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INSOLVÊNCIA
EFEITO COMINATÓRIO SEMI-PLENO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
FACTOS-INDICES
PRESUNÇÃO
Sumário
1. O alcance ou resultado da cominação prevista pelo art.º 30º nº 5 do CIRE - se o devedor não deduzir oposição consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial – coincide com a regra do cominatório semi-pleno, ou seja, circunscrito apenas à confissão dos factos, e já não do pedido, e encontra arrimo no regime regra previsto pelo art.º 567º, nº 1 do CPC e, esta, na salvaguarda do princípio da reserva jurisdicional na realização do direito e da justiça através da composição dos conflitos de interesses de harmonia com o direito vigente. 2. O poder-dever que para o tribunal decorre do inquisitório previsto pelo art.º 11º do CIRE não inclui o poder nem o dever de o tribunal se substituir ao requerido no cumprimento do ónus de impugnar os factos alegados pelo requerente e de proceder à sindicância ou o apuramento da correspondência da factualidade por este alegada com a realidade para, dessa forma, obstar à produção do efeito legal da falta de oposição previsto pelo art.º 30º, nº 5 do CIRE. 3. A confissão dos factos por efeito da ausência de oposição/impugnação tem como efeito a estabilização da matéria de facto relevante para a apreciação do pedido e dispensa a produção de prova; efeito legal que ao tribunal se impõe e não está na sua disponibilidade desconsiderar, sob pena de produzir atividade processual/instrutória ilegal se incidir sobre factos para os quais a lei não prevê meio de prova vinculado. 4. A confissão incide sobre factos e não sobre matéria de direito. 5. A decisão de facto não é o momento processualmente próprio para dar resposta a questões de direito, no caso, à questão normativa que define a situação de insolvência – incapacidade/impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações pecuniárias - que se impõe resolver em sede de apreciação do mérito do pedido por recurso às normas legais aplicáveis. 6. A demonstração da situação de insolvência não passa pela efetiva demonstração da impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a totalidade das suas obrigações; bastando para o efeito a demonstração de factos indiciadores que, de acordo com a valoração do legislador, constituem manifestação daquela impossibilidade. 7. A presunção de verificação de situação de insolvência prevista pela al. a) do nº 1 do art.º 20º do CIRE pressupõe uma paralisação no cumprimento que abrange a generalidade das obrigações vencidas do devedor, o que ocorre quando abrange a diversidade de relações jurídicas que uma sociedade comercial em atividade estabelece com os seus stakeholders (trabalhadores, Estado, e fornecedores de bens, serviços e crédito). 8. A presunção de insolvência prevista pela al. b) pode bastar-se com o incumprimento/mora no cumprimento de uma só obrigação vencida, desde que acompanhado de concretas circunstâncias que revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações vencidas. 9. A presunção de situação de insolvência prevista pela al h) não exige que a demonstração do atraso superior a 9 meses no cumprimento do dever de prestação e do depósito das contas seja acompanhado da demonstração de outros factos reveladores da impossibilidade de pagamento pontual das dívidas vencidas.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa,
I – Relatório
1. Por requerimento de 02.05.2024 MR, SA (MR) instaurou ação especial de insolvência contra MA, SA (MA) pedindo que esta seja declarada insolvente com fundamento legal nas als. a), b), d), e) e h) do nº 1 do art.º 20º do CIRE.
Em fundamento alegou, em síntese, que:
- No decurso de processo de insolvência que em 06.11.2021 instaurou contra a requerida, em 08.06.2022 celebraram acordo e confissão de dívida pelo qual esta e a sociedade Ma… - em relação de grupo com a requerida, detidas e geridas pelas mesmas pessoas -, reconheceram ser solidariamente devedoras à requerente da quantia global de €1.229.580,14, que acordaram pagar em prestações, vencendo-se a primeira em 31.07.2022 e a ultima em 30.12.2023, acordo que a requerida não cumpriu, tendo apenas procedido a 13 pagamentos no montante total de €202.958,01 entre 15.06.2022 e 07.07.2023 e alegado constrangimentos financeiros para justificar o não pagamento das demais quantias em dívida, justificação que reiterou quando em 06.0.2023 e, novamente, em 11.07.2023 a interpelou para proceder ao pagamento das prestações vencidas e, em 22.01.2024 e em 26.02.2024, para proceder a pagamento da quantia em falta resultante do acordo, no valor de €1.026.622,13, acrescida dos juros de mora, que à data da instauração da ação ascendem a €186.635,54, não tendo a requerida procedido a qualquer pagamento desde 07.07.2023;
- Em 17.12.2015 a requerente celebrou com IN…, sociedade de direito francês, contrato de subempreitada para fornecimento de materiais e equipamentos para central de CPV no prazo de 22 semanas, que terminaram em 19.07.2016, no âmbito do qual a Ma… foi designada como fornecedora de tecnologia designada ‘Ma…n’, tendo esta aceitado e assinado os termos e condições daquele contrato, incluindo as penalidades nele previstas, e aceitado atuar como subcontratada da requerente, confirmando os fornecimentos e preços que se comprometeu a praticar e assumindo a garantia pelo funcionamento dos módulos fornecidos à IN… ao abrigo daquele contrato, dos quais juntou certificação europeia, seguro declaração de garantia e proposta técnica e financeira da sua responsabilidade, e em virtude dessa designação da Ma… como fornecedor, a requerente e a requerida, esta enquanto sociedade do grupo daquela e fábrica onde são construídos os equipamentos, celebraram um subcontrato de fornecimento mediante o qual se obrigou perante a requerente ao fornecimento de materiais e equipamentos para aquela central de CPV e a ser a única responsável pela coordenação dos trabalhos até receção definitiva da central; no âmbito do contrato com a IN… a requerente prestou garantia bancária à primeira solicitação no montante de €452.990,85, correspondente a 15% do preço fixo, que à requerida cabia substituir no prazo de um ano após a receção provisória do equipamento. A requerida não cumpriu os prazos porque os fornecimentos foram concluídos apenas em abril 2017, data que a IN... também não aceitou como data da conclusão, tendo invocado a necessidade de substituir peças defeituosas e que só em 01.02.2019 teve condições para obter a receção pelo dono da obra devido a atrasos nos fornecimentos e no funcionamento da central, o que sujeitou a requerente à penalidade máxima contratual aplicada pela IN... quanto aos atrasos na obtenção do certificado de receção, pelos quais é responsável a requerida por lhe caber assumir qualquer atraso e penalizações aplicadas à requerente nos termos do subcontrato de fornecimento, e em virtude dos incumprimentos da requerida a requerente está desde 20.08.2019 a suportar custos com comissões de garantias bancárias para além dos inicialmente previstos, impossibilitada de receber o pagamento da fatura de €301.993,90 pela IN..., foram-lhe aplicadas multas contratuais e requeridas indemnizações no valor de €452.990,35 correspondente a €15% do montante total do contrato, e foi interpelada para proceder ao pagamento da diferença entre aquelas quantias, conforme documentos para que remete, tendo a requerente dado entrada com ação contra a requerida no tribunal de comércio de Toulouse, pedindo a condenação desta no pagamento daquela quantia;
- em 22.06.2016 a requerente celebrou contrato com Hy…, Ldª para projeto, construção e fornecimento de uma central de produção de energia através de tecnologia de concentração fotovoltaica (CPV) a instalar em Évora, já antes discutido entre aquela e as sociedades Ma..., que foi autora dos projetos e inicialmente apontada como empreiteira mas que, por falta de meios financeiros, contactou a requerente para figurar como empreiteira e a requerida como subempreiteira, tendo a requerente celebrado o contrato com aquela na qualidade de empreiteira e posteriormente, e por imposição daquela, celebrado contrato de fornecimento com a requerida na qualidade de subempreiteira, cabendo a esta o fornecimento dos materiais e equipamentos em obra, a supervisão da sua instalação, comissionamento, ensaios e testes e responsabilidade pelo período experimental e performance da central até receção definitiva, tendo a requerida incumprido por diversas vezes o calendário de fornecimentos, que deveria ter concluído em 03.07.2017, e tendo cumprido apenas 51% dos fornecimentos, o que todas as partes envolvidas reconhecem ser exclusivamente imputável à requerida, conforme comunicações eletrónicas que junta mas, não obstante, aquela instaurou ação contra a requerente pedindo a sua condenação no pagamento da quantia global de €4.326.980,05 acrescida de juros de mora, cfr. documento que junta, tendo a requerida sido chamada a intervir como parte principal, pelo que dependendo do resultado da dita ação a requerente poderá vir a ser credora da requerida pela quantia peticionada pela Hy…, Ldª;
- a ausência de cumprimento pontual das obrigações assumidas com o acordo de 08.06.2022 ilustra a incapacidade da requerida em cumprir pontualmente as suas obrigações pecuniárias, incapacidade que é corroborada por relatório da ‘Informa D&B de 25.03.2024, cfr. documento que juntou, que na análise dos elementos de risco de ‘failure’ teve em conta o facto de já ter sido pedida a insolvência por terceiros, existir evidência de dívidas fiscais por regularizar, e os últimos dados financeiros disponíveis nas fontes oficiais não terem data recente, e apresentar um índice de pagamentos (de 3) que significa que dada a falta de liquidez, os pagamentos que ainda efetua é 171 dias depois dos prazos acordados;
- os demais credores também não são pagos e alguns deles instauraram contra a requerida as ações declarativas (2) e executivas (3) que identifica, pelas quais são peticionados créditos no montante total de €309.339,67;
- a requerida deve €744.712,09 à sociedade He… SAS em virtude de sentença arbitral proferida em Paris e 04.09.2019 e está em curso uma ação executiva em Franca para cobrança daquele valor;
- a requerida, juntamente com a Ma..., tem canalizado todos os seus recursos para novas empresas - a F… Portugal, SA e a Ne…, SA, que têm a mesma sede que a requerida, partilham a mesma tecnologia com esta e com a Ma..., e têm objetos sociais idênticos ao desta e da requerida -, nas quais vem colocando em prática os novos projetos, de entre os quis a produção de hidrogénio verde, produzido por energia solar Ma…n que é pertença da requerida, esvaziando totalmente o seu património;
- a requerida consta da lista publica de execuções desde 15.02.2021 em virtude da inexistência de bens para pagamento de dívida no valor de €62.000,00, cfr. doc. que juntou;
- desconhece a existência de bens no património da requerida e, do facto de não ter pago o que lhe deve e estar inscrita na lista de execuções por inexistência de bens para pagamento de dívida, conclui-se que não é titular de bens suficientes para o pagamento do crédito da requerente e dos seus demais credores;
- a sociedade MR… SGPS, SA é titular de ações representativas de 11,97% do capital da requerida e nunca foi convocada para assembleias destinadas à aprovação de contas, pelo que as que tenham sido aprovadas foi por via de assembleias irregularmente constituídas, o que permite considerar existir um atraso superior a 9 meses na aprovação das contas, e da certidão comercial da requerida resulta que a ultima prestação de contas ocorreu em 2019 e reporta ao período de 01.01 a 31.12.2017.
Juntou 37 documentos.
2. Em 06.05.2024 foi proferido despacho de citação da requerida, cumprido na mesma data para a morada da sede com expressa advertência “de que na falta de oposição consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, podendo a insolvência vir a ser decretada (nºs 1 e 5 do art.º 30º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).”
3. Na sequência da devolução da carta pelo serviço de distribuição postal por motivo de recusa em 13.05.2024, em 14.05.2024 foi remetido novo expediente para citação da requerida, contendo a mesma advertência e mais informando que A citação considera-se efetuada: 1. No dia de assinatura do aviso de receção; //2. Se a carta tiver sido depositada na sua caixa postal, no dia do depósito; //Ou, se não for possível o depósito na caixa do correio, sendo deixado aviso para levantamento no estabelecimento postal devidamente identificado, nos termos previstos no nº 5 do art.º 228.º do CPC, o citando a não for levantar, no 8º dia posterior à data constante do aviso.
Em 27.05.2024 os serviços de distribuição postal juntaram informação de Depósito do expediente para citação em 17.05.2024.
4. Por despacho de 06.05.2024 mais foi ordenado ofício à Autoridade Tributária para informar da pendência de processos de execução fiscal contra a requerida e, na positiva, a identificação dos mesmos, dos montantes em dívida e datas de vencimento e da existência de acordos de pagamentos prestacionais e, na positiva, se estão ou não a ser cumpridos, pedidos que foram objeto de resposta, informando dos processos de execução fiscal pendentes, valores das dívidas em execução, a que título e datas do seu vencimento, e estado dos processos.
5. Em 04.07.2024 foi proferida sentença que considerou confessados os factos alegados na petição inicial com fundamento na ausência de impugnação por parte da requerida e na documentação junta com o requerimento inicial e, concluindo que, “Ponderando a factualidade tida por demonstrada e que supra enunciámos, julgamos ser inequívoca a verificação dos factos presuntivos da insolvência enunciados no art.º 20.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e h) do CIRE, que não foram infirmados”, decidiu declarar a insolvência de MA… SA.
6. Cumpridas a notificação e a publicação da sentença por expediente de 05.07.2024, em 25.07.2024 insolvente apresentou requerimento e alegações de recurso da sentença, requerendo a sua revogação com as consequências legais. Formulou as seguintes conclusões:
(…)
IV. No entendimento do ora Recorrente a sentença em crise padece erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto proferida.
V. Os Recorrentes entendem que, ao contrário do decidido pelo douto tribunal a quo, da prova produzida nos presentes autos não resultaram provados os seguintes factos:
“- Desde maio de 2023 que a Requerida deixou de cumprir pontual e regularmente as obrigações assumidas perante a Requerente com a celebração do acordo datado de 08/06/2022, alegando “constrangimentos financeiros” e desde 07/07/2023, que a Requerida deixou de pagar qualquer quantia à Requerente, não obstante ter sido instada para o efeito.”
“- Na presente data, a Requerida é devedora da Requerente no valor de € 1.022.622,13 (€ 1.229.580,14 - € 202.958,01), a título de capital, a que acresce a quantia de € 186.635,54, a título de juros de mora vencidos, contados nos termos da cláusula 8.ª do Acordo celebrado entre as partes.”
VI. A Requerente limita-se a juntar o Acordo de Confissão de Divida celebrado entre as partes e uma parte das comunicações trocadas, omitindo deliberadamente uma parte das comunicações, de não menos importância, mas que não é, contudo, favorável à tese que pretendeu fazer vingar.
VII. Com efeito, não pode bastar ao doutro Tribunal a quo a mera junção destes documentos para dar como provado o incumprimento do Acordo e o valor em divida, devendo, smo, face ao poder inquisitório de que dispões nos termos do art.º 11º do CIRE ter ordenado a junção de prova documental, designadamente dos respetivos extratos de conta e/ou outros documentos contabilísticos que comprovassem de forma inequívoca a existência da alegada divida.
VIII. Ou seja, o processo não se encontra instruído com prova bastante que permitisse ao tribunal decidir como decidiu, faltando-lhe elementos, designadamente, contabilístico que demonstrassem de forma evidente a existência do alegado crédito por parte da Requerente, o que não fez!
IX. Acresce que, o enquadramento jurídico da alegada divida, não se encontra devidamente provado ou sequer alegado, dado que a Requerente em momento algum procedeu à resolução do Acordo, pelo que se mantém o mesmo vigente.
X. Pois que, resulta do próprio Acordo, clausula segunda, (junto como Doc. nº 4 com a petição inicial) a necessidade de resolução do mesmo para imediato vencimento de toda a dívida ali confessada, sendo que em momento algum é alegado ou demonstrada a resolução do Acordo nos termos e para os efeitos previstos naquela clausula, nem podia porque não ocorreu.
XI. Ora, não se tendo extinguindo o Acordo, a Requerente não é credora do montante de crédito de que se arroga titular.
XII. Face ao exposto, resulta claro que os autos não reúnem matéria bastante para apreciação do alegado crédito da Requerente, pelo que não podem aqueles factos serem considerados como como provado.
XIII. Dá, ainda, como provada a douta sentença que:
“- A Requerente poderá também vir a ser credora da Requerida pelos valores de € 467.990,85 e de € 4.326.980,05, dependendo do resultado das duas ações judiciais instauradas contra a Requerente, respetivamente, por IN... e por HY… PORTUGAL, LDA., reportada a responsabilidades que esta entendem ser imputáveis à Requerida.”
XIV. A pendência das referidas ações são dadas como provadas pela junção de meras cópias das petições iniciais, não tendo sido junto qualquer documento válido que o comprove, e que comprove o estado das mesmas, factos que apenas podem ser provados por informação certificada pelos respetivos tribunais ondem pendem.
XV. Assim, salvo douta e melhor opinião, o tribunal a quo não se pode bastar com a alegação da Requerente e a junção de meras cópias não certificadas para considerar estes factos como provados. Sem prejuízo, do exposto, estes sempre serão créditos condicionais, como a própria Requerente alega e, consequentemente, ainda não exigíveis à ora Recorrente.
XVI. Mais, a douta sentença considera provado que:
“- A Requerida encontra-se incapaz de cumprir pontualmente as suas obrigações pecuniárias, incapacidade é também corroborada pelo facto de, segundo o relatório elaborado pela Informa D&B, em 25/03/2024, que agrega toda a informação de risco, comercial e financeira disponível sobre a empresa, a Requerida apresentar um risco de failure (rating D&B) de nível 4 (Elevado) e um failure score de 2 em 100, o que se traduz num risco de insolvência maior do que para 99% das empresas portuguesas.”
XVII. Ora, mais uma vez e salvo o devido respeito que é muito, também quanto a este facto, bastou-se com as alegações da Requerente e com um relatório elaborado online por uma empresa que se funda em fatos que não refletem a condição atual da ora Recorrente. Considerando, ainda como provado com base na informação constante em tal relatório que:
“- Encontram-se pendentes outras ações judiciais contra a Requerida, três das quais ações executivas e uma outra uma injunção, e o total de créditos peticionados perfaz € 309.339,67.”
XVIII. Ora, estes factos não podem considerar-se provados. A Requerente limita-se a invocar uma lista de ações retiradas do relatório elaborado pela entidade acima referida, sem cuidar de analisar ou pedir informação certificada quanto à manutenção da pendencia das referidas ações e ao estado atual dos referidos processos.
XIX. É, ainda, considerado provado que:
“- Por outro lado, a Requerente tem conhecimento de que também em França está em curso, pelo menos, uma ação executiva para cobrança do montante de € 744.712,09 (valor devido pela Requerida à HE… SAS, em virtude de sentença arbitral proferida em Paris, em 04.09.2019).”
XX. Também este facto não pode ser considerado como provado. Com efeito o documento junto (Doc 32), sem tradução, não faz qualquer prova da pendência de qualquer ação executiva, que na realidade não existe. Bastará uma leitura atenta do documento (ainda que redigido em francês, sem vir acompanhado da respetiva tradução) que o mesmo consubstancia, apenas, a atribuição de força executiva à decisão arbitral em causa. Ou seja, do mesmo não resulta provada a pendência de qualquer ação executiva em França contra a ora Recorrida.
XXI. Mais, considerou o doutro tribunal provado que:
“- A Requerida, juntamente com a MA..., tem canalizado todos os seus recursos para novas empresas e projetos, de entre os quais a produção de Hidrogénio Verde (produzido por energia solar Ma...n, a qual é pertença da Requerida), assim esvaziando totalmente o seu património.”
“- As empresas através das quais a Requerida vem colocando em prática esses projetos – a F… PORTUGAL, S.A. (NIPC …) e a NE…, S.A. (NIPC …) – partilham a mesma sede com a Requerida, partilham a mesma tecnologia (Ma...n) com a Requerida e com a MA... e têm objetos idênticos ao desta e da Requerida.”
XXII. Este facto refere a própria sentença é considerado como provado dada a ausência de impugnação. Ora, dada a natureza e gravidade destes factos, não basta a alegação da Requerente e a ausência de impugnação para que sejam considerados como assentes. A Requerente não faz qualquer prova documental ou outra destes factos, pelo que não podem ser os mesmos considerados provados.
XXIII. Quanto aos seguintes factos dados como provados:
“- Não se conhecem bens propriedade da Requerida.”
“- A Requerida não é titular de bens suficientes para o pagamento do crédito da Requerente e dos seus demais credores.”
XXIV. Mais uma vez, basta atentar na petição inicial e nos documentos juntos com a mesma, para concluir que a Requerente não fez qualquer prova destes factos, bastando-se com a sua alegação, a qual foi dada como boa pelo tribunal a quo face à falta de impugnação e à consequente ficção legal de confissão dos mesmos pela ora Recorrente. Sendo certo que não são se encontra juntos aos autos quaisquer documentos comprovativos do alegado passivo.
XXV. Ora, para prova deste fato, o tribunal a quo baseia-se apenas na confissão/assunção desse fato por parte da Requerente. Contudo, não restam dúvidas de que a prova deste fato não se basta com o reconhecimento / confissão do mesmo.
XXVI. Apesar do previsto no art.º 30º nº 5 do CIRE, deve chamar-se aqui à colação a nossa lei adjetiva geral, e designadamente ao funcionamento de efeitos cominatórios reportados à confissão da matéria de facto por revelia aqui aplicados analogicamente o disposto nos artigos 567º e 568º do CPC.
XXVII. Ou seja, não basta a sua alegação e reconhecimento por parte do devedor que se apresenta à insolvência para considerar provados fatos cuja prova se exija documento escrito, como é o caso.
XXVIII. Em conclusão, o passivo da MA… S.A, ora Recorrente carece de prova documental, não se bastando com o mero reconhecimento da sua existência por parte da Requerente, prova documental essa que não foi produzida nos presentes autos.
XXIX. O mesmo se diga quanto à falta de liquidez para satisfazer o alegado passivo.
XXX. Todos estes fatos carecem de prova documental, que não foi feita nos presentes autos.
XXXI. Face ao exposto, deverão considerar-se como não provado os fatos contante dos pontos 7 a 14 e 15 do Relatório2, alterando-se em conformidade a douta sentença quanto a decisão da matéria de fato.
XXXII. Assim mal andou o tribunal ao decidir como decidiu!
XXXIII. No caso em análise, e com os factos que se podem extrair dos autos, verifica-se que, não resultam provados factos que permitam subsumir a situação da MA… S.A. nos fatos índices previstos na alínea a), b), c) e h) do nº 1 art.º 20º do CIRE e concluir-se, como faz a sentença, que se encontra provada a situação de insolvência nos termos previstos no art.º 3º nºs 1 e 2 do CIRE.
Alega a Requerente que a MA… S.A se encontra impossibilitado de cumprir com as suas obrigações vencidas e tem e falta de liquidez, sem fazer prova desse facto., o qual, atenta a confissão por falta de impugnação da situação de insolvência, o tribunal aceitou sem qualquer produção de prova . O que não corresponde à verdade e do qual não logrou fazer prova.
XXXIV. O facto de “- A Requerida passou(ar) a constar na Lista Pública de Execuções em 15/02/2021, em virtude da inexistência de bens para pagamento de dívida, no valor de € 62.000,00.” não é por si só indício da ausência de bens ou da suspensão generalizada do cumprimento das suas obrigações, até a informação ali constante não está de acordo com a realidade, desconhecendo a Recorrente da razão de ser desta informação na lista pública de execuções.
XXXV. Nem o facto de a “… última prestação de contas pela Requerida (ter) ocorreu(ido) em 2019, e com referência ao período de 01/01/2017 a 31/12/2017”, preenche o facto-índice previsto na alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE e consequentemente um facto índice revelador da situação da insolvência declarada
XXXVI. Pois que, o facto-índice previsto na alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE trata-se apenas de uma presunção, sendo necessário, para além do preenchimento desse facto, a prova de que, efetivamente, a ora Recorrente se encontra numa situação de insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do seu passivo, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciem impossibilidade de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos, o que, reitere-se, em momento algum foi demonstrado pela Requerente.
XXXVII. Pelo que, não se figura suficiente invocar e demonstrar o facto de a ora Recorrente não ter procedido ao depósito de contas, é, também, necessário, demonstrar a situação de insusceptibilidade em cumprir pontualmente as suas obrigações, o que em tempo algum foi demonstrado pela Recorrida, sobre quem impendia esse ónus.
XXXVIII. Não se concedendo, por isso, que a falta de aprovação e depósito das contas, não imputável à Recorrente, se considere facto suficiente para a declaração de insolvência da mesma.
XXXIX. Assim mal andou o tribunal ao decidir como decidiu.
XL. Ou seja, compulsados os autos é fácil constatar que o requerente não juntou qualquer documento que faça prova de que os valores que estejam efetivamente em dívida.
XLI. Ou seja, o MM Juiz proferiu a sentença em crise e a insolvência foi declarada sem que as alegações do requerente estivessem suportadas nos necessários documentos probatórios; foi declarada apenas porque o Tribunal considerou confessados “os factos” alegados na inicial (ao abrigo do disposto no art.º 30º nº 5 do CIRE) e, por consequência, aplicou os efeitos ali previstos, sem mais.
XLII. Considerando que a lei exige que a decisão de decretação de insolvência seja devidamente fundamentada em factos que confirmem situação de insolvência da devedora, a não verificação de fundamentação determina desde logo uma nulidade, como resulta do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, o que desde já se invoca.
XLIII. Insurge-se também os Recorrentes com as premissas fundamentais dessa decisão, nomeadamente no tocante à consideração de que (supostamente) a devedora está impossibilitada de satisfazer a generalidade das suas obrigações.
XLIV. Ora, o simples facto de a devedora supostamente não ter cumprido as respetivas obrigações perante os alegados credores indicados na petição inicial, o que não se concede, não quer dizer que não tenha ou não tivesse capacidade para cumprir as respetivas obrigações.
XLV. Não pode aliás deixar de se ter presente, como bem salientam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação ao referido art.º 20º, que na interpretação sobre se os factos de cada caso permitem concluir pelo preenchimento daqueles “factos índice”, “o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos
XLVI. Compulsados os autos, verifica-se que o requerente não juntou qualquer documento que prove este indício da insolvência (art.º 20.º. n.º 1 alínea a) do CIRE), no qual suportou o pedido de declaração de insolvência, e em que o Juiz baseou a decisão ora em crise. Nem demonstrou a impossibilidade de cumprir a generalidade das respetivas obrigações.
XLVII. Conforme o ordenamento jurídico português, a verificação da insolvência e a sua decretação carecem de uma ponderação da situação patrimonial da empresa.
XLVIII. No caso concreto, não se verificam os parâmetros legais para a decretação da insolvência.
XLIX. Ora, a sentença em apreço é nula por violação da mesma disposição legal (art.º 615.º n.º 1 alínea b) e d) do CPC), porque os parâmetros legais necessários para definir uma situação de insolvência e suportarem a sua declaração foram completamente preteridos em função da mera confissão e de remissão e adesão genérica ao articulado pelo requerente da insolvência na sua petição inicial.
L. Assim, é forçosa a conclusão que a douta sentença é omissa quanto à especificação dos concretos fundamentos de facto e de direito que sustentam a decisão, de onde resulta a nulidade da sentença, nos termos do disposto na alínea b), do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 17º do CIRE, declaração de nulidade que se invoca para todos os efeitos legais.
LI. A douta sentença fez, ainda, uma errada interpretação da prova junta aos autos.
LII. A MA… S.A, ora Recorrente não preenche pois, os requisitos legais previstos nas alíneas a), b), c) e h) do art.º 20º nº 1 do CIRE..
LIII. Assim, é claro que, não estão preenchidos os pressupostos para fosse declarada sua insolvência
LIV. Pelo que mal andou a douta sentença ao julgar como julgou, a acção procedente, declarando a insolvência da MA… S.A
LV. Pelo que, deverá concluir-se pela não verificação dos pressupostos legais para declaração de insolvência do ora Recorrido, revogando-se a douta sentença recorrida.
7. A requerente da insolvência respondeu ao recurso requerendo a sua improcedência e a manutenção da decisão recorrida. Formulou as seguintes conclusões:
1. A Recorrida nem sequer tinha que provar que detinha um crédito vencido sobre a Insolvente. Apenas tinha que provar, como provou, que a Recorrente estava impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas.
2. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a Recorrida não estava obrigada a resolver o Acordo para que a dívida se vencesse.
3. Dispõe o artigo 781.º do Código Civil que, “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
4. Além do que, de acordo com o disposto no artigo 780.º, n.º 1 do mesmo diploma, “Estabelecido o prazo a favor do devedor, pode o credor, não obstante, exigir o cumprimento imediato da obrigação, se o devedor se tornar insolvente, ainda que a insolvência não tenha sido judicialmente declarada, ou se, por causa imputável ao devedor, diminuírem as garantias do crédito ou não forem prestadas as garantias prometidas”.
5. E note-se que nem a resolução do Acordo, nem sequer o vencimento da totalidade da dívida são condições necessárias à apresentação de pedido de insolvência da Recorrente, pela Recorrida.
6. Basta, conforme acima já se mencionou, que o devedor se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, não se exigindo que a dívida ao credor requerente esteja vencida.
7. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a Recorrida não estava obrigada a juntar quaisquer certidões ou “informação certificada”. Nem a Recorrente invocou norma legal que impusesse que a essa prova apenas pudesse ser realizada por meio de certidão.
8. É falso que a Recorrida não tenha feito qualquer prova dos factos, bastando-se com a sua alegação. A Recorrida, para cada facto-índice alegado, de entre os constantes do artigo 20.º do CIRE, juntou, pelo menos, um documento.
9. Mas mesmo que assim não tivesse feito (sem conceder), é diversa a jurisprudência que entende que é à requerida (insolvente) que cumpre provar a sua solvência. A este propósito, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25/10/2007, proferido no âmbito do proc. n.º 1593/07-2.
10. É o que claramente resulta do artigo 30.º, n.º 5, do CIRE (no mesmo sentido do artigo 567.º, n.º 1, do CPC), segundo o qual “Se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º e o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, e a insolvência é declarada no dia útil seguinte ao termo do prazo referido no n.º 1, se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.º”.
11. Alega a Recorrente que uma das exceções ao princípio consagrado no 567.º, n.º 1, do CPC, do CPC é “quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito”. Mas não fundamenta essa alegação. Por isso, ficamos sem saber de que norma é que a Recorrente extrai a conclusão de que a prova de cada um dos factos-índice constantes do artigo 20.º do CIRE apenas pode ser feita por documento.
12. Por outro lado, conforme acima já se adiantou, a Recorrida juntou aos autos pelo menos um documento por cada facto-índice do artigo 20.º do CIRE que alegou no requerimento inicial de insolvência. Mais precisamente, os documentos n.º 2, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37. Pelo que a alegação de que a Recorrida não provou documentalmente o alegado é absolutamente falsa.
13. Particularmente, do documento n.º 2 - que é uma certidão permanente -, decorre que a última prestação de contas da Recorrente ocorreu em 2019, e com referência ao período de 01/01/2017 a 31/12/2017 – a qual, depois, até foi cancelada, ficando como última prestação de contas a do período que medeia entre 01/01/2016 e 31/12/2016. Ou seja, a certidão permanente prova inequivocamente que a Recorrente está insolvente, por verificação do facto-índice previsto na al. h), do n.º 1, do artigo 20.º do CIRE.
14. A este propósito, veja-se o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 07/01/2012, por acórdão proferido no âmbito do proc. n.º 2476/10.9TJCBR-M.C1.
15. Assim, para que a Recorrente fosse declarada insolvente, bastava ao Tribunal a quo dar como provado apenas o facto-índice previsto na al. h), do n.º 1, do artigo 20.º do CIRE, com base no documento n.º 2, que é a Certidão Permanente da Recorrente.
16. Feita essa prova inequívoca por parte da Recorrida, o Tribunal a quo estava obrigado a declarar, como declarou, a insolvência da Recorrente, sem mais. Competia a esta ilidir a presunção de que não estava insolvente, o que não fez. Pelo que, as alegações de recurso da Recorrente são fait divers para entorpecer a justiça e protelar o mais possível o trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência.
17. Por todo o sobredito, andou bem o Tribunal recorrido, não existindo razões para esta Relação considerar como não provados, como pretende a Recorrente, os factos constantes dos pontos 7 a 14 e 15 do Relatório da sentença.
18. A Recorrida juntou, além do Acordo (documento n.º 4 do requerimento inicial), as sucessivas trocas de comunicações acerca do pagamento, que culminaram em interpelações da Recorrida para pagamento (documentos n.º 7, 8, 9, 10, 11 e 11-A do requerimento inicial). A última interpelação para pagamento dirigida pela Recorrida à Recorrente é datada de 26/02/2024, isto é, apenas dois meses antes de ter dado entrada do pedido de insolvência.
19. Provado algum facto-índice alegado pela requerente, a insolvência só não será declarada se a requerida ilidir a presunção dele decorrente, demonstrando que, apesar da sua verificação, não se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, isto é, provando a sua solvência.
20. Não tendo a Recorrente ilidido a presunção, andou bem o Tribunal a quo ao proferir a decisão de declarar a sua insolvência.
21. A Recorrente chega ao absurdo de alegar que “Não se concedendo, por isso, que a falta de aprovação e depósito das contas, não imputável à Recorrente, se considere facto suficiente para a declaração de insolvência da mesma” (sublinhado nosso).
22. A falta de aprovação e depósito das contas só pode ser imputável à Recorrente, sua única responsável. Se não fosse imputável à Recorrente (sem conceder), tinha a mesma que ter alegado e provado quem era o “responsável” por essa não aprovação e depósito!
23. A situação relatada no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10.01.2019, processo n.º 9.521/18.8T8LSB.L1, não se verifica nos presentes autos, na medida em nestes também se provaram - além do facto-índice previsto na al. h), do n.º 1, do artigo 20.°, do CIRE - que a Recorrente suspendeu generalizadamente o pagamento das obrigações vencidas (al. a), do n.º 1, do artigo 20.°, do CIRE) e faltou ao cumprimento obrigações que, pelo seu montante e pelas circunstâncias do incumprimento, revelam a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (al. b), do n.º 1, do artigo 20.°, do CIRE).
24. Por todo o sobredito, andou bem o Tribunal recorrido, não existindo razões para esta Relação considerar nula a sentença recorrida, pelo artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
25. É falso que, para prova da verificação dos factos-índice previstos nas als. a) e b), do n.º 1, do artigo 20.º, do CIRE, a Recorrida não tenha juntado documentos. A Recorrida juntou o documento n.º 31 (Relatório elaborado pela Informa D&B, em 25/03/2024, isto é, pouco mais de 1 mês antes de a Recorrida requerer a declaração de insolvência) e o documento n.º 32 (respeitante a ação executiva movida contra a Recorrente, em França).
26. A Recorrente dispunha do meio processual adequado a fazer prova de que alegadamente está solvente. Não tendo lançado mão desse meio (oposição), rege, como vimos acima, o disposto no artigo 30.º, do CIRE.
27. À Recorrida incumbia provar a verificação de algum facto-índice (o que fez, relativamente a vários dos factos índice elencados no artigo 20.º, n.º 1, do CIRE). À Recorrente é que incumbia provar que esses factos-índice não se verificavam, ou que não estava numa situação de insolvência. Mais: segundo o n.º 4, do artigo 30.º, do CIRE, cabe ao devedor provar a sua solvência, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, se for o caso, devidamente organizada e arrumada.
28. Compreende-se que seja muito difícil à Recorrente provar a sua solvência baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, desde logo porque estamos em 2024, e não presta contas desde 2017! Mas, ainda assim, essa era uma prova que lhe cabia, e que não a fez.
29. Somos forçados a concluir que a sentença recorrida apresenta uma fundamentação até demasiado extensa, para um caso, como o dos autos, em que não houve oposição da Recorrente e em que, por isso, os factos elencados no “Relatório” da sentença foram considerados confessados.
30. Mas, em qualquer caso, o Tribunal a quo não disse apenas que decidiu com base na confissão da Recorrente. Disse igualmente: “Por força do disposto no art.º 30.º, n.º 5, do CIRE, atenta a ausência de impugnação por parte da Requerida e tendo ainda em consideração a documentação junta com o requerimento inicial, considero confessados os factos alegados na petição inicial e que resultam do Relatório”.
31. Assim, o Tribunal a quo considerou os factos provados, por confissão e pelos documentos juntos pela Recorrida.
32. Tem sido unanimemente entendido pelos tribunais superiores que só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.
33. Não se exige que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo e que se ensaie uma forma exaustiva e meramente descritiva, referenciando e analisando todas as declarações, todos os depoimentos e todo o arsenal de documentos, abordando facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância.
34. Em conclusão, ainda que se admitisse uma deficiente fundamentação de facto ou de direito (sem conceder), ela não consubstanciaria uma nulidade.
8. O recurso foi admitido e, no cumprimento do art.º 617º, nº 1 do CPC, o tribunal recorrido consignou que “a sentença recorrida não padece da nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito e/ou por omissão de pronúncia que lhe é imputada pela recorrente.//Nessa medida, consideramos nada haver a suprir (art.º 617.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).”
II – Objeto do recurso
Nos termos dos arts. 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso, que incide sobre o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida, é balizado pelo objeto do processo e do conteúdo da decisão impugnada e definido pelo teor das conclusões, e destina-se a reapreciar e, se for o caso, a revogar ou a modificar decisões proferidas, e não a criar soluções sobre temas de facto e/ou questões jurídicas que não foram objeto da decisão recorrida e que, por isso, se apresentam como novas. Acresce que, cfr. art.º 5º, nº 3 do CPC, o tribunal é livre na apreciação de direito, e não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos nas alegações das partes.
Em conformidade com o objeto do processo, no essencial o objeto do presente recurso circunscreve-se à verificação dos pressupostos da situação de insolvência da recorrente que, por referência aos fundamentos da sentença recorrida e às conclusões dos recursos e pela ordem lógica das questões por estas suscitadas, passa pela apreciação das seguintes:
1. Nulidade da sentença por vícios de falta de fundamentação e de omissão de pronúncia (als. b) e d) do art.º 615º do CPC).
2. Impugnação da decisão de facto.
3. Suficiência dos factos alegados na petição para preenchimento dos pressupostos da situação de insolvência.
III – Da nulidade da sentença
Numa profusa confusão entre os fundamentos das nulidades que imputa à sentença e da impugnação que dirige à matéria de facto considerada e valoração jurídico-legal da mesma, e sem uma delimitação clara na arguição de cada um dos vícios, a recorrente arguiu a nulidade da sentença com fundamento legal nas als. b) e d) do nº 1 do art.º 615º do CPC.
Imputa à sentença o vício da omissão de especificação dos concretos fundamentos de facto e de direito que sustentam a decisão de declaração da insolvência, vício que - se bem se alcança o que alega -, fundamenta no facto de a sentença recorrida se suportar em confissão por ‘mero’ efeito da falta de impugnação “que, por si, carece em absoluto de qualquer ponderação factual”, e não especificar quais os factos que tem como provados, sendo para o efeito insuficiente a remissão para articulado inicial “desprovido de prova”; e na alegada “preterição dos parâmetros legais definidores de uma situação da insolvência, em função da mera confissão e de remissão e adesão genérica ao articulado pelo requerente da insolvência na sua petição inicial, não se tendo pronunciado sobre questões que devia ter apreciado, designadamente, o valor do ativo da Requerida.”
Importa relembrar que, conforme tem vindo a ser reiteradamente afirmado pela jurisprudência - perante “[a] enunciação nas alegações de recurso de nulidades de sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial “[1] -, as nulidades previstas pelo art.º 615º do CPC não contendem com o mérito da decisão, não consubstanciam nem se confundem com um qualquer erro de julgamento na apreciação da matéria de facto ou na atividade silogística de aplicação do direito[2]. Antes reportam a regras de estrutura, de conteúdo ou dos limites do conhecimento do tribunal, consubstanciando defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, vícios formais da sentença ou vícios relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido a apreciação. Devem ser arguidas no âmbito das alegações de recurso, através das quais são submetidas à liminar apreciação e decisão do juiz ‘a quo’ nos termos dos arts. 617º, nº 1 e 641º do CPC e, sendo ali desatendidas, submetidas à apreciação do tribunal ad quem que, se entender que o recorrente tem razão, ou supre o vício que afeta a sentença caso os elementos disponíveis nos autos o permitam, ou anula-a total ou parcialmente para permitir que outra seja proferida pela 1ª instância despojada desse vício.
O vício da falta de fundamentação de decisão, de facto ou de direito, previsto na al. b) do nº 1 do art.º 615º do CPC, estriba-se no princípio geral do dever de fundamentação previsto pelo art.º 154º, nº 1 do CPC, nos termos do qual “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.”Princípio que a lei concretiza e apura em sede de elaboração de sentença, prevendo o nº 2 e 3 do art.º 607º do CPC que o juiz deve fundamentar a sentença através da discriminação dos factos que considera provados e da indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, concluindo pela decisão final. É doutrina e jurisprudência unânime que o vício da falta de fundamentação geradora de nulidade distingue-se do vício da fundamentação deficiente, insuficiente ou errada, posto que, nas palavras de Alberto dos Reis, “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade”.[3][4]
Por princípio os únicos vícios da decisão de facto suscetíveis de gerar nulidade da sentença serão os da prolação de decisão de direito sem fundamentos de facto que suportem ou integrem os respetivos pressupostos legais – cfr. art.º 607º, nº 3 do CPC -, de omissão de pronúncia sobre questão de facto alegada pelas partes ou, no inverso, excesso de pronúncia se abranger factos não alegados pelas partes nem passíveis de serem considerados nos termos do art.º 5º, nº 2[5] do CPC (cfr. art.º 608º nº 2 do CPC) ou, no âmbito do processo de insolvência, nos termos do art.º 11º do CIRE. Acresce que, nas palavras do acórdão do STJ de 21.09.2021[6], “Quanto aos fundamentos de facto, não é a falta de exame crítico das provas que basta para preencher aquela nulidade, tornando-se antes necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão”.
O art.º 615º, nº 1, al. d) do CPC prevê que É nula a sentença quando (…) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. O vício de omissão ou de excesso de pronúncia corresponde a vício de limite, por não conter ou por conter mais do que devia conter por referência à instância e ao caso delineado na ação. Vício que encontra fundamento legal positivo no art.º 608º do CPC que, sob a epígrafe Questões a resolver - Ordem do julgamento, no seu nº 2 dita que O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. A referência legal a questões assume aqui um sentido amplo, no sentido de abranger as pretensões deduzidas ou os elementos integradores da causa de pedir da ação e da defesa, as concretas controvérsias centrais a dirimir, a resolução, conclusão ou solução do concreto pedido deduzido pelas partes por referência à causa de pedir que suporta a ação ou a defesa, no sentido de o objeto da sentença coincidir com o objeto do processo, tal qual como configurado pelas pretensões deduzidas pelas partes. Nesse sentido, entre outros, acórdão do STJ de 03.10.2017: A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. O vício da omissão de pronúncia só se verificará se o juiz não se pronunciar sobre questões invocadas pelas partes ou sobre questão de conhecimento obrigatório, o que não se confunde com a respetiva discussão jurídica, de determinação e interpretação da norma aplicável aos factos para apreciação da pretensão ou exceção deduzidas. Premissa que encontra suporte no facto de, nos termos do art.º 5º, nºs 1 e 3 do CPC, o juiz não estar sujeito/limitado às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas, pelo que, enveredando fundamentadamente por uma orientação, as restantes, ainda que alegadas, não têm de ser analisadas como questões jurídicas autónomas se tratassem, que o não são[7]. Conforme anotam A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa[8], o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e as pretensões deduzidas e, “[p]ara determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão (STJ 23-1-2019, 4568/13).”
Aferir se a insolvência da recorrente foi declarada sem suporte factual ou sem que tenha sido precedida da indicação dos factos que a suportem e do enquadramento jurídico dos mesmos, é questão que se averigua pela mera leitura da sentença recorrida, sendo que do seu teor resulta ostensiva a total falta de fundamento das omissões que a recorrente lhe imputa. Aferir se a sentença omitiu a apreciação de questão suscitada pelas partes ou de conhecimento oficioso obrigatório é questão que passa pelo confronto entre os fundamentos de facto e de direito invocados pelas partes e os expostos e apreciados na sentença, e que no caso permite igualmente concluir pelo infundado da imputada omissão de pronúncia.
i) Com efeito, em sede de fundamentação a sentença recorrida começa por considerar “confessados os factos alegados na petição inicial e que resultam do Relatório”, sendo que neste consta a descrição de parte do alegado na petição inicial para fundamentar o pedido de declaração da insolvência da requerida. Nestes termos, e contrariamente ao que a recorrente alega, a sentença recorrida não operou qualquer remissão para a petição inicial, mas sim para a descrição feita no relatório que, dessa forma, cumpre a seleção e especificação dos factos que o tribunal considerou relevantes para a apreciação de mérito do pedido. O que se conclui à margem da bondade jurídico-processual da seleção operada pelo tribunal recorrido, de que ora não se cura (no âmbito da apreciação da nulidade da sentença), posto que nessa parte contende com a bondade da valoração jurídica desses mesmos factos - seja por referência a normas materiais de direito probatório, seja por referência à fattispecie dos pressupostos legais da situação de insolvência – e, assim, com o julgamento de facto e de direito por ela operado, e não com as regras de estruturação e conteúdo da sentença. A remissão para o teor do relatório, para além de não interferir nem prejudicar a apreensão e compreensão dos concretos factos alegados e considerados assentes pelo tribunal, traduz-se em procedimento de simplificação formal da elaboração da sentença/acórdão que a lei processual admite por razões de economia e celeridade processuais, e que no caso sempre se teria justificada pela ausência de oposição ao pedido e pelo efeito legal da confissão dos factos prevista pelo art.º 30º, nº 5 do CIRE, à semelhança dos efeitos da revelia previstos no art.º 567º do CPC para o processo declarativo comum. Prevê o nº 3 desta norma a possibilidade de, em causas de manifesta simplicidade, a sentença limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado, dispensando assim o rigor formal imposto pelo art.º 607º, nº 2, 3 e 4, e que se tem subsidiariamente aplicável ao processo de insolvência ex vi art.º 17º, nº1 do CIRE. Com efeito, para além das menções que deve conter a sentença que declara a insolvência (nos termos especialmente previstos pelo art.º 36º do CIRE), no demais este diploma não regula os termos da sua elaboração, sendo que as regras previstas nos arts. 607º e 567º, nº 3 do CPC não contrariam disposições do CIRE nem os interesses e fins tutelados pelo processo de insolvência. Ao invés, esta possibilidade de fundamentação sumária do julgado tem-se implicitamente pressuposta pelo art.º 35º, nº 4 do CIRE nos termos do qual, deduzida oposição ao pedido de insolvência e designada audiência de julgamento, se a ela o devedor não comparecer nem se fizer representar com poderes para transigir consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial e, nesse caso, o juiz dita logo para a ata sentença de declaração da insolvência se os factos alegados na petição inicial forem subsumíveis no nº 1 do art.º 20º, o que sugere assim uma fundamentação sumária na apreciação do pedido, à laia do previsto no art.º 567º, nº 3, que conduzirá a uma decisão de procedência ou de improcedência em função da suficiência dos factos alegados na petição inicial no preenchimento de qualquer um dos factos índice de situação da insolvência legalmente previstos, sendo certo que é sempre por referência a estes, previstos nos arts. 3º e 20º do CIRE, que se impõe a apreciação de direito da causa e, nessa perspetiva, a ausência de litígio quanto à realidade dos factos (por falta de oposição) redundará numa causa com a simplicidade pressuposta pelo art.º 567º nº 3, a justificar uma apreciação sumária dos respetivos fundamentos.
ii) Ainda no âmbito da fundamentação, depois de considerar confessados os factos alegados na petição inicial e de nessa matéria remeter para o descrito no relatório, o tribunal prosseguiu com a fundamentação de direito, que expôs de forma clara e coerente, quer por referência ao sentido geral das normas de direito aplicáveis, quer na articulação destas com os factos que considerou confessados e demonstrados e especificou no relatório da sentença, começando por enunciar e tecer considerações/valorações jurídicas sobre os critérios da situação de insolvência legalmente adotados e os factos índices da insolvência previstos no art.º 20º, nº 1 do CIRE, aos quais reportou a valoração e enquadramento jurídico de parte dos factos que previamente assentou[9] com fundamento no art.º 30º, nº 5 e na documentação junta com o requerimento inicial; a saber, a confissão e acordo de pagamento de dívida celebrado entre as partes e documentado nos autos, data a partir da qual a recorrente cessou os pagamentos nele previstos, e o montante em falta pagar; a pendência de execuções contra a recorrente e valores nelas em cobrança; a inscrição da requerida na lista publica de execuções em virtude da inexistência de bens para pagamento de uma dívida no valor de €62.000,00; a canalização dos recursos da recorrente para outra empresas que têm a mesma sede e objeto social daquela, com específica referência à produção de hidrogénio verde por recurso a tecnologia pertença da recorrente; a ausência de bens conhecidos da recorrente, e a data em que esta realizou o ultimo registo de prestação de contas e período a que estas reportam.
iii) Finalmente, com suporte nos factos que referenciou e valoração jurídica que dos mesmos fez, a sentença recorrida concluiu pelo preenchimento dos pressupostos previstos pelas als. a), b), c) e h) do nº 1 do art.º 20º do CIRE e, em consequência lógica, pela verificação da situação da insolvência da recorrente, questão objeto do processo que ao tribunal se impunha dar resposta sem que tenha omitido outras porque não foram suscitadas; designadamente, uma qualquer questão atinente com os elementos e valor do ativo da recorrente que, para além de não ter sido alegada em oposição ao pedido posto que esta não foi deduzida, só relevaria enquanto concretizador do critério e facto índice de situação da insolvência previsto pelo art.º 3º, nº 3 do CIRE – ou seja, se manifestamente inferior ao passivo do devedor – na precisa medida em que, como tem vindo a ser afirmado à saciedade, a superioridade do ativo sobre o passivo (que se presume seja a perspetiva da recorrente) não constitui critério nem fundamento para demonstração da situação de solvabilidade, no sentido de por si só contrariar a presunção da situação de insolvência que decorre da verificação dos pressupostos de qualquer um dos índices de insolvência legalmente previstos.
Com o que se conclui que a sentença cumpriu com o dever de fundamentar de facto e de direito a decisão que proferiu, de declaração da insolvência da recorrente, sendo que a não formalizou por efeito de osmose e muito menos por remissão para as alegações de direito da petição inicial, e sem que tenha omitido a apreciação de uma qualquer questão de facto ou de direito suscetível de impedir ou contrariar a conclusão sobre o estado de insolvência da recorrente já que nenhuma foi alegada/invocada.
De resto, dos fundamentos do recurso decorre que a omissão de fundamentação que a recorrente imputa à sentença recorrida assenta essencialmente numa valoração jurídica do alcance e efeitos da confissão que a lei comina para a falta de oposição, distinta da subjacente à decisão de facto que integra a sentença recorrida, como é bem revelado pela motivação da impugnação que a recorrente dirige à matéria de facto e à valoração jurídica que dos mesmos foi operada pela sentença recorrida sob a égide da definição e pressupostos da situação de insolvência previstos pelos arts. 3º e 20º do CIRE (impugnação que, de resto, só por si comprova a falta de fundamento do vício da falta de fundamentação de facto e de direito que a recorrente imputou à sentença recorrida).
Com o que se conclui pela improcedência das nulidades da sentença arguidas no recurso.
IV – Fundamentação de Facto
A. A decisão de facto que integra a sentença recorrida foi proferida nos seguintes termos: Por força do disposto no art.º 30.º, n.º 5, do CIRE, atenta a ausência de impugnação por parte da Requerida e tendo ainda em consideração a documentação junta com o requerimento inicial, considero confessados os factos alegados na petição inicial e que resultam do Relatório.
Do relatório, para identificação dos fundamentos alegados na petição inicial, consta a seguinte descrição (que se transcreve com adição de sequência numérica para mais facilmente se referenciar no âmbito da apreciação):
1 - A Requerente é uma sociedade comercial anónima que tem como objeto a engenharia e construção, aluguer de equipamentos industriais para a construção, bem como a sua gestão.
2 - A Requerida, por sua vez, é uma sociedade comercial anónima com capital social de € 100.000,00, que tem como objeto a pesquisa, desenvolvimento, indústria, fabrico e montagem de equipamentos para captação de energias renováveis e alternativas.
3 - Em 06/11/2021, a Requerente requereu a declaração de insolvência da Requerida, em processo que correu termos sob n.º …/21.4T8SNT, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo do Comércio de Sintra – Juiz 1.
4 - No decurso do referido processo, mais precisamente em 08/06/2022, a Requerente, a Requerida e a sociedade “MA... –, S.A.”, pessoa coletiva n.º …., com sede na Avenida …, … Pêro Pinheiro, celebraram um “Acordo e Confissão de Dívida com Termo de Autenticação”, a que conferiam força executiva, mediante o qual a Requerida e a MA... reconheceram ser solidariamente devedoras da Requerente, da quantia global de € 1.229.580,14 (um milhão duzentos e vinte e nove mil quinhentos e oitenta euros e catorze cêntimos)
5 - Por essa razão, em 15/06/2022, a Requerente requereu a desistência da instância no âmbito do processo de insolvência supramencionado, a qual foi objeto de sentença proferida em 22/06/2022.
6 - Acordaram as partes, na cláusula 2.ª do Acordo supramencionado, que a quantia de € 1.229.580,14 seria paga pela Requerida e pela MA..., à Requerente, da seguinte forma; i) Pagamento de € 500.000,00 (quinhentos mil euros) em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas de 41.666,67 cada, vencendo-se a primeira em 30/01/2023 e as seguintes no mesmo dia dos meses subsequentes, vencendo-se a última prestação em 31/12/2023. ii) Pagamento de € 729.580,14 (setecentos e vinte e nove mil, quinhentos e oitenta euros e catorze cêntimos) da seguinte forma: a. Up front inicial de 10%, ou seja, € 72.958,01 (setenta e dois mil, novecentos e cinquenta e oito euros e um cêntimo), a vencer-se com a assinatura do presente acordo; b. 4 prestações mensais, iguais e sucessivas, de € 10.000,00 (dez mil euros) cada uma, vencendo-se as duas primeiras, simultaneamente, em 31.07.2022 e as seguintes nos dias 31/08/2022 e 30/09/2022; c. 15 prestações mensais, iguais e sucessivas de € 41.108,14 (quarenta e um mil, cento e oito euros e catorze cêntimos), cada uma, vencendo-se a primeira em 30/10/2022 e as seguintes no mesmo dia dos meses subsequentes, vencendo-se a última prestação em 30/12/2023.
7 - Desde maio de 2023 que a Requerida deixou de cumprir pontual e regularmente as obrigações assumidas perante a Requerente com a celebração do acordo datado de 08/06/2022, alegando “constrangimentos financeiros” e desde 07/07/2023, que a Requerida deixou de pagar qualquer quantia à Requerente, não obstante ter sido instada para o efeito.
8 - Na presente data, a Requerida é devedora da Requerente no valor de € 1.022.622,13 (€ 1.229.580,14 - € 202.958,01), a título de capital, a que acresce a quantia de € 186.635,54, a título de juros de mora vencidos, contados nos termos da cláusula 8.ª do Acordo celebrado entre as partes.
9 - A Requerente poderá também vir a ser credora da Requerida pelos valores de € 467.990,85 e de € 4.326.980,05, dependendo do resultado das duas ações judiciais instauradas contra a Requerente, respetivamente, por IN... e por HY…, LDA., reportada a responsabilidades que esta entendem ser imputáveis à Requerida.
10 - A Requerida encontra-se incapaz de cumprir pontualmente as suas obrigações pecuniárias,incapacidade é também corroborada pelo facto de, segundo o relatório elaborado pela Informa D&B, em 25/03/2024, que agrega toda a informação de risco, comercial e financeira disponível sobre a empresa, a Requerida apresentar um risco de failure (rating D&B) de nível 4 (Elevado) e um failure score de 2 em 100, o que se traduz num risco de insolvência maior do que para 99% das empresas portuguesas.
11 - Encontram-se pendentes outras ações judiciais contra a Requerida, três das quais ações executivas e uma outra uma injunção, e o total de créditos peticionados perfaz € 309.339,67.
12 - Porém, a Requerida incumpriu o acordo e, do montante de € 1.229.580,14, apenas foi ressarcida de € 202.958,01.
13 - Por outro lado, a Requerente tem conhecimento de que também em França está em curso, pelo menos, uma ação executiva para cobrança do montante de € 744.712,09 (valor devido pela Requerida à HE… SAS, em virtude de sentença arbitral proferida em Paris, em 04.09.2019).
14 - A Requerida, juntamente com a MA..., tem canalizado todos os seus recursos para novas empresas e projetos, de entre os quais a produção de Hidrogénio Verde (produzido por energia solar Ma...n, a qual é pertença da Requerida), assim esvaziando totalmente o seu património.
15 - As empresas através das quais a Requerida vem colocando em prática esses projetos – a F… PORTUGAL, S.A. (NIPC …) e a NE…, S.A. (NIPC …) – partilham a mesma sede com a Requerida, partilham a mesma tecnologia (Ma...n) com a Requerida e com a MA... e têm objetos idênticos ao desta e da Requerida.
16 - A Requerida passou a constar na Lista Pública de Execuções em 15/02/2021, em virtude da inexistência de bens para pagamento de dívida, no valor de € 62.000,00.
17 - Não se conhecem bens propriedade da Requerida.
18 - A Requerida não é titular de bens suficientes para o pagamento do crédito da Requerente e dos seus demais credores.
19 - A última prestação de contas pela Requerida ocorreu em 2019, e com referência ao período de 01/01/2017 a 31/12/2017.
B. Da impugnação à matéria de facto
1. A recorrente requer a alteração da decisão de facto para que se considerem como não provados os seguintes:
Pontos 7 e 8 (Desde maio de 2023 que a Requerida deixou de cumprir pontual e regularmente as obrigações assumidas perante a Requerente com a celebração do acordo datado de 08/06/2022, alegando “constrangimentos financeiros” e desde 07/07/2023, que a Requerida deixou de pagar qualquer quantia à Requerente, não obstante ter sido instada para o efeito.//Na presente data, a Requerida é devedora da Requerente no valor de € 1.022.622,13 (€ 1.229.580,14 - € 202.958,01), a título de capital, a que acresce a quantia de € 186.635,54, a título de juros de mora vencidos, contados nos termos da cláusula 8.ª do Acordo celebrado entre as partes.). Opõe que não foi junta prova documental que permita dar aqueles factos como provados e que o art.º 11º do CIRE impunha ao tribunal ordenar a junção de documentos contabilísticos dos quais resultasse comprovada a alegada dívida da requerida à requerente, e que a requerente não alegou a resolução do acordo para imediato vencimento de toda a dívida ali confessada.
Ponto 9 (A Requerente poderá também vir a ser credora da Requerida pelos valores de € 467.990,85 e de € 4.326.980,05, dependendo do resultado das duas ações judiciais instauradas contra a Requerente, respetivamente, por IN... e por HY…, LDA., reportada a responsabilidades que esta entendem ser imputáveis à Requerida.”). Opõe que a pendência das ações não foi comprovada por certidão, apenas foram juntas cópias sem informação certificada, e que aqueles créditos são condicionais.
Pontos 10 e 11 (A Requerida encontra-se incapaz de cumprir pontualmente as suas obrigações pecuniárias, incapacidade é também corroborada pelo facto de, segundo o relatório elaborado pela Informa D&B, em 25/03/2024, que agrega toda a informação de risco, comercial e financeira disponível sobre a empresa, a Requerida apresentar um risco de failure (rating D&B) de nível 4 (Elevado) e um failure score de 2 em 100, o que se traduz num risco de insolvência maior do que para 99% das empresas portuguesas.//Encontram-se pendentes outras ações judiciais contra a Requerida, três das quais ações executivas e uma outra uma injunção, e o total de créditos peticionados perfaz € 309.339,67.). Opõe que se baseiam unicamente em relatório elaborado por empresa e disponível on line e que o mesmo se funda em factos que não refletem a sua situação atual.
Ponto 13 (Por outro lado, a Requerente tem conhecimento de que também em França está em curso, pelo menos, uma ação executiva para cobrança do montante de € 744.712,09 (valor devido pela Requerida à HE… SAS, em virtude de sentença arbitral proferida em Paris, em 04.09.2019). Opõe que o documento foi junto sem tradução, não faz prova da pendência de ação executiva, e esta na realidade não existe.
Pontos 14 e 15 (A Requerida, juntamente com a MA..., tem canalizado todos os seus recursos para novas empresas e projetos, de entre os quais a produção de Hidrogénio Verde (produzido por energia solar Ma...n, a qual é pertença da Requerida), assim esvaziando totalmente o seu património.//As empresas através das quais a Requerida vem colocando em prática esses projetos – a F… PORTUGAL, S.A. (NIPC ….) e a NE…, S.A. (NIPC ….) – partilham a mesma sede com a Requerida, partilham a mesma tecnologia (Ma...n) com a Requerida e com a MA... e têm objetos idênticos ao desta e da Requerida.). Opõe que a requerente não faz prova documental ou outra destes factos e que, dada a sua natureza e gravidade, não basta a alegação da requerente e a ausência de impugnação para que sejam considerados como assentes.
Pontos 17 e 18 (Não se conhecem bens propriedade da Requerida.//A Requerida não é titular de bens suficientes para o pagamento do crédito da Requerente e dos seus demais credores.). Opõe que não se encontram juntos aos autos quaisquer documentos comprovativos do alegado passivo e a prova desse facto não se basta com o reconhecimento/confissão do mesmo.
2. Do exposto ressalta que a impugnação tem como fundamento, não a imputação de erro de julgamento na livre apreciação/valoração da prova produzida mas, no pressuposto de que os factos considerados confessados só podem ser provados por documento, com fundamento em violação de regra de direito material probatório por ausência de prova documental que suporte o que naqueles pontos o tribunal considerou confessado “por força do preceituado no art.º 30º nº 5 do CIRE”, entendendo a recorrente que “não basta a alegação e a ficção de reconhecimento por falta de impugnação para considerar provados fatos para cuja prova se exija documento escrito, como é o caso.”, desde logo, a requerente “não juntou qualquer documento que faça prova dos valores que estejam efetivamente em dívida” e dos valores do ativo e do passivo da recorrente.
Sob a epígrafe Oposição do devedor prevê o art.º 30º, nºs 1 e 5 que O devedor pode, no prazo de 10 dias, deduzir oposição, à qual é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 25.º e Se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º e o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, e a insolvência é declarada no dia útil seguinte ao termo do prazo referido no n.º 1, se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.º
É consensual que o alcance ou resultado da cominação prevista no nº 5 - consideram-se confessados – coincide com a regra do cominatório semi-pleno, ou seja, circunscrito apenas à confissão dos factos, e já não do pedido[10], solução que encontra arrimo no regime regra previsto pelo art.º 567º, nº 1 do CPC e, esta, na salvaguarda do princípio da reserva jurisdicional na realização do direito e da justiça através da composição dos conflitos de interesses de harmonia com o direito vigente, que não se compatibiliza com decisões judiciais cujo sentido seja exclusiva e positivamente determinado por efeito de osmose com a pretensão plasmada no dispositivo do petitório de um dos sujeitos do litigio. Assim, a ausência de oposição ao pedido não tem como efeito a procedência automática do mesmo, mas apenas dos factos alegados em seu fundamento, que se quedam assentes por confissão e, por essa via, estabilizada a matéria de facto objeto do enquadramento jurídico a operar para sindicância da viabilidade e bondade jurídico-legal da ação através da aplicação do direito conforme aos factos, cujo desfecho é o que resultar da lei aplicável, o que, logicamente, inclui a improcedência do pedido se os factos alegados - e confessados por ficção/presunção legal nesse sentido[11] - não preencherem os pressupostos ou fattispecie dos elementos normativos das disposições legais convocadas para regulação do litígio no sentido requerido pelo autor.
O acionamento e aplicação do referido efeito cominatório – de consideração dos factos assentes por confissão - pressupõe precisamente a possibilidade de o demandado contraditar o pedido, pelo que as consequências que a lei prevê para a ausência de oposição (ou pelos termos em que a mesma é deduzida) apenas à inércia ou à ineficiente atuação daquele pode imputar-se. Com efeito, contrariamente ao que vem pressuposto pela recorrente, a lei não exija ou pressupõe que a inércia das partes seja substituída pela previdência do juiz “[c]omo se de um seu sucedâneo se tratasse.”[12] As especificidades processuais que para o processo de insolvência decorrem do princípio do inquisitório alargado previsto pelo art.º 11º do CIRE[13][14]coexistem com os efeitos preclusivos dos princípios do dispositivo, que incluem os princípios do pedido e da defesa e o ónus de os deduzir, e o ónus de alegação e de prova dos fundamentos em que cada uma das partes suporta a tutela legal que requer[15]. Ónus que os interessados têm a faculdade de exercer ou não exercer, sujeitando-se às consequências do seu não exercício, e que se têm em pleno funcionamento na fase dos articulados da fase inicial do processo de insolvência, ainda que sem prejuízo da consideração oficiosa de tudo o que nos termos dos arts. 5º, 411º e 412º do CPC seja relevante para a apreciação, incluindo factos que resultem de diligências instrutórias que tenham sido oficiosamente ordenadas ao abrigo do inquisitório previsto pelo art.º 11º do CIRE.
Porém, e contrariamente ao que igualmente vem pressuposto pela recorrente, o poder-dever que para o tribunal decorre do inquisitório previsto pelo art.º 11º do CIRE não se sobrepõe ao efeito que a lei atribui à ausência de oposição ao pedido de insolvência. Com efeito, o art.º 11º não inclui o poder nem o dever de o tribunal se substituir ao demandado no cumprimento do ónus de impugnar os factos alegados pelo autor e de proceder à sindicância ou o apuramento da correspondência da factualidade alegada com a realidade para, dessa forma, obstar e desconsiderar o efeito legal da falta de oposição previsto pelo art.º 30º, nº 5 do CIRE. Para além de não constituir um meio de prova, a confissão dos factos dispensa a produção de prova; é um efeito legal que ao tribunal se impõe e não está na sua disponibilidade desconsiderar, sob pena de produzir atividade processual/instrutória ilegal se incidir sobre factos que podem ser demonstrados por qualquer meio de prova. Como referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[16], “A expressão «consideram-se» (…) revela de modo inequívoco o acento injuntivo, determinativo, ordinatório do pensamento da lei. Este caráter injuntivo (…) não procede evidentemente da declaração de vontade do próprio confitente, que está subjacente à declaração de ciência encarnada na confissão, mas do fim autónomo de disciplina do processo a que essas disposições se encontram adistritas.” No mesmo sentido, Alberto dos Reis[17]: “(…) têm-se por confessados os factos articulados pelo autor. Entende-se que o réu confessou esses factos ou os reconheceu como verdadeiros (…) e como a confissão constitui prova plena contra o confitente (…), é claro que não carece o autor de produzir qualquer prova.//Por outras palavras, a questão de facto está inteiramente arrumada. Só há que cuidar agora da questão de direito.”Ponto assente é prevenir e obstar ao risco de reconhecimento de pretensões desconformes ao direito através do exercício efetivo de uma atividade jurisdicional mínima consubstanciada no poder-dever de consideração e apreciação de todos os factos disponíveis nos autos que, obviamente, incluem os aportados pela oposição se esta for deduzida.
Assim, o art.º 30º, nº 5 do CIRE conduz a resultado equivalente ao produzido pelo não cumprimento do ónus de impugnação nos termos expressamente previstos pelo art.º 567º, nº 1, bem como pelo art.º 574º, nº 2 do CPC, no sentido de à ausência de oposição ao pedido ou de impugnação dos factos que constituem a causa de pedir a lei fazer corresponder confissão dos factos ou a sua admissão por acordo que, como tal, impõe sejam dados por assentes na sentença nos termos do art.º 607º, nº 4 do CPC enquanto efeito processual legal corolário dos princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, produzido pelo não cumprimento do ónus de impugnação, independentemente de qualquer prova, convicção ou demonstração da realidade do facto, que é prescindida pelo efeito legal da confissão (ou da admissão dos factos) por ausência de oposição (ou impugnação). “Como se vê, o ónus de impugnação tem associada a seguinte cominação: a falta de impugnação implica a admissão desses factos por acordo (confissão tácita ou ficta), o que conduzirá a que, em regra, os mesmos sejam tidos como assentes e provados nos autos.”[18]
Por referência aos fundamentos do recurso, o efeito legal da confissão só se exclui ou não é aplicado nas situações previstas pelo art.º 568º do CC. Ao que ora releva, c) Quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela ação se pretende obter (nos casos em que as ações têm por objeto interesses relativamente aos quais não está na disponibilidade da vontade das partes desistir, transigir ou fixar), e d) Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito (está em causa o respeito pelas regras imperativas do direito probatório material no âmbito da prova legal vinculativa, que se contrapõe ao sistema da livre apreciação da prova), com sucede ocorrer quando, por exemplo, o tribunal recorrido nega valor probatório a meios de prova com força probatória plena, ou, ao invés, atribui à confissão, à ausência de cumprimento do ónus de impugnação, ou à prova pessoal, resultado ou valor probatório positivo que a lei não reconhece relativamente a facto para cuja prova impõe a apresentação de prova documental idónea, nos termos do art.º 364º, nº 1 do CC e 574º, nº 2 do CPC. É o caso dos negócios jurídicos que a lei sujeita à forma escrita como requisito essencial para a sua validade e que, ao mesmo tempo, vale como (única) prova do teor das declarações negociais emitidas; bem como dos procedimentos formais legais, judiciais ou outros, para reconhecimento e exercício ius imperi de direitos, cuja existência, elementos e vicissitudes se exigem certificados pela autoridade publica competente (ou outra que lhe seja legalmente e funcionalmente equiparada) para que possam ser considerados assentes, em conformidade com os arts. 363º nº 2 e 371º do CC e art.º 170º do CPC.
Pacífico também é que a confissão (assim como a admissão por acordo e os meios de prova) incide sobre factos e não sobre matéria de direito; o direito não pode ser objeto de prova, cabendo ao juiz proceder à sua determinação, interpretação e aplicação (cfr. art.º 5º, nº 3 do CPC). Nas palavras de Anselmo de Castro, “No processo não se provam direitos mas apenas factos, pois a existência do direito é simples consequência dos elementos fácticos típicos da norma fundamentadora do direito; (…).”[19]. E nas palavras de Alberto dos Reis «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.” Ainda que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos dos direitos que integram a causa de pedir (do pedido ou da exceção) se qualifiquem como factos jurídicos - na medida em que só relevam enquanto concretizam elementos das normas aplicáveis ao caso -, nem por isso se confundem com os efeitos jurídicos que deles se impõe extrair e que ao tribunal cumpre declarar em função do resultado da aplicação do direito aos factos. Assim, não é passível de admissão por confissão os elementos normativos das normas que preveem a definição e os pressupostos da situação da insolvência, nos termos dos arts. 3º e 20º do CIRE, cuja verificação cumpre aferir judicialmente por referência à matéria de facto relevante disponível nos autos.
Na definição das consequências a extrair dos vícios da decisão de facto, sob a epigrafe Modificabilidade da decisão de facto, prevê o art.º 662º, n.º 1 do CPC que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Conforme anota Abrantes Geraldes[20], a modificação oficiosa da decisão de facto pela Relação impõe-se também para eliminar vícios ou erros de direito na sua elaboração, patologias que não correspondem a erros de apreciação ou de julgamento de facto, que não têm diretamente a ver com a formação de uma convicção própria pela Relação assente no material probatório obtido, mas que devem ser oficiosamente sindicadas e, caso não determinem a anulação total ou parcial do julgamento, ser solucionadas de imediato pela Relação[21].
Integram-se nesta categoria o desrespeito pelas regras imperativas do direito probatório material no âmbito da prova legal vinculativa, a assunção e integração, como matéria de facto, de “pura matéria de direito e que nem sequer em termos aproximados se possa qualificar como decisão de facto”[22], e a omissão objetiva de factos relevantes por indispensáveis à boa decisão da causa, que impõem a ampliação da matéria de facto para que nela sejam incluídos e considerados em sede de enquadramento jurídico. Da conjugação dos nºs 1 e 2, al. c)[23] do art.º 662º resulta igualmente que as deficiências da decisão de facto não são causa inevitável da sua anulação, e não o serão sempre que a Relação possa proceder ao seu suprimento por recurso aos elementos disponíveis nos autos. No dizer de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Não oferecendo a sentença base de facto idónea à Relação para a decisão de direito, este tribunal deverá reapreciar os pontos de facto da matéria de facto a tanto necessários.”
3. Revertendo o exposto ao caso, e dando por adquirido que na fase declarativa do processo de insolvência discutem-se interesses que estão na disponibilidade das partes[24], estamos agora em condições de concluir:
a) Pela improcedência dos fundamentos da impugnação dirigida aos pontos 7 e 8, e 14 e 15 por tratarem-se de factos particulares – realização de pagamentos no âmbito do acordo de pagamento celebrado entre as partes, e termos em que a recorrente vem exercendo a sua atividade (em benefício ou através de outras sociedades) – para prova dos quais a lei não exige prova documental e que se têm por confessados por falta de oposição por não enquadrarem em qualquer uma das exceções previstas pelo art.º 568º do Código Civil.
A factualidade que no essencial consta descrita nos pontos 7 e 8 é que a partir de maio de 2023 a recorrente deixou de proceder aos pagamentos nos termos em que se comprometeu a cumprir com a recorrida, a partir de 07 de julho de 2023 não realizou qualquer outro pagamento, e os valores até aí pagos pela recorrente totalizam o montante de €202.958,01. Não obstante, procede-se à eliminação do ponto 8 na medida em que contém juízo conclusivo de direto nela contido - Na presente data, a Requerida é devedora da Requerente –, que se impõe extrair apenas em sede de enquadramento jurídico dos factos (estes e os descritos sob os pontos 4 e 6), e porque, no demais, o facto que descreve consta do ponto 11, de cujo teor resulta que do valor de €1.229.580,14 a recorrente só pagou à recorrida o montante de €202.958,01.
b) Pela procedência da impugnação dirigida ao ponto 9 na medida em que, para além de conter igual juízo conclusivo de direito (A Requerente poderá também vir a ser credora da Requerida…), reporta a ações judiciais alegadamente instauradas por terceiros contra a recorrida – cuja eventual procedência, como foi alegado, importará na constituição de novos créditos sobre a recorrente -, mas que não certificou nos autos. Acresce que, apesar de os ter incluído na decisão de facto, o tribunal a quo não os considerou no âmbito do enquadramento a que procedeu para fundamentar de direito a decisão de declaração da insolvência da recorrente, sendo certo que este facto - e os demais que a recorrida alegou para justificar a eventual, por futura e incerta, constituição de novos créditos sobre a recorrente - são irrelevantes para a apreciação do mérito do pedido na medida em que, como créditos não constituídos, não poderiam fundamentar ou contribuir senão para a demonstração de uma situação de insolvência iminente, mas já não de uma insolvência atual, sendo certo que só neste caso é reconhecida legitimidade aos credores para o pedido de insolvência do devedor (cfr. art.º 3º, nº 1 e 4 do CIRE) e que, no caso, não vem posta em causa a qualidade de credor e, assim, a legitimidade da recorrida para o pedido de insolvência da recorrente.
c) Pela procedência da impugnação dirigida aos pontos 10, 11 e 13, e dos respetivos fundamentos.
No ponto 10 consta descrita como matéria de facto juízo jurídico-normativo - A Requerida encontra-se incapaz de cumprir pontualmente as suas obrigações pecuniárias - que, além do mais, coincide com a resolução de questão de direito que o tribunal foi chamado a apreciar no âmbito do pedido de declaração da insolvência, ao qual o julgador não pode pretender dar resposta em sede de matéria de facto mas ‘apenas’ assentar os factos que, na valoração jurídica que deles faz, sejam aptos a enquadrar aquela previsão legal. Como se disse o julgamento e a decisão de facto não são o momento processualmente próprio para a resolução de questões de direito, máxime das que integram o objeto da ação e se impõe resolver em sede de apreciação do mérito do pedido por recurso às normas legais aplicáveis.
No demais o teor do ponto 10 descreve o resultado de avaliação elaborada por terceiro sobre o risco de incumprimento da recorrente que, tal como o segmento anterior, não pode ser valorado como meio de prova, desde logo porque pretende dar resposta à questão normativa que define a situação de insolvência – incapacidade de cumprimento pontual das obrigações pecuniárias. Acresce que aquele relatório não permite sindicar a realidade das premissas de facto consideradas, e que permitissem sindicar a bondade a conclusão que alcança e dos juízos conclusivos em que a manifesta que, como se referiu, compete ao tribunal formular, justificando de facto e de direito esse (ou outro) resultado sob a égide da definição e pressupostos da situação de insolvência legalmente previstos.
Nos pontos 11 e 13 afirma-se a pendência de ações executivas, o que, como já se referiu, só pode ser demonstrada por certidão que assim o ateste.
Termos em que se impõe a eliminação dos pontos 10, 11 e 13 dos factos provados.
d) Pela improcedência da impugnação dirigida ao ponto 17 (Não se conhecem bens propriedade da Requerida) por corresponder a facto do foro interno (conhecimento) alegado na petição inicial e que até à prolação da sentença recorrida não foi contrariado por outra alegação ou informação trazida aos autos.
e) Pela procedência da impugnação ao ponto 18, cuja eliminação se impõe.
Para além da natureza conclusiva do que afirma[25] – posto que impunha conhecer os bens que integram o património da recorrente -, é logicamente inconciliável com o facto que antecede pois, afirmando-se que não se conhecem bens à requerida, não pode ao mesmo tempo afirmar-se que esta não é titular de bens suficientes ao pagamento das suas dívidas na medida em que equivale a afirmar que é titular de bens (embora não suficientes para satisfazer as suas dívidas).
4. Com relevo para a decisão mais resultam assentes (por confissão) os factos alegados sob os artigos 19º e 20º da petição inicial e que nos termos do art.º 662º, nº 1 se passam a aditar à decisão de facto:
i) Em 22/01/2024, a Requerente interpelou a Requerida para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento da quantia resultante do acordo no valor de € 1.026.622,13, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, que, naquela data, se cifravam em € 168.703,55.
ii) Em 26/02/2024, a Requerente interpelou novamente a Requerida para, no prazo de 5 dias, proceder ao pagamento da quantia resultante do acordo, no valor de € 1.026.622,13, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, que, naquela data, se cifravam em € 180.966,76.
iii) Não tendo a Requerida procedido ao pagamento de qualquer outra quantia resultante do acordo.
5. Para melhor apreensão dos factos a considerar, reescreve-se a decisão de facto em conformidade com o resultado da sua apreciação:
1 - A Requerente é uma sociedade comercial anónima que tem como objeto a engenharia e construção, aluguer de equipamentos industriais para a construção, bem como a sua gestão.
2 - A Requerida, por sua vez, é uma sociedade comercial anónima com capital social de € 100.000,00, que tem como objeto a pesquisa, desenvolvimento, indústria, fabrico e montagem de equipamentos para captação de energias renováveis e alternativas.
3 - Em 06/11/2021, a Requerente requereu a declaração de insolvência da Requerida, em processo que correu termos sob n.º …./21.4T8SNT, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo do Comércio de Sintra – Juiz 1.
4 - No decurso do referido processo, mais precisamente em 08/06/2022, a Requerente, a Requerida e a sociedade “MA..., S.A.”, pessoa coletiva n.º …., com sede na Avenida … Pinheiro, celebraram um “Acordo e Confissão de Dívida com Termo de Autenticação”, a que conferiam força executiva, mediante o qual a Requerida e a MA... reconheceram ser solidariamente devedoras da Requerente, da quantia global de € 1.229.580,14 (um milhão duzentos e vinte e nove mil quinhentos e oitenta euros e catorze cêntimos).
5 - Por essa razão, em 15/06/2022, a Requerente requereu a desistência da instância no âmbito do processo de insolvência supramencionado, a qual foi objeto de sentença proferida em 22/06/2022.
6 - Acordaram as partes, na cláusula 2.ª do Acordo supramencionado, que a quantia de € 1.229.580,14 seria paga pela Requerida e pela MA..., à Requerente, da seguinte forma; i) Pagamento de € 500.000,00 (quinhentos mil euros) em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas de 41.666,67 cada, vencendo-se a primeira em 30/01/2023 e as seguintes no mesmo dia dos meses subsequentes, vencendo-se a última prestação em 31/12/2023. ii) Pagamento de € 729.580,14 (setecentos e vinte e nove mil, quinhentos e oitenta euros e catorze cêntimos) da seguinte forma: a. Up front inicial de 10%, ou seja, € 72.958,01 (setenta e dois mil, novecentos e cinquenta e oito euros e um cêntimo), a vencer-se com a assinatura do presente acordo; b. 4 prestações mensais, iguais e sucessivas, de € 10.000,00 (dez mil euros) cada uma, vencendo-se as duas primeiras, simultaneamente, em 31.07.2022 e as seguintes nos dias 31/08/2022 e 30/09/2022; c. 15 prestações mensais, iguais e sucessivas de € 41.108,14 (quarenta e um mil, cento e oito euros e catorze cêntimos), cada uma, vencendo-se a primeira em 30/10/2022 e as seguintes no mesmo dia dos meses subsequentes, vencendo-se a última prestação em 30/12/2023.
7 - Desde maio de 2023 que a Requerida deixou de cumprir pontual e regularmente as obrigações assumidas perante a Requerente com a celebração do acordo datado de 08/06/2022, alegando “constrangimentos financeiros” e desde 07/07/2023, que a Requerida deixou de pagar qualquer quantia à Requerente, não obstante ter sido instada para o efeito.
7a. - Em 22/01/2024, a Requerente interpelou a Requerida para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento da quantia resultante do acordo no valor de € 1.026.622,13, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, que, naquela data, se cifravam em € 168.703,55.
7b. - Em 26/02/2024, a Requerente interpelou novamente a Requerida para, no prazo de 5 dias, proceder ao pagamento da quantia resultante do acordo, no valor de € 1.026.622,13, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, que, naquela data, se cifravam em € 180.966,76.
8 – (eliminado)
9 – (eliminado)
10 – (eliminado)
11 – (eliminado)
12 - Porém, a Requerida incumpriu o acordo e, do montante de € 1.229.580,14, apenas foi ressarcida de € 202.958,01.
13 – (eliminado).
14 - A Requerida, juntamente com a MA..., tem canalizado todos os seus recursos para novas empresas e projetos, de entre os quais a produção de Hidrogénio Verde (produzido por energia solar Ma...n, a qual é pertença da Requerida), assim esvaziando totalmente o seu património.
15 - As empresas através das quais a Requerida vem colocando em prática esses projetos – a F… PORTUGAL, S.A. (NIPC ….) e a NE…, S.A. (NIPC …) – partilham a mesma sede com a Requerida, partilham a mesma tecnologia (Ma...n) com a Requerida e com a MA... e têm objetos idênticos ao desta e da Requerida.
16 - A Requerida passou a constar na Lista Pública de Execuções em 15/02/2021, em virtude da inexistência de bens para pagamento de dívida, no valor de € 62.000,00.
17 - Não se conhecem bens propriedade da Requerida.
18 – (eliminado)
19 - A última prestação de contas pela Requerida ocorreu em 2019, e com referência ao período de 01/01/2017 a 31/12/2017.
B) De Direito
1. Vem o presente recurso da sentença que concluiu em bloco pela “verificação dos factos presuntivos da insolvência enunciados no art.º 20.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e h) do CIRE, que não foram infirmados, encontrando-se a Requerida em situação de manifesta impossibilidade de cumprimento das suas obrigações já vencidas”, e declarou a insolvência da recorrente.
Cumpre apreciar se ocorre erro de julgamento de direito, que passa exclusivamente por aferir se o substrato fatual apurado é ou não suficiente para concluir pela verificação da situação de insolvência da recorrente, reconhecendo-se desde já o acerto da decisão recorrida, ainda que não se acompanhe na íntegra os seus fundamentos.
2. Conforme critérios legais de aferição e definição da situação de insolvência previstos pelo art.º 3º, nº 1 do CIRE “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas” – e não meramente em situação de incumprimento[26] -, e, nos termos do nº 2, tratando-se de pessoas coletivas, quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo, avaliado segundo as normas contabilísticas aplicáveis, excluindo-se da valorização do ativo a rubrica do trespasse do estabelecimento. Este último critério legal, que funciona como um critério acessório de definição de insolvência restrito às pessoas coletivas, tem subjacente o seguinte raciocínio: não existindo, nestes casos, grande possibilidade de “crédito pessoal”, a superioridade manifesta do passivo sobre o activo coincide, em regra, com a impossibilidade de estas entidades cumprirem as suas dívidas.”[27]
De acordo com o primeiro e principal critério, conforme decorre da literalidade da norma, o que essencialmente releva na caracterização da insolvência é a impossibilidade de cumprimento pontual das dívidas vencidas por falta de liquidez e/ou de crédito do devedor, impossibilidade essa que é apreciada objetivamente, independentemente da causa ou do conjunto das causas que determinaram essa situação. Conforme critérioadotado pelo legislador, dita a situação de insolvência do devedor a ausência de liquidez suficiente para pagar as suas dívidas no momento em que se vencem.[28] A lei consagrou assim o critério do fluxo de caixa – o cash flow - para avaliação da incapacidade/impossibilidade de cumprimento com que define a insolvência: em insolvência estão as entidades com fundo de maneio negativo e tesouraria negativa, mesmo que possuam ativos valiosos mas não geradores de fluxos de caixa para honrar as suas obrigações contraídas. De acordo com o critério do fluxo de caixa, o devedor é insolvente logo que se torne incapaz, por ausência de liquidez suficiente, de pagar as suas dívidas no momento em que estas se vencem. Para esse critério, o facto de o seu ativo ser superior ao passivo é irrelevante, já que a insolvência ocorre logo que se verifica a impossibilidade de pagar as dívidas que surgem regularmente na sua atividade. Efetivamente, ainda que no CIRE o legislador tenha omitido a referência à pontualidade como característica essencial do cumprimento das obrigações vencidas, tal não pode ser entendido com o alcance de implicar o abandono do entendimento inerente à ideia de cumprimento, de realização atempada das obrigações a cumprir. É que só dessa forma se satisfaz, na plenitude, o interesse do credor, e se concretiza integralmente o plano vinculativo a que o devedor está adstrito. Neste sentido não interessa somente que ainda se possa cumprir num momento futuro qualquer, importando igualmente que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente.[29]
3. Por sua vez, nos termos do art.º 20º, nº 1, qualquer credor pode requerer em juízo a declaração de insolvência do devedor verificando-se alguns dos factos previstos pelo art.º 20º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Sendo o objeto imediato pretendido pelo credor a obtenção de uma sentença judicial que declare a situação de insolvência, e no que se consubstancia o pedido que deduz e que cumpre apreciar e decidir a final, a qualidade de credor constitui mero pressuposto processual (legitimidade ad causam) e condição de procedência da ação (legitimidade material) que, por isso, cumpre apreciar, mas já não decidir. Realça-se por isso que, não estando em causa a qualidade de credor do requerente da insolvência, por princípio não releva apreciar da rigorosa quantificação do respetivo crédito, designadamente a título de juros porque nesta sede, a fixação de todos os valores efetivamente em dívida – incluíndo a título de capital - não só pode revelar-se tarefa inútil por desnecessária para efeitos de aferição dos pressupostos da insolvência, como a sentença de declaração da insolvência que venha a ser proferida não forma caso julgado relativamente a essa matéria porque, sendo litigioso o valor do crédito, a sua discussão tem lugar processual próprio no âmbito do apenso de verificação e graduação de créditos[30].
No caso, quer para sustentar a sua legitimidade para o pedido quer para o fundamentar, a recorrida invocou crédito no valor de capital superior a €1M vencido e em situação de mora pela totalidade desse montante desde pelo menos julho de 2023, titulado por documento de acordo e confissão de dívida que ambas subscreveram na pendência de processo de insolvência que em 2021 aquela instaurou contra a recorrente, e de cuja instância a recorrida desistiu em 15.06.2022 em razão daquele acordo. Neste concreto circunstancialismo, considerando que a subscrição do documento de confissão de dívida surge no âmbito de anterior processo de insolvência no qual a recorrida terá invocado e justificado a sua qualidade de credora, que nestes autos não foi invocado qualquer vício de vontade na emissão daquela declaração negocial nem por qualquer forma questionada a qualidade de credora da recorrida, e que a recorrente se limitou a questionar o vencimento de toda a dívida com fundamento na ausência de resolução daquela acordo[31], temos por assegurado o pressuposto processual da legitimidade ad causam para a ação e a legitimidade material da requerente para o pedido de insolvência.
4. Porque a ação de insolvência não se confunde com uma ação de cobrança de dívida, e a situação de insolvência não se confunde com a mera constatação de incumprimento de dívidas vencidas, resta apurar da verificação do pressuposto da impossibilidade de a recorrente cumprir as suas obrigações vencidas, conforme critério de situação de insolvência acima caracterizado.
Nesta tarefa, ciente da dificuldade de demonstrar em juízo a impossibilidade de cumprimento das dívidas vencidas por falta de liquidez, o legislador estabeleceu que qualquer credor pode requerer em juízo que o devedor seja declarado insolvente desde que se verifique pelo menos um dos factos indícios ou de presunção de insolvência previstos pelo art.º 20º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Assim, tratando-se de insolvência requerida (por contraposição com a apresentação à insolvência pelo devedor), é sobre o requerente que recai o ónus de alegar e demonstrar algum ou alguns dos factos indiciadores da situação de insolvência enunciados nas diversas alíneas do art.º 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dos quais resultam presunção legal de insolvência. Conforme dado adquirido nestas lides, “[C]om efeito, o legislador, através da enumeração desses factos-índice, pretendeu enunciar os critérios indispensáveis à identificação da insolvência e, por isso, o credor interessado na declaração da insolvência tem que demonstrar que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações, provando que tal impossibilidade se manifesta através de sintomas inequívocos que o legislador descreve.”[32]Como defendem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda em anotação ao art.º 20º do CIRE, “O estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade de, a partir daí, fazer a demonstração efectiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência (…). Caberá então ao devedor (…) trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Por outras palavras, cabe-lhe ilidir a presunção emergente do “facto-índice”, solução esta aliás expressamente consagrada no nº 3 do art.º 30º.
Os factos indício da situação de insolvência são assim designados, não por referência a um qualquer juízo probatório sumário dos factos em que se suporta a verificação da situação da insolvência, mas por referência ao valor presuntivo da situação de insolvência que o legislador atribuiu e/ou reconheceu a esses mesmos factos. Nas palavras de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda em anotação ao art.º 20º do CIRE, “tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto.[33][34] Técnica legislativa que se justifica para obviar à grave dificuldade que os terceiros legitimados a requerer a insolvência do devedor teriam em demonstrar a ausência ou insuficiência de meios do devedor para satisfazer as suas obrigações vencidas. Assim, a demonstração da situação de insolvência não exige a demonstração da ausência de liquidez do devedor para pagamento pontual das suas dívidas vencidas; ‘basta-se’ com a prova de factos constitutivos da presunção legal de estado de insolvência, e só permite que esta seja afastada pela prova da solvência do devedor. Perante a prova positiva dos pressupostos de facto concretizadores de qualquer um dos critérios legais de aferição da situação de insolvência, o devedor, querendo obstar à declaração da sua insolvência, fica onerado com o ónus de ilidir a presunção que dos factos-índice decorre através da prova da sua solvência, ónus que, nos termos do art.º 30º, nº 4 do CIRE, apenas lhe é permitido exercer por recurso à escrituração obrigatória a que legalmente esteja sujeito, devidamente organizada e arrumada.[35]
5. Em causa nos autos está a valoração dos factos assentes por referência à fattispecie dos factos-índice de presunção de situação de insolvência que o tribunal recorrido considerou verificados, correspondentes aos previstos pelas als. a), b), c) e h) do nº 1 do art.º 20º do CIRE.
Prevê-se aqui que A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida (…), verificando-se algum dos seguintes factos: a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas; b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo; h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.
De entre os factos que considerou assentes a decisão recorrida invocou o valor do crédito da requerente e data a partir da qual a recorrente não mais procedeu a pagamentos à recorrida apesar de por esta interpelada para o efeito; a pendência de ações declarativas e executivas contra a recorrente para reconhecimento e satisfação de créditos no montante total de cerca de €1.050.000,00; a inscrição da recorrente na lista publica de execuções em 15.02.2021 por inexistência de bens para pagamento de quantia no valor de €62.000,00; a canalização de todos os recursos da recorrente para novas empresas que partilham a mesma sede daquela e a mesma tecnologia e têm objetos sociais idênticos; o desconhecimento de bens da recorrente para o pagamento do crédito da recorrida e demais credores; a ultima prestação de contas ocorreu em 2019 e referentes ao ano de 2017, e com fundamento nestes factos concluiu em bloco pela verificação das citadas alíneas.
Daqueles factos não se confirmou a pendência de ações judiciais para reconhecimento ou cobrança de créditos, sendo que, adianta-se, por qualquer forma os factos assentes apenas permitiriam e permitem concluir pela verificação dos pressupostos da presunção de insolvência previstas nas als. b) e h).
A presunção de insolvência prevista pela al. a) do nº 1 do art.º 20º pressupõe uma paralisação no cumprimento que abrange a generalidade das obrigações vencidas do devedor, sendo que estas refletem a diversidade de relações jurídicas que uma sociedade comercial em atividade estabelece com os seus stakeholders (trabalhadores, Estado, e fornecedores de bens, serviços e crédito). Como consta do sumário do acórdão de 16.12.2021 desta secção[36] “O preenchimento da al. a) do nº1 do art.º 20º do CIRE exige a prova de que a devedora suspendeu o cumprimento de todas as suas obrigações vencidas.” Cenário que sequer foi alegado na petição inicial, sendo que os únicos créditos em situação de incumprimento descritos nos factos assentes são o da recorrida e o do credor exequente que em 2021 viu a execução que instaurou contra a recorrente extinta com fundamento na verificação da ausência de bens para satisfação da quantia de €62.000,00.
Claramente, a al. c) não se verifica posto que não existe um único facto nos autos que a concretize. Admitindo a possibilidade de na sentença ter ficado a constar al. c) quando se pretendia referir al. d) - dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos - também esta não se verifica posto que a não concretiza a mera alegação - e confissão – da canalização de recursos da recorrente para novas empresas que partilham a mesma sede e tecnologia que aquela.
Já o facto índice previsto pela al. b) pode bastar-se com o incumprimento de uma só obrigação vencida, mas impõe seja acompanhado de circunstâncias que revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações vencidas. Como é referido por Menezes Leitão, “[N]este caso, a insolvência não necessita de uma cessação generalizada de pagamentos, podendo resultar apenas de algumas faltas de pagamento ou mesmo de uma só, desde que feitas em circunstâncias ou acompanhadas de actos de onde se possa inferir a impossibilidade de incumprimento das obrigações vencidas.”[37] Como se referiu, para além de a lei não exigir que o montante em dívida ou as circunstâncias do incumprimento revelem a impossibilidade, definitiva e em absoluto de o devedor satisfazer a totalidade da suas obrigações - pois é suficiente que os factos indiciadores revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer tais obrigações pontualmente, isto é, ponto por ponto, conforme o acordado com os credores, no tempo e lugar próprios (art.º 406º do Código Civil) -, a lei basta-se com uma situação de mora/atraso no cumprimento desde que, pelo seu montante, no conjunto do passivo do devedor ou de quaisquer outras circunstâncias (atinentes com a concreta atividade exercida, rendimentos auferidos, e despesas a cargo), tal evidencie a impossibilidade de continuar a satisfazer os seus compromissos. Não exige também que tal situação se verifique com todas as obrigações assumidas/contraídas pelo devedor, nem tão pouco exige a demonstração de pluralidade de dívidas vencidas e não pagas.[38] Conforme refere Catarina Serra[39], “Embora [a insolvência] possa manifestar-se e, geralmente, se manifeste, através de uma multiplicidade de incumprimentos, pode haver insolvência quando há apenas um incumprimento e até quando não há incumprimento algum. (…) Com efeito, a única exigência legal para que se verifique a insolvência é que haja uma ou mais obrigações vencidas. Pode, portanto, tal impossibilidade revelar-se quando o devedor está meramente constituído em mora e não havendo incumprimento em sentido próprio (incumprimento definitivo).
No caso o vencimento e a exigibilidade do crédito da recorrida pela totalidade do montante não pago não suscita qualquer dúvida posto que, conforme acordo celebrado entre as partes, o prazo para pagamento pela sua totalidade terminou em 31.12.2023, pelo que a dívida que lhe corresponde encontra-se vencida e em mora pela totalidade do seu valor desde pelo menos essa data e independentemente de qualquer interpelação para pagamento com a cominação do vencimento da totalidade da dívida. Na realidade, a confissão de dívida radica em situação creditória pré-existente à subscrição do acordo de confissão, desde pelo menos 2021 o que, aliado ao elevado valor do montante em dívida à requerente – superior a €1M -, de a esta data ainda se achar em situação de incumprimento, de durante esse período a recorrente ter procedido ao pagamento de apenas cerca de €200.000,00, cerca de 1/5 do valor total que confessou dever, e de em 2021 a recorrente ter sido inscrita na Lista Pública de Execuções pela extinção de execução por ausência de bens para satisfação da quantia de €62.000,00, não consente outro enquadramento que não a falta de pagamento do crédito da recorrida por ausência de meios para o fazer e, assim, a presunção da impossibilidade atual de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações por ausência de liquidez (própria ou por recurso a financiamento) nos termos previstos pela al. b) do nº 1 do art.º 20º do CIRE. Reiterando o acima citado, não interessa somente que ainda se possa cumprir num momento futuro qualquer, importando igualmente que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente.
Finalmente, a recorrente não procede a prestação de contas desde 2019, sendo que nesse ano foram prestadas as referentes ao ano de 2017, circunstância que integra facto índice de insolvência previsto pela al. h), com o valor de presunção que se assinalou e que, contrariamente ao que a recorrente defende, não exige seja acompanhada de outros factos que demonstrem a impossibilidade de pagamento pontual das dívidas vencidas.
Com o que se confirma e reitera o acerto do juízo de insolvência formado pela decisão recorrida com fundamento nas als. b) e h) do nº 1 do art.º 20º do CIRE.
V – Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes desta secção em julgar a apelação da recorrente improcedente e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Vencida na apelação, as custas são a cargo da recorrente.
Lisboa, 12.11.2024
Amélia Sofia Rebelo
Isabel Fonseca
Nuno Teixeira
_______________________________________________________ [1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 139. [2] Vd., entre outros, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Ed., 2ª ed., p. 684 e ss. [3] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, p. 140. [4] Vd., entre muitos outros, acórdão do STJ de 03.03.2021, proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponível na página da dgsi. [5] Factos instrumentais, factos complementares e/ou concretizadores de factos essenciais alegados pelas partes, e factos notórios e outros do conhecimento oficioso do tribunal. [6] Processo nº 1480/18.3T8LSB-A.L1.S1, disponível na página DireitoemDia.pt [7] Nesse sentido, entre outros, acórdão do STJ de 03.10.2017. [8] CPC Anotado, GPS, I Vol., Almedina, 2ª ed., p. 764. [9] Posto que na apreciação de direito não fez alusão a alguns dos factos assentes, designadamente, os atinentes com as ações pendentes contra a requerente para reconhecimento de direitos de crédito que esta imputa à responsabilidade da recorrente caso venha a ser neles condenada. [10] Nesse sentido, acórdãos da Relação de Guimarães de 28.11.2019, da Relação do Porto de 27.01.2020, e do Supremo Tribunal de Justiça de 23.10.2018, 12.11.2019 e 05.12.2019, todos citados por acórdão desta Relação e secção de 27.10.2020, relatado por Fátima Reis Silva no processo nº 582/11.1TYLSB-E.L1 e subscrito como adjunta pela aqui relatora, mas do qual se desconhece publicação. [11] Distinguindo-se assim da confissão enquanto meio de prova prevista e regulada nos arts. 352º do Código Civil, e que se traduz num ato de vontade e numa declaração de ciência do confitente. [12] Nuno Lemos Jorge, “Os Poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, Revista Julgar, nº 3, p. 70. Nesse mesmo sentido, acórdão da RG de 20.03.2018 (proc. nº 14/15.6T8VRL-C.G1) - [a] investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia. – e da RL de 04.06.2020 (proc. nº 9854/18.3T8SNT-A.L1-2) – IV - “[A] responsabilidade probatória do juiz” tem “uma natureza meramente complementar ou acessória” e a respectiva “actividade não pode ter lugar com prejuízo para o sistema de ónus e preclusões previstos no código.” [13] Previsto apenas para o processo de insolvência, os embargos e o incidente de qualificação da insolvência, porque só relativamente ao objeto destes procedimentos se compreende o inquisitório alargado - que permite ao tribunal considerar factos não alegados pelos interessados - em consideração ao interesse público na declaração da insolvência de quem se encontra nessa situação e na inibição para o exercício de determinados cargos ou funções daqueles que com culpa a criaram ou agravaram. [14] Alargado porque não se restringe à atividade instrutória, permitindo também a averiguação e consideração oficiosa de factos não alegados pelas partes. [15] Nos termos do art.º 342º, nº 1 do CC recai sobre quem invoca um direito o ónus de alegar e demonstrar a realidade dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e integram a previsão da norma ou das normas materiais que suportam a pretensão que deduz, e nos termos dos arts. 346º e 347º do CC recai sobre a parte contra a qual é invocado o direito o ónus de impugnar os factos em que se fundamenta e da contraprova destinada a tornar aqueles factos duvidosos ou a provar facto contrário, ou, tendo impugnado por exceção, nos termos do art.º 342º, nº 2 CC cabe-lhe a prova dos factos que a fundamenta. O acionamento de cada um desses ónus dependerá da concreta atividade processual desenvolvidas pelas partes, designadamente, se o demandado apresentou contestação/oposição ao pedido. [16] Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª ed., p. 544. [17] CPC Anotado, Vol. III, p. 9. [18] A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, ob. cit., p. 672. [19] Direito Processual Civil Declaratório, vol. III p. 351 e 352. [20] Ob. cit., p. 333-334, e 348. [21] Nesse sentido, acórdão do STJ de 24.05.2018. [22] Ob. cit. p. 350-351. [23] Estabelece que A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) Anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta [24] Como manifestamente resulta da admissão da desistência do pedido até ser proferida sentença (cfr. art.º 21º do CIRE). [25] Natureza com que surge alegado na petição inicial (art.º 115º), como conclusão que a requerente extrai do facto de a requerida não lhe ter pago o valor em dívida, de estar inscrita na lista púbica de execuções por inexistência de bens para pagamento da quantia de €62.000,00, e não lhe serem conhecidos bens da sua propriedade (cfr. art.º 114º da petição inicial). [26] Cfr. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, p. 56. [27] Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, Uma introdução, Almedina, 4ª ed., p. 26. [28] Nesse sentido, Luis Menezes Leitão, Direito da Insolvência, p. 77. [29] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I, Quid Juris, 2005, pág. 69, nota 3; no mesmo sentido vd. Ac. RL de 19.06.2008, disponível no site da dgsi. [30] Da consulta dos autos constata-se que, apresentada a lista de créditos a que alude o art.º 129º, nº 1 do CIRE e decorrido o prazo para a sua impugnação, o crédito de cerca de €40.000.000,00 por ela reconhecido à recorrida não foi objeto de impugnação. [31] Conforme conclusões IX. a XI. das alegações de recurso, com o seguinte teor: IX. Acresce que, o enquadramento jurídico da alegada divida, não se encontra devidamente provado ou sequer alegado, dado que a Requerente em momento algum procedeu à resolução do Acordo, pelo que se mantém o mesmo vigente. X. Pois que, resulta do próprio Acordo, clausula segunda, (junto como Doc. nº 4 com a petição inicial) a necessidade de resolução do mesmo para imediato vencimento de toda a dívida ali confessada, sendo que em momento algum é alegado ou demonstrada a resolução do Acordo nos termos e para os efeitos previstos naquela clausula, nem podia porque não ocorreu. XI. Ora, não se tendo extinguindo o Acordo, a Requerente não é credora do montante de crédito de que se arroga titular. [32] Acórdão da RC de 14.12.2005, proc. nº 2956/05, disponível no site da dgsi. [33] CIRE Anotado, vol. I, Lisboa, 2006, p. 131. [34] Nesse sentido, Acórdãos da Relação de Coimbra de 20.11.2007, relatado por Teles Pereira, e da Relação de Lisboa, de 22.04.2010. [35] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação ao art.º 20º do CIRE. [36] Relatado por Fátima Reis Silva no processo 25243/19.0T8LSB-A.L1 e subscrito como adjunta pela aqui relatora, desconhecendo-se que tenha sido objeto de publicação. [37] Ob. cit., p. 131. [38] Nesse sentido, Alberto dos Reis, citando acórdão do STJ de 29.10.1918, pelo qual se [d]ecidiu que pode ser declarada a falência ainda que seja uma só a obrigação que o comerciante deixou de pagar; e acórdão do STJ de 11.10.1927, que [d]eclarou que não pode a priori estabelecer-se se basta a falta de pagamento duma obrigação, se é necessária a falta de pagamento de várias; há que atender às circunstâncias. (Processos Especiais, vol. II, pág 323). [39] Cfr. Catarina Serra, ob. cit. p. 56 e s., Embora [a insolvência] possa manifestar-se e, geralmente, se manifeste, através de uma multiplicidade de incumprimentos, pode haver insolvência quando há apenas um incumprimento e até quando não há incumprimento algum. (…) Com efeito, a única exigência legal para que se verifique a insolvência é que haja uma ou mais obrigações vencidas. Pode, portanto, tal impossibilidade revelar-se quando o devedor está meramente constituído em mora e não havendo incumprimento em sentido próprio (incumprimento definitivo).