PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Sumário

I - Se a decisão sob recurso apresenta na motivação, todo um discurso logico e coerente no exame critico da prova produzida, não espelhando qualquer dúvida razoável e inultrapassável, não há que que aplicar o princípio da presunção da inocência
II - Não deve ser suspensa na sua execução a pena de prisão quando são elevadas as razões de prevenção geral e especial.
III - No crime de violência doméstica são elevadas as exigências de prevenção geral, tendo em conta a frequência com que ocorre a prática deste crime, com consequências muito nefastas para a saúde, física e psíquica, das pessoas violentadas. O fenómeno da violência doméstica no nosso país tem sido sinalizado como um problema social a exigir medidas para a sua resolução que têm vindo a ser adotadas nas sucessivas alterações nesta matéria ao Código Penal, assim como, a adoção de um Plano Nacional contra a Violência Doméstica.
IV - São igualmente elevadas as razões de prevenção especial decorrentes dos antecedentes criminais do arguido, quando perpassam pela vida do arguido vários episódios de violência, com as inerentes consequências criminais. As oportunidades anteriormente conferidas de cumprir pena alternativa/ substitutiva da pena de prisão e os reptos lançados pelas condenações anteriores não surtiram o efeito da advertência necessária, para se comportar de acordo com o dever ser jurídico penal, ao que acresce a condenação por este crime, com outra vítima.

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
No Processo: 748/20.3PGALM, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo Local Criminal do Seixal - Juiz 2 - foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Pelos expostos fundamentos de facto e de Direito julga-se a acusação deduzida pelo MP, procedente por provada e, em consequência condena-se o arguido AA, pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo disposto nos artigos 152.º, n. º1, alínea b), n. º2, alínea a), do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 7(sete) meses de prisão.
Tendo em conta tudo o acima exposto, factos dados como provados, disposições legais citadas e considerações expendidas ao abrigo do disposto nos artigos 21.º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de 16/09 e 82.º-A do Código de Processo Penal, condena-se o arguido AA a pagar à vitima/ lesada BB, o montante indemnizatório de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), quantia a que acrescem juros de mora à taxa legal, atualmente de 4%, contados desde a presente à data até integral e efetivo pagamento,»
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Inconformado, recorreu o arguido, AA formulando as seguintes conclusões:
A - O Tribunal a quo veio condenar o Recorrente pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p., pelo disposto nos artigos 152.º, n. º1, alínea b), n. º2, alínea a), do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 7(sete) meses de prisão efetiva.
B- O presente recurso tem por objeto a matéria da sentença condenatória constante dos pontos 1., 2., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 21., 22., 23., 24., 30., e 31., proferida nos presentes autos, bem como, a título subsidiário da decisão de não suspensão da execução da pena aplicada ao Recorrente.
C- O recorrente não se conforma com a decisão condenatória proferida, uma vez que entende que a prova produzida e a partir da qual os factos acusatórios foram julgados pelo tribunal a quo é insuficiente e está em contradição com a decisão de condenação, razão pela qual impugna a mesma.
D- A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc., isto porque o tribunal a quo deixou de apurar ou não tratou de forma imparcial toda a prova produzida.
E- O Tribunal a quo, formou a sua convicção na livre apreciação que fez à prova produzida, nomeadamente: - Declarações do Arguido (cujas declarações se encontram gravadas com início consignado às 11:17 do dia 09-07-2024 e fim pelas 11:57 do mesmo dia). - Prova testemunhal produzida: - Depoimento da Ofendida BB (cujo depoimento se encontra gravado com início consignado às 15:37 do dia 18-06-2024 e fim pelas 16:16 do mesmo dia); - Depoimento da testemunha CC (cujo depoimento se encontra gravado com início consignado às 16:16 do dia 18- 06-2024 e fim pelas 16:26 do mesmo dia); - Depoimento da testemunha DD (cujo depoimento se encontra gravado com início consignado às 16:26 do dia 18-06-2024 e fim pelas 16:30 do mesmo dia); - Depoimento da testemunha EE (cujo depoimento se encontra gravado com início consignado às 11:12 do dia 09-07-2024 e fim pelas 11:17 do mesmo dia); - Depoimento da Testemunha FF (cujo depoimento se encontra gravado com início consignado às 12:01 do dia 09- 07-2024 e fim pelas 12:19 do mesmo dia); - Prova documental dos autos e ainda CRC e relatório social do Arguido.
F- O Recorrente entende que a prova produzida e a partir da qual os factos acusatórios foram incorretamente julgados pelo tribunal a quo é insuficiente e está em contradição com a decisão de condenação.
G- O Tribunal a quo não relevou as manifestas incongruências verificadas nas declarações da Ofendida, nomeadamente ignorando a inexistência de bens na casa do Recorrente, a ausência dos seus filhos daquele que afirmava ser o seu domicílio, e até o total desconhecimento da morada, onde afirma ter habitado mais de 2 (dois) anos.
H- De igual forma, o Tribunal a quo ignora de forma absolutamente inconcebível o depoimento da Testemunha FF, não relevando o mesmo sequer no que concerne à existência de dúvida razoável.
I- A verdade é que não existem quaisquer elementos probatórios, quer documentais, quer testemunhais, que permitam afirmar a existência de uma relação amorosa entre Recorrente e Ofendida e muito menos uma relação amorosa com coabitação.
J- De igual forma inexistem quaisquer elementos probatórios que permitam dar como provados os pontos 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 21., 22., 23., 24., 30. e 31 da matéria de facto dada como provada.
K- A fundamentação fática manifestada na douta sentença recorrida evidencia sérios lapsos que não nos podemos escusar a salientar.
L- A douta sentença recorrida desenquadra totalmente aquilo que foram as declarações do Arguido das conclusões que delas são retiradas, procedendo de igual forma para o depoimento da testemunha EE.
M- Também relativamente à testemunha FF, cuja audição foi requerida ao abrigo do artigo 340.º do Código de Processo Penal, o Tribunal a quo vai ao limite de afirmar que o seu depoimento foi requerido ao teor do relatório social, acrescentando que esta testemunha demostra um conhecimento “pouco relevante” da matéria de facto, ignorando as dezenas de vezes por mês em que a testemunha frequentava a habitação do Recorrente, sem nunca ver a Ofendida.
N- Acresce ainda que, até no que concerne aos factos dados como provados através do relatório social, o tribunal a quo não cuidou de proceder a uma análise objetiva de tal elemento, limitando-se a transcrever as conclusões emanadas do mesmo, apesar de demonstrado que tais conclusões assentavam em pressupostos e premissas falsas.
O- Tal prova, assim obtida em sede de audiência de discussão e julgamento, pelas muitas dúvidas que levanta, não pode ser considerada suficiente para a condenação do Recorrente, pelo que, face a esta insuficiência de prova, impunha-se ao tribunal a quo uma decisão oposta à que resulta da sentença recorrida uma vez que a mesma é geradora de dúvida, dúvida essa que deveria ter conduzido aquele tribunal por decisão pro reo.
P- O princípio in dubio pro reo, pretende garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos do facto típico e ilícito que a suporta, assim como do dolo ou da negligência do seu autor.
Q- Toda a fundamentação da sentença é resultado de uma construção, aparentemente, lógico-dedutiva, realizada pelo julgador.
R- Estamos perante várias “convicções” do tribunal a quo formadas em considerações sem qualquer base ou fundamentação nas provas produzidas e que, no seu todo. demonstram uma clara parcialidade na decisão condenatória proferida.
S- Estamos perante a violação do princípio da presunção da inocência, segundo o qual o juiz deve decidir “sobre toda a matéria que não se veja afectada pela dúvida” de forma que, “quanto aos factos duvidosos, o principio da livre convicção não fornece, não pode fornecer qualquer critério decisório” – Cristina Libano Monteiro “Perigosidade de inimputaveis”, pg. 54.
T- Nos presentes autos este princípio é duplamente atingido, porquanto, entende a doutrina que “O universo fáctico –de acordo com o pro reo – passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos factos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige a certeza” - Cristina Libano Monteiro “Perigosidade de inimputáveis”, pg.54
U- O princípio in dubio pro reo, traduz-se num comando dirigido ao juiz nos termos do qual “a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido”.
V- A dúvida que leva àquela solução é a dúvida que impede a formação da convicção, que impede a certeza do julgador, base de toda a condenação.
W- Nos presentes autos, foi o arguido condenado apenas com base no depoimento da Ofendida, sem que se tenha tido em conta a dúvida quanto à existência de uma relação de namoro entre Recorrente e Ofendida ou sequer quanto à existência de uma relação de namoro com coabitação.
X- Os pontos 1., 2., 4., a 16., 21., a 24., 30., e 31., devem ser dados como não provados. Y- Assim, deve essa Veneranda Relação concluir que não se mostram verificados os elementos constitutivos (objetivos) do crime de violência doméstica de que o Recorrente vem acusado.
Z- Em suma, nos presentes autos manifesta-se uma notória dúvida razoável quanto aos factos pelos quais o Recorrente vem acusado e quanto à prova produzida pelo que a sua absolvição, face ao princípio da inocência, aparece como a única atitude legitima a considerar.
AA- Atenta a falta de fundamento para a manutenção da indemnização fixada à Ofendida pelo Tribunal a quo, na senda do supra exposto, deve a mesma ser revogada por essa Veneranda Relação. Caso assim não se entenda,
BB- Atendendo à personalidade do arguido/Recorrente, às suas condições de vida e à sua conduta na sociedade, a pena de prisão aplicada mostra-se gravosa e vai contra a equidade e o próprio fim das penas;
CC- O Tribunal Recorrido deveria ter efetivamente valorado positivamente os factos 37., 40., 41., 43., 44., 46., 48., 49., 51., 53., 54., dados como provados: - O arguido tem um outro filho, ainda menor, fruto de outra relação. - AA constitui na atualidade agregado com a sua progenitora e dois irmãos; - A totalidade dos elementos está em situação de inserção laboral, designadamente AA que desenvolve actualmente funções como técnico de manutenção no ..., por intermédio de contrato de trabalho temporário com a empresa ..., auferindo cerca de 850 euros mensais, trabalhando para esta empresa apenas há cerca de 4 meses e meio tendo exercido anteriormente actividades no âmbito da construção civil e outras de modo instável.
- AA desenvolve, na atualidade, relação de namoro com FF desconhecendo-se os contornos de tal relação, mas durando a mesma há seis meses, - Com a ofendida, AA não mantém contactos, condição extensível à ofendida, que constituiu nova relação com elemento terceiro, inexistindo pendências patrimoniais ou outras que possam justificar contactos no futuro;
- A infância do arguido decorreu no seio de uma dinâmica familiar em que foi exposto a um quadro de instabilidade, que terá contribuído para vulnerabilidades pessoais;
- O arguido, após um período de internamento no serviço de ... entre 03-02-2024 e 09-02-2024 - queixas de ansiedade- foi sinalizado à consulta de Psicologia do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital ..., Dra. GG, onde compareceu pela primeira vez a 28- 05-2024 regressando 08-07-2024; - Foi igualmente sinalizado à consulta de psiquiatria, também agendada para 28- 05-2024. - Encontra-se integrado em percurso educativo de validação de competências (Centro Qualifica de ...) com vista à obtenção do 9.º ano de escolaridade. - A primeira fase, onde o arguido presentemente se encontra, pretende a estabilização de eventuais problemáticas psicossociais (adições, inatividade ou outras) e a motivação para a alteração de comportamento violento. - Neste contexto, o arguido tem frequentado entrevistas de cariz motivacional, mas o trabalho encetado, não se tem revestido como contentor, existindo reservas quanto à capacidade de ajustamento e contenção no âmbito deste;
DD- A propósito dos factos 41. e 54., importa atentar nas considerações melhor explanadas na motivação.
EE- A pena de prisão aplicada ao Recorrente, tendo em conta o sentido ressocializador, e mesmo pedagógico da pena, deverá ser suspensa na sua execução.
FF- A ameaça de prisão, realiza de forma adequada e suficiente a finalidade de punição.
GG - Ao não se entender desta forma, a douta sentença recorrida violou o preceituado nos arts. 40º, 50º, 70º, 71º do Código Pena
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Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos:
– Alegou o recorrente que o Tribunal a quo deu como provados os factos que levaram à condenação do arguido pela prática do crime de violência doméstica, porquanto e maioritariamente conferiu credibilidade ao depoimento da ofendida, em vez que ter considerado as declarações em sentido inverso por parte do arguido e da testemunha por este arrolada – FF – depoimentos esses, ao contrário do depoimento da ofendida, credíveis porquanto conformes às regras da lógica e da experiência comum. Acrescentou mencionando que o Tribunal a quo deveria, ao invés, ter relevado “as manifestas incongruências verificadas nas declarações da Ofendida, nomeadamente ignorando a inexistência de bens na casa do Recorrente, a ausência dos seus filhos daquele que afirmava ser o seu domicílio, e até o total desconhecimento da morada, onde afirma ter habitado mais de 2 anos”.
2 - Ora, como se perceciona, na realidade o vicio que invoca é do erro na apreciação da prova.
3 - Da credibilidade do depoimento da ofendida: Relativamente à existência dos bens da Ofendida na residência do arguido, independentemente, daquela não se recordar da morada concreta da dita habitação, isso não leva à conclusão necessária de que a mesma ali nunca residiu.
4- No que diz respeito, à conclusão que, necessariamente, a ofendida não habitava em tal casa porquanto lá não residiam os seus filhos, também não é correta, uma vez que a mesma explicou que ela própria sabia do hábito de consumo de cocaína do arguido e de este, por vezes, ter um comportamento alterado e por não achar adequada a residência de menores com aquele.
5- E finalmente, ao facto da mesma referir, segundo o recorrente que, esta não tinha bens seus na dita casa, parece-nos contraditado pela circunstância da mesma ter solicitado à polícia que ali se deslocasse para recolher os seus pertences - algo que o arguido não pôde desmentir.
6 -Aliás, toda a dinâmica factual referida pela ofendida nos restantes pontos do seu depoimento, não nos parece avessa às regras da experiência comum, até porquanto no que tange a um dos factos ínsitos na acusação, designadamente, um soco desferido no rosto daquela pelo arguido, as lesões apresentadas que constam de ficheiros clínicos são compatíveis com a prática do mesmo.
7 - É certo que a prova se baseia, sobretudo, no depoimento da ofendida, mas essa circunstância é habitual neste tipo de temática criminal, sendo que, em alguns aspetos, é corroborada por elementos objetivos, como os clínicos apresentados.
8 - Algo que, quanto a nós, já não é possível concluir relativamente à versão apresentada pelo arguido e pela testemunha apresentada por este último – FF.
9- Das incongruências das declarações prestadas pelo arguido: Começando por este facto respeitante ao soco no rosto da ofendida desferido pelo arguido, curiosamente, foi um dos únicos pontos da acusação que aquele admitiu, em parte, dizendo que, com efeito, tal ocorreu num cenário em que a ofendida lhe terá retirado, sem o seu consentimento, haxixe e que o mesmo, encontrando-se no café, discutiu com aquela e que terá desferido não um soco, mas uma chapada no rosto daquela.
10- É fácil perceber porque razão o arguido admitiu este único facto…porquanto neste ponto sempre existia a assistência hospitalar prestada sequencialmente à referida agressão à ofendida e, para além disso, existiu uma testemunha, no café, que terá verificado que ambos se encontravam juntos no mencionado momento e que, de seguida, verificou que a ofendida estava ensanguentada no rosto. Mas mesmo, assim, o arguido tentou relativizar a situação, criando um cenário diferente do de uma briga conjugal e diminuir o grau de agressividade do ato do soco para apenas uma chapada.
11- Contudo, facilmente, falece esta argumentação apresentada pelo arguido, em primeira linha, porquanto as lesões apresentadas pela ofendida não são compatíveis com uma chapada, uma vez que esta apresentou uma “fratura dos OPN e do septo nasal” e “Edema da região nasal e malar”, causa direta, necessária e adequada de um período de 20 dias de doença, com afetação da capacidade para o trabalho em geral e sofreu “desvio do eixo do nariz e obstrução nasal esquerda com consequências permanentes”.(factos esses que decorrem do exame médico dos autos e relatório de exame pericial).
12- Igualmente, não faz sentido tal discussão ter ocorrido na sequência de um alegado furto de haxixe por parte da ofendida, aliás, tal discussão faria mais sentido ter ocorrido em casa, longe de olhares alheios, relativamente a uma realidade que consubstancia alguma censura jurídica – que é ter que admitir, exteriormente, que consumia produtos estupefacientes.
13- Também não nos parece crível o alegado pelo arguido no sentido de que não mantinha qualquer relação amorosa e muito menos habitacional com a ofendida e que esta apenas pernoitava na sua casa enquanto amiga e comparsa nos consumos de haxixe, sendo que o arguido referiu que, à data, até vivia em união de facto com FF.
14- Especificou o arguido, dizendo que ele, como consumidor de haxixe, tinha por hábito deixar entrar muitas pessoas lá em casa, dando muitas festas. Contudo, frisou que apesar de consumir haxixe, não consumia cocaína e não apreciava que a ofendida também consumisse cocaína na sua casa, mas que, mesmo assim, permitia que ela ali ficasse.
15 - Curiosamente, num ponto das suas declarações terá dito que como ia a BB “iam milhares de pessoas” à sua casa, fazia muitas festas, pois vivia sozinho. Nesse preciso momento do depoimento, estranhamente, este não referiu que vivia mais alguém em sua casa, designadamente, FF.
16 - Para além disso, num determinado ponto das declarações do arguido, mencionou que “Havia pessoas amigas que lhe vinham dizer, contar que a BB tinha outras relações”, e “para ter cuidado”, - o que não faria qualquer sentido que este se importasse com facto- quer que tivesse conhecimento das redes sociais, quer que lhe fossem dizer o que esta fazia, e o que postava, se não vivessem juntos/ se não existisse uma relação de namoro entre ambos.
17 - Pelo exposto, afigura-se que o Recorrente se limita a contrapor à convicção alcançada pelo tribunal – expressa nos factos provados – a sua própria, resultante de uma, muito pessoal e parcelar, análise dos meios de prova.
18 - A avaliação da prova produzida efetuada pela Mmª Juiz a quo, designadamente no que respeita à prova pessoal, apresenta-se-nos inteiramente ajustada ao conteúdo e forma como foram prestados os vários depoimentos em que assentou, de acordo com os princípios da imediação e da livre apreciação da prova (este último consagrado no artº 127º do C.P.P.), não nos merecendo qualquer crítica ou reparo.
19 - No caso em concreto, ao contrário do invocado pelo recorrente, a suspensão da execução da pena de prisão revela-se ineficaz para assegurar o respeito pelos bens jurídicos tutelados e afastar o arguido da prática de novos ilícitos e não haver qualquer fundamento para um juízo de prognose favorável quanto a tal, à luz do preceituado no artº 50º nº 1 do C. Penal;
20 - Não consideramos que se encontre verificado o requisito material da suspensão da execução da pena de prisão, senão vejamos: Começando pela análise da personalidade do arguido, tal como referido nos factos dados como provados – que o ora recorrente não colocou em crise – factos esses que foram extraídos não só das declarações de arguido, mas sobretudo do relatório social junto aos autos, importa referir que este minimizou a sua responsabilidade pela prática dos factos imputados, apresentando uma versão antagónica à apresentada pela ofendida, não denotando, assim, qualquer arrependimento pelos factos praticados. Circunstância essa, igualmente, relevante, quanto à sua conduta posterior ao crime (ou seja, se ocorreu, ou não, confissão aberta e relevante, ao seu eventual arrependimento), 21 - Até relativamente ao facto que admitiu parcialmente, o facto referente ao desferimento de um soco no rosto da ofendida, o arguido relativizou o sucedido, mencionando que terá sido apenas uma bofetada devido àquela lhe ter furtado haxixe. Esta atitude do arguido é compatível com a afirmação efetuada pela DGRSP no relatório social efetuado, designadamente, que, no plano comportamental, este apresenta dificuldades emocionais para os quais não apresenta critica, nem capacidade de autorregulação, possuindo, provavelmente (ainda sujeito a diagnóstico), patologia do foro psiquiátrico.
22- Outro facto que enfatiza a caraterística de incapacidade de autodomínio e contentora de emoções mais agressivas, é a condenação daquele no âmbito do processo comum, n.º 455/18.7gcalm, pela prática de 1( um) crimes(s) de violência doméstica contra cônjuge ou análogos, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa por 5 (cinco) anos, com regime de prova, o plano de reinserção foi gizado em torno da obrigação de o arguido proceder à entrega à ofendida naqueles autos da quantia de 2500 euros até ao termo do terceiro ano após o trânsito em julgado da sentença, e na frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica (PAVD), programa de intervenção com uma duração mínima de 24 meses e composto por três fases sequenciais. O arguido já começou a cumprir a primeira fase, onde se pretende a estabilização de eventuais problemáticas psicossociais (adições, inatividade ou outras) e a motivação para a alteração de comportamento violento.
23- O arguido ainda manifestou constrangimentos no cumprimento da pena de substituição da pena de prisão por prestação de TFC no âmbito do processo nº280/08.3PCSXL, tendo abandonado a sua execução.
24- O arguido tem um percurso profissional instável, veja –se que apenas há pouco mais de 4 meses se encontra no emprego atual, não se percecionando o que antes fazia, mas podendo concluir-se que terá tido trabalhos instáveis.
25- Relativamente à sua conduta anterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), o arguido apresenta, duas condenações pela prática de crimes que implicam um teor elevado de violência, designadamente, no processo n.º 280/08.3pcsxl, por sentença datada de 2013/05/10, - data de trânsito julgado em 2013/06/11, pela prática de 1 crimes(s) de ofensa à integridade física qualificada na pena de 7( sete) meses de prisão, substituída por 210 dias de multa, à taxa diária de 5,00, no total de 1.050,00 euros substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade, e ainda no âmbito do processo comum, n.º 455/18.7gcalm, data de trânsito em julgado, 2022/03/18, pela prática de 1( um) crimes(s) de violência doméstica contra cônjuge ou análogos, - data da prática: 2018/05/09 - na pena de 3( três) anos de prisão, suspensa por 5( cinco) anos sujeita ao dever de frequentar programa de prevenção contra a violência doméstica;
26-A ilicitude dos factos, revela-se para situações de idêntica natureza mediana mas já tendencialmente elevada, com atos de agressão física e psicológica, estes graves e repetitivos com constantes injúrias, ameaças - sempre de morte - visando limitar a liberdade da ofendida, sendo as circunstâncias dos factos quanto às agressões físicas, muito desfavoráveis pois o arguido- em ambas as vezes que ficaram provadas, agiu na rua, em sítios públicos, inclusive num café, não surtindo pois a possibilidade de presença de outras pessoas, qualquer contenção e verificando –se nas duas vezes em que o fez agressões físicas) se ausentou dos locais, sem visar sequer saber do estado físico da ofendida e levando consigo os seus pertences.
27- Os atos de agressão física relativamente ao corpo da ofendida atingiram a mesma em lugares do corpo sensíveis – cara e cabeça, sendo que as consequências a nível físico decorrentes das agressões sofridas são já graves posto que aquela em virtude destas ficou com lesões permanentes.
28- Pelo exposto, AA apresenta um quadro de vida associado a uma tendência para a adoção de comportamentos disruptivos, no seio da vivência dos afetos, sendo certo que verifica que penas de substituição já não se mostram suficientes para satisfazer as exigências de prevenção geral e especial da punição.
29- Na sentença a quo foram ponderados, quer a vasta existência de antecedentes criminais do arguido, com variadas condenações em penas suspensas na sua execução, e várias condenações já em pena de prisão, quer a sua fraca integração profissional, concluindo-se, assim, que não se mostra possível fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
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Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer que acolhendo as contra-alegações do Ministério Público em primeira instância, sintetiza as questões a decidir e concluindo que o Acórdão recorrido não merece qualquer reparo ou censura.
Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer.
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Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir:
OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir:
a. Se existe erro de julgamento, perpassando também pela alegada insuficiência da prova e contradição com a fundamentação e pela alegada insuficiência da matéria de facto provada concatenada com o princípio do in dubio pro reo.
b. Da suspensão da execução da pena de prisão.
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DA SENTENÇA RECORRIDA
Da sentença recorrida consta a seguinte matéria de facto provada:
« 1. O arguido AA e a ofendida BB mantiveram uma relação de namoro que se iniciou em data não concretamente apurada, mas que se verificava, já nos anos de 2017 e 2018, e começaram a viver como se marido e mulher se tratassem, na mesma casa, em data não concretamente apurada, no final do ano de 2019.
2. Durante a vida em conjunto, o arguido e a ofendida residiram em ...;
3. O arguido, pelo menos no período temporal de vida em comum com a ofendida, era consumidor de produtos estupefacientes;
4. O relacionamento entre o arguido e a ofendida, era pautado por discussões frequentes, que ocorriam, pelo menos, de três em três dias, nessa frequência pelo menos, desde que começaram a residir na mesma habitação.
5. No âmbito de tais discussões, motivadas, mormente porque a ofendida não tinha dinheiro para dar, ao arguido, ou porque o arguido pretendia silêncio e os vizinhos ou a televisão o incomodavam, o arguido apelidava a ofendida de “puta” e “vaca” e desferia pontapés nas portas, e em objetos que se encontravam no interior da residência comum;
6. durante o relacionamento, cerca de três/quatro vezes, na sequência de discussões e dos actos do arguido, a ofendida abandonou a residência.
7. Nessas ocasiões, pelo menos, por duas vezes, durante a relação, e vivência em comum, o arguido danificou, peças de roupa da ofendida, cortando-as;
8. No dia … 2020, pelas 21h45, ao ver a ofendida na via pública, na ..., em ..., o arguido perguntou-lhe se ia para casa, e solicitou-lhe dinheiro para comprar tabaco;
9. O que a ofendida negou.
10. Face à recusa da ofendida, o arguido, ao mesmo tempo que puxou a mala que a mesma trazia, desferiu-lhe pelo menos duas chapadas na face, e na cabeça, empurrou-a, e fazendo-a cair ao chão;
11. Após, o arguido abandonou aquele local, na posse da mala da ofendida, na qual esta detinha o seu telemóvel, dinheiro, e as chaves da sua residência e da residência da sua mãe;
12. Nesse dia, a ofendida abandonou a residência, e foi residir para a residência da sua mãe, onde permaneceu cerca de uma semana;
13. Volvida uma semana, o arguido contactou-a, por forma não apurada pedindo-lhe que voltasse para casa, e dizendo-lhe que iria mudar.
14. Nessa ocasião, a ofendida e o arguido reataram o relacionamento amoroso e a ofendida voltou para a residência comum.
15. Cerca de dois meses, depois, voltaram a existir discussões, no âmbito das quais o arguido, pelo menos, de três em três dias, neste período temporal, e até … de 2020, apelidou a ofendida de “puta” e “vaca”, acusou-a de o trair com outros homens, e danificou objetos no interior da residência,
16. Sempre que no decurso dessas discussões, a ofendida dizia que se ia embora de casa, o arguido colocava-se em frente à porta da residência, dizendo-lhe que não saía, e que a mataria, se o fizesse, o que ocorreu, pelo menos, por 4(quatro) vezes neste período temporal;
17. No dia … de 2020, pelas 06h15, na residência comum, ao acordar, o arguido, sem que nada o fizesse prever, começou a danificou móveis e objetos que se encontravam na residência.
18. Temendo o comportamento do arguido, de modo acalmá-lo, a ofendida dirigiu-se com o mesmo até ao estabelecimento comercial denominado “...”, em ...;
19. Naquele local, após ingerir uma cerveja, o arguido disse à ofendida para voltarem para casa;
20. O que a ofendida, recusou.
21. Desagradado, o arguido, ao mesmo tempo, que encostou uma colher de café à face da ofendida, pressionando-a, disse à mesma; “Vens já comigo para casa ou eu mato-te”;
22. E, de seguida, puxou a ofendida, de modo a fazê-la sair do café e a dirigir-se para casa.
23. Ao que, a ofendida resistiu, mas acabou por sair;
24. Em ato contínuo, e já no exterior do estabelecimento, o arguido desferiu pelo menos, dois pontapés nas costas e nas pernas, e vários murros, pelo menos, quatro, na face da ofendida;
25. O que fez com que a ofendida, sangrasse do nariz,
26. Ao ver a ofendida a sangrar, o arguido abandonou o local, na posse do porta-moedas, do tabaco, e do telemóvel desta,
27. Como consequência da conduta do arguido, a ofendida sofreu “fratura dos OPN e do septo nasal” e “Edema da região nasal e malar”.
28. Tais lesões foram causa direta, necessária e adequada de um período de 20 dias de doença, com afetação da capacidade para o trabalho em geral;
29. Como consequência permanente da conduta do arguido, a ofendida sofreu “desvio do eixo do nariz e obstrução nasal esquerda”;
30. Ao agir do modo acima descrito, o arguido quis maltratar física e psicologicamente a ofendida, como efetivamente maltratou, molestando o corpo, provocando-lhe dores, ofendendo-a na sua honra, e consideração e coartando-a na sua liberdade pessoal, com as expressões que lhe dirigiu e com os seus atos, fazendo-a temer pela sua vida, e pela sua saúde, tratando-a de forma incompatível com a dignidade humana, bem sabendo que a ofendida era sua companheira, e bem sabendo ainda que todas as suas descritas condutas eram adequadas a atingir tais propósitos;
31. Mais, ao não se coibir de praticar tais factos no interior da residência comum onde vivia com a ofendida, e onde esta se deveria sentir protegida e onde ninguém a pode auxiliar, bem sabia o arguido que as suas condutas eram especialmente gravosas e censuráveis.
32. Em todas as suas atuações, o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou que;
33. O arguido AA foi condenado no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Seixal - JL criminal - Juiz 3, processo comum singular, n.º 280/08.3PCSXL, por sentença datada de 2013/05/10, - data de trânsito julgado: 2013/06/11, pela prática de 1 crimes(s) de ofensa à integridade física qualificada - data da prática 2008/05/04, - na pena de 7( sete) meses de prisão, substituída por 210 dias de multa, à taxa diária de 5,00, no total de 1.050,00 euros substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade, pena que ainda não se mostra extinta, nem cumprida;
34. O arguido foi condenado no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Almada - JL Criminal - Juiz 1, processo comum, n.º 455/18.7gcalm, por sentença datada de 2021/01/13, - data de trânsito em julgado, 2022/03/18, pela prática de 1( um) crimes(s) de violência doméstica contra cônjuge ou análogos, - data da prática: 2018/05/09 - na pena de 3(três) anos de prisão, suspensa por 5(cinco) anos sujeita ao dever de frequentar programa de prevenção contra a violência doméstica e subordinada ao dever de pagar à ofendida HH a indemnização fixada, durante os primeiros três anos do período da suspensão, e condenado na pena acessória de proibição de contacto com a vítima, pelo prazo de 4( quatro) anos;
35. Do relatório social que consta dos autos resulta, nomeadamente, com relevo que no hiato a que correspondem os alegados factos (de 2017 a dezembro de 2020) o arguido residia na localidade de ..., em habitação tomada de arrendamento.
36. Neste período da sua vida (2018) AA veio a ser constituído arguido julgado e condenado pela prática entre 2015 e 2018 de factos tipificados como violência doméstica, contra a ex companheira HH, mãe da sua filha II, nascida em 2016, factos pelos quais foi condenado por sentença transitada em julgado, em sede do processo 455/18.7gcalm do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Almada. - juiz 1.
37. O arguido tem um outro filho, ainda menor, fruto de outra relação.
38. Na sequência da separação com a ofendida, o arguido terá retornado ao agregado da sua progenitora, na morada dos autos, aí se mantendo até à atualidade.
39. Deste contexto, excetua-se o período em que o arguido constitui agregado com JJ, com quem contraiu matrimónio a 22-09-2023, e com quem coabitou em ... (...), vindo a separação igualmente a ser contextualizada, por factos tipificados, alegadamente como violência doméstica, no nuipc 29/24.3SXLSB, o qual se encontra em fase de inquérito;
40. AA constitui na atualidade agregado com a sua progenitora e dois irmãos;
41. A totalidade dos elementos está em situação de inserção laboral, designadamente AA que desenvolve actualmente funções como técnico de manutenção no Hospial ..., por intermédio de contrato de trabalho temporário com a empresa ..., auferindo cerca de 850 euros mensais, trabalhando para esta empresa apenas há cerca de 4 meses e meio tendo exercido anteriormente actividades no âmbito da … e outras de modo instável.
42. As principais despesas que por si são comparticipadas reportam-se as que estão inerentes à vida quotidiana no valor global de 200 euros, nomeadamente alimentação e higiene pessoal, serviços públicos essenciais, designadamente água, luz, gás, multimédia, telefone e renda de casa, cabendo as demais parcelas aos restantes membros do agregado com quem vive em economia comum.
43. AA desenvolve, na atualidade, relação de namoro com FF desconhecendo-se os contornos de tal relação, mas durando a mesma há seis meses.
44. Com a ofendida, AA não mantém contactos, condição extensível à ofendida, que constituiu nova relação com elemento terceiro, inexistindo pendências patrimoniais ou outras que possam justificar contactos no futuro;
45. No plano comportamental, AA tem dificuldades emocionais, para as quais aparenta não possuir critica, nem capacidade de autorregulação.
46. A infância do arguido decorreu no seio de uma dinâmica familiar em que foi exposto a um quadro de instabilidade, que terá contribuído para vulnerabilidades pessoais;
47. O arguido foi consumidor de substâncias estupefacientes, pelo menos, haxixe desconhecendo –se se mantêm consumos;
48. O arguido, após um período de internamento no serviço de ... entre 03-02-2024 e 09-02-2024 - queixas de ansiedade- foi sinalizado à consulta de Psicologia do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital ..., Dra. GG, onde compareceu pela primeira vez a 28-05-2024 regressando 08-07-2024;
49. Foi igualmente sinalizado à consulta de psiquiatria, também agendada para 28- 05-2024.
50. Concluiu o 6.º ano de escolaridade, apresentando habilitações literárias inferiores à escolaridade mínima obrigatória para um elemento da sua idade;
51 Encontra-se integrado em percurso educativo de validação de competências (Centro Qualifica ...) com vista à obtenção do 9.º ano de escolaridade.
52. No âmbito do processo no qual o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Almada – Juízo Local Criminal - Juiz 1, processo comum, n.º 455/18.7gcalm, pela prática de 1( um) crimes(s) de violência doméstica contra cônjuge ou análogos, na pena de 3( três) anos de prisão, suspensa por 5( cinco) anos com regime de prova, o plano de reinserção foi gizado em torno da obrigação de o arguido proceder à entrega à ofendida naqueles autos da quantia de 2500 euros até ao termo do terceiro ano após o trânsito em julgado da sentença, e na frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica (PAVD), programa de intervenção com uma duração mínima de 24 meses e composto por três fases sequenciais.
53. A primeira fase, onde o arguido presentemente se encontra, pretende a estabilização de eventuais problemáticas psicossociais (adições, inatividade ou outras) e a motivação para a alteração de comportamento violento.
54. Neste contexto, o arguido tem frequentado entrevistas de cariz motivacional, mas o trabalho encetado, não se tem revestido como contentor, existindo reservas quanto à capacidade de ajustamento e contenção no âmbito deste;
55. AA registou constrangimentos no cumprimento da medida de substituição da pena de prisão substituída por multa por trabalho a favor da comunidade, por si requerida em sede do Processo 280/08.3PCSXL do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal do Seixal – Juiz 3, tendo abandonado a sua execução;
56. AA apresenta um quadro de vida associado a uma tendência para a adoção de comportamentos disruptivos, no seio da vivência dos afetos.
57. Ainda que se destaque a existência de um reduzido conjunto de fatores de risco em relação à figura da ofendida, espelha-se a existência de constrangimentos futuros significativos na orientação do modo de vida do arguido no domínio da vivência dos afetos;
58. Destacam-se os antecedentes criminais pela prática do crime de ofensas à integridade física, o incumprimento de anterior medida de execução na comunidade, a situação de exposição/ testemunha ao quadro de instabilidade familiar por parte do arguido na primeira infância, consumos de substâncias estupefacientes, o histórico de violência nas relações de intimidade, e as limitações que apresenta ao nível das suas competências pessoais, nomeadamente a nível emocional, com dificuldades de auto controlo, condicionam as suas escolhas comportamentais, e traduzem a existência de limitações na construção futura de um modo de vida ajustado.
59. Neste contexto, as principais necessidades identificadas em AA centram-se na estabilização da sua situação pessoal, prossecução de atividade laboral (estável), e tratamento no domínio da saúde mental, com necessidade de obter motivação para a aprendizagem, e utilização de estratégias alternativas de comportamento no seio das dinâmicas relacionais interpessoais em contexto de intimidade.
60. Encontra-se em curso intervenção destinada a trabalhar estas circunstâncias, mas ainda que o arguido revele em termos gerais atitude de disponibilidade e colaboração, na comparência das entrevistas agendadas, verifica-se a ausência de permeabilidade ao trabalho motivacional encetado.
61. Conclui o relatório dizendo que;” Considerando que o presente processo se circunscreve a um período em que ainda não teria existido reação formal sobre a conduta de AA, pese embora o mesmo já tivesse em 2018 sido constituído arguido em sede do Processo 455/18.7GCALM, no caso dos presentes autos, caso decorra condenação, e caso haja lugar ao cumprimento de uma pena ou medida de execução na comunidade, a mesma, só se revelará como contentora se observar reparação à ofendida, e na consideração de que o arguido interiorize que tal decisão pode vir a constituir-se como a derradeira oportunidade de mudança a conceder pelo Sistema de Administração da Justiça Penal”.
*
II. 1.2. - Factos não provados: Não resultaram provados os seguintes factos com relevo;
a) O arguido dizia à ofendida posteriormente “Não vais andar aí toda linda para os outros”;
b) O arguido dizia à ofendida; “Eu parto-te toda, meto-te a comer formigas, parto-te a ti e a quem vier, manda chamar os teus amigos polícias que até os como”,
c) O arguido disse à ofendida “podes ir lá com os teus amigos bófias que eu lhes dou também a eles e como-os vivos”;
Consigna-se que não foram reconduzidas aos factos provados - nem aos factos não provados- as alegações estranhas ao objeto processual configurado e delimitado nos autos pelo despacho de acusação, nem as que consubstanciam factualidade supérflua e irrelevante face a esse objeto, por se revelarem improfícuas para a decisão, pois não respeitam ao preenchimento dos elementos constitutivos objetivos e subjetivo do crime imputado ao arguido.
*
II. 2. - Fundamentação da decisão de facto: A convicção do Tribunal assentou na análise crítica e concatenada dos elementos probatórios produzidos nos presentes autos, que, foram apreciados segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador (cf. artigo 127.º, do Código de Processo Penal).
Note-se que, a liberdade do convencimento, que conforma o modelo da livre apreciação da prova, não deverá ser confundida com a apreciação arbitrária da prova, sendo antes um critério de justiça que não prescinde da verdade histórica das situações. Por conseguinte, cada prova produzida deverá ser valorada com a segurança oferecida pela mesma (quando considerada isoladamente), bem como deverá ser ponderada com o confronto com os demais elementos probatórios validamente carreados para os autos, de forma a que a decisão sobre a prova seja uma decisão justa, suficientemente segura em termos de corroboração factual e coerente com a realidade e o normal acontecer dos factos. Destarte, o princípio da livre apreciação da prova deve ser reconduzível a critérios objetivos, racionais e que estejam de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, pese embora, não se possa olvidar que, a tarefa do julgador na decisão da matéria de facto esteja necessariamente condicionada pelos limites do conhecimento humano. Acresce que, o grau de convicção do Tribunal não é em grau absoluto, na medida em que a verdade a que se chega no processo não é uma verdade obtida a qualquer custo, mas uma verdade processual ou prática, com inerentes limitações temporais, legais e constitucionais. Por outro lado, o Tribunal tem, ainda, o dever de conciliar a verdade material com o princípio constitucionalmente consagrado da presunção da inocência (cf. artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), que estabelece que no caso de dúvida razoável o Tribunal deverá absolver o arguido. Note-se que, a dúvida que leva o Tribunal a decidir “pro reo” tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária ou, por outras palavras, uma dúvida que impeça a convicção do Tribunal. Nesta senda, a convicção de que determinados factos aconteceram deverá ancorar-se na ponderação conjugada dos vários elementos probatórios produzidos em audiência de discussão e julgamento, chegando o Tribunal à conclusão, sem dúvida razoável, que eles aconteceram, não havendo outra explicação lógica e plausível para os mesmos.
Feito este breve enquadramento sobre os princípios que regem a prova e a sua apreciação em processo penal, reportemo-nos aos presentes autos, e à análise crítica da prova produzida.
Impõe-se, também, aqui clarificar que não cumpre reproduzir os conteúdos das declarações e depoimentos produzidos no decurso do julgamento, os quais se mostram documentados, mas tão só expor as razões subjacentes à convicção do tribunal.
Posto isto, cumpre explicar que a matéria que acima consta e que resultou provada -e a que não se provou( esta por falta de prova) - derivou da ponderação conjugada e crítica da prova por declarações dos arguido, na parte em que admite alguns factos embora com muitas reservas, e da prova testemunhal produzida, muito particularmente tendo em conta o depoimento da ofendida, e prova documental dos autos tendo em conta o relatório de exame médico de avaliação de dano corporal em direito penal, exame médico – legal –fls.118, auto de denúncia – fls. 27 a 29, fichas de avaliação do nível de risco – 35 a 36, 52 a 54 e 65 a 70, aditamentos – fls. 51, 58 a 59, 159 e 164, elementos clínicos – fls.63 e ainda CRC e relatório social do arguido, tendo em conta regras de experiencia comum, de normalidade e lógica das regras da vida. O arguido prestou declarações afinal. Começou por dizer sem consistência, atentas as suas declarações seguintes, - muito confusas e contraditórias - estar arrependido. Refere estar arrependido da agressão no café, pois admite aí ter dado uma bofetada à ofendida. Disse, no entanto, que não tinha qualquer relação emocional com a mesma apenas referindo que de facto, a agrediu, na altura no café. A ofendida tinha ficado a dormir em sua casa, como sucedia algumas vezes. De manhã, deu conta que lhe faltava haxixe, justificando o acto (bofetada) com o facto de a ofendida ter ficado com tal substância que lhe pertencia. Diz que a BB pernoitava em sua casa de vez em quando, - a mãe não a queria em casa, porque esta era consumidora, mas como “era sua amiga” e olhava como um ser humano deixava-a ficar tanto que tinham “uma ligação pois ambos eram consumidores”. Quanto à agressão que admite nesse dia (parcialmente factos 17 a 26) - admitindo que podem ter ocorrido lesões, mas desconhecendo porque depois da agressão foi embora. Nesse dia foi ao café … com a BB. Foram falar (não se percebendo se o motivo era o que refere porque não tinham falado em casa”). Disse “Sei que me roubaste, - o roubo era de haxixe, - a atitude que tivesse não está correta, eu ajudei-te (não explicando como sequer em teria consistido a ajuda. Como esta disse sempre que não, “num acto de impulso na esplanada” quando estavam mesmo a sair do café, deu-lhe uma bofetada. Levantou-se primeiro, “e conforme vai para se ir embora, deu-lhe uma bofetada”. A ofendida ficou sentada. Foi –se embora do local não vendo as efectivas lesões desta – (Diga-se que a agressão referida como uma bofetada desde logo apenas por si é pouco compatível com as lesões sofridas pela ofendida, ainda graves que constam dos pontos 27 e seguintes, a ofendida sofreu “fratura dos OPN e do septo nasal” e “Edema da região nasal e malar”, causa direta, necessária e adequada de um período de 20 dias de doença, com afetação da capacidade para o trabalho em geral e sofreu “desvio do eixo do nariz e obstrução nasal esquerda com consequências permanentes”.( factos que decorrem do exame médico dos autos e relatório de exame pericial)- Não se mostra credível esta a sua versão nem neste aspecto nem no aspecto que não tinha qualquer relação com a ofendida. “Refere que não tiveram qualquer tipo de relação amorosa” ficou estupefacto quando leu o processo (não se percecionando logo, porque disse de imediato estar muito arrependido). A BB pernoitou em sua casa duas três vezes máximo, “tinham uma afinidade, eram amigos, e ambos consumidores” (adiante diz que a BB consumia cocaína e que apenas consumia haxixe e que nem sequer gostava que consumissem cocaína em sua casa,). A BB tinha relações com outras pessoas (não identifica) e também tinha uma amizade colorida, com outra pessoa que não identifica.
Desde logo se verifica que sendo a BB, na sua versão consumidora de haxixe e cocaína, e referindo ser apenas consumidor de haxixe( e não gostar de consumos de cocaína em sua casa) mostra-se bastante incongruente que esta fosse a sua casa por terem “ essa afinidade “ Refere neste aspecto depois que como ia a BB “iam milhares de pessoas”- a sua casa, fazia muitas festas, pois vivia sozinho - (depois de ter dito que era muito amigo desta, e que era por isso que esta lá ficava e que tinham “uma afinidade”). Não refere em momento algum que na altura vivesse mais alguém em sua casa.
Uma vez foram os agentes da polícia à sua porta, a BB ia buscar as suas coisas. Negou que alguma vez esta tido objetos seus em sua casa não explicando essa situação. Foi que a BB “foi lá “do nada”, dizia que tinha lá coisas, foi antes da situação do café (sendo a sua versão muito incongruente). Refere depois que “vai para seis meses na sua actual relação”, de onde se conclui que tal como no aspecto laboral a sua situação é bastante instável, referindo imensos trabalhos sem contrato, em várias áreas de actuação, estes de curta duração. Não vemos na verdade qualquer razão para que a ofendida ficasse em casa do arguido do modo, como descreveu, tendo em conta primeiramente que a sua versão é incongruente( não gostava de pessoas consumidoras de cocaína em sua casa pelo que não havia razão para esta lá ficar) e tendo em conta o depoimento claro da mesma, caso não existisse uma relação de namoro / no caso, união de facto entre estes não faria sentido que a BB o contactasse (como disse) quando estava assustada devido aos consumos que fazia e para a ajudar mesmo porque “ a relação de afinidade que tinham se relacionava com consumos”. Nessa altura contactava-o, dizendo que aceitava que ficasse em sua casa, e que de manhã teria que sair (totalmente incompatível com o facto de referir que eram amigos, que a queria ajudar, e que esta ficava em sua casa sempre que lhe pedia para o fazer e que tinham “uma afinidade). Além de que disse que “eram amigos” e que essa era a razão pela qual esta ficava na sua casa, tinham uma ligação de afinidade por causa dos consumos. Na altura tinha outras relações, não explicando se a BB sabia. A BB também tinha outras pessoas, referindo a tal propósito que sabia porque” “nas redes sociais sabe-se tudo”, o que leva a crer que tinha conhecimento das redes sociais desta (apesar de depois dizer que não sabia dela nas redes sociais). Tal interessava-o (não se percebendo porque motivo, pois, diz que não tinham qualquer relação). Havia pessoas amigas que lhe vinham dizer, contar que a BB tinha outras relações, e “para ter cuidado”, - o que não faria qualquer sentido- quer que tivesse conhecimento das redes sociais, quer que lhe fossem dizer o que esta fazia, e o que postava, se não vivessem juntos/ se não existisse uma relação de namoro entre ambos. Também não faria sentido que apenas consumindo haxixe (como disse), e consumindo a dita BB cocaína (o que não gostava que fizessem na sua presença e menos ainda em sua casa) a aceitasse, e quisesse em sua casa, tal como disse querer. Refere, que “está limpo de todo o tipo de drogas” (expressão que não costuma ser utilizada para consumos de haxixe e que conseguiu a “frio”). Anda a tentar ter um trabalho em condições - antes tinha dito que sempre trabalhou, mas depois diz que não o fez, que os trabalhos anteriores eram instáveis, por vezes, biscates sem contratos ou sequer recibos. Desistiu das consultas que fez a determinada altura não sabendo explicar dos motivos. Quanto à prova testemunhal não pode deixar de se considerar que a testemunha BB, foi clara, isenta, imparcial e concreta, sendo a sua versão por confronto com a do arguido muito credível. Refere que viveu em união de facto com o arguido. Começaram a namorar, - tem dificuldade com datas, mas devia ter sido em 2017/ 2018. Depois, mais tarde teria sido em 2019 começaram a viver juntos, a casa era onde vivia o arguido.
Sabia que o arguido era consumidor de produtos estupefacientes em concreto, cocaína. Primeiro não se davam mal (referindo –se aos primeiros meses), mas depois começaram a haver problemas. “Era do nada”, essencialmente “ciúmes”. Começava a discutir do nada, ao início não havia situações de violência física, estava sempre a chamar-lhe nomes, “puta”, “vaca”, dizia que “não prestava para nada”. Dizia muitas vezes que a matava se se separasse. Era habitual o arguido começar a partir coisas em casa, objecto vários. Dava murros nas portas e partia-as, (é consistente, pois refere mesmo que as coisas que estavam em casa e que este partia eram mais dele do que dela). Além de partir portas, partiu a máquina de lavar, objecto de vidros, partia tudo o que lhe aparecia à frente. Tal começou cerca de dois meses depois de estarem juntos. As discussões verbais começaram primeiro, cerca de três meses, foram as ameaças e partir coisas. Tentava acalmá-lo porque acha que agia assim por causa do seu problema de dependência de drogas, mas muitas vezes não conseguia. O arguido de vez em quando fazia biscates nas obras, mas não tinha trabalho consistente (o próprio o diz). Pedia-lhe dinheiro para consumos, se não desse, sabia que havia outro tipo de consequências, (ameaças, agressões verbais, uma vez já lhe tinha batido não conseguindo precisar a data, fez-lhe uma mata leão).
A situação de consumo surgia como discussão, além dos ciúmes, sentia-se coagida a dar dinheiro porque tinha medo das consequências, o arguido começava logo a ameaçar a insultar e a partir tudo. Em 2018, foi a primeira vez que foi agredida (situação da mata leão), mas depois voltou, fizeram as pazes. O arguido estava sempre a dizer que ia mudar, sabia ser muito manipulador. Por causa disso, durante o relacionamento, cerca de três/quatro vezes, na sequência de tais discussões, abandonou a residência. Nessas alturas queria separar-se, mas este ia atrás de si e acabava por acreditar. Em agosto de 2020, ia a casa da sua mãe, talvez fosse quase de noite, estava na rua e o arguido perguntou-lhe se ia para casa. Solicitou-lhe dinheiro para comprar tabaco, mas não tinha, e por isso, negou. Depois da sua recusa o arguido ficou furioso e ao mesmo tempo que lhe puxou a mala e começou a bater-lhe desferiu-lhe chapadas na face, e na cabeça e empurrou-a, fazendo-a cair ao chão. Depois, sem ver ao menos como estava, levou a sua mala consigo, na qual tinha o seu telemóvel e algum dinheiro (era pouco apenas 10.00 euros – era para comprar tabaco). Dessa vez saiu de casa deste e foi viver para a casa da sua mãe, onde permaneceu cerca de uma semana. O arguido pediu-lhe que voltasse, disse mais uma vez que ia mudar. Acreditou e voltou. Durante duas semanas esteve bem, mas depois voltou ao mesmo, eram constantes, injúrias e ameaças, partia tudo. No dia 11 de dezembro de 2020, na residência ao acordar, o arguido, começou sem nenhuma razão que lhe tenha explicado a partir móveis e objetos que se encontravam na residência, (logo que acordou já estava assim, devia ser por falta de dinheiro para a droga). Achou que o devia tentar acalmar, e disse para irem ir café. Foram até ao estabelecimento comercial denominado “...”, em .... Naquele local, o arguido bebeu uma cerveja. Disse para voltarem para casa, mas estava com medo (sentia medo do arguido) e recusou. O arguido começou a puxar para se irem embora. Encostou-lhe uma colher de café à face pressionando-a, dizendo que a ia matar, se não fosse consigo. Saíram para a esplanada e aí puxou-a de novo. Como resistiu, começou a dar-lhe socos e pontapés, começou a sangrar do nariz, dizia constantemente ao mesmo tempo que a agredia que a ia matar. Deu-lhe pontapés nas costas e nas pernas e murros na face. Começou logo a sangrar e ficou com as lesões que constam dos pontos 27 a 29. Caiu, mas o arguido não a socorreu, agarrou na sua mala e foi –se embora. Sofreu dores. Há cerca de um ano foi a última vez que o viu. Este ainda queria falar consigo, mas não quis. Foi a sua casa com a polícia buscar a sua roupa e objecto pessoais, mas este disse que não tinha lá nada.
Já algumas vezes tinha destruído a sua roupa, cortava –a por causa de ciúmes, tal sucedeu mais do que uma vez, cortou-lhe a roupa toda e deitou-a fora. Nunca recuperou nada seu que tenha ficado em casa do arguido embora tenha ido a casa deste com a polícia para tal efeito.
Tentava ajudá-lo, gostava dele, mas sentia medo, tinha medo que fizesse alguma coisa, embora achasse que agia assim por causa dos problemas do passado e dos consumos. Acreditava sempre que este ia mudar, o que não sucedia. A testemunha CC, viu o casal em causa no café, no dia 11 de dezembro de 2020, é dona do mesmo. Dentro do café estavam a falar, não reparou em nada, estava a fazer outras coisas. Depois devem ter saído, ouviu gritos lá fora na esplanada. Saiu e viu a cara da senhora toda ensanguentada. Não havia muita gente. Antes via que se sentavam por vezes no café, mas não se recorda se discutiam. Não viu a agressão, apenas ouviu gritos no exterior e viu a ofendida toda ensanguentada na cara sendo que a mesma tinha caído no chão. Não estava mais ninguém com esta além do arguido - que depois da agressão se foi embora (como o próprio admite) – de onde que apenas este a poderia ter agredido. A testemunha DD, agente da polícia PSP do Seixal, não conhece o arguido e apenas conhece a ofendida no exercício das suas funções. A ofendida foi à polícia relatar os factos (pelo que nesta parte o seu conhecimento é indireto), mas tem a ideia de que apresentava hematomas no rosto. No mais, apenas sabe o que esta lhe disse.
A testemunha EE, Agente da PSP do Departamento de Investigação Criminal, foi confrontada com o teor de fls. 159 tendo confirmado que lavrou tal aditamento, mas não se recordando bem da situação. Acha que foram com vítima segundo se recorda por uma questão preventiva a casa do arguido, porque se tratava de uma situação de violência doméstica. A testemunha FF, cuja audição foi requerida ao abrigo do disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal, actualmente namorada do arguido prestou um depoimento pouco relevante, sem conhecimento concreto dos factos, e sendo contraditória a sua versão com a versão do arguido (que jamais referiu que vivia mais alguém em sua casa e que a BB tinha uma relação com tal pessoa). Além disso, antes de ser requerida a sua inquirição, o que foi dito que seria sobre esclarecimentos ao relatório social, a mesma esteve uma parte do tempo na sessão anterior na sala de audiência, a assistir à restante prova. Refere que é namorada do arguido, desde janeiro, agora tem uma “relação assumida com este. Explicando depois que já teve noutras fases, relação de natureza emocional com este, mas não eram assumidas. Conhece o mesmo arguido “da noite desde 2010” e desde 2013 do círculo de amigos. Já tiveram relações emocionais antes, - antes de 2018 e depois de 2019. Não era uma relação fixa porque na altura vivia com uma pessoa. Sabe que vivia um senhor - que não identifica corretamente em casa do arguido- porque ia muitas vezes a sua casa deste (não concretizando quando, sendo muito vaga) nunca viu lá a BB. Conhece a BB (também) do círculo de amigos, depois dizendo que apenas a conhece de vista desde 2013. Não foi nada clara, não fazendo sentido que tendo uma relação com o arguido, e indo tantas vezes a casa deste como disse fazer (mas era uma relação oculta) vivesse em simultâneo com outra pessoa como disse fazer, e também que diga que a BB tinha uma relação, com uma pessoa que vivia em casa do arguido “o tio Zz”, mas que ainda assim nunca a tenha visto em casa do arguido. Segundo disse em 2019 / 2020 o arguido vivia com o mesmo” Tio Zz” (o que nem mesmo o arguido disse dizendo que vivia sozinho). Sabe que o arguido consome, mas nunca o fez à sua frente, acha que são “ganzas. Nada mais com relevo referiu Ora tendo em conta os meios de prova aludidos de acordo com regras de experiência comum, embora existindo duas versões diversas (a do arguido e da ofendida) dúvidas não nos restam de que a apresentada pela ofendida a testemunha BB se mostra credível, clara, isenta em conformidade com os elementos objectivos dos autos, prova documental e por exame médico dos autos não havendo qualquer fundamento para duvidar dessa versão - o que o arguido também não consegue explicar, tanto que actualmente nem mesmo se relaciona com a ofendida, sendo que a testemunha CC viu a ofendida toda ensanguentada após a discussão com o arguido, a DD, agente da polícia PSP do Seixal, viu hematomas no rosto desta, e a testemunha EE, Agente da PSP do Departamento de Investigação Criminal foi a casa do arguido seria numa situação preventiva sendo compatível com a versão da ofendida que foi as coisas a casa do arguido. Assim tendo em conta o conjunto destes meios de prova ficam provados os factos 1 a 29.
No mais, tendo em conta regras de experiência comum e os factos que constam dos pontos 1 a 29 provados pode-se concluir que ao agir do modo supra descrito, durante a coabitação, o arguido quis maltratar física e psicologicamente a ofendida, como efetivamente maltratou, molestando o seu corpo, provocando-lhe dores, ofendendo-a na sua honra e consideração e coartando-a na sua liberdade pessoal com as expressões que lhe dirigiu e com os seus atos, fazendo-a temer pela sua vida e pela sua saúde, tratando-a de forma incompatível com a dignidade humana, bem sabendo que a ofendida era sua companheira, e bem sabendo ainda que todas as suas descritas condutas eram adequadas a atingir tais propósitos e ao não se coibir de praticar tais factos no interior da residência da ofendida onde esta se deveria sentir protegida e onde ninguém a pode auxiliar bem sabia o arguido que as suas condutas eram especialmente gravosas e censuráveis e em todas as suas atuações, o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei( pontos 30 a 32) tal como o saberia qualquer cidadão medianamente socializado. Quanto aos factos provados antecedentes criminais tomou –se em conta o teor do certificado de registo criminal do arguido (pontos 33 e 34). Quanto aos factos provados sob os pontos 35) a 61) - situação económico social do arguido e seu percurso de vida tomou-se em conta o relatório social deste junto aos autos e ainda alguns esclarecimentos do mesmo que diga-se lhe foram claramente desfavoráveis destes se percecionando que não mantinha qualquer trabalho estável ( como o próprio o refere), dizendo apenas pretender fazê-lo para futuro uma vez que se encontra agora com contrato de trabalho temporário ( apenas há pouco mais de 4 meses) . Quanto aos factos não provados sobre estes não se produziu ou apresentou qualquer prova».
2. Fundamentação:
São as seguintes as questões a decidir:
a. se existe erro de julgamento - Impugnação sobre a matéria de facto, perpassando, igualmente, pela alegada insuficiência da prova e contradição com a fundamentação, bem como a insuficiência da matéria de facto provada concatenada com o princípio do in dubio pro reo.
b. Se a pena aplicada deveria ter sido suspensa na sua execução.
a. Em sede de recurso, pode o Tribunal da Relação de Lisboa reapreciar a matéria de facto por uma de duas vias.
Por um lado, como consequência da apreciação dos vícios previstos no art.º 410.º/2 do Código de Processo Penal, ou seja, com um âmbito mais restrito. Neste domínio, o Tribunal deverá verificar a ocorrência de tais vícios a partir do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Constatada a ocorrência de um dos apontados vícios, cumpre ao Tribunal de recurso corrigir a decisão de facto em conformidade, ou remeter o processo à primeira instância para proceder a tal reparação caso não esteja ao seu alcance, desta forma alcançando o fim do recurso.
Por outro lado, poderá o Tribunal da Relação de Lisboa ser chamado a pronunciar-se no âmbito de uma impugnação ampla da matéria de facto, feita nos termos do art.º 412.º/3, 4 e 6 do Código de Processo Penal, caso em que a apreciação versará a prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente.
Neste caso, o recurso não corresponde a um segundo julgamento para produzir uma nova resposta sobre a matéria de facto, com audição das gravações do julgamento da primeira instância e reavaliação da prova pré-constituída, mas sim um mero remédio corretivo para ultrapassar eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida. Tais erros emergirão como resultado de uma deficiente apreciação da prova e terão sempre de corresponder aos concretos pontos de facto identificados no recurso.
Tanto assim é que são reconhecidas limitações ao “segundo” julgamento que ao Tribunal de recurso assiste, com base na prova documentada [vd. Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 26.10.2021, Desembargador Manuel Advínculo Sequeira – ECLI:PT:TRL:2021:510.19.6S5LSB.L1.5.DD «Como é sabido, o recurso sobre a matéria de facto não equivale a um segundo julgamento, pois é apenas uma possibilidade de remédio para apreciação em que claramente se haja errado.
É exatamente por isso, que se exige que o recorrente identifique os pontos de facto que considera mal julgados e relativamente a cada um ofereça uma proposta de correção para que o tribunal “ad quem” a possa avaliar, procedendo à correção da decisão se as provas indicadas pelo recorrente, relativamente a cada um desses factos impugnados, impuserem decisão diversa da proferida.
Em matéria de apreciação da prova, rege o artigo 127°, do Código de Processo Penal: “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Tal livre apreciação da prova, não é livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, objetivável e motivável. Não significando porém, que seja totalmente objetiva pois, não pode nunca dissociar-se da pessoa do juiz que a aprecia e na qual “(…) desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais (…)”, (cf. Professor Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, pág. 205). Neste mesmo sentido podem ver-se ainda variadíssimos autores entre os quais Rodrigues Bastos (in Notas ao Código de Processo Civil, III, pág. 221), que defende, que ao juiz “… não é permitido julgar só pela impressão que as provas oferecidas pelos litigantes produziram no seu espírito, mas antes se lhe exige que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se expressará na correspondente motivação”. E também o Professor Cavaleiro Ferreira (in “Curso de Processo Penal”, 1 vol., Reimpressão da Universidade Católica) “o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza cientifica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”. É que o sistema processual moderno atribui ao julgador uma maior liberdade, mas não um arbítrio a que a lei seja indiferente. Se o julgador interpreta a liberdade de apreciação como um domínio arbitrário da sua vontade sobre a matéria de facto, e oferece às partes, como conteúdo de jurisdição, a sua fé ou convicção sem provas e sem base objetiva, ultrapassa os limites da liberdade de apreciação, que não pode confundir-se com a supressão da prova, ou com a faculdade, por exemplo, de inverter por seu alvedrio o ónus da prova. A livre valoração da prova não pode, pois, ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas sim valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitia objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão.
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspeto trata-se de credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a determinado meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correção do raciocínio que há-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência. (…) Importa ainda anotar que a objetividade que aqui importa «não é a objetividade científica (sistemático-conceitual e abstrato-generalizante), é antes uma racionalização de índole prático-histórica, a implicar menos o racional puro do que o razoável, proposta não à dedução apodítica, mas à fundamentação convincente para uma análoga experiência humana, o que se manifesta não em termos de intelecção, mas de convicção (integrada sem dúvida por um momento pessoal)» E, na expressão de Figueiredo Dias, a convicção da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável — Curso de Processo Penal, II, Verbo, Lisboa, 1993. P. 111.
Sobre esta questão, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 18 de Janeiro de 2001, processo nº 3 105/2000-5 secção, sumários de Acórdãos do STJ, Boletim nº 47, considerou: (…) II — O princípio contido no art.127°, do CPP, estabelece três tipos de critérios para a apreciação da prova com características e natureza completamente diferentes: haverá uma apreciação da prova inteiramente objetiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, já de carácter eminentemente subjetiva e que resulta da livre convicção do julgador. III — É certo que tudo isto se poderá conjugar, e também é certo que a prova assente da livre convicção poderá ser motivada e fundamentada, mas neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjetivos, embora explicitados para serem objeto de compreensão.
IV — Seja como for, a motivação probatória compete sempre aos julgadores e não pode ser posta em confrontação com as convicções pessoais do recorrente. (…) – Paulo Barreto, juiz desembargador da 5ª secção do Tribunal da relação de Lisboa.
Obstando à omissão de pronuncia, porquanto o arguido alega a insuficiência da matéria de facto, deve ter-se presente que:
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código do Processo Penal, tem de resultar do texto da decisão recorrida.
Os vícios contemplados nas três alíneas do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal são vícios que resultam, portanto, da própria estrutura da sentença devendo ser detetáveis pela simples leitura e análise daquela.
Na insuficiência da matéria de facto para a decisão, a matéria de facto apurada no seu conjunto terá de ser incapaz para, em abstrato, sustentar a decisão condenatória ou absolutória tomada pelo tribunal” (Ac. STJ de 07/06/2021, processo n.º 8013/19.2T9LSB.L1.S1).
Ou seja, é necessário que se verifique uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito.
Como se refere no Acórdão do STJ de 21.06.2007 (Processo 07P2268), a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é “a insuficiência que decorre da circunstância de o Tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão, que constituam o objecto da decisão da causa, ou seja, os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultantes da acusação ou da pronúncia, segundo o art. 339º, nº 4 do CPP”.
Assim, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nada tem a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão proferida (questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, enquadrado nos termos do art. 127º do Cód. Proc. Penal, e insindicável em reexame da matéria de direito), sendo que o vício em questão só pode ter-se como existente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão final.
O arguido foi condenado pela da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos artigos 152.º, n. º1, alínea b), n. º2, alínea a), do Código Penal. Estatui o citado normativo que “1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 - No caso previsto no número anterior, se o agente: a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento; é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.”.
O tipo objectivo de ilícito é constituído pelos seguintes elementos:
a) Infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição normativa.
Os maus tratos físicos correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples, isto é, traduzem-se na ofensa no corpo de outrem (“mau trato através do qual o ofendido (…) é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante”).
Os maus tratos psíquicos correspondem a humilhações, provocações, molestações, ameaças, podendo consubstanciar os crimes de ameaça simples ou agravada, coacção simples, difamação e injúria.
Não se exige a reiteração do mau trato, podendo este traduzir-se num acto isolado que seja de tal modo intenso que preencha o tipo sub judice.
Efectivamente, na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 98/X, que esteve na génese da revisão do Código Penal introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, refere-se que a “A revisão procura fortalecer a defesa dos bens jurídicos, sem nunca esquecer que o direito penal constitui a ultima ratio da política criminal do Estado” acrescentando-se que “Na descrição típica da violência doméstica e dos maus tratos, recorre-se, em alternativa, às ideias de reiteração e intensidade, para esclarecer que não é imprescindível uma continuação criminosa.”.
Os bens jurídicos tutelados por esta norma penal incriminadora são a integridade física e psíquica, a liberdade, auto-determinação sexual e a honra de pessoa que com o arguido mantenha a relação familiar, parental ou de dependência prevista no tipo (atenta a natureza de crime específico impróprio deste ilícito).
Efectivamente, o “fundamento último das acções e omissões abrangidas pelo tipo reconduz-se ao asseguramento das
condições de livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima, de tipo familiar ou análogo”
Este bem jurídico encerra, pois, os direitos fundamentais à integridade pessoal (artigo 25.º, da Constituição da República Portuguesa) e ao livre desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º, da Constituição da República Portuguesa), ambos emanações do princípio da dignidade da pessoa humana.
Por conseguinte, “a degradação, centrada na pessoa do ofendido, desses valores jurídico-constitucionais deve ser a pergunta operatória no distinguo entre o crime de violência doméstica e todos os outros que, por via do até aqui designado “concurso legal”, com ele se relacionam”
A Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011 (ratificada por Portugal em 2013), no seu artigo 3º, alínea b) estabelece que, para os respetivos efeitos, «Violência doméstica» abrange todos os atos de violência física, sexual, psicológica ou económica que ocorrem na família ou na unidade doméstica, ou entre cônjuges ou ex-cônjuges, ou entre companheiros ou ex-companheiros, quer o agressor coabite ou tenha coabitado, ou não, com a vítima.
Entre nós, o tipo de ilícito em apreço, integrado no título dedicado aos crimes contra as pessoas e, dentro deste, no capítulo relativo aos crimes contra a integridade física, visa tutelar, não a comunidade familiar e conjugal, mas sim a pessoa individual na sua dignidade humana, abarcando, por isso, os comportamentos que lesam esta dignidade25 26. O bem jurídico protegido por este tipo de crime – a saúde física, psíquica e mental – é complexo e pode ser atingido por todos os comportamentos que afetem a dignidade pessoal do cônjuge, ou de progenitor de descendente comum, no que para o caso em mãos releva (cf. alíneas a), e c) do nº 1 do artigo 152º do Código Penal).
O preenchimento do tipo legal não se basta com qualquer ofensa à saúde física, psíquica e emocional ou moral da vítima: «O bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana- Processo 489/21.4SXLSB.L1-5, Tribunal da Relação de Lisboa, relatado por Sandra Oliveira Pinto (IGFEJ, jurisprudência).
A matéria de facto provada na sentença sob recurso não deixa dúvidas sobre o preenchimento do tipo pelo qual o arguido foi condenado, a existência de violência verbal e física, no contexto de uma relação de união de facto ou similar, a culpa e a imputação subjetiva « Ao agir do modo acima descrito, o arguido quis maltratar física e psicologicamente a ofendida, como efetivamente maltratou, molestando o corpo, provocando-lhe dores, ofendendo-a na sua honra, e consideração e coartando-a na sua liberdade pessoal, com as expressões que lhe dirigiu e com os seus atos, fazendo-a temer pela sua vida, e pela sua saúde, tratando-a de forma incompatível com a dignidade humana, bem sabendo que a ofendida era sua companheira, e bem sabendo ainda que todas as suas descritas condutas eram adequadas a atingir tais propósitos;
Mais, ao não se coibir de praticar tais factos no interior da residência comum onde vivia com a ofendida, e onde esta se deveria sentir protegida e onde ninguém a pode auxiliar, bem sabia o arguido que as suas condutas eram especialmente gravosas e censuráveis.
Em todas as suas atuações, o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
E nesta conformidade se fez a adequada subsunção jurídico-penal.
Pelo que não se verifica o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto de facto provada, nos termos expostos e decorrentes do texto da sentença.
Vejamos agora se a sentença padece de eventual insuficiência da prova para a decisão proferida ou erro de julgamento de acordo com a prova apreciada, com a alegada violação do princípio do in dubio pro reo.
Conforme se lê no Acórdão desta mesma relação de Lisboa e desta secção, relatado por Manuel José Ramos da Fonseca, processo 171/23.8PASNT.L1 (IGFEG, Jurisprudência) … “na audiência, o Tribunal é confrontado com um concreto caso, delimitado pelo princípio do acusatório, e com vista à apreciação do mesmo são apresentados diversos meios de prova que, pela sua natureza, serão apreciados de formas distintas.
Vários critérios operam neste campo.
O do momento da obtenção distingue entre a prova pré-constituída (recolhida no processo em momento anterior ao julgamento) e aquela cuja produção ocorre no decurso da sede de audiência. Na primeira tem sede a “prova científica”, produzida a partir de vestígios recolhidos e que traduz, sobre os mesmos, uma resposta à luz dos critérios científicos vigentes. Igualmente ali se estabelece a “prova documental”, cuja valoração pode estar, ou não, condicionada de acordo com a natureza e suporte do documento (escrito, áudio, vídeo, físico ou virtual/digital). Por último, aqui também se enquadrará a “prova” decorrente dos objetos apreendidos e juntos ao processo, estejam eles examinados ou não. Ao nível da prova produzida em audiência, a mais varela das provas é a “prova testemunhal”, pelo pendor de subjetividade que a sua ponderação acarreta, à qual se junta a apreciação da “prova por declarações” dos sujeitos processuais - Arguidos, Assistentes e Demandantes.
Num outro critério, o de proveniência, distingue-se a prova entre prova pessoal (a que emerge da atividade de uma pessoa - declarações e depoimentos), prova real (a que emana da observação ou da própria existência nos autos da coisa em si - documentos ou instrumentos utilizados no crime) - e prova pericial (advém da perceção e apreciação dos factos por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos).Por seu turno, os meios de prova não subtraídos à livre apreciação do julgador são a prova testemunhal (inquirição de pessoa sobre factos de que possua conhecimento direto); as declarações do arguido, do assistente e das partes civis; a prova por acareação; a prova por reconhecimento; a reconstituição do facto; e a prova documental (em geral). Já os meios de prova subtraídos à livre apreciação do julgador são a confissão integral e sem reservas no julgamento; o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados; a prova pericial (esta ainda que com exceção).
E daí que se apontem diferentes níveis ao juízo sobre a valoração da prova.
A inicial linha mestra de valoração, e também mais reveladora, resulta da credibilidade conferida ao meio de prova em causa. O que aquela concreta testemunha ou declarante disse não é per se bastante para lhe conferir credibilidade. De facto, a lei adjetiva não prevê qualquer regra de corroboração necessária e, exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações, o convencimento do julgador depende de uma conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante.
É dizer, para esta surgir essencial é a imediação e o que da mesma resulta através da forma como se sucedem questões e respostas, os tempos e a forma destas, as reações de quem responde, a consistência do dito, as explicações que emergem para discrepâncias, omissões ou certezas, tudo a imprimir no decisor uma convicção que nem sempre assume uma fácil explicação racional. Num segundo momento, cabe ao julgador valorar o resultado da produção desse meio de prova. Aqui, através dum sempre necessariamente correto raciocínio, têm intervenção as deduções, inferências, aplicação das regras da lógica ou dos princípios da experiência, de conhecimentos científicos, das ciências exatas ou sociais, e quais os resultados que essa análise produz, tudo se podendo reduzir à expressão “regras da experiência”.
Importa ainda anotar que a objetividade da verdade material dos factos que aqui importa nunca é plena. É sim a objetivamente alcançável. Na expressão de Figueiredo Dias, “a convicção da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável” (in Curso de Processo Penal, II, Verbo, Lisboa, 1993. p. 111) (sobre a questão de verdade material objetivamente pretendida, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, rel. Juiz Desembargador Júlio Pinto, 6 dezembro2021, NUIPC 152/21.6PBBGC.G1, acessível in www.dgsi.pt/jtrg onde se faz completa referência à explicitação de Castanheira Neves in Sumários de processo criminal, 1967 – 1968 edição policopiada, 1968).
Distinguindo, diz-nos o Juiz Conselheiro Costa Pereira (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 18janeiro2001, proc. 3105/00-5, acessível in www.stj.pt) que “[o] princípio contido no art. 127.°, do CPP, estabelece três tipos de critérios para a apreciação da prova com características e natureza completamente diferentes: haverá uma apreciação da prova inteiramente objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, já de carácter eminentemente subjectiva e que resulta da livre convicção do julgador. III — É certo que tudo isto se poderá conjugar, e também é certo que a prova assente da livre convicção poderá ser motivada e fundamentada, mas neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão. IV — Seja como for, a motivação probatória compete sempre aos julgadores e não pode ser posta em confrontação com as convicções pessoais do recorrente.
Aqui chegados, cientes da forma como tem que laborar o Tribunal em moldes de apreciação da prova, atendendo às provas que em concreto foram produzidas na audiência realizada no Tribunal a quo, considerando o modo como o mesmo fundamentou a prova em sede decisória, diversa pela via da criação da dúvida sobre a prática dos factos,  vejamos o alegado desrespeito pelo princípio in dubio pro reo como pretende o recorrente.
(…) há que relembrar, como já supra se delineou, que a apreciação por este Tribunal sobre a eventual violação do dito princípio se encontra dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto, designadamente erro notório na apreciação da prova, i.e., deve ser da análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, seguindo o processo decisório, evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o Tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Tal não significa que se pode incluir no erro notório na apreciação da prova a eventual discordância do recorrente quanto ao modo como o Tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si, em audiência, em conformidade com o disposto no art. 127.º do CPP.
(sobre a distinção, de forma incisiva diz-nos o Juiz Conselheiro Raul Borges, no já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 8julho2020, NUIPC 142/15.8PKSNT.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jtrg, que “[e]nquanto a valoração da prova, que compete aos julgadores, e só a eles, obedece ao regime do artigo 127.º do CPP e é necessariamente prévia à fixação da matéria de facto, o vício da alínea c), bem como os demais constantes das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, só surge perante o texto da decisão proferida em matéria de facto, que resultou daquela valoração da prova.(…) Estamos perante duas realidades que correspondem a dois passos distintos, sequenciais, tendo uma origem na outra: o de aquisição processual em resultado do julgamento; um outro, posterior, de consignação do que se entendeu ter ficado provado e não provado, no exercício final de um juízo decisório que se debruçou sobre a amálgama probatória carreada para os autos e dissecada/ponderada/avaliada após o exame crítico das provas, no seu conjunto e interligação, no jogo dialéctico das conexões, proximidades, desvios, disfunções, antagonismos. (…) Não se pode confundir o vício de erro notório na apreciação da prova com a valoração desta. Enquanto esta obedece ao regime do artigo 127.º do CPP e é prévia à fixação da matéria de facto, aquele – bem como os demais vícios constantes das alíneas do n.º 2 do art.º 410.º do CPP – só surgem perante o texto da decisão em matéria de facto que resultou daquela valoração da prova”. (igualmente neste sentido, cfr. Recursos Penais, Manuel Simas-Santos e Manuel Leal-Henriques, 9.º ed., p. 81). Uma coisa é o grau de exigência que se coloca no critério de aferição, outra coisa é a inclusão. E não se confundem.
Delimitando e vertendo ao caso:
Como se constata pela leitura da peça recursiva verificamos que o arguido se limita a referir que a prova produzida concatenada com os factos acusatórios foram incorretamente julgados pelo tribunal a quo, é insuficiente e está em contradição com a decisão de condenação.
O Tribunal a quo não relevou as manifestas incongruências verificadas nas declarações da Ofendida, nomeadamente ignorando a inexistência de bens na casa do Recorrente, a ausência dos seus filhos daquele que afirmava ser o seu domicílio, e até o total desconhecimento da morada, onde afirma ter habitado mais de 2 (dois) anos.
Ou seja, entende o arguido que não ficou provada qualquer união de facto ou equivalente.
Ora decorre da motivação que o Tribunal a quo explicita, de forma clara a razão pela qual deu credibilidade ao depoimento da ofendida em detrimento do arguido que negou a existência do relacionamento com a ofendida, dando como assente que ambos tiveram uma relação equivalente a uma união de facto.
Referindo-se ao arguido, refere o Tribunal a quo que não se mostra credível a afirmação do arguido que não tinha qualquer relação com a ofendida. “Refere que não tiveram qualquer tipo de relação amorosa” ficou estupefacto quando leu o processo (não se percecionando logo, porque disse de imediato estar muito arrependido).
A BB pernoitou em sua casa duas três vezes máximo, “tinham uma afinidade, eram amigos, e ambos consumidores” (adiante diz que a BB consumia cocaína e que apenas consumia haxixe e que nem sequer gostava que consumissem cocaína em sua casa,). A BB tinha relações com outras pessoas (não identifica) e também tinha uma amizade colorida, com outra pessoa que não identifica… sendo a BB, na sua versão consumidora de haxixe e cocaína, e referindo ser apenas consumidor de haxixe( e não gostar de consumos de cocaína em sua casa) mostra-se bastante incongruente que esta fosse a sua casa por terem “ essa afinidade “ Refere neste aspecto depois que como ia a BB “iam milhares de pessoas”- a sua casa, fazia muitas festas, pois vivia sozinho - (depois de ter dito que era muito amigo desta, e que era por isso que esta lá ficava e que tinham “uma afinidade”). Não refere em momento algum que na altura vivesse mais alguém em sua casa. Uma vez foram os agentes da polícia à sua porta, a BB ia buscar as suas coisas. Negou que alguma vez esta tido objetos seus em sua casa, não explicando essa situação. Foi que a BB “foi lá “do nada”, dizia que tinha lá coisas, foi antes da situação do café (sendo a sua versão muito incongruente). Refere depois que “vai para seis meses na sua actual relação” ... Não vemos na verdade qualquer razão para que a ofendida ficasse em casa do arguido do modo, como descreveu, tendo em conta primeiramente que a sua versão é incongruente( não gostava de pessoas consumidoras de cocaína em sua casa pelo que não havia razão para esta lá ficar) e tendo em conta o depoimento claro da mesma, caso não existisse uma relação de namoro / no caso, união de facto entre estes não faria sentido que a BB o contactasse( como disse) quando estava assustada devido aos consumos que fazia e para a ajudar mesmo porque “ a relação de afinidade que tinham se relacionava com consumos”. Nessa altura contactava-o, dizendo que aceitava que ficasse em sua casa, e que de manhã teria que sair (totalmente incompatível com o facto de referir que eram amigos, que a queria ajudar, e que esta ficava em sua casa sempre que lhe pedia para o fazer e que tinham “uma afinidade). Além de que disse que “eram amigos” e que essa era a razão pela qual esta ficava na sua casa, tinham uma ligação de afinidade por causa dos consumos. Na altura tinha outras relações, não explicando se a BB sabia. A BB também tinha outras pessoas, referindo a tal propósito que sabia porque” “nas redes sociais sabe-se tudo”, o que leva a crer que tinha conhecimento das redes sociais desta (apesar de depois dizer que não sabia dela nas redes sociais). Tal interessava-o (não se percebendo porque motivo, pois, diz que não tinham qualquer relação). Havia pessoas amigas que lhe vinham dizer, contar que a BB tinha outras relações, e “para ter cuidado”, - o que não faria qualquer sentido- quer que tivesse conhecimento das redes sociais, quer que lhe fossem dizer o que esta fazia, e o que postava, se não vivessem juntos/ se não existisse uma relação de namoro entre ambos. Também não faria sentido que apenas consumindo haxixe (como disse), e consumindo a dita BB cocaína (o que não gostava que fizessem na sua presença e menos ainda em sua casa) a aceitasse, e quisesse em sua casa, tal como disse querer. Refere, que “está limpo de todo o tipo de drogas” (expressão que não costuma ser utilizada para consumos de haxixe e que conseguiu a “frio”).
Quanto à prova testemunhal não pode deixar de se considerar que a testemunha BB, foi clara, isenta, imparcial e concreta, sendo a sua versão por confronto com a do arguido muito credível. Refere que viveu em união de facto com o arguido. Começaram a namorar, - tem dificuldade com datas, mas devia ter sido em 2017/ 2018. Depois, mais tarde teria sido em 2019 começaram a viver juntos, a casa era onde vivia o arguido. Sabia que o arguido era consumidor de produtos estupefacientes em concreto, cocaína. Primeiro não se davam mal (referindo –se aos primeiros meses), mas depois começaram a haver problemas. “Era do nada”, essencialmente “ciúmes”. Começava a discutir do nada, ao início não havia situações de violência física, estava sempre a chamar-lhe nomes, “puta”, “vaca”, dizia que “não prestava para nada”. Dizia muitas vezes que a matava se se separasse. Era habitual o arguido começar a partir coisas em casa, objectos vários. Dava murros nas portas e partia-as, (é consistente, pois refere mesmo que as coisas que estavam em casa e que este partia eram mais dele do que dela). Além de partir portas, partiu a máquina de lavar, objecto de vidros, partia tudo o que lhe aparecia à frente. Tal começou cerca de dois meses depois de estarem juntos. As discussões verbais começaram primeiro, cerca de três meses, foram as ameaças e partir coisas. Tentava acalmá-lo porque acha que agia assim por causa do seu problema de dependência de drogas, mas muitas vezes não conseguia. O arguido de vez em quando fazia biscates nas obras, mas não tinha trabalho consistente (o próprio o diz). Pedia-lhe dinheiro para consumos, se não desse, sabia que havia outro tipo de consequências, (ameaças, agressões verbais, uma vez já lhe tinha batido não conseguindo precisar a data, fez-lhe um mata leão). A situação de consumo surgia como discussão, além dos ciúmes, sentia-se coagida a dar dinheiro porque tinha medo das consequências, o arguido começava logo a ameaçar a insultar e a partir tudo. Em 2018, foi a primeira vez que foi agredida (situação da mata leão), mas depois voltou, fizeram as pazes. O arguido estava sempre a dizer que ia mudar, sabia ser muito manipulador. Por causa disso, durante o relacionamento, cerca de três/quatro vezes, na sequência de tais discussões, abandonou a residência. Nessas alturas queria separar-se, mas este ia atrás de si e acabava por acreditar. Em agosto de 2020, ia a casa da sua mãe, talvez fosse quase de noite, estava na rua e o arguido perguntou-lhe se ia para casa. Solicitou-lhe dinheiro para comprar tabaco, mas não tinha, e por isso, negou. Depois da sua recusa o arguido ficou furioso e ao mesmo tempo que lhe puxou a mala e começou a bater-lhe desferiu-lhe chapadas na face, e na cabeça e empurrou-a, fazendo-a cair ao chão. Depois, sem ver ao menos como estava, levou a sua mala consigo, na qual tinha o seu telemóvel e algum dinheiro (era pouco apenas 10.00 euros – era para comprar tabaco). Dessa vez saiu de casa deste e foi viver para a casa da sua mãe, onde permaneceu cerca de uma semana. O arguido pediu-lhe que voltasse, disse mais uma vez que ia mudar. Acreditou e voltou. Durante duas semanas esteve bem, mas depois voltou ao mesmo, eram constantes, injúrias e ameaças, partia tudo. No dia 11 de dezembro de 2020, na residência ao acordar, o arguido, começou sem nenhuma razão que lhe tenha explicado a partir móveis e objetos que se encontravam na residência, (logo que acordou já estava assim, devia ser por falta de dinheiro para a droga). Achou que o devia tentar acalmar, e disse para irem ir café. Foram até ao estabelecimento comercial denominado “...”, em .... Naquele local, o arguido bebeu uma cerveja. Disse para voltarem para casa, mas estava com medo (sentia medo do arguido) e recusou. O arguido começou a puxar para se irem embora. Encostou-lhe uma colher de café à face pressionando-a, dizendo que a ia matar, se não fosse consigo. Saíram para a esplanada e aí puxou-a de novo. Como resistiu, começou a dar-lhe socos e pontapés, começou a sangrar do nariz, dizia constantemente ao mesmo tempo que a agredia que a ia matar. Deu-lhe pontapés nas costas e nas pernas e murros na face. Começou logo a sangrar e ficou com as lesões que constam dos pontos 27 a 29. Caiu, mas o arguido não a socorreu, agarrou na sua mala e foi –se embora. Sofreu dores. Há cerca de um ano foi a última vez que o viu. Este ainda queria falar consigo, mas não quis. Foi a sua casa com a polícia buscar a sua roupa e objectos pessoais, mas este disse que não tinha lá nada. Já algumas vezes tinha destruído a sua roupa, cortava –a por causa de ciúmes, tal sucedeu mais do que uma vez, cortou-lhe a roupa toda e deitou-a fora. Nunca recuperou nada seu que tenha ficado em casa do arguido embora tenha ido a casa deste com a polícia para tal efeito. Tentava ajudá-lo, gostava dele, mas sentia medo, tinha medo que fizesse alguma coisa, embora achasse que agia assim por causa dos problemas do passado e dos consumos. Acreditava sempre que este ia mudar, o que não sucedia.
Quanto às lesões - factos ocorridos no café – a existência do o exame médico e as consequências da atuação do arguido sobre o corpo da ofendida, ou seja, prova documental, bem como, o depoimento da testemunha, CC, viu o casal em causa no café, no dia 11 de dezembro de 2020, é dona do mesmo. Dentro do café estavam a falar, não reparou em nada, estava a fazer outras coisas. Depois devem ter saído, ouviu gritos lá fora na esplanada. Saiu e viu a cara da senhora toda ensanguentada.
Refere o arguido que o Tribunal a quo ignora de forma absolutamente inconcebível o depoimento da Testemunha FF, não relevando o mesmo sequer no que concerne à existência de dúvida razoável. Sobre este depoimento o Tribunal consignou que …. “a testemunha FF, cuja audição foi requerida ao abrigo do disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal, actualmente namorada do arguido prestou um depoimento pouco relevante, sem conhecimento concreto dos factos, e sendo contraditória a sua versão com a versão do arguido (que jamais referiu que vivia mais alguém em sua casa e que a BB tinha uma relação com tal pessoa). Além disso, antes de ser requerida a sua inquirição, o que foi dito que seria sobre esclarecimentos ao relatório social, a mesma esteve uma parte do tempo na sessão anterior na sala de audiência, a assistir à restante prova. Refere que é namorada do arguido, desde janeiro e acrescenta o Tribunal a quo …« Não foi nada clara, não fazendo sentido que tendo uma relação com o arguido, e indo tantas vezes a casa deste como disse fazer (mas era uma relação oculta) vivesse em simultâneo com outra pessoa como disse fazer, e também que diga que a BB tinha uma relação, com uma pessoa que vivia em casa do arguido “o tio Zz”, mas que ainda assim nunca a tenha visto em casa do arguido. Segundo disse em 2019 / 2020 o arguido vivia com o mesmo” Tio Zz” (o que nem mesmo o arguido disse dizendo que vivia sozinho). Sabe que o arguido consome, mas nunca o fez à sua frente, acha que são “ganzas. Nada mais com relevo referiu.»
E conclui o Tribunal a quo, fazendo um exame crítico da prova que:
«Ora tendo em conta os meios de prova aludidos, interpretados de acordo com regras de experiência comum, embora existindo duas versões diversas (a do arguido e da ofendida) dúvidas não nos restam de que a apresentada pela ofendida a testemunha BB se mostra credível, clara, isenta em conformidade com os elementos objectivos dos autos, prova documental e por exame médico dos autos não havendo qualquer fundamento para duvidar dessa versão - o que o arguido também não consegue explicar, tanto que actualmente nem mesmo se relaciona com a ofendida, sendo que a testemunha CC viu a ofendida toda ensanguentada após a discussão com o arguido, a DD, agente da polícia PSP do Seixal, viu hematomas no rosto desta, e a testemunha EE, Agente da PSP do Departamento de Investigação Criminal foi a casa do arguido ……seria numa situação preventiva sendo compatível com a versão da ofendida que foi buscar as coisas a casa do arguido. Assim tendo em conta o conjunto destes meios de prova ficam provados os factos 1 a 29.»
E daí que como escreve Souto Moura (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 15julho2008, processo 08P418-5.ª, acessível in www.dgsi.pt/jstj) “I - Uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se faz da prova e outra é detetarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório. II - Por outro lado também não pode esquecer-se tudo aquilo que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite: basta pensar no que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir. III - O trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizados em 1.ª instância, e da fundamentação feita na decisão por via deles, traduz-se fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado como provado o que se deu por provado – cf. Acs. de 15-02-2005 e de 10-10-2007, Procs. n.ºs 4324/04 - 5.ª e 3742/07 - 3.ª, respectivamente.”
Tais conclusões do Tribunal a quo relativas à matéria de facto estão em consonância com a prova produzida e a sua convicção está devidamente fundamentada, com enquadramento legal no art. 127.º CPP.
De acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, como demonstra e aprecia criticamente a motivação, é razoável e acertado o entendimento do Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto. As provas existem para a decisão tomada e não se vislumbra qualquer violação ou contrariedade às normas de direito probatório, nada se revela errado, no que se incluem as regras da experiência e/ou da lógica que ensinam que está fora de qualquer dúvida razoável concluir que o Arguido foi autor dos factos pelos quais se mostrava acusado, que se deram como provados.
Face ao supra exposto e analisado, imbuído da imediação, explicitou o Tribunal a quo, de forma lógica, ponderada e bastante, as razões da sua convicção, explicou a formulação do juízo que formou sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sendo que da respetiva fundamentação decorre que não ficou com dúvidas sérias, no que respeita à prova efetuada pelo Ministério Público, naquela sede, quanto à versão acusatória e, como tal, tão só se pode concluir nada ter a apontar ao silogismo judiciário percorrido pelo Tribunal a quo ao valorar positivamente o depoimento das testemunhas em confronto com as declarações do Arguido recorrente, nada levando a concluir no sentido da necessidade de uso do princípio in dubio pro reo, uma vez que, como expressivamente afirma o Sr. Juiz Conselheiro Souto Moura (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 14abril2011, 117/08.3PEFUN.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj)“a dúvida é a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido.”
Inexiste, pois, fundamento para nesta parte alterar o decidido pela 1.ª instância, também porque não se verifica qualquer desrespeito do comando constitucional do art.º 32.º/2CRP.
Na sequência do que anteriormente se afirmou, (…) Normalmente, os erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar;
Quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os Recorrentes.” – Ac RL de 11.3.2021 proc.º 179/19.8JDLSB.L1-9:
Ora, a decisão sob recurso apresenta na motivação, todo um discurso logico e coerente no exame critico da prova produzida, não espelhando qualquer dúvida razoável e inultrapassável, mediante a qual tivesse que aplicar o princípio da presunção da inocência que atuando favoravelmente em relação ao arguido, levasse o Tribunal a optar pela absolvição.
*
b. Da suspensão da execução da pena.
Entende o recorrente que a pena deve ser suspensa na sua execução.
O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. art.º 50.º, n.º 1, do C.P.).
Esta pena de substituição só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, as quais se circunscrevem, de acordo com o artigo 40º do Código Penal, à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, sendo em função de considerações de natureza exclusivamente preventivas – prevenção geral e especial – que o julgador tem de se orientar na opção ora em causa.
Como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 518, pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – “bastarão para afastar o delinquente da criminalidade”. E acrescenta: para a formulação de um tal juízo - ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.
Vejamos pois:
A suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime».
Reafirma -se que “estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa”.
Esse prognóstico a efetuar consiste na esperança de que o agente ficará devidamente avisado com a sentença e não cometerá nenhum outro delito, e reporta-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do facto, razão pela qual devem ser tidos em consideração, influenciando-o negativa ou positivamente, designadamente, crimes cometidos posteriormente ao crime (s) objeto do processo e circunstâncias posteriores ao facto, ainda mesmo quando elas tenham já sido tomadas em consideração em sede de medida da pena.
São elevadas as exigências de prevenção geral, tendo em conta a frequência com que ocorre a prática deste crime, com consequências muito nefastas para a saúde, física e psíquica, das pessoas violentadas. A verdade é que o fenómeno da violência doméstica no nosso País tem sido sinalizado como um problema social a exigir medidas para a sua resolução, que têm vindo a ser adotadas nas sucessivas alterações nesta matéria ao Código Penal, assim como, a adoção de um Plano Nacional contra a Violência Doméstica.
Relativamente ás exigências de prevenção especial é necessário que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias do caso, se conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do agente de um crime, ou seja, que se conclua que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão, acompanhadas ou não da imposição de deveres (cfr. art.º 51.º do C.P.), regras de conduta (cfr. art.º 52.º do C.P.) e/ou regime de prova (cfr. art.º 53.º do C.P.), bastarão para o afastar da prática futura de crimes – Acórdão desta Relação de Lisboa, de 8/10/2024, processo 15/19.5JFLSB L15, relatado por Pedro Brito, especialmente na parte em que refere que na ponderação sobre a conduta anterior e posterior ao crime, relevam não só os crimes cometidos antes e depois do crime em causa, como aqueles que tendo sido cometidos em data anterior só posteriormente foram alvo de condenação.
Vertendo ao caso que nos ocupa, estão provados os seguintes factos:
« O arguido AA foi condenado no Tribunal Judicial da comarca de Lisboa, Seixal – J.L. Criminal - Juiz 3, processo comum singular, n.º 280/08.3pcsxl, por sentença datada de 2013/05/10, - data de trânsito julgado: 2013/06/11, pela prática de 1 crimes(s) de ofensa à integridade física qualificada - data da prática 2008/05/04, - na pena de 7( sete) meses de prisão, substituída por 210 dias de multa, à taxa diária de 5,00, no total de 1.050,00 euros substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade, pena que ainda não se mostra extinta, nem cumprida;
O arguido foi condenado no Tribunal judicial da comarca de Lisboa, Almada – J.L. criminal - juiz 1- processo comum, n.º 455/18.7GCALM, por sentença datada de 2021/01/13, - data de trânsito em julgado, 2022/03/18, pela prática de 1( um) crimes(s) de violência doméstica contra cônjuge ou análogos, - data da prática: 2018/05/09 - na pena de 3(três) anos de prisão, suspensa por 5 (cinco) anos sujeita ao dever de frequentar programa de prevenção contra a violência doméstica e subordinada ao dever de pagar à ofendida HH a indemnização fixada, durante os primeiros três anos do período da suspensão, e condenado na pena acessória de proibição de contacto com a vítima, pelo prazo de 4( quatro) anos;
Do relatório social que consta dos autos resulta, nomeadamente, com relevo que no hiato a que correspondem os alegados factos (de 2017 a dezembro de 2020) o arguido residia na localidade de ..., em habitação tomada de arrendamento, Neste período da sua vida (2018) AA veio a ser constituído arguido julgado e condenado pela prática entre 2015 e 2018 de factos tipificados como violência doméstica, contra a ex companheira HH, mãe da sua filha II, nascida em 2016, factos pelos quais foi condenado por sentença transitada em julgado, em sede do processo 455/18.7gcalm do tribunal judicial da comarca de lisboa, juízo local criminal de ... - juiz 1.
O arguido tem um outro filho, ainda menor, fruto de outra relação.
Na sequência da separação com a ofendida, o arguido terá retornado ao agregado da sua progenitora, na morada dos autos, aí se mantendo até à atualidade
Deste contexto, excetua-se o período em que o arguido constitui agregado com JJ, com quem contraiu matrimónio a 22-09-2023, e com quem coabitou em ...), vindo a separação igualmente a ser contextualizada, por factos tipificados, alegadamente como violência doméstica, no NUIPC 29/24.3SXLSB, o qual se encontra em fase de inquérito;
AA constitui na atualidade agregado com a sua progenitora e dois irmãos;
A totalidade dos elementos está em situação de inserção laboral, designadamente AA que desenvolve actualmente funções como técnico de manutenção no Hospital ..., por intermédio de contrato de trabalho temporário com a empresa ..., auferindo cerca de 850 euros mensais, trabalhando para esta empresa apenas há cerca de 4 meses e meio tendo exercido anteriormente actividades no âmbito da construção civil e outras de modo instável.
As principais despesas que por si são comparticipadas reportam-se as que estão inerentes à vida quotidiana no valor global de 200 euros, nomeadamente alimentação e higiene pessoal, serviços públicos essenciais, designadamente água, luz, gás, multimédia, telefone e renda de casa, cabendo as demais parcelas aos restantes membros do agregado com quem vive em economia comum.
AA desenvolve, na atualidade, relação de namoro com FF desconhecendo-se os contornos de tal relação, mas durando a mesma há seis meses. Com a ofendida, AA não mantém contactos, condição extensível à ofendida, que constituiu nova relação com elemento terceiro, inexistindo pendências patrimoniais ou outras que possam justificar contactos no futuro;
No plano comportamental, AA tem dificuldades emocionais, para as quais aparenta não possuir critica, nem capacidade de autorregulação.
A infância do arguido decorreu no seio de uma dinâmica familiar em que foi exposto a um quadro de instabilidade, que terá contribuído para vulnerabilidades pessoais;
O arguido foi consumidor de substâncias estupefacientes, pelo menos, haxixe desconhecendo –se se mantêm consumos;
O arguido, após um período de internamento no serviço de ... entre 03-02-2024 e 09-02-2024 - queixas de ansiedade- foi sinalizado à consulta de Psicologia do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital ..., Dra. GG, onde compareceu pela primeira vez a 28-05-2024 regressando 08-07-2024; 49.
Foi igualmente sinalizado à consulta de psiquiatria, também agendada para 28- 05-2024.
Concluiu o 6.º ano de escolaridade, apresentando habilitações literárias inferiores à escolaridade mínima obrigatória para um elemento da sua idade;
Encontra-se integrado em percurso educativo de validação de competências (...) com vista à obtenção do 9.º ano de escolaridade.
No âmbito do processo no qual o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Almada - JL Criminal - juiz 1, processo comum, n.º 455/18.7gcalm, pela prática de 1( um) crimes(s) de violência doméstica contra cônjuge ou análogos, na pena de 3( três) anos de prisão, suspensa por 5( cinco) anos com regime de prova, o plano de reinserção foi gizado em torno da obrigação de o arguido proceder à entrega à ofendida naqueles autos da quantia de 2500 euros até ao termo do terceiro ano após o trânsito em julgado da sentença, e na frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica (PAVD), programa de intervenção com uma duração mínima de 24 meses e composto por três fases sequenciais.
A primeira fase, onde o arguido presentemente se encontra, pretende a estabilização de eventuais problemáticas psicossociais (adições, inatividade ou outras) e a motivação para a alteração de comportamento violento.
Neste contexto, o arguido tem frequentado entrevistas de cariz motivacional, mas o trabalho encetado, não se tem revestido como contentor, existindo reservas quanto à capacidade de ajustamento e contenção no âmbito deste;
AA registou constrangimentos no cumprimento da medida de substituição da pena de prisão substituída por multa por trabalho a favor da comunidade, por si requerida em sede do Processo 280/08.3PCSXL do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal do Seixal – Juiz 3, tendo abandonado a sua execução;
AA apresenta um quadro de vida associado a uma tendência para a adoção de comportamentos disruptivos, no seio da vivência dos afetos.
Ainda que se destaque a existência de um reduzido conjunto de fatores de risco em relação à figura da ofendida, espelha-se a existência de constrangimentos futuros significativos na orientação do modo de vida do arguido no domínio da vivência dos afetos;
Destacam-se os antecedentes criminais pela prática do crime de ofensas à integridade física, o incumprimento de anterior medida de execução na comunidade, a situação de exposição/ testemunha ao quadro de instabilidade familiar por parte do arguido na primeira infância, consumos de substâncias estupefacientes, o histórico de violência nas relações de intimidade, e as limitações que apresenta ao nível das suas competências pessoais, nomeadamente a nível emocional, com dificuldades de auto controlo, condicionam as suas escolhas comportamentais, e traduzem a existência de limitações na construção futura de um modo de vida ajustado.
Neste contexto, as principais necessidades identificadas em AA centram-se na estabilização da sua situação pessoal, prossecução de atividade laboral (estável), e tratamento no domínio da saúde mental, com necessidade de obter motivação para a aprendizagem, e utilização de estratégias alternativas de comportamento no seio das dinâmicas relacionais interpessoais em contexto de intimidade.
Encontra-se em curso intervenção destinada a trabalhar estas circunstâncias, mas ainda que o arguido revele em termos gerais atitude de disponibilidade e colaboração, na comparência das entrevistas agendadas, verifica-se a ausência de permeabilidade ao trabalho motivacional encetado.
Conclui o relatório dizendo que;” Considerando que o presente processo se circunscreve a um período em que ainda não teria existido reação formal sobre a conduta de AA, pese embora o mesmo já tivesse em 2018 sido constituído arguido em sede do Processo 455/18.7GCALM, no caso dos presentes autos, caso decorra condenação, e caso haja lugar ao cumprimento de uma pena ou medida de execução na comunidade, a mesma, só se revelará como contentora se observar reparação à ofendida, e na consideração de que o arguido interiorize que tal decisão pode vir a constituir-se como a derradeira oportunidade de mudança a conceder pelo Sistema de Administração da Justiça Penal”.
Decorre dos antecedentes criminais do arguido que:
Perpassam pela vida do arguido vários episódios de violência, com as inerentes consequências criminais. As oportunidades anteriormente conferidas de cumprir pena alternativa/ substitutiva da pena de prisão e os reptos lançados pelas condenações anteriores não surtiram o efeito da advertência necessária, para se comportar de acordo com o dever ser jurídico penal, ao que acresce a condenação por este crime, com outra vítima.
Pelo que a não suspensão da execução da pena de prisão não oferece qualquer censura.
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3.DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar improcedente o recurso do arguido, AA, e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente, fixando-se em 3 UC a respetiva taxa de justiça.

Lisboa,19 de novembro de 2024.
Alexandra Veiga
Sandra Oliveira Pinto
Ester Pacheco dos Santos