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PER
CUSTAS
APOIO JUDICIÁRIO
IGFEJ
INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO
ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário
(da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC[1]) 1. Estando em causa um PER que tenha sido encerrado na sequência da aprovação e homologação do plano de recuperação apresentado, as custas são da responsabilidade da empresa requerente/devedora. 2. Abarcando as custas, para além do mais, os encargos e incluindo-se nestes a remuneração fixada ao administrador judicial provisório (e as respectivas despesas que lhe tenham sido atribuídas), será a devedora quem a terá que suportar, apenas se podendo equacionar o seu pagamento pelo IGFEJ, I.P. na hipótese de aquela beneficiar de protecção jurídica na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e unicamente a título de adiantamento. 3. Assim não sucedendo, e tendo o PER sido encerrado, sem que no âmbito do mesmo tenha sido solicitado/ordenado o pagamento adiantado da remuneração do administrador judicial provisório pelo IGFEJ, I.P., inexiste fundamento legal para que este último (já após tal encerramento) venha a suportar esse encargo. 4. Igual conclusão será de extrair mesmo que, posteriormente ao encerramento do PER, a empresa devedora venha a apresentar-se à insolvência e esta seja declarada, porquanto se trata de processos autónomos, sendo no âmbito deste segundo processo que o crédito do administrador judicial provisório deveria ter sido reclamado. 5. Tal entendimento não enferma de qualquer inconstitucionalidade, designadamente com fundamento em violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Texto Integral
Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.
I - RELATÓRIO
N … Lda. veio requerer a abertura de PER (processo especial de revitalização), nos termos previstos pelos artigos 17.º-A, n.º 2 e 17.º-C, n.º 3 do CIRE, mais tendo indicado para AJP (administrador judicial provisório) o Dr. B.
Por despacho de 20/03/2018, foi o PER admitido e o indicado AJP nomeado.
Este último, em 16/04/2018, juntou a lista provisória de credores – artigo 17.º-D, n.º 2 e 3 do CIRE -, à qual foram deduzidas impugnações.
Por acordo subscrito pelo AJP e pela devedora, em 21/06/2018, foi requerida a prorrogação do prazo das negociações por um mês.
O AJP pronunciou-se em 11/07/2018 quanto às impugnações apresentadas à lista provisória de credores.
No dia 20/07/2018 veio a devedora juntar aos autos o plano de recuperação (sendo que o anúncio referente à publicidade do seu depósito apenas ocorreu em 21/08/2018) e, em 29/08/2018 (Ref.ª/Citius 13000677), procedeu à junção da versão final do plano de recuperação e seus anexos para votação (o respectivo anúncio apenas foi publicado em 26/09/2018).
Por despacho proferido em 10/09/2018 o tribunal a quo conheceu e decidiu as impugnações apresentadas à lista provisória de credores.
Em 12/10/2018, o AJP juntou aos autos o resultado da votação, mais informando considerar-se o plano aprovado.
Por sentença de 15/10/2018, o tribunal a quo homologou o plano apresentado, decisão publicitada no dia seguinte.
E, por despacho proferido em 03/12/2018, fixou ao AJP a remuneração de 2.000€, acrescida de despesas no valor de 500€, mais consignando ser a devedora a responsável por esse pagamento[2]. Deste despacho foi o AJP notificado (notificação certificada da mesma data).
Elaborada a conta de custas em 08/01/2019, da mesma resultou um valor de 581,92€ a cargo da devedora (tendo sido emitida a respectiva guia para pagamento, tendo este sido comprovado nos autos em 19/03/2019). Nenhuma reclamação foi apresentada à conta.
Os autos foram encerrados (tendo sido aposto visto em correcção em 20/03/2019).
Em 19/10/2023, veio o AJP requerer que os honorários fixados lhes fossem pagos através dos “Cofres do Estado” (nessa sequência tendo o processo sido requisitado ao arquivo geral).
Por despacho de 31/01/2023, a 1.ª instância decidiu: “Nos presentes autos foi proferida decisão que fixou os honorários ao Sr. Administrador Provisório, cabendo à requerente a responsabilidade pelo seu pagamento. // Pelo exposto, indefere-se o requerido. // Notifique.”
Inconformado com tal despacho, dele interpôs RECURSO o AJP, formulando, para tanto, as CONCLUSÕES que agora se reproduzem: “I. A Revitalizanda foi declarada insolvente em 23/05/2019 nos Autos que correm termos no Juiz 4 deste Juízo do Comércio sob o número de processo 8525/19.8T8SNT, os quais prosseguiram para liquidação do ativo e encerrado o estabelecimento da insolvente em cumprimento do disposto no art.º 65º nº 3 do CIRE, o que logicamente impossibilitou o Recorrente/AJP de ser ressarcido. II. O douto despacho em cotejo, nega o pagamento pelos cofres considerando que tal responsabilidade é da Revitalizanda/devedora, ora insolvente. III. Face a isto, desemboca o Recorrente na insatisfação / não pagamento da sua remuneração no entendimento do Tribunal “a quo” sustentar que o pagamento em sede de PER é da única e exclusiva responsabilidade da Revitalizanda. IV. O Recorrente não pode aderir a esta tese, uma vez que “in casu” e em todos os semelhantes, o exercício das funções de AJP e o trabalho que este consequentemente prestou nunca lhe seria remunerado. V. O que nem é justo nem é legal, face à figura que este profissional assume perante a lei, a Justiça e ao seu Estatuto Remuneratório com manda a Lei 22/2013 de 26 de Fevereiro. VI. Face aos superiores princípios da igualdade e da proporcionalidade, essa remuneração deverá ser “in casu” assumida pelos Cofres do Estado/IGFEJ, IP. VII. O despacho recorrido, viola o disposto no Arº 32 do CIRE, o EAJ aprovado pela Lei 22/2013 de 26 de fevereiro. Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, se impõe a alteração do despacho recorrido, revogando-o e substituindo-o por outro que ordene o pagamento da remuneração do recorrente e das despesas por si suportadas pelo IGFEJ, IP. Assim, se dando cor de verdade à JUSTIÇA!”
O Ministério Público apresentou Resposta e, como conclusões, formulou as seguintes: “1º - A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, e constitui, juntamente com as despesas em que aquele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo devedor, sendo o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça responsável pelo seu pagamento apenas no caso de o devedor beneficiar de proteção jurídica na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo, como resulta do disposto no art.º 222.º-C, n.º 6 do CIRE; 2.º- Caso o devedor venha a ser declarado insolvente na sequência da não homologação de um acordo de pagamento, a remuneração do administrador judicial provisório e as despesas em que este tenha incorrido, que não sejam pagas, constituem créditos sobre a insolvência, nos termos do art.º 222.º-C, n.º 7 do CIRE. 3.º- Se a intenção do legislador fosse a de impor ao IGFEJ o pagamento das remunerações no âmbito dos PER e PEAP, teria previsto tal norma nas alterações que introduziu no EAJ. 4.º- No âmbito do PER e do PEAP, só existe fundamento legal para o IGFEJ adiantar/pagar a quantia necessária ao pagamento dos honorários e das despesas arbitradas ao administrador judicial provisório, nos casos em que o requerente/devedor litigue com apoio judiciário que o isente do pagamento de custas, em que por força do disposto nos arts. 19º, n.º 1 e 20º, n.º 2 do RCP, os encargos e as despesas para com terceiros são adiantas pelo IGFEJ, sem prejuízo de entrarem nas custas de parte e serem reembolsáveis, a final, pelo responsável pelo pagamento das custas. 5.º- Essa diferença entre o regime do PER e PEAP por um lado e do processo de insolvência, por outro, não constitui qualquer violação ao princípio constitucional da igualdade, previsto no art.º 13º da CRP, como alega o recorrente, mas antes uma aplicação rigorosa da lei vigente. 6.º- Termos em que o despacho recorrido não merece reparo e deve ser mantido, por ter feito uma correcta e justa interpretação e aplicação da lei. Face a todo o exposto, o despacho recorrido deverá ser mantido, nos seus precisos termos, devendo o recurso ora interposto ser julgado improcedente. Porém, V. Exas. Farão, como sempre, a acostumada JUSTIÇA!”
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
Já nesta Relação, por despacho da relatora do passado dia 04, foi solicitado o acesso informático aos autos de insolvência n.º 8525/19.8T8SNT, o qual foi facultado.
Foram colhidos os vistos.
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II. OBJECTO DO RECURSO
Como se entende de forma uniforme, será pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, nº 2, ex vi do artigo 663.º, nº 2, do mesmo Código).
No caso, importa decidir: se deverá o IGFEJ, IP suportar o pagamento da remuneração e das despesas do AJP no âmbito de um PER cujo encerramento ocorreu com aprovação e homologação do plano de recuperação, não obstante a devedora tenha vindo a ser posteriormente declarada insolvente.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
As incidências fáctico-processuais que relevam são as descritas no relatório supra (as quais, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidas).
Em face da consulta informática ao Proc. n.º 8525/19.8T8SNT, resulta ainda que:
- A empresa devedora apresentou-se à insolvência em 22/05/2019, a qual foi declarada por sentença proferida no dia 23 do mesmo mês, já transitada em julgado;
- Nessa sentença foi nomeado administrador da insolvência (AI) o aqui recorrente,
- Foram apreendidos bens para a massa insolvente e os autos prosseguiram para liquidação.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como resulta do relatório, foi requerida a instauração de um PER, o qual terminou com a homologação do plano de recuperação que havia sido apresentado e aprovado.
Porém, por sentença proferida em 23/05/2019, já transitada em julgado (Proc. n.º 8525/19.8T8SNT) veio a devedora a ser declarada insolvente.
Em ambos os processos, o cargo de AJP (no PER) e de AI (na insolvência) foi atribuído ao aqui apelante.
Trata-se de cargos de natureza pública, cuja nomeação, em regra, é efectuada pelo juiz (no âmbito do processo em causa e tendo subjacente uma lista oficial na qual os mesmos se encontram inscritos), e para cujo desempenho se mostra instituído o direito à remuneração e ao reembolso das despesas em que incorram, nos moldes consignados nos artigos 60.º, n.º 1 (para o AI) e 17.º-C (para o AJP nomeado em PER), ambos do CIRE, com as particularidades do processo no âmbito do qual a nomeação ocorre.
A matéria atinente à remuneração vem regulada no EAJ (Estatuto do Administrador Judicial, o qual foi aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26/02 e posteriormente alterado pela Lei n.º 9/2022, de 11/01), designadamente nos seus artigos 22.º e ss. À remuneração do administrador judicial nomeado por iniciativa do juiz alude o artigo 23.º deste Estatuto.
No caso, no âmbito do PER, o juiz fixou ao AJP uma remuneração de 2.000€, acrescida de 500€ a título de despesas (despacho esse que o mesmo não impugnou).
Sucede que, não tendo tais montantes sido pagos, e tendo sido, entretanto, declarada a insolvência da devedora, entende o recorrente que tal pagamento deverá ser suportado pelo IGFEJ, IP.
Assim não o entendeu a 1.ª instância e, desde já se dirá, com acerto.
Antes de mais, cumpre referir que o regime aplicável ao caso é o anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2022, de 11/01[3].
Prescrevia o artigo 17.º-C, n.º 4 do CIRE que, requerido o PER, “o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º, com as devidas adaptações.”
Já segundo o n.º 3 do artigo 32.º, “A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta”.
Actualmente, o n.º 5 do artigo 17.º-C remete apenas para o n.º 1 do artigo 32.º e para os artigos 33.º e 34.º, “com as devidas adaptações”, mais se prevendo no seu n.º 6 que a remuneração do AJP, “é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que aquele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, suportado pela empresa, sendo o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça responsável pelo seu pagamento, apenas no caso de a empresa beneficiar de proteção jurídica na modalidade da dispensa do pagamento da taxa da justiça e demais encargos do processo”.[4]
Ora, estando em causa um PER, no mesmo inexiste massa insolvente que possa ser chamada a suportar o pagamento da remuneração devida ao AJP nos moldes previstos pelo transcrito n.º 3 do artigo 32.º.
Aliás, no caso, o plano de recuperação foi aprovado e homologado por sentença já transitada em julgado, pelo que, como estatuído no n.º 11 do artigo 17.º-F do CIRE (que antecedeu o actual n.º 12), sempre seria a empresa/requerente quem teria de suportar as custas do processo de homologação (já que foi ela quem beneficiou do plano de recuperação).
E, justifica-se que, em sede de PER, a responsabilidade pelo pagamento da remuneração e despesas ao AJP fique a cargo da devedora porquanto a mesma mantém o poder de dispor do seu património/rendimentos (ao contrário do que sucede em sede de insolvência – cfr. artigos 81.º, n.º 1, e 90.º do CIRE).
Em síntese, sendo o PER encerrado com a homologação do plano de recuperação, a remuneração e as despesas arbitradas ao AJP terão que ser suportadas pela devedora/requerente (como, aliás, o despacho proferido em 03/12/2018 não deixou de consignar, sendo que também a sentença homologatória do plano de recuperação refere expressamente que a responsabilidade pelas custas é da requerente).
Apenas na hipótese de a devedora beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, se poderá cogitar a possibilidade de ser o IGFEJ, I.P. a suportar tal encargo (como aliás, após a alteração introduzida pela Lei n.º 9/2022, o legislador consignou expressamente no actual n.º 6 do artigo 17.º-C).
Como se pode ler no acórdão da Relação de Guimarães de 06/11/2014 (Proc. n.º 1230/14.3TBBRG-A.G1, relator Manso Raínho), disponível in www.dgsi.pt, “como decorre do art.º 32º nº 3 do CIRE, o encargo com a remuneração do administrador judicial provisório e o encargo com as despesas em que incorra no exercício das suas funções, integram as custas do processo. (…) no PER não há qualquer massa responsável nem existe qualquer substrato patrimonial análogo. Na realidade, as custas do PER, sejam elas quais forem, constituem sempre encargo do devedor (se for aprovado plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, as custas ficam a cargo deste (…) se tal não suceder, as custas ficam também a cargo do devedor, pois que vencido, nos termos gerais). E a ser assim, como é, não se coloca a hipótese do organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça ser chamado, isto simplesmente à luz da supra citada norma, a suportar as custas da responsabilidade do devedor no PER.” Contudo, realçando-se que, no caso, o devedor beneficiava de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e dos demais encargos com o processo, defende-se: “Constituindo pois a remuneração do administrador e as despesas em que incorra um encargo com o processo, é então apodítico concluir que se trata de um encargo que o Apelante está dispensado de suportar. (…) Em consequência, é ao IGFEJ, IP que compete adiantar os recursos inerentes a suportar tal encargo, sem prejuízo de reembolso (nº 1 do art.º 19º do RCP).” (sublinhado nosso).
Com efeito, segundo o artigo 19.º, n.º 1 do RCP, “Quando a parte beneficie de isenção de custas ou de apoio judiciário, os encargos são sempre adiantados pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-estruturas da Justiça, I.P, sem prejuízo de reembolso”, consignando-se no artigo 16.º do mesmo regulamento que “1. As custas compreendem os seguintes encargos: a) Os reembolsos ao Instituto de Gestão Financeira e das Infra-estruturas da Justiça, I.P.: i) De todas as despesas por este pagas adiantadamente (…)”.
Porém, não é o que aqui sucede.
Não beneficiando a devedora/requerente de apoio judiciário, nunca existiria fundamento legal para que o IGFEJ, I.P. adiantasse o pagamento de quaisquer encargos (e menos ainda para que, depois de encerrado o processo, lhe seja exigido qualquer pagamento).
Acresce que, em momento algum do processo, o recorrente solicitou o adiantamento da sua remuneração pelo IGFEJ, I.P. (nem tal adiantamento foi ordenado pela 1.ª instância), sequer tendo informado os autos de que o pagamento estaria em falta (não obstante o PER ter sido encerrado em Março de 2019 e a insolvência ter sido declarada em 23/05/2019, assumindo o recorrente as funções de AI, apenas em 19/10/2023 veio o mesmo invocar não ter sido ainda pago pelo exercício de funções como AJP).
Estamos, pois, em face de uma situação distinta da tratada no acórdão desta mesma Secção, de 28/02/2023 (invocado pelo recorrente)[5], no qual não existiu qualquer plano de recuperação homologado e o então AJP havia requerido o adiantamento do pagamento da sua remuneração pelo IGFEJ, I.P. Mas, também neste aresto, estava em causa o adiantamento do pagamento da remuneração, não se admitindo que a responsabilidade pelo mesmo pudesse ser desde logo assacada ao IGFEJ, I.P.
Refira-se, ainda, que o recorrente tão pouco deduziu reclamação à conta de custas[6]. Abrangendo as custas os encargos (cfr. artigo 529.º do CPC), nos quais, por sua vez, se inclui a remuneração do administrador judicial, sempre os montantes devidos ao AJP aí deveriam ter sido imputados (cfr. n.º 2 do artigo 24.º do RCP). Não obstante assim não tenha sucedido, mostra-se já ultrapassado o momento para esse efeito.
Inexiste, pois, fundamento para que o IGFEJ, I.P. seja responsabilizado como pretendido pelo recorrente.
Sucede, no entanto, que a devedora, se não pagou os montantes devidos ao AJP, também já não o poderá fazer, porquanto, já depois de encerrado o PER, veio a ser declarada insolvente.
Ora, se assim sucedeu, sempre o crédito do recorrente (correspondente à remuneração que lhe foi fixada e às despesas atribuídas) deveria ter sido reclamado nos autos de insolvência, tanto mais que, no mesmo, foram apreendidos bens para a massa insolvente, tendo o processo de insolvência prosseguido para liquidação (o que sempre foi do conhecimento do recorrente, porquanto o mesmo aí desempenha funções como AI).
Com efeito sempre se tratará de um crédito constituído em momento anterior àquele em que a insolvência foi declarada (cfr. artigo 46.º, n.º 1, do CIRE) e que corresponde à contrapartida devida pelo exercício das funções de AJP no âmbito do PER (nessa medida constituindo um crédito sobre a insolvência).
O PER a que respeita o presente recurso é autónomo do processo de insolvência que veio posteriormente a ser instaurado (apresentação à insolvência pela empresa), não se podendo, pois, afirmar que este seja uma extensão daquele (como sucederia caso o plano de recuperação não tivesse sido homologado e, ainda no âmbito do PER, tivesse sido conhecida a situação de insolvência da devedora). Com efeito, no PER foi proferida sentença homologatória do plano e no mesmo foi aposto visto em correição, sendo a declaração de insolvência posterior ao seu encerramento.
Se o recorrente assim não procedeu (não tendo reclamado o seu crédito), as consequências resultantes de tal omissão só ao mesmo serão imputáveis, sem que se possa defender qualquer juízo de inconstitucionalidade (designadamente por uma putativa violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade).
Termos em que terá a pretensão do apelante de improceder.
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IV- DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente, por não provada, a apelação, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 12 de Novembro de 2024
Renata Linhares de Castro
Paula Cardoso
Teresa de Sousa Henriques
_______________________________________________________ [1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem. [2] É o seguinte o teor desse despacho: “Dos Honorários do Administrador // No âmbito dos presentes autos (PER), a fixação da remuneração do Sr. Administrador tem por base a aplicação dos critérios a que aludem os art.º 22º e 24º do Estatuto do Administrador da Insolvência ex vi art.º 17º C, al. a) e 32º, n.º 3, 1ª parte do Cire. // Destarte, tendo por referência as normais funções do administrador neste tipo de processos e as efectivamente desenvolvidas, e os elementos descritos relativos à dimensão da empresa, julga-se adequado fixar a remuneração proposta de € 2.000, acrescido de despesas no valor de €500. // Notifique bem como à devedora responsável pelo seu pagamento. // Vão os autos à conta.” [3] Como resulta do disposto no artigo 10.º da citada Lei (regime transitório), “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a presente lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor. 2 – O disposto nos artigos 17.º-C a 17.º-F, 17.º-I e 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a redação introduzida pela presente lei, apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a sua entrada em vigor. (…)”. Ora, a lei entrou em vigor em 11/04/2022 (cfr. artigo 12.º). [4] Ainda, segundo o n.º 7 da actual redacção do artigo 17.º-C, no caso de a empresa ser declarada insolvente na sequência da não homologação do plano de recuperação, a remuneração do AJP e as despesas em que o mesmo tenha incorrido, que não sejam pagas, constituem créditos sobre a insolvência. [5] Proferido no âmbito do Proc. n.º 3767/22.1T8FNC-C.L1-1 (relatora Amélia Sofia Rebelo), disponível in www.dgsi.pt, no qual se pode ler: “(…) tal qual como a lei previa e prevê para os processos de insolvência sem massa insolvente, no âmbito do PER, onde, pela natureza e efeitos do procedimento, também não existe massa insolvente, a remissão do então nº 4 do art.º 17º-C do CIRE para o art. 32º, nº 3, assim como o atual art. 17º-C, nº 6, ao qualificar a remuneração como encargo compreendido nas custas do processo não visa senão, perante o AJP, responsabilizar o IGFEJ pela garantia de pagamento da remuneração, adiantando-o a título de encargo a incluir oportunamente nas custas do processo para o devido e oportuno reembolso. Com efeito, sendo a remuneração do AJP, como é, da responsabilidade do devedor, qualifica-la como encargo compreendido nas custas do processo só faz sentido no pressuposto do seu adiantamento pelo IGFEJ - só os encargos adiantados podem considerar-se compreendidos nas custas a contabilizar a cargo do por elas responsável. // Por não corresponder à desresponsabilização do devedor pelo encargo mas ‘apenas’ ao seu adiantamento em benefício da devida satisfação do direito a remuneração do AJP, a lei previu o seu reembolso pelo obrigado ao pagamento da remuneração através da contabilização e inclusão daquele encargo em conta de custas a cargo do requerente do PER (ou do devedor insolvente singular), na qualidade de sujeito processual responsável pelas custas e encargos do processo, adaptando-se nestes termos a aplicação do art.º 32º, nº 3 à remuneração do AJP nomeado em PER. Posta a conta de custas em cobrança (voluntária ou coerciva), como uma e outra norma expressamente prevêem, o IGFEJ só suporta (em definitivo) aquele encargo, na insolvência, no caso de não existir massa insolvente para o pagamento das custas e encargos, no PER, no caso de a empresa responsável pelas custas beneficiar de dispensa de pagamento de custas e encargos.” (sublinhado nosso). [6] Sendo certo que não resulta dos autos que o AJP tenha sido notificado da elaboração da conta de custas, também o é que o mesmo não invocou desconhecimento do seu teor (nada tendo invocado ou requerido nessa matéria).