de Direito e Justiça), 2011, pp. 315-316. Na jurisprudência ver TRP, Ac. de 13/05/2008 (proc. 0721243), disponível em www.dgsi.pt/jtrp.nsf.
[7] Cfr. “Comentário ao artigo 75º” in [coord. COUTINHO DE ABREU], Código das Sociedades Comerciais em Comentário, volume I, 2ª Edição, Coimbra, 2017, pp. 940-942.
[9] Esta acção é intentada directamente pelos credores da sociedade, não tendo por objecto a reparação do dano sofrido pela sociedade, que não intervêm na acção. Acresce que a indemnização devida pelos administradores ingressa no património dos credores-autores (cfr. COUTINHO DE ABREU/ MARIA ELISABETE RAMOS, Ibidem).
[11] O Ac. do STJ de 17/09/2009 (proc. 94/07.8TYLSB.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt/jstj.nsf, entendeu que o tribunal de comércio é materialmente competente para julgar uma acção social de responsabilidade. Decidiu que “a acção intentada pela sociedade contra os anteriores sócios-gerentes a quem é pedida a indemnização – a favor da sociedade – baseada na sua actuação culposa e geradora de prejuízos é uma acção ut universi que exprime o exercício de um direito social”. O mesmo STJ, no Ac. de 08/05/2013 (proc. 612/08.4TVPRT.P1.S1), também disponível em www.dgsi.pt/jstj.nsf, decidiu igualmente que “no âmbito societário, a acção com vista ao reconhecimento do direito de indemnização da sociedade contra os seus administradores, fundada em responsabilidade civil, corresponde ao exercício de um direito social porque expressamente conferido pela lei societária”.
[12] Cfr. STJ, Ac. de 26/10/2022 (proc. 4583/21.3T8VNF-B.G1.S1), disponível em www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[13] Cfr. MARIA ELISABETE RAMOS, Corporate Governance and Directors’ Liability – Some Remarks from the Portuguese Legal Experience, pág. 12 e ss., disponível em https://ssm.com/abstract=2985822.