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RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
REQUISITOS
PREJUÍZO
MÁ-FÉ
RESOLUÇÃO INCONDICIONAL
Sumário
I - Do disposto no artigo 120º, n.º 1 e n.º 4 decorrem os requisitos gerais, de verificação cumulativa, que justificam a resolução em benefício da massa insolvente: a temporalidade do ato (2 anos antes do início do processo de insolvência), a natureza prejudicial desse ato e a existência de má-fé do terceiro (concretizada nos termos do n.º5 ou da segunda parte do n.º4 dessa norma). II - No artigo 121º são elencadas hipóteses específicas que conduzem a uma mais fácil resolução dos atos, por não pressuporem a verificação de condicionantes adicionais para além dos requisitos que especialmente lhes respeitam.”. III - Em conformidade, a resolução depende, em geral, de dois requisitos: a prejudicialidade à massa (cf. art.º 120º, n.º 1) e a má fé do terceiro (art.º 120º, n.º 4). Consideram-se prejudiciais à massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência (art.º 120º, n.º 2). IV - Nos casos a que se refere o artigo 121.º do CIRE, os requisitos gerais da resolução são dispensados. Os atos aí referidos são resolúveis, independentemente de quaisquer outros requisitos, para além dos previstos nesta mesma disposição legal. Trata-se da denominada “resolução incondicional. V - O mecanismo judicial destinado ao exercício do direito a que se refere o artigo 125.º do CIRE tem a matriz de ação de simples apreciação negativa. VI - A natureza e os objetivos prosseguidos pela referida ação exigem que a carta resolutiva seja especificamente motivada, nela se indicando os fundamentos da declarada resolução dos atos com ela visados. Uma vez que se trata de resolução que exige a verificação de determinados pressupostos (sejam eles os do art.º 120º, sejam alguma das situações previstas no n.º 1 do art.º 121º), deve conter a indicação dos concretos factos que legitimam o exercício do direito potestativo de resolução. VII - Para poder cair sob a alçada da alínea h) do art.º 121º, n.º 1 do CIRE, era forçoso que a Sra. Administradora da Insolvência tivesse alegado que as obrigações assumidas pelo devedor excediam manifestamente as da contraparte. VIII - A “resolução condicional”, pelo administrador, de um ato praticado pela insolvente no prazo de dois (2) anos antes do decretamento da insolvência exige, como primeiro requisito de fundo, que esse ato seja prejudicial à massa insolvente (art.120º, n.º 1 do CIRE). IX – No que diz respeito aos atos onerosos de alienação, examinando as previsões normativas do nº 1 e 2 do art.120º do CIRE, verifica-se que a lei não prevê que se presumam prejudiciais à massa, sem prejuízo de prova em contrário, caso este em que, caso previsse, caberia à massa insolvente provar apenas a alienação de património, nos termos do art.º 343º, n.º 1 do CC, e ao devedor provar os factos que, em contrário da presunção, permitissem concluir que a alienação não implicou prejuízo. X – No caso dos autos, não foi alegado e consequentemente demonstrado o necessário e suficiente, para que se possa concluir ter sido alegado o requisito da prejudicialidade em relação à massa insolvente, no que respeita à venda em causa.
Texto Integral
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I. Relatório
“AA”, casada, residente (…), veio intentar a presente ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente contra a Massa Insolvente de “BB”, S.A., representada pela Sra. Administradora da Insolvência “CC”, pedindo que seja declarada ineficaz a resolução do negócio de compra e venda de bem imóvel, de 02-03-2022, em benefício da massa insolvente, formulada pela Sra. Administradora da Insolvência.
Para tanto, alegou, em síntese, que a autora é casada com o administrador da “BB”, S.A. e, em 02-03-2022, adquiriu a fracção autónoma designada pela letra (..) do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), pelo preço de € 171.729,56, que pagou.
Sobre o referido bem imóvel, existia um contrato de leasing imobiliário celebrado entre a insolvente e o Banco (…), S.A., em 09-01-2017, pelo prazo de 180 meses, até 2032, ocasião em que a sociedade passaria a ser proprietária do imóvel, pagando o respectivo valor residual.
Em vista à aquisição do imóvel, a Autora pagou à insolvente, que, por sua vez, pagou ao Banco, a quantia de € 171.719,56, correspondente ao valor em dívida referente ao contrato de locação financeira, de modo que a insolvente exercesse antecipadamente a opção de compra, o que fez, com venda simultânea para a Autora, pelo mesmo preço, o que sucedeu, mediante contrato de revogação de contrato de locação financeira e compra e venda e contrato de compra e venda, juntos como docs. 6 e 5, respectivamente, ambos de 02-03-2022.
A referida quantia foi paga pela Autora à insolvente através de cheque no valor de € 180.147, 34, que foi depositado na respectiva conta bancária, na mesma data, conforme consta do extracto bancário junto como doc. 7, montante que, em movimento subsequente, se encontra a débito referente a rescisão antecipada do leasing.
O imóvel era propriedade do Banco, não da sociedade, e a insolvente estava obrigada ao pagamento das respetivas prestações mensais, as quais deixaria de pagar, aumentando, dessa forma, o passivo, pelo que o negócio não prejudicou os credores.
Citada, a Ré Massa Insolvente contestou, impugnando a factualidade alegada na petição inicial, alegando que se verificou a transmissão de propriedade do bem imóvel do banco para a insolvente e desta para a autora.
A carta para resolução do negócio em benefício da massa insolvente contém todos os elementos essenciais e complementares do negócio e cumpre com todas as formalidades, sendo o bastante para se considerar eficaz.
Desconhece a conta da proveniência do cheque bancário junto como documento 4.
Reiterou a factualidade alegada na comunicação de resolução do negócio, concluindo pela improcedência da ação.
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Realizou-se a audiência prévia, em 04-07-2024, onde se proferiu despacho saneador – tabelar, - de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamações.
Realizou-se a audiência final.
Foi proferida sentença, que julgou a ação procedente, e, em consequência, declarou nula e ineficaz a declaração emitida pela Sra. Administradora da Insolvência, em 17-05-2023, de resolução, em benefício da massa insolvente, do negócio jurídico celebrado com a Autora, em 04-03-2022, de compra e venda do imóvel correspondente à fracção (..) do prédio urbano, destinado a habitação, em regime de propriedade horizontal, sito (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (...) da freguesia de (…), concelho de (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) pela descrição (…), da freguesia de (…).
Inconformada, a ré MASSA INSOLVENTE “BB”, S.A. interpôs o presente recurso, que finalizou com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
A - Surgem as presentes alegações no âmbito do recurso de apelação de prazo reduzido, interposto da sentença proferida com a referência 162089710, datada de 18.09.2024, e com a mesma não se conformando, uma vez que a improcedência da declaração resolutiva não teve em conta a presunção de má fé estabelecida no art.º 120º, número 4 do CIRE e o prazo em que foi feita a escritura de compra e venda entre a insolvente e a Recorrida, bem como não só a natureza de ex administrador da insolvente como de pessoa especialmente relacionada com o administrador da devedora – artigo 49º do CIRE, e com o que a Recorrente não se pode conformar.
B – A presente instância foi iniciada com a propositura da acção de impugnação à resolução pela massa insolvente, a qual tem como objecto a impugnação do contrato de compra e venda celebrado por documento particular do imóvel correspondente à fração “(…)” do prédio urbano destinado a habitação, sito (…).
C - Resulta da carta de resolução emitida pela administradora de insolvência da Recorrente e dirigida à Recorrida a 17/05/2023, a resolução que teve por objeto o referido contrato de compra e venda de 02/03/2022, registado pela apresentação (…) de 04/03/2022, ou seja, um ano antes da declaração de insolvência e 8 meses antes da entrada em juízo do pedido de insolvência da ”BB”, SA, datando a sentença de insolvência de 23/03/2023.
D - Dentro dos factos provados, é provada que a petição inicial da insolvência de “BB” S.A. entrou em juízo a 16.11.2022 e, tal como a recorrente dizia e a sentença confirmou, a insolvência foi declarada por sentença de 23.03.2023 e transitada em julgado.
E – No caso concreto, a resolução efetuada contém todos os elementos essenciais e complementares do negócio, que são indispensáveis e até adequados a que os visados não tenham fundamento para propor a presente acção, os quais foram escamoteados pela sentença recorrida que determinou que a resolução não continha o fundamento de prejudicialidade, o que acarretava a nulidade e ineficácia da resolução.
F – São limites formais para a resolução os factos de a insolvente “BB”, S.A. ter como administrador único “WZ”, casado em regime de separação de bens com a recorrida, conforme consta na alínea f) dos factos provados, a qual por sua vez fora administradora da empresa entre 22/06/2016 e 31/12/2018, de acordo com a alínea g) dos factos provados e em data que a lei obrigava à apresentação da insolvência, designadamente por dívidas fiscais – artigo 20º, número 1, alínea g), subalíneas i) e ii), do CIRE e artigos 49º, número 1, alínea a) e 120º.
G – A própria sentença recorrida determina que a resolução foi corretamente feita por carta registada emitida pela administradora de insolvência e cumprindo todos os formalismos de prazo que seriam necessários, designadamente quanto à data limite de 6 meses para a resolução, uma vez que sendo declarada a insolvência a 23/03/2023, a carta de resolução foi enviada a 17/05/2023 e o prazo para o efeito só terminaria a 23/09/2023, pelo que e apesar de cumprida toda a formalidade para a resolução do ato, a sentença recorrida entendeu que não foi demonstrada a prejudicialidade do ato de compra e venda para os termos do artigo 120º, número 5, do CIRE.
H – A aplicação do número 5 do artigo 120º do CIRE só é necessária quando não estão em causa as presunções juris et de jure estabelecidas nos números 3 e 4 da mesma disposição, começando aqui um erro de interpretação formalmente claro da sentença recorrida, o que se reflete no rigor substancial da resolução efetuada.
I – O benefício dos credores previsto no artigo 1º do CIRE é de novo e cristalinamente colocado no artigo 120º, números 1 e 2, do CIRE, nos termos dos quais a resolução de atos prejudiciais à massa são aqueles que prejudicam diretamente a satisfação e os interesses dos credores da insolvente, tendo o negócio jurídico resolvido sido o contrato de compra e venda celebrado por documento particular que foi um negócio direto feito entre a insolvente ”BB”, S.A. e a recorrida.
J – No contrato resolvido pela carta de resolução da administradora de insolvência, é expressamente clausulado que o imóvel só pode ser adquirido à insolvente porque houve um prévio contrato de revogação do contrato de locação financeira e de compra e venda celebrado entre a insolvente e o Banco (…) S.A, esquecendo-se a insolvente, sua gerência e a Recorrida, que o referido contrato de locação financeira imobiliária foi outorgado entre o Banco (…) S.A. e a “BB”, S.A., sendo a aqui Recorrida mera avalista.
L – O pagamento pela insolvente, por contrato de revogação de 02/03/2022, do valor que faltava liquidar no âmbito da locação financeira, não só permitiu que passasse a ser a insolvente a única proprietária e titular da fração em causa, como conduziu a que fosse tal insolvente, já na qualidade de proprietária plena, a vender à aqui Recorrida a referida fração (…), aqui surgindo o efetivo prejuízo para os credores por consequente efetivo prejuízo para a Massa, pelo que, face aos factos provados, não podia a sentença recorrida determinar inexistir prejudicialidade.
M - Foi a insolvente que resolveu, por pagamento, o contrato de locação financeira e se tornou efetiva proprietária do imóvel e, já nessa qualidade, procedeu à escritura de compra e venda a favor da Recorrida nesta ação, donde surge a patente prejudicialidade do próprio contrato.
N – A compra e venda a favor da recorrida e realizada pela “BB”, S.A., representada pelo cônjuge da recorrida e a favor desta, foi concretizada pelo mesmo preço de € 171.729,56, o mesmo pago pela insolvente pelo termo do contrato de locação financeira.
O – Já no contrato de compra e venda a fração vendida tinha o valor patrimonial de € 190.150,10, pelo que o preço da compra e venda foi já inferior em € 19.000,00 ao valor patrimonial e correspondendo tão só, não ao valor da fração, mas ao remanescente da locação financeira, sendo que o valor patrimonial não é o valor de mercado, pelo que a fração teria necessariamente um valor de mercado superior ao próprio valor patrimonial, o que só seria obtido pela Massa em benefício dos credores pela resolução realizada e desconsiderada pela sentença recorrida.
P - De tudo isto resulta que esta compra e venda, realizada escassos meses antes da declaração da insolvência, constituiu uma transferência para o cônjuge do administrador, de imóvel pertencente em exclusivo à sociedade insolvente, e sendo o único imóvel da sociedade insolvente, e não tendo, à data da compra e venda, o Banco qualquer direito sobre a fração, por pagamento do contrato de locação financeira, é óbvio que a respetiva venda constituiu um ato lesivo dos credores e que permitiu ao casal constituído pela Recorrida e pelo Administrador da insolvente, seu cônjuge, manterem na sua titularidade a fração “(…)” objeto da resolução em causa.
Q - Provada a total prejudicialidade do negócio ocorrido e o valor da compra e venda inferior ao valor de mercado, tal é consequência clara da própria carta de resolução, constante da alínea b) dos factos provados, na qual é dito que a venda do único imóvel de uma sociedade em insolvência iminente para uma pessoa singular, diretamente relacionada com a insolvente, como o cônjuge do administrador único e antiga administradora à data em que se venceram dívidas ao setor publico, veio frustrar e pôr em causa a satisfação dos interesses dos credores, em que se incluem a ATA e o ISS, IP, decorrendo ainda da relação de credores junta aos autos que o Banco (…), S.A. se mantém como credor da insolvente.
R - Os interesses de uma sociedade pré-falimentar nunca passariam por, em prejuízo dos credores, transferir património para a Recorrida, pessoa singular, e especialmente relacionada com a administração, pelo que, quer na altura da revogação do contrato de locação, quer na altura da compra e venda, estavam preenchidos os requisitos legais para a presunção da má fé do artigo 120º, número 4, do CIRE.
S - O artigo 120º, número 1, do CIRE determina os prazos em que se podem resolver os atos prejudiciais à Massa Insolvente, estabelecendo o número 2 que se consideram prejudiciais à Massa aqueles que prejudiquem a satisfação dos credores e dispõe o número 4 do artigo 120º que se presume a má fé de terceiro, quando tal ato tenha sido praticado, não só nos 2 anos anteriores ao início do processo de insolvência (no caso concreto 8 meses), como em que participou e se aproveitou pessoa especialmente relacionada com o insolvente.
T – Se, no caso concreto, a sentença recorrida dá como provada a antecedência com que foi praticado o ato e, designadamente, a natureza da compradora do bem como pessoa especialmente relacionada com a insolvente, não dá como provado, e que constitui o fundamento do presente recurso, é que não tenha sido demonstrada a prejudicialidade do acto, o que constitui, com todo o devido respeito, um flagrante erro jurídico.
U – O prazo em que foi concretizada a compra e venda, bem como a especial relação da compradora com a insolvente, seriam motivadores da presunção da má fé do artigo 120º, número 4, do CIRE, mas mais significativo é que a carta de resolução era clara em subsumir o artigo 120º, número 3, do CIRE ao artigo 121º, número 1, alínea h), do mesmo Código, porquanto as obrigações assumidas pela insolvente excedem manifestamente as da contraparte.
V – Foi precisamente o que aconteceu no caso concreto, em que a insolvente vendeu uma fracção, sua propriedade exclusiva, por um preço inferior em €19.000,00 ao valor patrimonial e a largas dezenas de milhares de euros do valor de mercado, pelo que, quando já seriam suficientes as presunções do número 4 do artigo 120º do CIRE, constata-se que houve aqui fundamento para a resolução incondicional, tal como vem na carta de resolução, nos termos dos artigos 120º, número 3, e 121º, número 1, alínea h), ambos do CIRE.
X – Ao não considerar demonstrada e ao julgar existir necessidade de demonstração do fundamento da prejudicialidade, violou a sentença recorrida os artigos 20º, número 1, alínea g), subalínea i), 49º, número 1, alínea a), e 120º, números 2, 3, 4 e, por errada aplicação, o número 5 que define o conceito de má fé para quando ele é necessário e, ainda, o artigo 121º, número 1, alínea h), todos do CIRE.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e provado e, por via dele, ser proferido douto acórdão revogatório da sentença recorrida e que julgue estarem preenchidos todos os pressupostos legais para a resolução do negócio de que cura a presente acção, não só sobre o prazo e a forma, mas igualmente sobre o conceito da prejudicialidade e, em particular, das presunções legais juris et de jure, estabelecidas nos números 3 e 4 do artigo 120º do CIRE.
Apresentou a Ré Massa Insolvente de “BB”, S.A. resposta a pugnar por que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, concluindo nos seguintes termos que igualmente se reproduzem:
A. Em 02 de março de 2022, e como ficou provado na 1ª instância, a Recorrida adquiriu a fração autónoma designada pela letra “…”, que integra o prédio urbano, destinado a habitação, em regime de propriedade horizontal, sito (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) da freguesia (…), concelho (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) pela descrição (…) da freguesia (…).
B. o Administrador da sociedade Insolvente (“BB”) é casado, no regime de separação de bens, com a Recorrida, atual proprietária da fração autónoma identificada no artigo anterior, no entanto, a Resolução não tem qualquer cabimento, e tal ficou demonstrado na 1.ª instância,
C. A Ré, ora Recorrente, não se conformou com a decisão da 1ª instância e apresentou recurso mantendo as suas ideologias incompreensíveis e recusando-se a aceitar a prova produzida na 1ª instância, preferindo somar mais custos à Massa insolvente a aceitar a decisão, o que também demonstra um desconhecimento do tipo de negócio que nos levou a chegar a esta ação.
D. A Recorrente tem é dificuldade em perceber que o negócio visado em nada prejudicou os credores antes pelo contrário, fez com que este credor não tivesse uma dívida maior a reclamar!
E. Os credores não poderiam ter qualquer expetativa sobre tal imóvel, pois o mesmo não era um ativo da sociedade, a continuidade daquele contrato de locação financeira apenas tinha um desfecho, o seu incumprimento.
F. A Recorrente tem dificuldades na interpretação do artigo 120.º do CIRE e também não tem uma interpretação correta do n.º 5 do artigo 120.º do CIRE
G. Dispõe o n.º 3 do artigo 120.º do CIRE que: “3 - Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.”, acontece que, nenhum dos atos referidos no artigo seguinte foram praticados, e por essa razão, a resolução incondicional foi logo afastada pela Meritíssima na audiência prévia realizada em julho de 2024, pelo que, a aplicação do n.º 3 do artigo 120.º está afastada!
H. Já no n.º 4 do artigo 120.º do CIRE a resolução pressupõe a má-fé de terceiro, “a qual se presume quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.”
I. Acontece que, tal presunção é ilidível e a Autora, ora Recorrida, não tinha conhecimento que a sociedade “BB”, SA se encontrava em situação de insolvência, o ato praticado não foi prejudicial à massa e o processo de insolvência não tinha iniciado.
J. Compete ao administrador da insolvência a alegação e prova dos factos constitutivos do direito de resolução que exerceu, sem prejuízo do que decorre do princípio da aquisição processual (art.º 413º do CPCivil), o que no presente caso não aconteceu,
K. A Administrador de Insolvência limitou-se a invocar as datas da realização do negócio, para invocar a resolução, o casamento da Recorrida com o Administrador de insolvência, e ainda, que as dividas tributárias e da segurança social eram referentes ao período de 2019, ou seja, que “abrangiam o período em que a Recorrida foi administradora”, o que não corresponde à verdade, pois a Recorrida deixou de ser administradora em dezembro de 2018, altura em que a sociedade não tinha dividas, nem à Autoridade Tributária (AT), nem à Segurança Social (SS) (Cfr. se prova pelo Doc. 2 junto com a contestação, AP (…) – pág. 4).
L. Não era do conhecimento da Recorrida a situação de insolvência da sociedade, e a Administradora de insolvência não logrou provar o contrário.
M. Os factos invocados para a resolução não foram provados, porque não foram demonstrados através de factos que a fundamentaram, aliás, alguns dos factos invocados na resolução nem tão pouco correspondem à realidade, como atrás se demonstrou.
N. Os factos alegados acarretam a nulidade e a ineficácia da declaração de resolução.
O. A teoria da recorrente de que a insolvente “pagou o valor que faltava liquidar no âmbito da locação financeira, o que permitiu que passasse a ser insolvente única proprietária da fração em causa” contraria a sua interpretação de que a “BB” estava em situação de insolvência e que conhecia, pois nenhuma sociedade em situação de insolvência consegue “desencantar” o montante de €180.147,34 para exercer o direito de opção de compra naquele contrato de locação financeira.
P. A verdade é que a “BB” não tinha esse valor para exercer o direito de opção de compra, e se não fosse a Recorrida a manifestar o interesse em adquirir o imóvel, e emitir o cheque para pagar tal valor, a “BB” ficaria numa situação ainda mais grave.
Q. O Cheque que a Recorrida emitiu foi utilizado para pagamento ao Banco, foi um pagamento por conta de terceiro em contrapartida da aquisição da fração (Cfr. Doc. 4- cheque junto com o requerimento com a REFª: (…) de 04 de setembro de 2024).
R. O mencionado cheque é identificado na cláusula segunda de ambos os contratos (Cfr. Doc. 5 e 6 junto com a Petição Inicial), pelo que, não se vislumbra como a Recorrida interpreta esta situação como sendo “o efetivo prejuízo para os credores”.
S. A sociedade (“BB”) tinha o direito a exercer a opção de compra de uma fração.
T. A sociedade tinha um encargo mensal no montante de € 1.636,52.
U. Se a sociedade mantivesse este encargo, iria, muito provavelmente (dado o seu desfecho) entrar em incumprimento, nomeadamente nos termos da cláusula décima quarta do Contrato de locação financeira (Doc. 3 da petição inicial), o que levaria às seguintes penalidades (n.º 4 e 5 da Cláusula Décima Quarta do referido contrato):
- restituição do imóvel;
- continuação do cumprimento e todas as obrigações que à data da resolução se encontrassem vencidas;
- o direito de receber da sociedade uma quantia equivalente ao valor de 20% do valor residual e da soma das rendas que se venceriam se o contrato tivesse sido cumprido;
- direito de exigir juros de mora em relação às obrigações vencidas e não pagas à taxa de juro aplicável nos termos das condições particulares, acrescido de uma sobretaxa de 3%.
V. A “BB” não tinha fundos próprios, nem tinha como obtê-los para adquirir a fração.
W. Se a RECORRIDA não adquirisse o imóvel a “BB” não exercia o direito de opção de compra.
X. Se a “BB” não exercesse o direito de opção de compra o desfecho seria o incumprimento contratual com as penalidades referidas acima, ou seja, mais um crédito para a lista e nenhum bem para satisfazer nenhum dos credores.
Y. A questão do valor do imóvel não foi levantada na carta de resolução, nem a mesma logrou provar tal afirmação, não estando em causa este facto.
Z. A Recorrente quer induzir este tribunal em erro quando a Recorrida era administradora à data em que se venceram as dividas à AT e à SS,
AA. A própria administradora de insolvência na sua carta de resolução menciona que as dividas eram de 2019 e, nessa data, a Recorrida já não era administradora, como se demonstrou atrás.
BB. Ficou provado na primeira instância pelo testemunho da “MM”, contabilista da sociedade “BB”, que as dividas a que aludem os anos de 2015 e 2016 apenas se venceram no ano de 2019, ano em que a sociedade foi inspecionada e as liquidações adicionais foram emitidas pela AT (em dezembro de 2019), Conforme Doc. 1 que ora se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais,
CC. As dividas mencionadas encontram-se judicialmente impugnadas, correndo termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob os processos n.ºs (…) e (…).
DD. O outro contrato de financiamento com o Banco (…), mencionado pela Recorrente, em nada está relacionado com o dos presentes autos, mas é de relembrar que a Recorrida foi avalista desse financiamento e está a pagá-lo, mensalmente, terminando de liquidar as prestações no próximo ano, conforme as suas declarações e da testemunha “MM” proferidas na Audiência de discussão e julgamento no dia 10 de setembro de 2024.
EE. A “declaração de resolução deve indicar os fundamentos concretos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo, de natureza extintiva, não podendo a deficiência de fundamentação da declaração de resolução ser suprida na contestação à ação de impugnação da resolução” – Cfr. Sentença da 1ª Instância.
FF. “Admitir esse suprimento traduzir-se-ia na introdução de factualidade nova em momento ulterior ao exercício do direito potestativo e que, por isso, necessariamente, não fundamentou aquela declaração de resolução.” – Cfr. Sentença da 1ª Instância.
GG. “Estando em causa uma ação de apreciação negativa impende sobre o administrador da insolvência o ónus de alegar e provar os factos que fundamentam a resolução, como constitutivos do respectivo direito (art.º 343.º, n.º 1, do Código Civil), cabendo aos impugnantes, autores e intervenientes, o correspondente ónus de contraprova (art.º 346.º do Código Civil).” – Cfr. Sentença da 1ª Instância
HH. A aquisição do imóvel pela Impugnante não é prejudicial à massa insolvente, pois a Recorrida pagou pelo imóvel um valor adequado e, se não o tivesse feito a sociedade “BB” não teria capacidade financeira para cumprir o pagamento das prestações mensais a que estava obrigada.
II. “Os atos prejudiciais à massa são os que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência (art.º 120º, nº 2, do CIRE).” - Cfr. Sentença da 1ª Instância.
JJ. “Presumem-se juris et de jure – sem admissão de prova em contrário - prejudiciais à massa os actos tipificados no art.º 121.º do CIRE, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí previstos (art.º 120.º, n.º 3, do CIRE).” - Cfr. Sentença da 1ª Instância.
KK. “Os atos em que para efeitos de resolução em benefício da massa insolvente a lei presume de forma inilidível e incondicional a prejudicialidade à massa insolvente, isto é, sem dependência de quaisquer outros requisitos, são os elencados nas alíneas do artigo 121.º do CIRE.” - Cfr. Sentença da 1ª Instância
LL. “Nos restantes casos, a resolubilidade dos atos prejudiciais à massa insolvente pressupõe a má-fé do terceiro, sendo essa má-fé presumida juris tantum quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data (art.º 120.º, n.º 4, do CIRE)”- Cfr. Sentença da 1ª Instância.
MM. No caso em apreço, nos termos da carta remetida pela Sra. Administradora da Insolvência a resolução do negócio de compra e venda vem fundamentada na prejudicialidade presumida do art.º 121.º, n.º 1, al. h), do CIRE, mas, “Nesta alínea, exige-se que se trate de acto a título oneroso realizado pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte.” - Cfr. Sentença da 1ª Instância
NN. “A este respeito, para além do negócio propriamente dito, nenhum facto vem alegado na carta para resolução do ato, em concreto no que se refere quer ao preço, quer “às obrigações” que hajam sido assumidas e que “excedam manifestamente as da contraparte”.” - Cfr. Sentença da 1ª Instância.
OO. Nos presentes auto está em causa um ato de compra e venda em que a obrigação para a insolvente “BB” consistiu na entrega do bem imóvel - objeto do negócio-, mediante o pagamento de um preço, cuja referência e justeza são absolutamente omissas na carta remetida para resolução.
PP. A declaração resolutiva incondicional é omissa quanto a factos que pudessem sustentar este fundamento, pelo que não é a mesma suscetível de revestir eficácia.
QQ. Por seu turno, no que tange à resolução condicional, não ficou demonstrado o prejuízo, ou seja, a prática de um ato que diminuiu, frustrou, dificultou, pôs em perigo ou retardou a satisfação dos credores da insolvência.
RR. A resolução operada pela Administradora foi condicionada, ou seja, nos termos do n.º 4 e 5 do artigo 120.º do CIRE, não basta a administradora de insolvência alegar, em abstrato, a prejudicialidade para os credores, é necessário concretizar, provar, demonstrando, tal alegação com factualidade, e, de acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/07/213 “pode o terceiro impugnar, desde logo, os factos que serve da base às presunções de prejudicialidade do acto e da má fé que lhe seja imputada, caso em que caberá ao réu então provar tais factos.”
SS. Encontra-se encontra ilidida a presunção a de má-fé, assim como a prejudicialidade aos credores da “BB”.
TT. Quanto ao valor patrimonial do bem imóvel, na declaração resolutiva não é feita qualquer alusão ao mesmo, não cabendo ao Tribunal completar ou suprir a mesma (neste sentido, o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14-06-2022, processo 4730/18.2T8VIS-C.C1, disponível em www.dgsi.pt).
UU. No caso do contrato de locação financeira, incidente sobre o imóvel, se mantivesse em vigor, a insolvência da sociedade locatária, nos termos do acordado entre as partes (vide a cláusula 14.ª, n.º 2, al. c), do contrato de locação financeira, junto como doc. 3), poderia implicar a resolução pelo locador, com eventual agravamento do passivo, sendo duvidosa a existência de opção jurídica e economicamente viável de compra do imóvel com capitais próprios da sociedade, constatação esta que, por si, obvia à formulação da causalidade entre a saída do património da sociedade de um bem imóvel e a diminuição do mesmo, com prejuízo para os credores.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. Do Objeto do recurso:
Estando o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente —artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber:
- Se se verificam os pressupostos para ser declarada válida a resolução do negócio em causa, devendo, em consequência, improceder a ação;
*
III – Fundamentação de Facto
1. Factos Provados
Na decisão da 1ª instância foram considerados os seguintes factos:
a) Na sequência de petição inicial apresentada em juízo em 16-11-2022, por um credor requerente, foi declarada a insolvência de “BB”, S.A., por sentença proferida em 23-03-2023, transitada em julgado.
b) Por carta de 17-05-2023, remetida à autora, que a recebeu, a Sra. Administradora da Insolvência, em representação da Massa insolvente de “BB”, S.A. comunicou: “vem, nos termos do disposto no artigo 120.º e seguintes do CIRE, efectuar a resolução em benefício da massa insolvente, do seguinte acto:
- Contrato de compra e venda celebrado por documento particular do imóvel correspondente à fracção (…) do prédio urbano, destinado a habitação, em regime de propriedade horizontal, sito (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) da freguesia (…), concelho (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal pela descrição (…), da freguesia (…).
(…)
A insolvente “BB”, S.A. tem como administrador único “WZ”, casado em regime de separação de bens com a destinatária da presente carta de resolução e proprietária do imóvel objecto da mesma – “AA”, e anterior administradora da empresa, em data em que a lei a obrigava à apresentação à insolvência.
Esta situação torna a proprietária do imóvel, pessoa especialmente relacionada com a administração da insolvente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 49.º do CIRE.
Acresce, ainda, que as dívidas tributárias e à segurança social, são de 2019, ou seja, abrangem a parte final do período em que V. Exa. foi administradora.
Ora, desde logo, e no exercício das suas funções, V. Exa., conhecia a situação de insolvência iminente da sociedade “BB”, S.A., o que poderia ter constituído razão para cessar as suas funções.
Para além disso, como cônjuge da administradora que lhe sucedeu, V. Exa. conhecia a vantagem para o casal em o administrador, seu cônjuge, lhe alienar o único imóvel da “BB”, S.A., 8 meses antes de entrar em juízo o pedido de insolvência, com prejuízo para todos os credores, designadamente a Fazenda Nacional e a Segurança Social, cujas dívidas obrigavam os administradores a requerer a insolvência – artigo 121.º, número 1, alínea h), e artigo 20.º, número 1, alíneas d), e), g), i) e ii).
É em todo este enquadramento que o registo do contrato de compra e venda que se resolve foi efectuado pela apresentação (…) de 04/03/2022, ou seja, 1 ano antes da declaração de insolvência e 8 meses antes da entrada em juízo do pedido da declaração de insolvência da “BB”, S.A..
De onde resulta, claramente, a má fé dos intervenientes no negócio e para os efeitos dos números 3, 4 e 5 do artigo 120.º do CIRE, nomeadamente, quando era conhecida de ambos os membros do casal, quer a situação de insolvência iminente, quer os actos que constituíam dissipação do património.
É que o número 4 do artigo 120.º é claro quando refere que a má fé é presumida quando há património da insolvente vendido em acto em que tenha participado e de que se tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com a insolvente, como é a situação em causa.
(…)
Assim, a venda do único imóvel de uma sociedade em insolvência iminente para uma pessoa singular, directamente relacionada com a insolvente e antiga administradora à data em que se venceram dívidas ao sector público, veio frustrar e pôr em causa a satisfação dos interesses dos credores em que se incluem a ATA e o ISS, IP.
Por todo o exposto, atento os supra referidos factos, os quais preenchem os pressupostos legais da resolução, fica V. Exa. notificada de que se encontra resolvido, e com efeitos imediatos, em benefício da massa insolvente, tudo nos termos do disposto no artigo 120.º do CIRE, o negócio supra identificado e que foi registado em 04/03/2022(…)”.
c) Em 09-01-2017, foi celebrado entre o Banco (…), S.A. e a insolvente, representada pela Autora, igualmente interveniente na qualidade de avalista, o contrato de locação financeira imobiliária (…), mediante o qual o primeiro declarou locar à segunda a fracção autónoma designada pela letra (…) do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), pelo prazo de 180 meses (termo em 2032), mediante o pagamento de uma renda mensal, locação que consta inscrita na referida Conservatória, sob a Ap. (…) de 09-01-2017.
d) Em 02-03-2022, foi celebrado entre o Banco (…), S.A. e a insolvente o “Contrato de Revogação de Contrato de Locação Financeira e Compra e Venda”, mediante o qual declararam revogar o contrato de locação financeira imobiliária referido em c), exercendo a segunda antecipadamente a opção de compra contratualmente prevista, e por esta via, declarou comprar ao primeiro e este declarou vender, o imóvel referido em c), pelo preço de € 171 729, 56, que foi pago por débito na conta bancária da insolvente.
e) Em 02-03-2022, a insolvente declarou vender à Autora, que declarou comprar, o imóvel referido em c), pelo preço de € 171 729, 56, pago através do cheque bancário n.º (…), sacado sobre o Banco (…), emitido à ordem da insolvente, no valor de € 180 147, 34.
f) A Autora é casada com o administrador único da insolvente, “WZ”, desde 11-05-2017, sob o regime da separação de bens.
g) A Autora foi designada administrador único da insolvente de 22-06-2016 a 31-12-2018, registado a 30-07-2019.
h) Na Conservatória do Registo Predial (…), consta inscrita, sob a Ap. (…), de 04-03-2022, a aquisição, por compra, pela “BB”, S.A. ao Banco (…), S.A., e, subsequentemente, sob a Ap. (…) de 04-03-2022, a aquisição, por compra, pela Autora à “BB”, S.A., do bem imóvel referido em b) e c).
IV.1.2. Factos Não Provados
1. Da aquisição do imóvel referido em c), pela Autora, resultou uma diminuição do património da sociedade “BB”, S.A.
2. Ao adquirir o imóvel referido em c), a Autora sabia que a sociedade “BB”, S.A. se encontrava, à data, com dívidas fiscais, em situação de insolvência iminente, que dessa transação resultava uma diminuição do património da insolvente e, ainda assim, prosseguiu com a mesma, prejudicando a satisfação dos credores da insolvência.
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IV. Fundamentação de Direito
Entende a recorrente que a decisão da 1ª instância não deve subsistir por três ordens de razões: i) a sentença recorrida tendo considerado que a compradora do bem, aqui apelada, era pessoa especialmente relacionada com a devedora, erradamente, não deu como demonstrada a prejudicialidade do ato para os credores; ii) o prazo em que foi concretizada o negócio da compra e venda, bem como a especial relação da compradora com a insolvente, determinam a presunção de má fé prevista no art.º 120, n.º4 do CIRE; iii) a carta de resolução era clara em subsumir o art.º 120º, n.º3 do CIRE ao art.º 121º, n.º1, al. h), porquanto as obrigações assumidas pela insolvente excedem manifestamente as da contraparte; ao não considerar demonstrada a prejudicialidade e ao julgar existir necessidade da sua demonstração, efetuou errada aplicação do direito.
Vejamos se assim foi.
A resolução em benefício da massa insolvente está regulada nos artigos 120º a 126º do CIRE, constituindo, a par da impugnação pauliana, um dos mecanismos destinados a prevenir os atos que prejudiquem a integridade da massa insolvente.
Nas palavras de Catarina Serra, in Lições de Direito da Insolvência, pág. 238 “é considerada a expressão mais emblemática do príncipio par conditio creditorum”, (…) desempenhando um papel importante na repressão e reversão de certos actos praticados pelo devedor antes do início do processo de insolvência – atos dirigidos a depreciar ou a extrair valor, antecipadamente, da (futura) massa insolvente.”
A resolução em benefício da massa insolvente tem efeitos retroativos, e conduz à reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado ou omitido (art.º 126º, n.º1), designadamente impondo ao terceiro a obrigação de restituir à massa insolvente os bens ou valores prestados pelo devedor (art.º 126º, n.ºs 4 e 5) e impondo à massa, em certos termos, a obrigação de restituir ao terceiro o objeto por ele prestado (art.º 126º, n.ºs 4 e 5) – produz efeitos coletivos ou em favor de todos os credores (Cf. Catarina Serra, Ob. Cit, pág. 239). É um direito potestativo de natureza extintiva, que implica que as partes regressem à situação em que se encontrariam se não tivessem celebrado o negócio, assim se operando a extinção do vínculo contratual (cf. o Acórdão desta secção de 2/05/2023, processo n.º 2882/17.8T8VFX-D.L1-1 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/07/2020, processo n.º 8986/17.0T8VNG-D.P1, todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt).
O quadro legal que estabelece os requisitos para a resolução em benefício da massa insolvente encontra-se, essencialmente, definido pelos artigos 120º e 121º do CIRE, que apresentam o seguinte teor:
«Artigo 120.º (Princípios gerais)
1- Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
2 - Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
3 - Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.
4 - Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.
5 - Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;
c) Do início do processo de insolvência.
6 - São insuscetíveis de resolução por aplicação das regras previstas no presente capítulo os negócios jurídicos celebrados no âmbito de processo especial de revitalização ou de processo especial para acordo de pagamento regulados no presente diploma, de providência de recuperação ou saneamento, ou de adoção de medidas de resolução previstas no título VIII do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, bem como os realizados no âmbito do Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas ou de outro procedimento equivalente previsto em legislação especial, cuja finalidade seja prover o devedor com meios de financiamento suficientes para viabilizar a sua recuperação.
Artigo 121.º (Resolução incondicional)
1- São resolúveis em benefício da massa insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos:
a) Partilha celebrada menos de um ano antes da data do início do processo de insolvência em que o quinhão do insolvente haja sido essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos;
b) Actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;
c) Constituição pelo devedor de garantias reais relativas a obrigações preexistentes ou de outras que as substituam, nos seis meses anteriores à data de início do processo de insolvência;
d) Fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito, em que o insolvente haja outorgado no período referido na alínea anterior e que não respeitem a operações negociais com real interesse para ele;
e) Constituição pelo devedor de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas, dentro dos 60 dias anteriores à data do início do processo de insolvência;
f) Pagamento ou outros actos de extinção de obrigações cujo vencimento fosse posterior à data do início do processo de insolvência, ocorridos nos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência, ou depois desta, mas anteriormente ao vencimento;
g) Pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados dentro dos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir;
h) Actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte;
i) Reembolso de suprimentos, quando tenha lugar dentro do mesmo período referido na alínea anterior.
2 - O disposto no número anterior cede perante normas legais que excepcionalmente exijam sempre a má fé ou a verificação de outros requisitos.»
Do disposto no artigo 120º, n.º 1 e n.º 4 decorrem os requisitos gerais, de verificação cumulativa, que justificam a resolução em benefício da massa insolvente: a temporalidade do ato (2 anos antes do início do processo de insolvência), a natureza prejudicial desse ato e a existência de má-fé do terceiro (concretizada nos termos do n.º 5 ou da segunda parte do n.º 4 dessa norma).
No artigo 121º são elencadas hipóteses específicas que conduzem a uma mais fácil resolução dos atos, por não pressuporem a verificação de condicionantes adicionais para além dos requisitos que especialmente lhes respeitam.
Em conformidade, a resolução depende, em geral, de dois requisitos: a prejudicialidade à massa (cf. art.º 120º, n.º 1) e a má fé do terceiro (art.º 120º, n.º 4). Consideram-se prejudiciais à massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência (art.º 120º, n.º 2). Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, 2015, a pág. 501, dizem que por actos prejudiciais devem entender-se os que, por algum dos modos aí referidos, afectam o interesse dos credores na satisfação dos seus créditos, ali se incluindo todos os que implicam a diminuição do valor da massa insolvente, bem como todos os demais que tornem a satisfação do interesse dos credores mais difícil ou mais demorada, isto sem prejuízo da presunção a que se alude no n.º 3 do mesmo preceito. Por má fé, considera-se o conhecimento, à data do ato, de qualquer das seguintes circunstâncias: a) de que o devedor se encontrava em situação de insolvência, b) do caráter prejudicial do ato e de que o devedor se encontrava à data de insolvência iminente, c) do inicio do processo de insolvência – art.º 120º, n.º5 (cf. Catarina Serra, Ob. Cit, pág. 240).
Nos casos a que se refere o artigo 121.º do CIRE, os requisitos gerais da resolução são dispensados. Os atos aí referidos são resolúveis, independentemente de quaisquer outros requisitos, para além dos previstos nesta mesma disposição legal.
Desta forma, ao estabelecer dois tipos de presunções, o regime prevê mecanismos que facilitam, em certos casos, a resolução, remetendo para a distinção das figuras da resolução condicional e da resolução incondicional (cfr. por todos Maria do Rosário Epifânio, in Manual de Direito da Insolvência, 7ª edição, págs. 248 e segs.):
- uma relativamente aos atos taxativamente enumerados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121º, que são resolúveis em benefício da massa, sem dependência de quaisquer outros requisitos, o que significa que se presumem prejudiciais à massa sem admissão de prova em contrário e que não é necessária a má fé do terceiro - cfr. os n.ºs 3 e 4 do art.º 120º e o corpo do n.º 1 do art.º 121º; é a figura da “resolução incondicional”, em que se dispensa o requisito da má fé e se consagra uma presunção inilidível da prejudicialidade para a massa insolvente dos atos enumerados nas alíneas do art.º 121º;
Neste (a que se refere o artigo 121.º do CIRE), os requisitos gerais da resolução são dispensados. Os atos aí referidos são resolúveis, independentemente de quaisquer outros requisitos, para além dos previstos nesta mesma disposição legal.
- outra relativamente aos atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data (art.º 120º, n.º 4); é a figura da “resolução condicional”, incidindo a presunção sobre a má fé do terceiro: trata-se de uma presunção juris tantum, ilidível, pois, por prova em contrário; o ónus de ilisão de tal presunção recai sobre o impugnante da resolução operada pelo Administrador de Insolvência.” (cf. os Acórdão da Relação de Guimarães de 30/11/2017, processo n.º 90/14.9T8VLN-D.G2, de 4/04/2024, processo n.º 6113/21.8T8GMR-J.G1, Acórdão da Relação do Porto de 14/07/2020, supra referido, o Acórdão do STJ de 06/03/2024, processo n.º 31662/16.6T8LSB-D.L1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Em conclusão, na denominada “resolução incondicional” dispensa-se o requisito da má fé e consagra-se uma presunção inilidível de prejudicialidade para a massa insolvente dos atos indicados nas várias alíneas do artigo 121.º, que a disciplina. Na denominada “resolução condicional” relativamente aos atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data, a presunção incide sobre o requisito da má fé, tratando-se de presunção “juris tantum”, logo ilidível por prova em contrário (120.º, n.º4 do CIRE).
De acordo com o nº 1 do artigo 123º do CIRE, “a resolução pode ser efetuada por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência”, dispondo o artigo 125º do mesmo diploma que “o direito de impugnar a resolução caduca no prazo de seis meses, correndo a ação correspondente, proposta contra a massa insolvente, como dependência do processo de insolvência”.
O mecanismo judicial destinado ao exercício do direito a que se refere o artigo 125.º do CIRE tem a matriz de ação de simples apreciação negativa (cf. Acórdãos da Relação do Porto de 7/11/2016, proc. n.º 581/12.6T2AVR-G.P1 e de 23/01/2017, proc. n.º4058/12.1TBGDM-B.P1, disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.), destinando-se à demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução extrajudicialmente declarada pelo administrador da insolvência, cabendo por isso à massa insolvente o ónus da prova da verificação de tais pressupostos e não ao impugnante a prova de que tais pressupostos não se verificam, por força do que dispõe o art.º 343º do C.C. (cfr., por todos, Acs. da Relação do Porto de 12/5/2015, 27/4/2017 e de 23/1/2017, da Rel. de Coimbra de 21/05/13, Acs. da Rel. de Guimarães de 10/4/14, de 11/7/2017, de 27/4/2017 e de 13/2/2020, e Ac. do STJ de 25/2/14, e Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda na obra “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 3ª ed., pág. 514).
Sobre o tratamento desta matéria lê-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 18/11/2021, processo n.º 3045/20.0T8GMR-G.G1, in www.dgsi.pt. que: “II. A acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente visa a declaração de inexistência do fundamento invocado para a resolução e, assim de ineficácia da mesma, pelo que, de entre as várias espécies de acções contempladas no art.º 10º do CPC, deve ser qualificada como acção de simples apreciação negativa. III. Esta acção só pode ter um de dois desfechos: a) se está perante uma resolução incondicional e a massa alegou e provou um dos actos referidos no n.º 1 do art.º 121º, a acção deve ser julgada improcedente; se não alegou ou não provou, a acção deve ser julgada procedente. b) se está perante uma resolução condicional e a massa alegou e provou a prejudicialidade e os demais requisitos, a acção deve ser julgada improcedente; se não alegou ou não provou, a acção deve ser julgada procedente.”
Ora, a natureza e os objetivos prosseguidos pela referida ação exigem que a carta resolutiva seja especificamente motivada, nela se indicando os fundamentos da declarada resolução dos atos com ela visados. Uma vez que se trata de resolução que exige a verificação de determinados pressupostos (sejam eles os do art.º 120º, sejam alguma das situações previstas no n.º 1 do art.º 121º), deve conter a indicação dos concretos factos que legitimam o exercício do direito potestativo de resolução.
A este respeito, refere-se no Acórdão do STJ de 17/09/2009, processo n.º 307/09.1YFLSB, disponível in www.dgsi.pt/jstj.nsf: “O impugnante (…) tem o direito de saber por que factos ou razões concretos se tinha de considerar resolvido o negócio por ele celebrado, pois só assim se garantiria o efectivo contraditório. A acção de impugnação é pela sua natureza uma acção de contra-ataque, e, por isso tem o impugnante de conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele são desferidos. Só assim está ele em condições de poder demonstrar a insubsistência do acto resolutivo. O impugnante não vai atacar factos ou fundamentos que não lhe foram revelados na carta de resolução. Não pode ser surpreendido, por outro lado, com novos factos ou novas razões quando a acção de impugnação se encontra já em andamento. Se a Ré alegou a resolução com base em factos conducentes à simulação absoluta é apenas sobre essa matéria que o impugnante tem de defender-se. O Administrador da Massa insolvente não pode pois, na contestação à impugnação, apresentar uma nova versão, contrária à primeira, ainda que subsidiariamente ou em alternativa. A invocação posterior de outras versões de factos ou vícios não invocados antes, maxime quando contrários aos indicados na resolução, ficam fora da alçada do campo que o Administrador primeiramente definiu e que não podem conviver com a primeira versão dos factos por ele apresentados”.
Vertendo ao caso dos autos, atendendo à carta de resolução e à contestação deduzida pela apelante.
Na carta em que declara resolvido o negócio da aquisição do imóvel pela apelada à sociedade agora insolvente, a Sra. Administradora da Insolvência invocou estar verificada a situação prevista no art.º 121º n.º 1 alínea h) do CIRE. Quanto aos pressupostos da resolução incondicional alegou, tratar-se de ato oneroso realizado pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência.
A alínea h) do art.º 121º n.º 1 dispõem que são resolúveis em benefício da massa insolvente, sem dependência de quaisquer outros requisitos aqueles que realizados pelo insolvente, a título oneroso, dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte (sublinhado nosso).
Como consta da alínea e) dos factos provados, a Sra. Administradora da Insolvência resolveu a favor da massa insolvente o negócio de compra e venda do imóvel pela apelada o qual se realizou em 2/03/2022. Da alínea a) resulta que o processo de insolvência se iniciou em 16/11/2022 pelo que perante esta factualidade, compaginando estes dois elementos, é manifesto concluir que o ato em referência foi praticado antes de decorrido um ano relativamente à data de início do processo de insolvência.
Não obstante, e para poder cair sob a alçada desta alínea h), era forçoso que a Sra. Administradora da Insolvência tivesse alegado que as obrigações assumidas pelo devedor excediam manifestamente as da contraparte.
Como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 3ª ed., pág. 508, os atos de caráter oneroso que envolvem contrapartida patrimonial para o devedor, não acarretam, em regra, prejuízo para a massa insolvente. Nesta base, para além do tempo em que são praticados – até um ano antes da data do início do processo -, a lei atende aqui ao seu conteúdo. Assim, um ato a título oneroso, mesmo que praticado nesse período, só é resolúvel se a obrigação nele assumida pelo insolvente for manifestamente excessiva em confronto com a atribuída à contraparte. Configura-se, pois, a clássica situação de laesio ultra dimidium, ou seja, a situação objetiva que também carateriza a usura (cf. art.º 282º do Cód. Civil). Como é manifesto, um ato que envolva lesão enorme para o insolvente prejudica a massa, por afetar a satisfação dos credores”. Na jurisprudência, o Acórdão do STJ de 23/03/2021, processo nº 195/14.6TYVN.G.E.P2.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj.nsf, onde se diz que “não é elemento integrante daquela norma (h) do nº 1 do artigo 121º do CIRE) a prova de que o valor do bem objecto da resolução iria ser atingido (...) Condição necessária, mas também suficiente, é que se registe uma desproporção manifesta entre o valor daquilo que reverteu para o património da insolvente e o valor daquilo (...) que a ora recorrente dela recebeu”.
Ora, relativamente a este aspeto em concreto, como se refere, e bem, na sentença recorrida, para além do negócio propriamente dito, nenhum facto foi alegado na carta para resolução do ato no que se refere quer ao preço, quer “às obrigações” que hajam sido assumidas e que “excedam manifestamente as da contraparte”. Assim, e subscrevendo-se a conclusão do Tribunal a quo, a declaração resolutiva incondicional é omissa quanto a factos que pudessem sustentar este fundamento, pelo que está afastada a possibilidade de haver resolução incondicional.
Não concretizando a declaração resolutiva os factos constitutivos do direito que se pretendeu exercer, a resolução é nula e de nenhum efeito, por absoluta falta de motivação (cf. neste sentido o Acórdão da Relação de Évora de 17/01/2012, proferido no processo 2451/06.8TBVCD-E.P1, disponível para consulta in www.dgsi.pt, onde se lê que: «I - Nos casos de resolução “condicional” o Administrador da Insolvência, na respectiva declaração de resolução, tem que alegar factos dos quais resulte a prejudicialidade dos actos por ele visados e também a má fé do adquirente, situação que já não se verifica nas situações previstas no art.º 121º do CIRE. II - Porém, mesmo nestes casos ditos de resolução incondicional, em que se mostra dispensado o requisito da má fé e há uma presunção inilidível de prejudicialidade, o Administrador da Insolvência tem que, na declaração resolutiva, alegar factos materiais que permitam fundar a resolução em qualquer uma das alíneas do nº 1 do art.º 121º do CIRE.III - Não o fazendo, está a declaração de resolução ferida de nulidade.»). No mesmo sentido, entre muitos os Acórdãos da Relação do Porto de 27/11/2012, proc. nº 4694/08.0TBSTS-O.P1 e de 26/09/2023, proc. nº 1779/21.1T8AMT-G.P1.
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Relativamente à resolução condicional, quanto à verificação do requisito da temporalidade, considerando como data do negócio resolvido o dia 2/03/2022 e que a petição inicial do processo de insolvência foi apresentada a 16/11/2022, impõe-se concluir que o ato em referência foi praticado dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência – art.º 120º, n.º 1.
Assim, e independentemente de se saber se o ato resolvido é suscetível de integrar a categoria em referência, impõe-se concluir pela verificação deste requisito.
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Quanto ao requisito da prejudicialidade, a sentença recorrida julgou não verificado, contra o que a apelante se insurge considerando que tal prejuízo se mostra presumido de forma inilidivel. Já vimos que assim seria caso a situação dos autos fosse enquadrável na alínea h) do n.º 1 do art.º 121º do CIRE, que não é, como se concluiu.
Nos casos de resolução condicional pelo administrador, de um ato praticado pela insolvente no prazo de dois (2) anos antes do decretamento da insolvência exige a lei, como primeiro requisito de fundo, que esse ato seja prejudicial à massa insolvente (art.120º, n.º 1 do CIRE), como se referiu supra. O legislador, por um lado, considera existir este prejuízo quando os atos em causa «diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.» (art.º 120º, n.º 2 do CIRE). Neste caso, esta consideração: não depende da prova apenas da prática de determinados atos típicos (como alienação, oneração, etc); mas depende da alegação e da prova de factos que permitam concluir que a prática desses atos diminui, frustra, dificulta, atrasa ou coloca em perigo a satisfação dos credores da insolvência.
No caso dos autos, o ato impugnado trata-se de uma compra e venda, portanto, de um negócio oneroso.
A compra e venda corresponde a um contrato pelo qual é transmitida uma coisa mediante o pagamento de um preço, cujos efeitos essenciais para as partes contratantes são a transmissão da coisa e as obrigações correspetivas da mesma ser entregue pelo vendedor e do seu preço ser pago pelo comprador (arts. 874º e 879º do CC).
Assim, a celebração de um contrato de compra e venda é apta a modificar a composição do património do vendedor: de forma imediata, pela substituição do bem vendido pelo valor do preço da venda; de forma mediata, pelo destino dado a esse preço, no qual, nomeadamente, este pode ser conservado (v.g. em depósito em conta bancária), substituído por outro bem (v.g. no caso de aquisição de outros bens que passem integrar o património do vendedor) ou gasto (v.g. na satisfação de encargos e passivos).
Nestes casos, pode ser aferida a existência de prejuízo, quando for alegada e provada a inferioridade do preço da venda face ao valor real e de mercado do bem vendido (vide, v.g.: Acórdão da Relação de Guimarães 06.11.2014, proferido no processo nº 39/09.0TBMGD-M.G1); quando houver falta de pagamento de parte ou da totalidade do preço do bem ou falta de entrada do preço no património da sociedade vendedora para pagamento de dívidas sociais (vide, o Acórdão do STJ de 12.03.2019, proferido no processo nº 493/12.3TJCBR-H.P2.S1); quando existir simulação do contrato de compra e venda, sendo celebrado um outro contrato dissimulado (vide o Acórdão da Relação de Guimarães de 26.02.2015, proferido no processo nº 640/11.2TBCMN-C.G1).
Examinando as previsões normativas do nºs 1 e 2 do art.º 120º do CIRE, verifica-se que a lei não prevê que os atos de alienação de património se presumem prejudiciais à massa, sem prejuízo de prova em contrário, caso este em que, caso previsse, caberia à massa insolvente provar apenas a alienação de património, nos termos do art.º 343º, n.º 1 do CC, e ao devedor provar os factos que, em contrário da presunção, permitissem concluir que a alienação não implicou prejuízo (nomeadamente, pelo preço ter sido apreendido na massa insolvente, ter sido conservado ou ter levado à aquisição de novo património), nos termos do art.º 350º do CC (conforme as regras de repartição do ónus de prova das ações de declaração negativa). Por outro lado, prevendo a lei apenas que se consideram prejudiciais à massa os atos que causarem as frustrações, atrasos, reduções, dificuldades ou perigos de satisfação da massa insolvente, cabe à massa insolvente alegar e provar factos, de forma completa, que ilustrem que os atos causaram ou são aptos a causar algum dos efeitos pretendidos, nos termos do art.º 343º, n.º 1 do CC (conforme as regras de repartição do ónus de prova das ações de declaração negativa), sem prejuízo da consideração de factos notórios decorrentes do conteúdo do contrato (art.º 412º do CPC).
Examinando os fundamentos da declaração resolutória em relação ao bem imóvel verifica-se que esta se limitou a invocar, como fundamento do prejuízo, que “como cônjuge da administradora que lhe sucedeu, V. Exa. Conhecia a vantagem para o casal em o administrador, seu cônjuge, lhe alienar o único imóvel da “BB”, S.A, 8 meses antes de entrar em juízo o pedido de insolvência, com prejuízo para todos os credores, designadamente a Fazenda Nacional e a Segurança Social, cujas dividas obrigavam os administradores a requerer a insolvência”
Não alegou quaisquer outros factos complementares a esta invocação, como fundamento do prejuízo para os credores da massa, com vista a serem provados em caso de impugnação, v.g.: a inferioridade do preço de venda face aos valores de mercado; o não pagamento do preço e a falta de condições para a cobrança coerciva do mesmo junto da vendedora ou o atraso que isto implicaria na satisfação dos credores da insolvência; a falta de entrada do preço na sociedade e/ou falta de registo das vendas na contabilidade da sociedade; a utilização do preço para satisfação de dívidas não sociais ou para investimentos de risco da sociedade ou para pagamento de despesas a credores da sociedade não garantidos ou privilegiados, em subversão do princípio da igualdade entre credores, etc.
Extraindo-se da matéria de facto (que não foi objeto de impugnação) que o preço de € 171.729,56, da venda foi pago através do cheque bancário n.º …, sacado sobre o Banco (…), emitido à ordem da insolvente, no valor de € 180.147,34, não tendo sido alegado pela administradora como fundamento da resolução e, nessa medida, também não foi alegado e provado pela massa insolvente na impugnação, nos termos do art.º 343º, n.º 1 do CC, nomeadamente: que o destino do preço da venda não deu entrada na empresa ou foi afetado, v.g., a fins externos à sociedade e/ou a pagamento de determinadas dívidas da sociedade que não seriam pagas prioritariamente no processo de insolvência, em violação do princípio da igualdade dos credores e da execução universal; que o valor do preços da venda foi inferior ao mercado, (alegando-o de forma meramente genérica na contestação, apenas concretizando, em valor, em sede recursiva - cf. conclusões O), não logrou alegar e provar factos suficientes para classificar a venda objeto da resolução como prejudicial à massa insolvente, nos termos do art.º 120º, n.º 2 do CIRE.
Neste aspeto em particular, limitou-se a Sra. Administradora da Insolvência a alegar, na carta de resolução que “a venda do único imóvel de uma sociedade em insolvência iminente para uma pessoa singular, diretamente relacionada com a insolvente e antiga administradora à data em que se venceram dívidas ao sector público, veio frustrar e pôr em causa a satisfação dos interesses dos credores em que se incluem a ATA e o ISS, IP. A Sra. Administradora da Insolvência formula, assim, um juízo conclusivo sem que tenha factualmente concretizado quer na carta resolutiva, quer em sede de contestação, de que maneira se frustrou a satisfação aos credores, tanto mais que conforme se demonstrou, o preço da venda foi efetivamente pago.
É certo que, a troca de um objeto por uma soma pecuniária equivalente não significa que não tenha havido prejuízo para a massa insolvente. Aliás, como se escreveu a propósito da impugnação pauliana no Ac. S.T.J. 12/7/07, pº 07A1851, “o que releva é a impossibilidade ou dificuldade prática em executar os demais bens do devedor, como é tipicamente o caso da venda pelo preço justo e real mas com ocultação da importância recebida. O dinheiro é, na verdade, um bem que, pela sua natural fungibilidade é facilmente “mobilizável e sonegável à acção dos credores” (…). Não fora assim e, certamente, desapareceriam os casos de impugnação relativos a actos onerosos, com excepção dos feridos de simulação de preço, os únicos em que a insolvência ou o seu agravamento, tal como a consciência do prejuízo, são inerentes à inferioridade do valor efectivo da contraprestação relativamente ao valor real da coisa vendida.”
Ora, quanto ao valor patrimonial do bem imóvel, para inferir o prejuízo causado à sociedade, nada consta, como se disse, na declaração resolutiva.
Defende a recorrente que no contrato resolvido pela carta de resolução da administradora de insolvência, é expressamente clausulado que o imóvel só pôde ser adquirido à insolvente porque houve um prévio contrato de revogação do contrato de locação financeira e de compra e venda celebrado entre a insolvente e o Banco (…) S.A., e que o referido contrato de locação financeira imobiliária foi outorgado entre o Banco (…) S.A. e a “BB” S.A., sendo a aqui recorrida mera avalista e que o pagamento pela insolvente, por contrato de revogação de 02/03/2022, do valor que faltava liquidar no âmbito da locação financeira, não só permitiu que passasse a ser a insolvente a única proprietária e titular da fração em causa, como conduziu a que fosse a insolvente, já na qualidade de proprietária plena, a vender à aqui Recorrida a referida fração “(…)”, aqui surgindo o efetivo prejuízo para os credores por consequente efetivo prejuízo para a Massa, pelo que, face aos factos provados, não podia a sentença recorrida determinar inexistir prejudicialidade (cf. conclusões J e L).
O Tribunal recorrido considerou que não se mostrava demonstrada a efetiva diminuição patrimonial da devedora, (factualidade que não vem posta em causa), essencialmente porque, se se mantivesse em vigor o contrato de locação financeira incidente sobre o imóvel, a insolvência da sociedade locatária, nos termos do acordado entre as partes, poderia implicar a resolução pelo locador, com eventual agravamento do passivo, sendo duvidosa a existência de opção jurídica e economicamente viável de compra do imóvel com capitais próprios da sociedade, constatação esta que, por si, obvia à formulação da causalidade entre a saída do património da sociedade de um bem imóvel e a diminuição do mesmo, com prejuízo para os credores, conclusão que acompanhamos.
Com efeito, se é certo que o imóvel transacionado, após a resolução antecipada do contrato de leasing com pagamento do remanescente do preço, deixou de fazer parte da massa insolvente, deixando de responder pelas dívidas desta, facto é que foi apenas pelo pagamento da quantia efetuada pela apelada, (pagamento que está assente e que não foi posto em causa no âmbito deste recurso), que foi possível à insolvente - na ausência demonstrada de capitais próprios desta última para tanto e perante a constatada situação de insolvência, efetuar a resolução antecipada do contrato de locação financeira por via do qual o imóvel ingressou no seu património.
Se não fosse o dinheiro pago pela autora à insolvente por via do contrato de compra e venda do imóvel, a devedora não teria como o pagar com capitais próprios e estando em situação de insolvência iminente, deixaria, consequentemente, de pagar as rendas devidas pelo contrato de locação imobiliária, com a consequente resolução do mesmo, pelo que o imóvel nunca chegaria a ser adquirido pela insolvente, acrescendo a divida das prestações em falta às dividas da insolvente.
Em conclusão, não foi alegado e consequentemente demonstrado o necessário e suficiente para que se possa concluir ter sido alegado o requisito da prejudicialidade em relação à massa insolvente, no que respeita à venda em causa.
Na ausência demonstrada do requisito da prejudicialidade, fica prejudicada a apreciação da má-fé na celebração do contrato, requisito previsto no n.º 5 do art.º 120º, que, como supra se referiu, é exigível na resolução condicional nos termos da 1ª parte do nº4 e do nº 5 do art.120º do CIRE.
Ainda assim, presumindo-se a má fé quanto «a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.» (art.º 120º, n.º 4 - 2ª parte do CIRE), estabelece, no n.º 4 do art.º 120.º, uma presunção ilidível de má-fé”, isto é, sem prejuízo de prova em contrário (art.º 350º do CC - a lei), e que parece ser confundido pela apelante, com relação ao requisito da prejudicialidade, que como vimos supra não se mostra devidamente alegado na declaração resolutiva, nem demonstrado.
Entendendo-se existir uma relação especial entre a autora e a insolvente, que é cônjuge do administrador da insolvente para efeitos do disposto no art.º 120º, n.º 4 do CIRE, sempre a má fé presumida ficaria afastada, pois que, não se demonstrou que ao adquirir o imóvel, a Autora sabia que a sociedade “BB”, S.A. se encontrava, à data, com dívidas fiscais, em situação de insolvência iminente, que dessa transação resultava uma diminuição do património da insolvente e, ainda assim, prosseguiu com a mesma, prejudicando a satisfação dos credores da insolvência.
Não resultando tal matéria dada por provada na sentença recorrida forçoso se torna concluir, também, pela não verificação da exigida má fé e, assim, de igual forma, pelo não preenchimento deste requisito que permitiria a resolução do negócio.
Impõem-se, por isso, manter a sentença recorrida, julgando-se improcedente o recurso.
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V. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, as Juízas desta secção Tribunal da Relação de Lisboa acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
Custas pela apelante – art.º 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
Lisboa, 12-11-2024
Susana Santos Silva
Elisabete Assunção
Paula Cardoso