CONTRATO DE EMPREITADA
OBRAS
LICENÇA DE CONSTRUÇÃO
AUTORIZAÇÃO
OBRIGAÇÃO
RESPONSABILIDADE
PAGAMENTO
DESPESAS
EMPREITEIRO
DONO DA OBRA
PROPRIETÁRIO
INCUMPRIMENTO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
ABUSO DO DIREITO
Sumário


I - O dono da obra é a pessoa que pela aquisição do terreno para construção, por via da celebração do contrato de compra e venda, se encontra na titularidade de um direito real que lhe foi transmitido.
II - Transmitindo-se a propriedade do bem, este novo titular que vai edificar, na qualidade de dono da obra, terá de comunicar ao processo administrativo, a substituição para o averbamento da alteração.
III - Recai sobre os donos da obra, na qualidade de titulares do direito de propriedade sobre o prédio em construção, o pagamento das inerentes despesas de licenciamento e não sobre o empreiteiro que executa a obra, não resultando tal interpretação do contrato formalizado, nem do regime geral da empreitada.
IV - Ao empreiteiro incumbe entregar a obra, em conformidade com o acordado no contrato, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário preconizado.
V - O empreiteiro goza de direito de retenção da obra se tiver um crédito contra o seu credor – o dono da obra, se o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados, em conformidade com o disposto no art.º 754.º do Código Civil.

Texto Integral


Processo nº 8567/20.OT8LSB.L1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

6ª. Secção

1-Relatório:

Os autores, AA e BB intentaram ação declarativa, com processo comum, contra a ré, Amazing Falcon Construções, Lda., pedindo:

- A sua condenação no pagamento do valor de € 76.410,70, a título de multas contratuais que lhe foram aplicadas, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva indicada;

- Condenar a ré a reconhecer a licitude quanto à resolução do contrato de empreitada conforme declarada pelos autores, com as legais consequências;

- Condenar a ré a devolver a obra aos autores;

- Condenar a ré a pagar aos autores € 2.500,00 por cada dia de atraso no cumprimento do dever de proceder à devolução da obra aos autores, desde 19.03.2020, a título de sanção pecuniária compulsória, que, atualmente, perfaz o valor líquido de € 37.500,00, sem prejuízo da liquidação subsequente até ao integral cumprimento da obrigação de devolução da obra, a liquidar em eventual execução de sentença;

- Condenar a ré a pagar aos autores € 16.500,00, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento de rendas com a habitação em substituição do imóvel objeto do contrato de empreitada em causa na presente ação, desde 16.05.2029 até hoje, sem prejuízo das rendas vincendas, à razão mensal de € 1.500,00, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores;

-Condenar a ré a pagar aos autores € 4.171,53, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento das prestações devidas pelo empréstimo contraído ao Banco Montepio, sem a contrapartida da utilização do prédio como sua habitação própria e permanente, até hoje, sem prejuízo das prestações mensais vincendas, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores;

- Condenar a ré a pagar aos autores a diferença entre o preço que se venha a apurar para a adjudicação dos trabalhos para a conclusão da empreitada e o valor dos trabalhos não executados e não pagos em razão do incumprimento da ré, que nesta data se prevê corresponder ao valor de € 111.769,91, sem prejuízo de eventuais alterações supervenientes, em razão do tempo de incumprimento do dever de devolver a obra aos autores;

- Condenar a ré a pagar aos autores € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais;

Para tanto, alegaram que celebraram com a ré um contrato de empreitada para construção de uma moradia. Na fase de execução, os autores adjudicaram à ré a realização de “trabalhos a mais”, que a ré se comprometeu a executar sem alteração do prazo de 14 meses inicialmente acordado.

Considerando a data de início dos trabalhos, a obra deveria estar concluída em 16 de maio de 2019, sendo que a ré não deduziu qualquer pedido de prorrogação do prazo contratual. A obra foi objeto de comunicação prévia àCâmara Municipal.... A possibilidade de edificação assente na comunicação prévia caducou em 16 de setembro de 2019. A caducidade ocorreu por falta de apresentação junto da CM… de novo pedido de prorrogação de que a ré estava incumbida.

Com a caducidade da comunicação prévia, a ré suspendeu a execução dos trabalhos de construção. Com vista a compelir a ré ao cumprimento das suas obrigações, os autores optaram por aplicar as multas contratualmente previstas, no montante global de 86.853,68 euros, que a ré não pagou. Os autores, em 16 de março de 2020, declararam a resolução do contrato de empreitada, com efeitos imediatos. Na sequência do incumprimento da ré, os autores sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento pretendem.

Citada a ré, contestou, alegando, que, na data da aquisição do prédio pelos autores, a anterior proprietária já dispunha de licenciamento aprovado para a construção da habitação projetada. Por este motivo, ficou contratualmente estabelecido que a ré diligenciaria por obter junto do anterior proprietário as licenças de escavação e contenções periféricas, de construção e utilização, mas devendo os autores, após a aquisição do lote de terreno, diligenciar pelo averbamento das licenças nos seus nomes e pela obtenção de eventuais prorrogações da licença (ou da comunicação prévia), caso fosse necessário.

A execução dos trabalhos de empreitada ficou marcada por diversas solicitações dos autores para alterações ao projeto inicial e execução de trabalhos a mais. Face às diversas exigências impostas pelos autores, a ré só concluiu a versão final do planeamento da obra em 15 de outubro de 2019. A caducidade da licença determinou a suspensão dos trabalhos o que foi comunicado aos autores. A ré reteve a obra para garantia dos seus créditos.

A ré deduziu também pedido reconvencional para obtenção do pagamento de trabalhos referentes a faturas vencidas e não pagas, e ainda das quantias respeitantes aos custos suportados com os serviços prestados após a suspensão dos trabalhos.

Pediu, ainda, a condenação dos autores como litigantes da má-fé.

Na sua réplica, os autores mantiveram a posição assumida na petição e pediram a condenação da ré como litigante de má-fé.

Prosseguiram os autos, vindo a final a ser proferida sentença, com o seguinte teor:

« Por tudo quanto exposto fica, decide-se:

a) julgar a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenar a ré:

i) a pagar aos autores o valor de € 76.410,70, a título de multas contratuais que lhe foram aplicadas nas circunstâncias supra-referidas, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva;

(ii) a reconhecer a licitude quanto à resolução do contrato de empreitada conforme declarada pelos autores, com as legais consequências;

(iii) a devolver a obra aos autores;

(iv) a pagar aos autores a quantia de 1.000,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento do dever de proceder à devolução da obra aos autores, a contar do trânsito em julgado da decisão;

(v) a pagar aos autores € 16.500,00, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento de rendas com a habitação em substituição do imóvel objeto do contrato de empreitada em causa na presente ação, desde 16.05.2019 até hoje, e rendas vincendas, à razão mensal que se verificar em cada momento, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores;

(vi) a pagar aos autores € 4.171,53, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento das prestações devidas pelo empréstimo contraído ao Banco Montepio, sem a contrapartida da utilização do prédio como sua habitação própria e permanente, até hoje, e prestações mensais vincendas, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores;

(vii) a pagar aos autores a diferença entre o preço que se venha a apurar para a adjudicação dos trabalhos para a conclusão da empreitada e o valor dos trabalhos não executados e não pagos em razão do incumprimento da ré, que nesta data se prevê corresponder ao valor de € 106.663,09 (com IVA), sem prejuízo de eventuais alterações supervenientes, em razão do tempo de incumprimento do dever de devolver a obra aos autores, e no mais se absolvendo a ré.

b) julgar a reconvenção parcialmente procedente, por provada, e em consequência condenar os autores a pagar à ré as quantias de 6.148,50 euros e 4.076,79 euros, referentes às faturas identificadas nos autos, devidas e não pagas, acrescidas de juros de mora vencidos no montante 401,32 euros e vincendos até efetivo e integral pagamento, no mais se absolvendo os autores».

Inconformada interpôs a ré recurso de apelação.

No Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido acórdão, com o seguinte teor na sua parte decisória:

«Em face do exposto, acorda-se em julgar parcialmente nula a sentença proferida pelo tribunal a quo, pelo que respeita ao decidido na subalínea v) da al. a) do dispositivo.

Na parcial procedência da apelação, em substituição ao tribunal recorrido na parte da sentença julgada nula, acorda-se em alterar a al. a) do dispositivo da decisão recorrida, decidindo-se:

a) julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:

i) condenar a ré a restituir aos autores o prédio identificado no ponto 2 – fundamentação de facto –, com a obra executada pela demandada nele implantada, no estado de execução existente em 17 de março de 2019, isenta de defeitos (na parte executada), sem prejuízo do decidido na subalínea ii) seguinte;

ii) julgar justificada a retenção pela ré do prédio identificado no ponto 2 – fundamentação de facto –, até ao momento do pagamento pelos demandantes do preço referido na al. b) do dispositivo da sentença;

iii) condenar a ré no pagamento aos autores, a título de indemnização, do valor das rendas efetivamente pagas pelo arrendamento do imóvel onde habitam, até ao limite mensal de € 1500,00 (mil e quinhentos euros), desde a data do pagamento do preço referido na al. b) do dispositivo da sentença recorrida, até à entrega do prédio determinada na subalínea i) da alínea a) deste dispositivo;

iv) condenar a ré no pagamento aos autores, a título de indemnização, da quantia de € 3 000,00 (três mil euros), por rendas pagas entre 16 de setembro e 15 de novembro de 2019;

v) absolver a ré do restante pedido pelos autores;

No mais, não compreendido na al. a) do dispositivo da decisão recorrida, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se a sentença apelada».

Inconformados interpuseram os autores recurso de revista, concluindo as suas alegações, após aperfeiçoamento:

I) De acordo com os factos provados, constata-se que o averbamento do procedimento administrativo em nome dos Recorrentes não impediu a emissão e renovação da comunicação prévia em causa;

II) De acordo com os factos provados, em momento anterior à caducidade da comunicação prévia, a Recorrida não solicitou ou alertou os Recorrentes para que procedessem ao averbamento da comunicação prévia ou para os riscos da falta de averbamento e caducidade (esta comunicação apenas ocorreu em data posterior à caducidade da comunicação prévia);

III) De acordo com os factos provados, o contrato de empreitada celebrado entre os Recorrentes e a Recorrida, é do tipo “chave na mão”, o qual compreende a realização de todos os trabalhos de construção civil, prestação de serviços, fornecimentos de materiais e de equipamentos necessários e indispensáveis à integral execução da obra, incluindo escavações, contenções periféricas, assentamento de fundações diretas e/ou indiretas, estruturas, betonagens, coberturas, revestimentos, instalações técnicas, equipamentos e tudo o mais que se revelar necessário e indispensável à concretização dos referidos objetivos, sendo da responsabilidade do EMPREITEIRO a obtenção das licenças de escavação e contenção periférica, de construção e de utilização;

IV) Uma empreitada é adjudicada tipo “chave na mão” sempre que o empreiteiro se compromete a entregar a obra pronta a ser afeta aos fins a que se destina, in casu, a habitação dos Recorrentes, sem mais;

V) Do contrato em causa na presente ação decorre que a Recorrida se obrigou a executar a obra destinada a habitação dos Recorrentes, como a obter todas licenças necessárias à obra, vinculando-se, neste caso, a agir como mandatária em nome e no interesse dos Recorrentes;

VI) De acordo com os factos provados, na data em que ocorreu a caducidade da comunicação prévia e a suspensão dos trabalhos pela Recorrida, os trabalhos a mais solicitados pelos Recorrentes não tinham sido iniciados, nem impediram a execução dos trabalhos;

VII) Os trabalhos a mais correspondiam a trabalhos futuros, por iniciar, como decorre de uma interpretação a contrário sensu da matéria de facto julgada como provada pelo Tribunal a quo;

VIII) De acordo com o facto provado sob o n.º 31, que a recorrida (empreiteira), [e]m 19 de agosto de 2019, [através de] CC (funcionário da ré) remeteu a AA mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 2, ref. ...16) na qual declara que será efectuado novo pedido de prorrogação [da comunicação prévia] para mais 6 meses;

IX) De acordo com facto provado sob o n.º 33, após a caducidade da comunicação prévia, em 18 de novembro de 2019, é que a recorrida (empreiteira), comunicou, pela primeira vez, a necessidade do averbamento, quando as Partes já estavam em litígio e quando a obra já não podia prosseguir por falta de título;

X) A falta de título para a realização da obra, operada com a caducidade em setembro de 2019 (facto provado sob o n.º 17), impedindo que a obra prosseguisse, é, assim, única e exclusivamente imputável à Recorrida (empreiteira), com todas as consequências, designadamente quanto às sanções pecuniárias ou multas contratuais compulsórias aplicadas atempadamente pelos Recorrentes à Recorrida e também quando aos danos sofridos pelos Recorrentes;

XI) Nos presentes autos é inequívoco que a responsabilidade da Recorrida para com os Recorrente advém das obrigações assumidas como empreiteira (cfr. art.s 1207.º e seguintes do Código Civil), bem como das obrigações assumidas como mandatária dos Recorrentes quanto às licenças necessárias à execução da obra, sujeita ao regime jurídico do contrato de mandato (cfr. art.s 1161.º e seguintes do Código Civil);

XII) A Recorrida agiu de forma temerária, e em violação das suas obrigações como mandatária, quando não cuidou da renovação em tempo útil e oportuno da comunicação prévia, caducada em 16 de setembro de 2019, vindo posteriormente exigir aos Recorrente que o fizessem por sua conta e risco;

XIII) A Recorrida, violou as suas obrigações de empreiteira (art.s 1207.º e seguintes do Código Civil), designadamente quanto à execução da totalidade dos trabalhos de construção tendo em conta o fim da obra (habitação dos Recorrentes), como violou as suas obrigações como mandatária dos Recorrentes quanto à obtenção de todas as licenças necessárias à execução da obra (art.s 1161.º e seguintes do Código Civil);

XIV) Deve, assim, o Acórdão recorrido ser revogado e alterado no sentido de condenar a Recorrida no pagamento aos Recorrentes das multas contratuais aplicadas pelo incumprimento do prazo da empreitada, e de todos os prejuízos que causou aos Recorrentes, desde 16 de setembro de 2019 e até à entrega da obra, incluindo todas as rendas pagas pelos Recorrentes e todas as prestações bancárias pagas pelos Recorrentes com o empréstimo contraído, em causa na presente ação, conforme decidido pela Sentença proferida em Primeira Instância;

XV) Como decorre, de forma inequívoca dos factos provados, a Recorrida agiu em abuso de direito quando, por um lado, não procedeu à renovação da comunicação prévia, como, por outro lado, em momento posterior à sua caducidade, veio exigir que a renovação fosse feita por conta dos Recorrentes, quando, em data anterior, comunicou aos Recorrente que iria proceder à renovação da comunicação previa (vide facto provado sob o n.º 31);

XVI) A Recorrida agiu, também, em abuso de direito, quando, na sequência da cessão do contrato de empreitada em causa na presente ação, retém a obra, quando existe uma manifesta desproporção entre o crédito da Recorrida (empreiteiro), no valor de 10 422,98 EUR (facto provado n.º 28), e o valor da obra retida para garantia daquele crédito, no valor de 353.723,68 EUR, correspondente à soma das verbas elencadas nos factos provados sob os n.ºs 2, 24 e 25 (preço de compra e venda do prédio e preço dos trabalhos realizados);

XVII) O valor económico do direito dos Recorrentes (imóvel) é 33,94 vezes superior ao valor económico do direito da Recorrida (empreiteiro) invocado para justificar o exercício do direito de retenção da obra, a que acrescem as prestações mensalmente suportadas pelos Recorrentes com o empréstimo bancários ao Banco Montepio, contraído para financiamento da aquisição do prédio e para financiamento da obra, e com a renda da casa onde habitam que destinaram a casa de morada de família enquanto aguardavam pela conclusão da obra em causa na presente ação, conforme factos provados elencados sob os n.ºs 54 e 55;

XVIII) O exercício do direito de retenção pela Recorrida traduz-se num exercício ilegítimo, por abusivo, face ao desequilíbrio no exercício de posições jurídicas em causa em razão do valor económico em causa, dando, assim, inquestionavelmente, origem a uma desproporção manifesta e objetiva entre os benefícios recolhidos pela Recorrida (empreiteiro) que exerce o direito e os sacrifícios impostos aos Recorridos resultantes esse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objetivo);

XIX) Em face do que deve o Acórdão recorrido ser revogado e alterado no sentido de não reconhecer à Recorrida um direito de retenção sobre a obra, por força do disposto no art. 334º do Código Civil, com as legais consequências.

Contra-alegou a ré, concluindo:

- O Tribunal a quo não merece qualquer censura na interpretação feita do clausulado do contrato de empreitada em crise, no que diz respeito ao apuramento da vontade negocial das partes, tendo este sido alcançado através de uma interpretação das cláusulas de modo global, considerando a legislação em vigor, não só civil, como administrativa.

- No que diz respeito ao alegado erro de julgamento quanto ao conteúdo das obrigações assumidas pela Recorrida (promoção do averbamento à comunicação prévia da substituição do comunicante, da prorrogação da comunicação prévia, e ainda do pedido de licenciamento quanto às obras novas), o Tribunal a quo fez uma correta interpretação ao abrigo dos artigos 236.º a 239.º do CC, analisando e considerando, hipoteticamente, a tese defendida pelos Recorrentes nesta sede, para, de seguida, afastar a responsabilidade da Recorrida, mesmo nesse cenário hipotético, em virtude da verificação de mora imputável ao credor, pelo que, deverá o primeiro erro de julgamento apresentado ser julgado improcedente, por infundado.

- Quanto ao alegado erro de qualificação jurídica e suas consequências das obrigações contratuais assumidas pela Recorrida, o fundamento da violação de deveres que recaíam sobre a Recorrida na qualidade de mandatária é contraditória com a tese de que a Recorrida assumiu, em nome próprio, a obrigação de manter toda a validade do licenciamento.

- Não foi alegada, nem provada a constituição do mandato, tendo sido suscitada esta teoria pelo Tribunal a quo para demonstrar que, mesmo que se considerasse que recaía sobre a Recorrida algum tipo de dever de agir, sempre esta estaria impedida de o fazer por omissão dos Recorrentes, incorrendo, estes, em mora do credor.

- Não decorre dos artigos 1162.º, 1161.º, nem 762.º, n.º 2 do CC qualquer obrigação no sentido de dever informar os Mandantes das suas obrigações legais, devendo, quanto a este ponto, improceder o recurso por ausência de fundamento.

- Carece igualmente de fundamento o alegado erro de julgamento quanto à proibição de abuso de direito, na medida em que o Tribunal a quo condena a Recorrida no pagamento correspondente a dois meses de renda por considerar que as comunicações remetidas entre 16 de setembro e 15 de novembro criaram um equívoco que deverá ser-lhe imputado, devendo, por essa razão, improceder este argumento.

- Carece de fundamento o erro de julgamento apontado em quarto e último lugar, quanto à alegada ilegítima retenção da obra, não se verificando qualquer censura no que diz respeito à decisão do Tribunal a quo.

- Não existe qualquer ilegítimo e abusivo exercício de direito de retenção por parte da Recorrida em virtude de o crédito de que é titular ser inferior ao valor atribuído ao imóvel retido, não se verificando qualquer abuso de direito em qualquer modalidade, muito menos na modalidade genericamente indicada pelos Recorrentes.

- O direito de retenção previsto no artigo 754.º e 755.º do CC tem as limitações ao seu exercício previstas no artigo 756.º do CC, não consubstanciando nenhuma das situações aí previstas, nem se verificando qualquer anormal nem abusivo exercício do direito no caso em apreço.

Foram colhidos os vistos.

2- Cumpre apreciar e decidir:

Da admissibilidade do recurso

Vieram os autores/recorrentes interpor recurso de revista, dado entenderem que o acórdão proferido contém vários erros de julgamento.

Ora, o recurso de revista nos termos do nº. 1 do art. 671º do CPC., cabe do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª. instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos e tem como fundamento, nos termos do nº. 1 do art. 674º do mesmo normativo, a violação de lei substantiva, nas modalidades de erro de interpretação, de aplicação, da determinação da norma aplicável, ou a violação da lei processual, bem como, as nulidades previstas nos artigos 615º e 666º.

A competência do Supremo Tribunal de Justiça está circunscrita à matéria de direito, enquanto tribunal de revista, não podendo debruçar-se sobre a matéria de facto, ficando vinculado aos factos fixados pelo Tribunal recorrido, a que aplica definitivamente o regime jurídico tido por adequado, nos termos do nº. 1 do art. 682º. do CPC.

No caso concreto, não se verifica uma situação de dupla conforme e a causa tem valor e sucumbência para interposição de recurso.

Com efeito, o acórdão da Relação, em substituição ao tribunal recorrido na parte da sentença julgada nula, alterou a al. a) do seu dispositivo, quanto à condenação da ré, a pagar aos autores, o valor de € 76.410,70, a título de multas contratuais e juros de mora vencidos e vincendos; a devolver a obra aos autores; a pagar a quantia de 1.000,00 euros por cada dia de atraso de cumprimento do dever de proceder à devolução da obra aos autores; a pagar aos autores € 16.500,00, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento de rendas com habitação; o pagamento de € 4.171,53, a título de indemnização por danos de natureza patrimonial, sofridas com as prestações de empréstimo contraído; a pagar a diferença entre o preço que se venha a apurar para a adjudicação dos trabalhos para a conclusão da empreitada e o valor dos trabalhos não executados e não pagos, que na data se prevê corresponder ao valor de € 106.663,09, substituindo aquele dispositivo pelas presentes alíneas i) a v) do acórdão e mantendo no mais, o não compreendido na al. a) do dispositivo da sentença recorrida.

Assim sendo, será o recurso de revista admissível.

As conclusões do recurso delimitam o seu objeto, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil.

As questões a dirimir consistem em aquilatar:

- Das obrigações contratuais assumidas, quanto à obtenção dos títulos necessários à realização da operação urbanística de construção da obra, bem como, quanto à extensão de construção na obra.

- Proibição de abuso de direito.

- Do exercício do direito de retenção.

A matéria de facto delineada e consolidada nas instâncias foi a seguinte:

1 – Em 13 de outubro de 2017, os autores e a ré subscreveram o documento intitulado “Contrato de empreitada de obra de construção civil por preço global”, junto aos autos, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

CONTRATO DE EMPREITADA DE OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL POR PREÇO GLOBAL

Entre

AA (…) e BB, (…) doravante designados por PRIMEIRO OUTORGANTE ou DONO DE OBRA para efeitos do presente contrato

AMAZING FALCON CONSTRUÇÕES IDA, (…) doravante designado por SEGUNDO OUTORGANTE ou EMPREITEIRO,

acordado e reciprocamente o presente CONTRATO DE EMPREITADA DE OBRAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL POR PREÇO GLOBAL, que se rege pelas cláusulas seguintes:


1.ª

DISPOSIÇÕES INICIAIS



N.º 1 – No (…) lote de terreno sito na Unidade de Gestão 4 – ..., (…) ... (…), pretende o DONO DE OBRA edificar uma moradia e piscina, destinada a habitação, tendo já obtido o licenciamento do correspondente Projeto de Arquitetura. (…)

2.ª

OBJETO



N.º 1 – Pelo presente contrato o DONO DE OBRA encomenda e adjudica, nos termos do subsequente n.º 3, ao EMPREITEIRO todos os trabalhos de construção civil e fornecimento de materiais, mão de obra e equipamentos necessários à realização e concretização da empreitada e construção do edifício a erigir no lote de terreno identificado na antecedente Cláusula 1.ª.

2 – A empreitada ora adjudicada e contratada é do tipo “chave na mão” compreendendo a realização de todos os trabalhos de construção civil, prestação de serviços, fornecimentos de materiais e de equipamentos necessários e indispensáveis à integral execução nos termos do subsequente n.º 3 do edifício a que se reporta o antecedente n.º 1, incluindo escavações, contenções periféricas, assentamento de fundações diretas e/ou indiretas, estruturas, betonagens, coberturas, revestimentos, instalações técnicas, equipamentos e tudo o maís que se revelar necessário e indispensável à concretização dos referidos objetivos, sendo da responsabilidade do EMPREITEIRO a obtenção das licenças de escavação e contenção periférica, de construção e de utilização.

N.º 3 – O EMPREITEIRO aceita a encomenda e adjudicação da empreitada a que se referem os números que antecedem (…). (…)


5.ª


NATUREZA, PREÇO DA EMPREITADA E PRÉMIO CONTRATUAL

N.º 1 – A ora contratada empreitada é celebrada pelo preço global de 308.240,00 € (…), já com IVA à taxa legal em vigor incluído (…).

N.º 2 – O EMPREITEIRO, pela realização da empreitada, não terá direito a receber do DONO DE OBRA quaisquer outras quantias, (…) com exceção, nomeadamente, (…) de trabalhos a mais, não incluídos inicialmente no projeto da empreitada, o qual deverá ter lugar com base nos preços unitários acordados ou a acordar e com base na medição dos trabalhos resultantes da alteração. (…)


6.ª


MODO DE PAGAMENTO DO PREÇO, SEUS ADIANTAMENTOS PONTUAIS, RESPETIVA GESTÃO E CORRESPONDENTES GARANTIAS

N.º 1 – O preço acordado e ajustado na antecedente Cláusula 5.ª será pelo DONO DE OBRA pago ao EMPREITEIRO em prestações mensais, mediante a apresentação das correspondentes faturas a emitir pelo Chefe do Consórcio e a visar e a aprovar previamente pela fiscalização no prazo de 15 dias a contar da data em que as mesmas a esta última para o efeito lhe forem apresentadas, faturas essas que serão processadas e computadas com base nos correspondentes autos de medição a realizar até ao dia 25 de cada mês, de acordo com as quantidades de trabalho executadas, e que se vencerão e serão pelo DONO DE OBRA pagas ao EMPREITEIRO decorridos que sejam 30 dias sobre a data da correspondente apresentação à Fiscalização na devida conformidade e observância dos mencionados requisitos prévios nos termos e para o efeito definidos no presente contrato.

N.º 2 – Sem prejuízo no disposto no número anterior, o DONO DE OBRA efetuará um pagamento inicial ao EMPREITEIRO, no início da execução de 10% do valor global, e os últimos 10% do valor global acordado serão liquidados aquando da obra concluída, nomeadamente com a entrega da Licença de Utilização.

N.º 3 – A fiscalização só recusará a aprovação das faturas a que se refere o número 1 se as mesmas não corresponderem aos respetivos autos de medição se aprovados.

§ único: Caso a Fiscalização não cumpra o prazo referido no número 1 para aprovação das faturas, consideram-se as mesmas tacitamente aprovadas para efeitos do respetivo pagamento ao EMPREITEIRO, desde que os correspondentes autos se encontrem por aquela aprovados.

N.º 4 – Sobre o montante de cada fatura será retido na fonte pelo DONO DE OBRA a proporção de 5% (…) sobre o correspondente valor a título de garantia pela boa execução dos trabalhos, retenções essas que serão por aquele devolvidas ao EMPREITEIRO no termo do prazo de garantia da obra fixado na subsequente cláusula 11.ª, N.º 1. (…)


7.ª

PRAZOS DE EXECUÇÃO



N.º 1 – A ora contratada empreitada de construção deverá ser realizada e concretizada pelo EMPREITEIRO, nos termos acordados, no prazo máximo global de 14 (catorze) meses a contar da data do início dos trabalhos, e que poderá coincidir com a emissão da licença de escavação e contenção periférica

§ único: Findos os trabalhos que legalmente possam ser executados ao abrigo da referida licença. o EMPREITEIRO só continuará a execução da Empreitada se o DONO DA OBRA assim o determinar por escrito, não podendo o EMPREITEIRO ser responsabilizado pela eventual suspensão dos trabalhos ou de atrasos decorrentes da emissão não atempada da licença de construção e devendo o DONO DA OBRA pagar ao EMPREITEIRO as quantias que este tenha que despender para pagamento de quaisquer eventuais coimas ou multas que lhe sejam aplicadas.

N.º 2 – As diversas fases e trabalhos de que a ora contratada empreitada se compõe deverão ser realizados e concretizados, nos termos da antecedente cláusula 2.ª N.º 3, pelo EMPREITEIRO nos prazos parcelares que constarem do plano de trabalhos a elaborar por este último e a submeter à apreciação e aprovação do DONO DE OBRA.

§ único: Na eventualidade de o EMPREITEIRO não apresentar o plano de trabalhos nos termos do presente número, não serão aprovados quaisquer autos de medição.

N.º 3 – Fica expressamente entendido e acordado entre as partes que o cumprimento dos prazos de execução da empreitada fixados nos números antecedentes e sem prejuízo das prorrogações estabelecidas no presente contrato ou na lei, constituem uma condição essencial do presente contrato e que o seu eventual não cumprimento por qualquer causa imputável ao EMPREITEIRO terá como consequência a aplicação do disposto na cláusula 11.ª n.º 1 do presente contrato.

§ único: Na eventualidade de serem ultrapassados os limites aí previstos, poderá o DONO DA OBRA rescindir o contrato nos termos da subsequente Cláusula 12.ª.

N.º 4 – O DONO DE OBRA e o EMPREITEIRO deverão acordar numa prorrogação do prazo de execução da empreitada na eventualidade de se executarem os trabalhos a mais previstos no N.º 2 da Cláusula 5.ª.

N.º 5 – Sempre que ocorra suspensão dos trabalhos não imputável ao EMPREITEIRO, considerar-se-ão automaticamente prorrogados por igual período ao da suspensão, os prazos do contrato ou quaisquer outros acordados.

§ único: Os trabalhos serão recomeçados logo que cessem as causas que a determinaram, devendo, para o efeito, o DONO DE OBRA notificar por escrito o EMPREITEIRO

N.º 6 – A eventual prorrogação do prazo da empreitada por causas imputáveis ao EMPREITEIRO constitui-lo-á na obrigação de pagar ao DONO DE OBRA todas as importâncias que este último haja de suportar com os custos de fiscalização, as quais serão abatidas aos montantes da faturação da empreitada.


8.ª

MODO DE EXECUÇÃO



N.º 1 – A ora contratada empreitada deverá ser pelo EMPREITEIRO executada estreita harmonia e consonância com o previsto e estabelecido no presente contrato, no caderno de cargos, com o projeto de arquitetura, projetos de especialidades, projetos de execução e peças desenhadas e alterações aos projetos, assim como a regulamentação e documentação técnica, os quais conjuntamente com o presente contrato, regem todos os termos e condições da empreitada em apreço e com os quais se deve o EMPREITEIRO conformar e pautar a sua atitude e desempenho.

N.º 2 – Os projetos, as respetivas alterações e as peças escritas e desenhadas a que se refere o número que antecede, já foram pelo DONO DE OBRA facultadas anteriormente ao EMPREITEIRO (…).


11.º

MULTAS, GARANTIAS E RESPONSABILIDADES



N.º 1 – Fica expressamente entendido e acordado entre as partes que o cumprimento dos prazos de execução da empreitada fixados nas cláusulas antecedentes e sem prejuízo das prorrogações estabelecidas no presente contrato, ou na lei, constituem uma condição essencial do presente contrato e que o seu eventual não cumprimento por qualquer causa imputável ao EMPREITEIRO terá como consequência a aplicação de uma multa diária correspondente a 0,1% do valor da empreitada. (…)

12.ª

INCUMPRIMENTO, RESOLUÇÃO E EXTINÇÃO DA EMPREITADA



N.º 1 – A violação grave e reiterada das obrigações estipuladas e assumidas no presente contrato conferirão ao contratante não faltoso o direito de o resolver com justa causa e produção imediata dos respetivos efeitos extintivos e de exigir do inadimplente indemnização (…).

N.º 2 – Constitui incumprimento definitivo e culposo do EMPREITEIRO, designadamente (…), o retardamento injustificado, imputável ao EMPREITEIRO, do prazo global ou dos prazos parcelares da execução da empreitada sem prejuízo do disposto nos números 3 a 5 da Cláusula 7.ª, (…).

N.º 3 – Constitui incumprimento definitivo e culposo do DONO DE OBRA, designadamente, (…) a falta de pagamento das prestações a que se refere o N.º 1 da Cláusula 6.ª se o DONO DE OBRA continuar em mora decorridos que sejam 90 (noventa) dias a contar da notificação para pagamento (…)

N.º 4 – O DONO DE OBRA poderá, a todo o tempo, e de forma devidamente fundamentada, extinguir a empreitada na medida em que o EMPREITEIRO revele, com notoriedade, falta de capacidade para a respetiva execução e conclusão atempada.

N.º 5 – No caso de o DONO DE OBRA extinguir a empreitada por sua conveniência ou direito de terceiro, será o EMPREITEIRO indemnizado dos danos emergentes e dos lucros cessantes que, em consequência, sofra.


15.ª

DISPOSIÇÕES FINAIS



Nada mais foi acordado direta ou indiretamente entre as partes no que às matérias e assuntos regulados no presente contrato concerne, para além do que ora estipulado fica nas correspondentes cláusulas, cuja alteração só será válida se reduzida a documento escrito e assinado por ambas as contratantes, com expressa menção de cada uma das cláusulas alteradas, aditadas e/ou eliminadas, bem como da nova redação que as mesmas, eventualmente, vierem a ter.

Celebrado em duplicado em 13 de Outubro de 2017.

2 – Em 13 de outubro de 2017, os autores, como compradores, outorgaram escrito particular de compra e venda, sendo vendedora a sociedade T...S.A., pelo preço de € 171 760,00, tendo por objeto o prédio onde viria a decorrer a obra, referido no ponto 1 – factos provados –, assim identificado:

PRÉDIO URBANO, composto por terreno para construção, sito em ..., da freguesia de..., concelho de ..., descrito na 1º CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE ..., sob o número ...59— ..., com o registo de aquisição a favor da PARTE VENDEDORA pela inscrição AP. …64 de 2017/06/20, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...55, com o valor patrimonial de Euros: 95.340,12, adiante designada abreviadamente por IMÓVEL.

O prédio de que faz parte o IMÓVEL está inserido no loteamento urbano titulado pelo alvará n.º 04/03, registado predialmente pela inscrição AP. 10 de 2004/11/09.

3 – Em 13 de outubro de 2017, os autores declararam acordar com a Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) contrair um empréstimo com hipoteca e fiança, no valor de € 470.000,00, que receberam.

4 – O documento referido no ponto 1 – contrato de empreitada –, foi subscrito por causa da contemporânea outorga do documento referido no ponto 2 – contrato de compra e venda.

5 – A negociação do teor do documento referido no ponto 1 – contrato de empreitada – e do teor do documento referido no ponto 2 – contrato de compra e venda – foi feita em simultâneo.

6 – A ré e a T...S.A.., pertencem ao “GRUPO J...Lda.”, com uma estrutura acionista e administração comum.

7 – Em 25 de maio de 2017, o autor e a sociedade J...Lda., subscreveram o documento intitulado “Acordo de Reserva de Imóvel”.

8 – Em 25 de maio de 2017, por conta do preço referido no ponto 2 – contrato de compra e venda –, os autores entregaram € 10 000,00 em numerário a DD, representante legal da ré e das sociedades T...S.A., e J...Lda.

9 – Em 25 de maio de 2017, por conta do preço referido no ponto 2 – contrato de compra e venda –, os autores transferiram € 161 760,00 para a conta bancária indicada pela sociedade J...Lda.

10 – O montante de € 161 760,00 do empréstimo que os autores receberam da CEMG – referido no ponto 3 – foi destinado à aquisição do imóvel e o remanescente para a construção do edifício, destinado a habitação própria e permanente dos autores.

2. Fase executiva da relação contratual

2.1. Execução da obra

11 – Em 16 de março de 2018, foi pela Câmara Municipal da ... admitida a comunicação prévia para realização da obra descrita no documento “Contrato de empreitada de obra de construção civil por preço global”, acima transcrito, pelo período de 12 meses.

12 – Em 16 de março de 2018, iniciaram-se os trabalhos de construção.

13 – Durante a execução da obra, os autores, mediante negociação com a ré, adjudicaram-lhe trabalhos adicionais, comummente designados por “trabalhos a mais”, no valor de € 44.406,34.

14 – A ré declarou executar os trabalhos adicionais – referidos no ponto 13 – no prazo inicialmente acordado para a empreitada, no pressuposto de estarem definidos pelos autores e, depois de recebidos em obra os novos materiais a incorporar, poderem ser executados na fase da obra apropriada à sua realização.

15 – Apenas em outubro de 2019 foi feito o planeamento final da obra pela ré, ainda sem a calendarização final, em resultado das alterações ao projeto inicial solicitadas pelos autores, do tempo de resposta da ré a estas solicitações e da interrupção dos trabalhos entre 3 de julho e 28 de agosto de 2019.

2.2. Renovação ou novo pedido de licença camarária

16 – Em 4 de março de 2019, a T...S.A., subscreveu requerimento com vista a obter a prorrogação dos efeitos da comunicação prévia (que veio a ser deferido), cuja cópia se encontra junta aos autos, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Ex.mo Sr. …

da Câmara Municipal da ...

01 IDENTIFICAÇÃO DO REQUERENTE

Nome/Designação T...S.A. (…)

02 NA QUALIDADE DE (…)

• Proprietário Comproprietário • Locatário • Superficiária • Usufrutuário

Mandatário Titular do Direito de Uso _______

do Prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º...59/20041109 (…)

SITO(A) EM

Morada (…) ...

03 ÂMBITO DA INFORMAÇÃO (…)

Vem requerer a V.Exa, ao abrigo do n.º 5 do art.º 58º do Decreto-Lei n.º 555/1999, de 16 de Dezembro, com a redação dada pela Lei n.º 60/2007 de 4 de Setembro, a prorrogação por 6 meses do prazo fixado no alvará de licença ou autorização de obras de edificação n.º ___ referente ao processo n.º ...21/17.

(…)

pelos seguintes motivos (fundamentação do pedido)

Venho por este meio requerer a prorrogação por seis meses da autorização de obras de edificação do processo de comunicação prévia n.º ...21/17 devido ao atraso na obra provocado por atrasos de fornecedores.

..., 4 de Março de 2019

17 – Em 16 setembro de 2019, terminado o prazo referido no ponto 16 – factos provados –, não foi apresentado à Câmara Municipal da ... novo pedido de prorrogação do prazo da licença referida no ponto 11 – factos provados.

18 – Com a não renovação do pedido de prorrogação do prazo da licença camarária, conforme referido no ponto 17 – factos provados –, a ré suspendeu a execução dos trabalhos de construção

19 – Apenas com a renovação e, ou, prorrogação da licença camarária poderia a ré estabelecer a calendarização das obras, determinar a data da sua conclusão e retomar os trabalhos.

20 – A não renovação do pedido de prorrogação do prazo da licença camarária e a subsequente suspensão dos trabalhos impediram a ré de realizar a calendarização final da obra, tendo em consideração o desconhecimento da data a partir da qual seriam retomados os trabalhos.

21 – Sabendo, desde 15 de novembro de 2019, ser entendimento da ré caber aos autores requerer o averbamento da comunicação prévia nos seus nomes, nunca estes o requereram, até meados de março de 2020.

22 – A ré disponibilizou-se para, em representação dos autores, requerer à edilidade a prorrogação da comunicação prévia, visando o imediato prosseguimento da obra, com a simultânea apresentação do pedido de licenciamento de obras não abrangidas por licenciamento anterior, mas apenas após os autores concretizarem, por si, o averbamento da alteração da identidade do dono da obra no processo camarário.

23 – A ré faturou e reclamou dos autores o pagamento da quantia de € 5.000,00, por alterações à obra projetada já licenciada, com vista ao licenciamento das obras adicionais solicitadas pelos autores, tendo remetido tal fatura aos autores em 28 de janeiro de 2020.

2.3. Pagamento do preço

24 – Em 27 de abril de 2018, os autores entregaram à ré o valor de € 30 824,00, correspondente a 10% do valor global da empreitada.

25 – Desde o início dos trabalhos, e até à suspensão da obra, foram elaborados 14 autos de medição tendo os autores pago á ré por conta dos trabalhos a quantia de € 151 139,68.

26 – Por conta dos trabalhos realizados o réu procedeu à emissão das seguintes faturas que enviou aos autores:

##NúmeroEmissãoVencimentoValorCom IVAAuto
2019/67530/10/201929/11/20194998,786148,5015
2019/77326/11/201926/12/20193314,464076,7916
Total 8313,2410225,29

27 – Os autores não entregaram à ré nenhuma quantia com vista ao pagamento dos valores referidos nestas faturas.

28 – Em 11 de dezembro de 2019, existia um saldo de trabalhos realizados a favor da ré no montante de € 10 422,98.

29 – Em 15 de janeiro de 2020, a ré remeteu aos autores as faturas juntas com a contestação como documento 36, referentes ao fecho provisional da obra, no valor global de € 84 682,51, e solicitou o pagamento daquelas.

30 – Em 16 de janeiro de 2020, os autores devolveram as ditas faturas e recusaram o seu pagamento, nos termos da mensagem de correio eletrónico junta com a contestação como documento 37, cujo teor se dá por reproduzido.

3. Crise da relação contratual

31 – Em 19 de agosto de 2019, CC (funcionário da ré) remeteu a AA mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 2, ref. …16), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

Segue em anexo o pedido de prorrogação efectuado em Março 2019 com as respectivas taxas pagas, informo também que será efectuado novo pedido de prorrogação para mais 6 meses.

32 – Em 16 de novembro de 2019, AA remeteu a EE (funcionário da ré) mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

No seguimento da reunião da passada sexta-feira, 15 de Novembro, vimos por este meio registar os diversos assuntos falados:

1 – Planeamento de obra

Apesar de nos ter sido comunicado telefonicamente na semana anterior à reunião, pelo EE, que o planeamento seria enviado em breve, fomos informados na reunião de sexta-feira, pelo próprio, que será impossível realizar o planeamento de obra uma vez que a Licença de Construção se encontra sem validade.

É incompreensível que não seja possível fazer uma previsão da ordem de trabalhos a executar e em quanto tempo, mesmo antes da licença caducar, pois nunca nos foi dado qualquer planeamento quando pedido – vejam e-mails trocados a 3/7/19, a solicitar o planeamento, quando a Licença de Construção tem validade até setembro 2019. (…)

2 – Licença de Construção

A J...Lda. desresponsabiliza-se pela renovação da Licença de Construção, alegando que a 7ª cláusula do contracto de empreitada, no parágrafo único, menciona que o Dono de Obra é o responsável pela Licença.

Relativamente à cláusula 7ª, parágrafo Único do Contrato de Empreitada, pedimos que releiam e nos esclareçam em que momento é explícito que o Dono de Obra é responsável pela renovação da Licença de Construção. O que entendemos é que o Dono de Obra deve requerer a continuação da execução da Empreitada – nada diz acerca da renovação da Licença. Pedimos que considerem também neste momento, a 2ª Cláusula, parágrafo nº2 do mesmo Contrato de Empreitada, onde lemos que a responsabilidade das licenças é do Empreiteiro.

Fomos informados pelo EE na reunião de ontem, que o nosso caso carece de um parecer da Câmara Municipal...sobre qual o melhor tipo de Licença ou Autorização a emitir pela Câmara, a fim de se prosseguirem com as obras.

Este pedido de parecer à CM… foi autonomamente tratado pela J...Lda. sem conhecimento dos Donos de Obra. Com certeza que o fizeram por considerarem da vossa responsabilidade este assunto, ainda mais no nosso caso particular em que há evidências de uma renovação de licença anterior, da qual nunca tivemos conhecimento. Certamente sabem que nunca até à data este assunto foi tratado por nós, nem sequer nos consideraram para qualquer esclarecimento adicional. Ao invés disso, nós atempadamente, antes do término da Licença, questionámos a J...Lda. acerca da Licença e em momento nenhum nos disseram que devíamos ser nós a tratar do assunto.

Parece que só agora nesta fase em que a obra está parada sem explicação, é que serve o argumento da falta da Licença de Construção como responsabilidade do Dono de Obra. Mais uma vez, pouca coerência, falha de comunicação e pouco cuidado na forma como se tentam resolver as questões com o cliente.

Resumindo os dois pontos enunciados até aqui, consideramos estar do vosso lado a questão da Licença de Construção e pedimos que, assim que este assunto fique resolvido, nos enviem o planeamento da obra.

Da nossa parte, faremos pressão junto da CM… para que a renovação da Licença seja o mais célere possível. (…)

33 – Em 18 de novembro de 2019, EE remeteu a AA mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

1- Planeamento de obra

Para haver obra tem de haver licença, neste momento a sua obra está com a licença de construção expirada, pelo que só poderemos determinar um calendário quando houver licença de construção válida.

Como lhe explicamos na reunião, a cadeia de obra prevista fica interrompida pela falta de licença, obrigando-nos posteriormente à emissão da nova licença enquadrar a obra em uma nova programação.

É normal que seja impossível calendarizar uma obra que nunca foi possível fechar, foram sendo solicitados alterações que apenas em Outubro 2019 chegou a uma versão final.

A calendarização inicial foi entregue.

2- Licenças de Construção

Como é inequívoco no contrato, a Amazing Falcon, lda, foi responsável pela obtenção da licença de construção, e assim o fez, não é responsável pelas suas renovações, a renovação é da inteira responsabilidade do Dono de Obra. (…)

Inevitavelmente a sua obra foi interrompida, por falta de licença, obrigando-nos a reverter as compra e adjudicações de trabalhos, interrompendo a natural cadeia de obra. (…)

Aguardamos que nos faça chegar a licença de construção prorrogada, para podermos reagendar e calendarizar a sua obra a fim de lhe dar continuidade.

34 – Em 19 de novembro de 2019, AA remeteu a EE mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

Abaixo encontra a azul [itálico] os nossos comentários.

1- Planeamento de obra

Lamento, mas esta informação [apenas em outubro 2019 se alcançou a versão final dos trabalhos a mais] é errada e facilmente demonstrável. Basta analisar os emails em que pedimos as alterações e esclarecimentos (…).

Se nos foi entregue [a calendarização inicial] agradeço que reenvie, pois, nós nunca o visualizámos (…).

2- Licenças de Construção

Não concordamos [que a renovação da licença é da inteira responsabilidade do Dono de Obra], porque a necessidade de renovação surge exatamente porque o empreiteiro não cumpriu com as datas previstas de contrato para finalização da moradia. (…)

Como já comentado, vamos junto da CM… fazer o que nos for possível para resolver isto o quanto antes. No entanto, e para que fique registado, não assumimos essa responsabilidade como sendo nossa, pois no contrato que temos nada refere.

35 – Em 21 de novembro de 2019, EE remeteu a AA mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 8, com a contestação), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

Neste momento a sua obra tem a licença de construção expirada, a prorrogação da licença é da inteira responsabilidade do Dono de Obra, pelo que apenas a si é imputável essa responsabilidade.

Terá de ser o Dono de Obra a fazer emitir a licença por parte da CM…, poderemos eventualmente a sob pedido do Dono de Obra, colaborar na sua obtenção. (…)

Assim, aguardamos a emissão do alvará de licença de construção válido para podermos calendarizar e executar os trabalhos em falta na sua obra.

Reitero a nossa total disponibilidade para colaborar na obtenção da sua licença de construção

36 – Em 27 de dezembro de 2019, EE remeteu a AA mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

Na sequência da interpelação por sua solicitação da J...Lda. à CM… para a obtenção de licença válida de construção, para dar continuidade à vossa obra, venho informar que a mesma poderá ser solicitada a título de prorrogação de prazo, mas terá de ser sujeito de imediato o projeto de alteração a fim de regularizar e licenciar as alterações introduzidas em obra.

Para o efeito solicitamos que se desloque ás instalações da J...Lda., para assinar os requerimentos de prorrogação de prazo e entrada de projeto de alterações que já se encontram prontos para serem depositados na CM….

37 – Em 7 de janeiro de 2020, AA remeteu a EE mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

Na sequência da receção do vosso email, desloquei-me à CM…, onde, perante o estado em que atualmente se encontra o processo de licenciamento da obra, fui informado que o pedido de prorrogação do prazo bem como o pedido de licenciamento das alterações ao projeto devem ser apresentadas por V. Exas., tal como já o fizeram com o anterior pedido de prorrogação do prazo.

Efetivamente, de acordo com a informação recolhida nos serviços de urbanismo da CM…, a alteração da titularidade da licença de construção, por via do respetivo averbamento, terá como consequência o protelamento da emissão de nova licença, pelo que sugerem que seja a atual titular da licença, a T...S.A., a proceder à apresentação do projeto de alterações com vista à prorrogação ou concessão de novo prazo da licença. Esta parece-nos ser a melhor solução, averbando-se a nova titularidade após o deferimento das alterações e concessão de novo prazo posteriormente, evitando-se, desta forma, um maior atraso na conclusão da obra.

38 – Em 7 de janeiro de 2020, EE remeteu a AA mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

Como nos emails anteriormente enviados a responsabilidade da renovação da licença de construção é da responsabilidade do dono de obra ou de procurador com poderes para o ato.

Aquando do pedido inicial de licença de construção do seu lote, este ainda não era sua propriedade, por esse motivo foi pedido em nome do proprietário.

A Licença de construção nunca esteve em nome da empresa T...S.A., mas sim em nome do proprietário do lote a altura do seu pedido do licenciamento.

É da inteira responsabilidade do dono de obra o seu averbamento e não da empresa com a qual estabeleceu um contrato de empreitada geral para a construção de uma moradia.

No âmbito das responsabilidades de dono de obra teria que ter averbado junto da CM… a propriedade em seu nome ao alvará de construção.

A Amazing Falcon é a empresa que foi contratada para a execução do seu projeto no seu terreno, ou seja, não poderá de forma alguma se substituir as responsabilidades do dono de obra como é o caso que pretende.

Todas as alterações solicitadas e realizadas e ao projeto inicial são da sua inteira responsabilidade e não do anterior proprietário.

Conforme email enviado no passado dia 27 de dezembro de 2019, solicitamos a sua presença o mais urgente possível as instalações da J...Lda., para que se possa dar andamento ao processo, a fim de assinar os requerimentos necessários para a prorrogação da licença e o pedido de alterações de projeto.

Contudo voltamos a reafirmar que a responsabilidade de a licença não estar averbada em nome do dono de obra é da inteira responsabilidade do mesmo.

Terá que averbar a licença em seu nome o mais rápido possível, para que se consiga dar seguimento ao processo. // Este é um tema em que nada podemos ajudar o dono de obra. (…)

Reafirmo que neste momento o seu processo está todo pronto a dar entrada junto da CM…, somente esta dependente do acima mencionado. // Pedimos que faça as necessárias diligencias que são da sua responsabilidade para que o processo possa dar entrada junto da CM….

39 – Em 10 de janeiro de 2020, AA remeteu a EE mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

Não temos qualquer dúvida sobre a responsabilidade contratual que recai sobre a Amazing Falcon no que diz respeito à licença de construção. A Amazing Falcon assumiu expressamente a obrigação de obter as licenças de escavação e contenção periférica de construção e de utilização (cf. cláusula 2.ª, n.º 2, do contrato de subempreitada). Por esta razão, para além de terem garantido inicialmente a emissão da licença de utilização também pediram a sua prorrogação. Assim, reiteramos que perante o que está contratualmente previsto, a Amazing Falcon está obrigada à prática de todos os atos que garantam a existência de todo as licenças necessárias à execução da obra e posteriormente ao licenciamento da sua (obra) utilização. Por esta razão garantiram não apenas a emissão da licença de construção como a sua prorrogação, sem que então se tenham preocupado com o averbamento da licença de construção em nome da T...S.A., a quem compramos o prédio.

Com vista a não perdermos mais tempo solicito que me enviem por correio expresso todos os elementos necessários à prorrogação do prazo e do projeto de alterações, a fim de regularizar e licenciar as alterações introduzidas em obra. (…)

40 – Em 13 de janeiro de 2020, EE remeteu a AA mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

Faço apenas umas pequenas notas, para o relembrar:

O Dono de Obra é responsável por fazer a prorrogação da licença;

O Dono de Obra é por fazer a averbamento do processo em seu nome; (…)

Quanto à assinatura dos processos, como já lhe tive a oportunidade de comunicar, estão á vossa disposição para verificação, consulta e assinatura nas nossas instalações.

Para o efeito, solicito que agende hora e dia, com antecedência de no mínimo 24 horas, para que os nossos técnicos estejam disponíveis para o receber, alterar alguma peça escrita ou desenhada que seja necessário e fazer as demais diligências necessárias para a remissão do processo á CM…. (…)

Aproveito para o informar que a partir do dia de hoje e com vista a manter a integridade do local e dos bens, a Amazing Falcon contatou a empresa P...Lda., que prestará um serviço de segurança 24 horas por dia, e terá um valor mensal de 3.000,00€ por mês, acrescidos de IVA á taxa legal em vigor. A remissão da fatura de segurança e vigilância ser-lhe-á enviada todos os dias 25 do mês e terá o seu vencimento imediato. // Informo-o ainda, que lhe farei chegar a fatura de imobilização de obra.

41 – Em 16 de janeiro de 2020, AA remeteu a EE mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

(…) [N]o dia de amanhã, sexta-feira, entre as 15 horas e as 16 horas, passará pelo vosso escritório um estafeta, sob minhas indicações, para recolher todos os elementos necessário à regularização da licença de construção, designadamente com o averbamento da licença em nosso nome, prorrogação do prazo e do projeto de alterações. (…)

Sem mais de momento, subscrevemo-nos, na expectativa das vossas notícias, no que respeita à regularização da licença de construção, designadamente com o averbamento da licença em nosso nome, prorrogação do prazo e do projeto de alterações.

42 – Em 17 de janeiro de 2020, EE remeteu a AA mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

Como afirma, e bem, que ainda não averbou a licença em seu nome, sendo sua obrigação desde que a propriedade é sua, não faz sentido algum enviar documentos para a prorrogação da licença, até porque conforme pede no seu email, pretende analisar o projeto das alterações solicitadas por si e este ainda não é um tema fechado, como bem sabemos e afirma no seu email.

Como é que podemos enviar prazos quando ainda nem sequer temos o seu aval quanto às alterações em projeto? Sendo que as referidas alterações terão que ser objecto de licenciamento, conforme instruções da CM… e não o podemos fazer pelo motivo descrito.

43 – Em 24 de janeiro de 2020, EE remeteu a AA mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

No passado dia 20 (verificar) levantou os documentos conforme solicitado para sua análise em relação as alterações solicitadas por si durante a execução do contrato de empreitada. Até ao momento nada nos transmitiu quanto a sua posição em relação aos mesmos e estamos a aguardar que se pronuncie sobre tal para que se possa elaborar os desenhos definitivos e as respetivas especialidades para finalizar o processo, nesta sequência das alterações solicitadas por si e que aguardam o seu parecer quanto estamos sem qualquer novidade da sua parte desde então. (…) Mais uma vez mostramos disponibilidade para colaborar no sentido de agilizar o que estiver ao nosso alcance para que se resolvam as questões que estão pendentes da sua parte e se consiga dar andamento ao processo.

Quanto ao tema do averbamento da obra em seu nome gostaríamos de saber se já foi realizado. Esta também é uma situação que nos preocupa e em que nada podemos ajudar e estamos neste impasse por sua falta de iniciativa em averbar o alvará de construção em seu nome, facto que esta a largos meses a negligenciar. Como bem sabe o empreiteiro não é seu mandatário perante qualquer entidade e a sua inercia deixamos muito apreensivos. (…)

44 – Em 24 de janeiro de 2020, AA remeteu a EE mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

(…) [C]onstatamos que persiste em não compreender e assumir questões básicas, previstas no contrato de empreitada, designadamente a questão relativa à licença de obra.

Quanto aos documentos que me entregaram para regularização da licença de obra, em cumprimento de uma obrigação há muito tempo vencida (lamentando que não o tivessem feito há muito mais tempo, por forma a evitar a caducidade da licença), pedi que fossem devidamente analisados, sendo nossa intenção tomar posição sobre os mesmos na próxima segunda-feira, dia 27.01.2020.

(…) [N]não somos vossos devedores, mas antes credores pela diferença resultante do vosso último crédito – por nós reconhecido –, e o montante da multa contratual aplicada por carta registada com aviso de receção, no pretérito dia 23.12.2019. // [V]imos indicar o nosso IBAN para que procedam ao pagamento imediato do valor de € 62.804,93 (…). // Concedemos, para o efeito, até à próxima segunda-feira dia 27/01/2020 (…)

45 – Em 27 de janeiro de 2020, AA remeteu a EE mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

Em complemento ao nosso email infra reproduzido, de 24.01.2020, vimos pronunciar sobre os documentos que nos entregaram para regularização da licença de construção.

Após cuidada análise de todos os documentos, vimos solicitar que com brevidade, procedam à correção dos seguintes elementos:

Ponto 5.1 – Projeto a licenciar.

– Desenho de Março de 2019 – Revisão projeto para obras – Plantas 28 março: Está em falta a colocação da lareira na sala;

– Desenho de 25 junho 2018 – Revisão projecto para obras – Alçados: As grelhas que colocam na vedação estão erradas. A versão final deveria ser na vertical e não na horizontal. Informação transmitida pelo Arquiteto FF da CM.... As loiças sanitárias que colocam não estão corretas. As corretas são as loiças suspensas.

– Desenho de 25 junho 2018 – Revisão projeto para obras – Cortes: As grelhas que colocam na vedação estão erradas. A versão final deveria ser na vertical e não na horizontal. Informação transmitida pelo Arquiteto FF da CM.... As loiças sanitárias que colocam não estão corretas. As corretas são as loiças suspensas. A escada interior que representam não é a que foi adjudicada.

– Desenho de 25 junho 2018 – Revisão projeto para obras – Mapa de vão exteriores: Não corresponde aos vãos exteriores do jardim interior que temos;

– Desenho de 25 junho 2018 – Revisão projeto para obras – Mapa de vão interiores: Não corresponde ao que foi adjudicado.

46 – Em 28 de janeiro de 2020, EE remeteu a AA mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

Agradeço os seus atentos comentários, e informo que já foram introduzidas as alterações solicitadas nas peças escritas e desenhadas.

Uma vez executado o processo de licenciamento, venho por este meio apresentar em anexo a fatura correspondente, no valor 5.000,00€ acrescido de Iva á taxa legal em vigor, que aguardo a imediata liquidação.

Solicito ainda que me comunique a sua disponibilidade, para se deslocar ás instalações da J...Lda. a fim de assinar os requerimentos necessários, partindo eu do princípio que neste momento o processo já estará averbado no seu nome.

47 – Em 29 de janeiro de 2020, AA remeteu a EE mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

Só uma profundíssima falta de conhecimento ou ignorância do contrato de empreitada é que explica o envio da fatura “pro-forma”. Os serviços em causa estão incluídos no preço da empreitada, que contempla todos os serviços que visem assegurar a existência e validade da licença de construção. Pelo que rejeitamos a fatura que nos remete.

Por outro lado, solicitávamos que nos fosse entregue as correções para verificação, tendo disponibilidade para nos deslocarmos amanhã, ao final da tarde.

48 – Em 17 de fevereiro de 2020, AA remeteu a EE mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

No seguimento do email abaixo, solicito que me indique data e hora para passar nos vossos escritórios para levantar a documentação solicitada anteriormente.

49 – Em 17 de fevereiro de 2020, EE remeteu a AA mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

Para a execução do projeto em questão, já lhe foi remetida a fatura pró-forma de honorários inerentes. Logo que liquidada poderá levantar os projetos em causa.

Aproveito a presente comunicação, para mais uma vez lhe solicitar o comprovativo de averbamento do licenciamento da construção em seu nome.

Relembro-lhe que a sua construção continua retida por falta de pagamento dos autos vencidos. (…)

50 – Em 13 de março de 2020, sexta-feira, pelas 14 horas e 6 minutos, AA remeteu a EE mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

Notamos que no diálogo que até hoje existiu visando a regularização da licença de construção, não obstante as muitas chamadas de atenção que vos fizemos, as multas contratuais compulsórias aplicadas, o averbamento que, em vossa substituição, requeremos diretamente na Câmara Municipal... e muitos outros avisos, a “Amazing Falcon” persiste em não cumprir as obrigações contratuais que lhe assistem, invocando argumentos sem qualquer suporte factual e legal, ignorando o contrato de empreitada a que voluntariamente se obrigou.

Assim, resta-nos conceder 24,00 horas úteis, para que deem início, sem mais demoras, à regularização da licença de construção, remetendo-nos os elementos que carecem da nossa assinatura, pela via mais expedita que entenderem.

51 – Em 13 de março de 2020, EE remeteu a AA mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. …91), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):

(…) [Q]ualquer homem comum interpreta que a renovação da licença lhe compete a si como Dono de Obra.

52 – Em 16 de março de 2020, os autores, mediante comunicação que enviaram para a ré, por carta registada com aviso de receção (doc. 42, ref. …91), na qual consta, além do mais que aqui se dá integralmente por reproduzido:

Por referência ao Contrato de Empreitada em epígrafe identificado, celebrado entre os aqui subscritores, na qualidade de Donos de Obra, e V. Exas., na qualidade de Empreiteira, vimos, por este meio, comunicar a resolução contratual, nos termos e com os seguintes fundamentos: (…)

Considerando a data de início, em 16.03.2018, a obra deveria ter sido totalmente concluída no dia 16.05.2019; (…)

A caducidade da licença (comunicação prévia) verificou-se no dia 16.09.2019; (…)

A falta de apresentação do pedido para a prorrogação do prazo da licença de obras (comunicação prévia) é única e exclusivamente imputável à Empreiteira, por força da obrigação ínsita na parte final do n.º 2, da cláusula 2.º do contrato de empreitada;

A Empreiteira, ao praticar a omissão referida no parágrafo anterior, agiu com culpa, pois sabia que sobre ela recaia a obrigação de garantir a existência da licença de construção (comunicação prévia); (…)

A Empreiteira recusa pagar o saldo decorrente das multas aplicadas;

A Empreiteira persiste em não diligenciar pela continuação ou pela realização dos trabalhos da obra; (…)

Os subscritores, declaram, para todos os devidos e legais efeitos, que perderam a esperança na execução da obra que contrataram com a Empreiteira, perdendo, toda a confiança na capacidade e na seriedade da Empreiteira, no que respeita ao cumprimento das obrigações contratuais que lhe assistem, e a que a Empreiteira voluntariamente se obrigou e, consequentemente, perderam objetivamente interesse na realização das prestações a que a Empreiteira está obrigada.

Em face do exposto, vimos por este meio comunicar a resolução contratual do contrato de empreitada, celebrado em 13.10.2017, entre os subscritores, na qualidade de Donos de Obra, e a Empreiteira.

A presente declaração de resolução tem efeitos imediatos.

53 – Com data de 17 de março de 2020, a ré respondeu por escrito à comunicação de resolução, conforme carta recebida pelos autores, junta aos autos (doc. 43, ref. …91), na qual consta, além do mais que aqui se dá integralmente por reproduzido:

Até a data da receção da resolução contratual enviada por vós, existia um Contrato de empreitada com obrigações adjacentes a ambas as partes, as quais vossas excelências ignoraram de forma reiterada as vossas obrigações enquanto donos de obra. (…)

Somaram incumprimentos sucessivos, furtando-se aos pagamentos que estavam obrigados, não averbaram a licença de construção em vosso nome em tempo útil, não diligenciaram a renovação da licença de construção conforme previsto em contrato e vossa obrigação. (…)

Quanto a entrega da obra esta será feita aquando da liquidação de todos os montantes vencidos até à data assim como os lucros cessantes e danos emergentes conforme previsto em contrato.

Neste momento vamos apurar todos os valores vencidos até a data e os lucros cessantes, danos emergentes conforme clausula 12.º n.º 5 do contrato de empreitada.

Com o pagamento integral dos mesmos a obra deixara de estar retida, até a data do a obra estará retida, como segurança para bom pagamento das quantias que lhes são devidas. (…)

Quanto ao prazo fica este estabelecido que tem 24hr uteis para proceder ao pagamento na integra dos seguintes valores:

1. Autos em atraso de Trabalhos Contratuais executados 6.148,50 €;

2. Autos em atraso de Trabalhos a Mais executados 4.076,79 €;

3. Desmobilização de obra 10.225,29 €;

4. Segurança de obra nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março 11.070,00 €;

5. Auto de fecho provisional de Trabalhos Contratuais 49.729,10 €;

6. Auto de fecho provisional de Trabalhos a Mais 18.340,51 €;

7. Juros de atrasos nos pagamentos do contrato 1.081,32 €;

8. Garantias e Retenções de obra 13.920,00 €:

9. Lucros cessantes no valor de 134.000,00 €;

Num Total de 239.133,72€.

4. Prejuízos sofridos pelos autores e penas convencionais

54 – Os autores despendem mensalmente a quantia de € 1500,00 no pagamento da renda da casa que habitam.

55 – Desde 16 de maio de 2019, e até à propositura da ação, os autores liquidaram ao Banco Montepio, o montante de € 4171,53, por virtude do contrato referido no ponto 3 – contrato de mútuo

56 – Para concluírem a obra os autores terão de despender € 250 544,46.

57 – A atuação da ré, não concluindo a obra, causou aos autores frustração e desconforto emocional.

58 – Os autores procederam à promoção da venda da moradia cuja construção estava a cargo da ré, sem que a obra estivesse concluída.

59 – Com data de 23 de dezembro de 2019, os autores, mediante carta registada com aviso de receção, reclamaram da ré o pagamento da pena prevista na cláusula referida na alínea anterior no montante de € 68 121,04, conforme documento n.º 38 (referido na petição), junto com a referência …32, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

A Obra deveria ter sido totalmente concluída no dia 16.05.2019.

Pelo que, face ao disposto na Cláusula 11.º, n.º 1, a Sociedade Empreiteira está sujeita à multa contratual diária, corresponde a 0,1% do valor da empreitada.

Neste dia, 23.12.2019, a obra está em atraso o equivalente a 221 dias.

60 – Em 24 de janeiro de 2020, mediante carta registada com aviso de receção, os autores reclamaram da ré o pagamento de uma segunda pena, no montante de € 9555,44, conforme documento junto (doc. 39, ref. …91), que aqui se dá por reproduzido.

61 – Em 24 de fevereiro de 2020, mediante carta registada com aviso de receção, os autores reclamaram da ré o pagamento de uma terceira pena contratual, no valor de € 9157,20, conforme documento junto (doc. 40, ref. …91), que aqui se dá por reproduzido.

62 – A ré não liquidou até hoje o valor resultante das multas contratuais reclamadas pelos autores.

Vejamos:

Discordam os recorrentes quanto ao acórdão proferido, sustentando que o mesmo comporta erros de julgamento, quanto ao conteúdo das obrigações contratuais assumidas pela recorrida perante os mesmos, quer no que concerne à obtenção dos títulos necessários à realização da operação urbanística de construção da obra em causa, quer quanto à extensão de construção na mesma obra.

Entendem os recorrentes que perante a matéria de facto julgada provada, não restam dúvidas sobre a obrigação que impendia sobre a ré/recorrida, quanto à obtenção a seu cargo, das respetivas licenças, autorizações ou títulos administrativos necessários à construção da obra.

Ora, não existe qualquer controvérsia das partes sobre a celebração entre ambas de um contrato de empreitada, para a construção de uma moradia, destinada a habitação.

A empreitada, nos termos plasmados no art. 1207º do Código Civil, será o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.

A vontade negocial das partes foi plasmada no conteúdo do contrato a que se vincularam.

Havendo incumprimento da relação contratual, incumbirá aquilatar a quem imputar a responsabilização, tendo presente que, o que está controvertido entre as partes, consiste no diferendo sobre a obrigatoriedade de comunicação prévia e da licença de construção.

Na situação em apreço, estava em causa a realização de uma obra urbanística, pelo que, há que concatenar as normas de cariz administrativo, com a disciplina da empreitada.

Versando a este respeito o Decreto-Lei nº. 555/99, de 16 de dezembro (RJUE), o qual no seu artigo 1º. dispõe, ter por objeto, o regime jurídico da urbanização e da edificação.

Constando do seu artigo 4.º:

Licença e comunicação prévia

1 - A realização de operações urbanísticas depende, nos termos e com as exceções constantes da presente secção, de:

a) Licença;

b) Comunicação prévia.

2- Estão sujeitas a licença:

a) As operações de loteamento em áreas não abrangidas por:

(…)

b) As obras de urbanização e os trabalhos de remodelação de terrenos em área não abrangida por:

(…)

4 - Estão sujeitas a comunicação prévia as seguintes operações urbanísticas:

(…)

d) As obras de construção, de alteração ou de ampliação em área abrangida por:

ii) Operação de loteamento.

(…)

Aludindo o diploma quanto à Comunicação prévia

Artigo 34.º

Âmbito

1 - Obedece ao procedimento regulado na presente subsecção a realização das operações urbanísticas referidas no n.º 4 do artigo 4.º

2 - A comunicação prévia consiste numa declaração que, desde que corretamente instruída, permite ao interessado proceder imediatamente à realização de determinadas operações urbanísticas após o pagamento das taxas devidas, dispensando a prática de quaisquer atos permissivos.

E relativamente à Execução e fiscalização

Artigo 80.º

Início dos trabalhos

1 - A execução das obras e trabalhos sujeitos a licença nos termos do presente diploma só pode iniciar-se depois de emitida a respetiva licença, com exceção das situações referidas no artigo seguinte e salvo o disposto no n.º 1 do artigo 23.º

2 - As obras e os trabalhos sujeitos ao regime da comunicação prévia podem iniciar-se nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 34.º

Resulta da factualidade assente que:

1 – Em 13 de outubro de 2017, os autores e a ré subscreveram o documento intitulado “Contrato de empreitada de obra de construção civil por preço global”, junto aos autos, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

CONTRATO DE EMPREITADA DE OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL POR PREÇO GLOBAL

Entre

AA (…) e BB, (…) doravante designados por PRIMEIRO OUTORGANTE ou DONO DE OBRA para efeitos do presente contrato

AMAZING FALCON CONSTRUÇÕES IDA, (…) doravante designado por SEGUNDO OUTORGANTE ou EMPREITEIRO,

acordado e reciprocamente o presente CONTRATO DE EMPREITADA DE OBRAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL POR PREÇO GLOBAL, que se rege pelas cláusulas seguintes:

1.ª

DISPOSIÇÕES INICIAIS

N.º 1 – No (…) lote de terreno sito na Unidade de Gestão 4 – ..., (…) ... (…), pretende o DONO DE OBRA edificar uma moradia e piscina, destinada a habitação, tendo já obtido o licenciamento do correspondente Projeto de Arquitetura. (…)

2.ª

OBJETO

N.º 1 – Pelo presente contrato o DONO DE OBRA encomenda e adjudica, nos termos do subsequente n.º 3, ao EMPREITEIRO todos os trabalhos de construção civil e fornecimento de materiais, mão de obra e equipamentos necessários à realização e concretização da empreitada e construção do edifício a erigir no lote de terreno identificado na antecedente Cláusula 1.ª.

2 – A empreitada ora adjudicada e contratada é do tipo “chave na mão” compreendendo a realização de todos os trabalhos de construção civil, prestação de serviços, fornecimentos de materiais e de equipamentos necessários e indispensáveis à integral execução nos termos do subsequente n.º 3 do edifício a que se reporta o antecedente n.º 1, incluindo escavações, contenções periféricas, assentamento de fundações diretas e/ou indiretas, estruturas, betonagens, coberturas, revestimentos, instalações técnicas, equipamentos e tudo o maís que se revelar necessário e indispensável à concretização dos referidos objetivos, sendo da responsabilidade do EMPREITEIRO a obtenção das licenças de escavação e contenção periférica, de construção e de utilização.

N.º 3 – O EMPREITEIRO aceita a encomenda e adjudicação da empreitada a que se referem os números que antecedem (…).

2 – Em 13 de outubro de 2017, os autores, como compradores, outorgaram escrito particular de compra e venda, sendo vendedora a sociedade T...S.A., pelo preço de € 171 760,00, tendo por objeto o prédio onde viria a decorrer a obra, referido no ponto 1 – factos provados –, assim identificado:

PRÉDIO URBANO, composto por terreno para construção, sito em ..., da freguesia de ..., descrito na 1º CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE ..., sob o número ...59 — ..., com o registo de aquisição a favor da PARTE VENDEDORA pela inscrição AP. …64 de 2017/06/20, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...55, com o valor patrimonial de Euros: 95.340,12, adiante designada abreviadamente por IMÓVEL.

O prédio de que faz parte o IMÓVEL está inserido no loteamento urbano titulado pelo alvará n.º 04/03, registado predialmente pela inscrição AP. …0 de 2004/11/09.

Da conjugação dos preceitos enunciados e da factualidade exposta, resulta que a obra dos autos, necessitava de uma «comunicação prévia», na medida em que já havia uma operação de loteamento licenciada e estaria aqui em causa a iniciação dos trabalhos de construção, diversa da situação seguinte de realização de «trabalhos a mais», com a exigência da competente licença.

Incumbe, assim, delinear a quem incumbiam tais diligências.

Dispõe o nº. 1 do art. 9.º do RJUE, que, salvo disposição em contrário, os procedimentos previstos no presente diploma iniciam-se através de requerimento ou comunicação apresentados com recurso a meios eletrónicos e através do sistema previsto no artigo anterior, dirigidos ao presidente da câmara municipal, dos quais devem constar a identificação do requerente ou comunicante, incluindo o domicílio ou sede, bem como a indicação da qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística.

Ora, o dono da obra é a pessoa que pela aquisição do terreno para construção, por via da celebração do contrato de compra e venda, se encontra na titularidade de um direito real que lhe foi transmitido.

Transmitindo-se a propriedade do bem, este novo titular que vai edificar, na qualidade de dono da obra, terá de comunicar ao processo administrativo, a substituição para o averbamento, como dispõe o nº. 10 do aludido art. 9º do RJUE, ou seja:

- A substituição do requerente ou comunicante, do titular do alvará de construção ou do título de registo emitidos pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I. P. (InCI, I. P.), do responsável por qualquer dos projetos apresentados, do diretor de obra ou do diretor de fiscalização de obra deve ser comunicada ao gestor do procedimento para que este proceda ao respetivo averbamento no prazo de 15 dias a contar da data da substituição.

Volvendo aos factos temos que:

11 – Em 16 de março de 2018, foi pela Câmara Municipal... admitida a comunicação prévia para realização da obra descrita no documento “Contrato de empreitada de obra de construção civil por preço global”, acima transcrito, pelo período de 12 meses.

12 – Em 16 de março de 2018, iniciaram-se os trabalhos de construção.

16 – Em 4 de março de 2019, a T...S.A., subscreveu requerimento com vista a obter a prorrogação dos efeitos da comunicação prévia, (que veio a ser deferido), sendo a prorrogação por seis meses do prazo fixado no alvará de licença ou autorização de obras.

17 – Em 16 setembro de 2019, terminado o prazo referido no ponto 16 – factos provados –, não foi apresentado à Câmara Municipal... novo pedido de prorrogação do prazo da licença referida no ponto 11 – factos provados.

18 – Com a não renovação do pedido de prorrogação do prazo da licença camarária, conforme referido no ponto 17 – factos provados –, a ré suspendeu a execução dos trabalhos de construção.

Ora, a ré e a T...S.A., pertencem ao J...Lda., com uma estrutura acionista e administrativa comum.

Quando em 4 de março de 2019, foi subscrito requerimento pela T...S.A., a solicitar à Câmara Municipal..., a prorrogação dos efeitos da «comunicação prévia», tal não significava que os donos da obra, se tivessem feito substituir neste encargo pela empreiteira, que o tivesse assumido, pois, aquela não tem a qualidade de empreiteira.

Ocorrendo substituição da posição jurídica relativamente à titularidade do bem, incumbia aos atuais titulares do direito sobre o terreno onde ia decorrer a edificação, ou seja, aos autores/donos da obra, proceder administrativamente para tal efeito, podendo proceder atempadamente à alteração do averbamento, beneficiando até da comunicação que já existia e tinha sido deferida à T...S.A.

Porém, os autores nada requereram e a ré não se podia substituir ao dono da obra, para tal efeito, pois, não era portadora de qualquer qualidade jurídica que a tanto a habilitasse, não constando dos factos que os autores tivessem outorgado à ré qualquer meio legal para os representar.

Como bem se escreveu no acórdão recorrido «Ocorrendo substituição na titularidade da posição jurídica legitimadora da edificação, cabe ao substituto comunicar ao procedimento administrativo a alteração, para que se proceda ao seu averbamento, no prazo de 15 dias (9.º, n.º 10, do RJUE), se pretender aproveitar-se do licenciamento ou da comunicação existentes. No caso dos autos, são os autores quem tem legitimidade para promover o averbamento e alteração do titular à comunicação prévia. A atuação da ré, neste âmbito, terá sempre de ocorrer na qualidade de mandatária dos donos da obra».

A alteração da identidade dos donos da obra e de beneficiário da comunicação prévia é requisito fulcral para que a ré pudesse atuar em nome dos autores e não de modo próprio.

Com efeito, contrariamente à interpretação dos recorrentes, não existe nos autos qualquer mandato, nem qualquer procuração dos mesmos à ré, para os representar na comunicação prévia, não sendo imputável ao empreiteiro a caducidade da comunicação prévia.

A alusão feita no acórdão recorrido à figura do mandato, não assumiu outro efeito que não fosse o de sustentar a posição de que a ré não dispunha de qualquer título para agir em nome dos autores, mormente para os representar no pedido de prorrogação da comunicação prévia, sob pena de uma atuação ilegítima, precisamente para afastar a imputabilidade de qualquer omissão administrativa à mesma.

E também não assume qualquer relevo, a argumentação dos autores, no sentido de que, a ré em algum momento anterior à caducidade da comunicação prévia, os tenha alertado para a necessidade do averbamento, na medida em que, a empreitada foi adjudicada como «chave na mão».

Ora, resulta dos factos, o seguinte:

– A empreitada ora adjudicada e contratada é do tipo “chave na mão” compreendendo a realização de todos os trabalhos de construção civil, prestação de serviços, fornecimentos de materiais e de equipamentos necessários e indispensáveis à integral execução nos termos do subsequente n.º 3 do edifício a que se reporta o antecedente n.º 1, incluindo escavações, contenções periféricas, assentamento de fundações diretas e/ou indiretas, estruturas, betonagens, coberturas, revestimentos, instalações técnicas, equipamentos e tudo o maís que se revelar necessário e indispensável à concretização dos referidos objetivos, sendo da responsabilidade do EMPREITEIRO a obtenção das licenças de escavação e contenção periférica, de construção e de utilização.

Como dispõe o nº. 1 do art. 236º do Código Civil, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

O que consta da cláusula contratual não permite conferir a amplitude que os autores pretendem, já que, uma coisa é a comunicação prévia e outra o licenciamento de obras.

Com efeito, em parte alguma do clausulado no contrato, se extrai que fosse a ré quem devesse cumprir as formalidades da comunicação prévia.

Tal não se encontra estipulado no objeto do contrato, concretamente, o constante do facto provado 1 em 2ª. objeto, nem de qualquer outra disposição, como resulta da cláusula 15ª. do contrato, atinente às disposições finais.

O que se encontra plasmado no objeto do contrato, é que é da responsabilidade do empreiteiro a obtenção das licenças de escavação e contenção periférica, de construção e de utilização e nada mais.

No concernente aos trabalhos adicionais ou a mais, a situação é diversa.

Com efeito, entendem os recorrentes que incumbia ao empreiteiro promover o licenciamento das obras adicionais e não aos autores/donos da obra.

Ora, consta da factualidade assente em 1- 1ª. que, pretende o Dono de Obra edificar uma moradia e piscina, …tendo já obtido o licenciamento do correspondente projeto de Arquitetura.

Constando da cláusula 2ª. nº. 2 do objeto do contrato e da cláusula 8ª. que:

2 – A empreitada ora adjudicada e contratada é do tipo “chave na mão” compreendendo a realização de todos os trabalhos de construção civil, prestação de serviços, fornecimentos de materiais e de equipamentos necessários e indispensáveis à integral execução nos termos do subsequente n.º 3 do edifício a que se reporta o antecedente n.º 1, incluindo escavações, contenções periféricas, assentamento de fundações diretas e/ou indiretas, estruturas, betonagens, coberturas, revestimentos, instalações técnicas, equipamentos e tudo o maís que se revelar necessário e indispensável à concretização dos referidos objetivos, sendo da responsabilidade do EMPREITEIRO a obtenção das licenças de escavação e contenção periférica, de construção e de utilização.

8ª , N.º 1 – A ora contratada empreitada deverá ser pelo EMPREITEIRO executada estreita harmonia e consonância com o previsto e estabelecido no presente contrato, no caderno de cargos, com o projeto de arquitetura, projetos de especialidades, projetos de execução e peças desenhadas e alterações aos projetos, assim como a regulamentação e documentação técnica, os quais conjuntamente com o presente contrato, regem todos os termos e condições da empreitada em apreço e com os quais se deve o EMPREITEIRO conformar e pautar a sua atitude e desempenho.

N.º 2 – Os projetos, as respetivas alterações e as peças escritas e desenhadas a que se refere o número que antecede, já foram pelo DONO DE OBRA facultadas anteriormente ao EMPREITEIRO (…).

Escreveu-se no acórdão recorrido «Considerando este quadro de estipulações contratuais, pode ser questionado se o sentido da cláusula invocada (o n.º 2 da cláusula 2.ª do contrato) é o referido, isto é, se a ré se vinculou, efetivamente, a atuar perante a edilidade em representação dos autores, com vista à obtenção de licenças de construção. Sendo a declaração negocial emitida num contexto em que o licenciamento da obra adjudicada já havia tido lugar, é legítimo que se questione se a “obtenção” da licença significa tal atuação perante a autoridade administrativa, em nome dos autores ou, diferentemente, a simples entrega por terceiro do alvará já emitido.

Admitindo-se, a benefício da discussão, que a empreiteira se comprometeu, efetivamente, a requerer a licença de construção – não a obter, eventualmente munido de procuração bastante –, tal vinculação diz respeito à concreta obra objeto do contrato de empreitada, e não a toda e qualquer obra futura pretendida pela contraparte. A diferença é notável, se tivermos presente que, no caso, a licença de construção já havia sido emitida na data celebração do contrato de empreitada, bastando ao empreiteiro, para a obter – melhor, para obter o conjunto de documentos formado pela licença de loteamento e pela comunicação prévia –, solicitá-la ao seu requerente ou obter uma segunda via do alvará. Só assim não ocorrerá se o acordo modificativo do contrato de empreitada, no sentido da realização de “obra a mais” sujeita a licenciamento, compreender um novo ou renovado acordo no sentido de caber à empreiteira a obrigação de promover o licenciamento dos novos trabalhos acordados.

Ainda que se aceite que a ré, absurdamente, se comprometeu a obter o licenciamento camarário – e se aceite que esta vinculação abrange uma comunicação –, quando este já existia à data, não podemos deixar de considerar que tal compromisso se dirige à obra e ao projeto objeto da empreitada, e não a obra (nova) não incluída neste. Não vale aqui dizer que o novo acordo negocial que tem por objeto as obras adicionais – também com a natureza de empreitada e constituindo-se como uma mera modificação do contrato anteriormente outorgado –, inscrevendo-se na órbita do contrato inicialmente firmado, comunga de todas as suas estipulações, ressalvados o objeto e o preço – art. 1214.º e segs. do Cód. Civil. Não temos dados de facto que permitam afirmar, com segurança, uma vontade declarativa que, na verdade, vai para além do inicialmente acordado, no que toca à atividade da ré no contexto do controlo administrativo prévio da edificação.

Podemos presumir, até certo ponto, que as estipulações inicialmente acordadas se aplicam ao acordo modificativo – nos pontos não abrangidos pelas novas declarações negociais –no silêncio das partes – arts. 217.º, n.º 1, última hipótese, e 349.º do Cód. Civil. No entanto, tal ilação não vale, quando o âmbito da vinculação contratual é absolutamente distinto: não podemos retirar do silêncio que a parte que inicialmente se vinculou à obtenção de uma licença já emitida (ou comunicação prévia já efetuada) pretende subsequentemente também vincular-se à apresentação de requerimentos para obtenção de novo licenciamento (nem à apresentação de nova comunicação prévia).

Quando muito, e no que para o caso dos autos releva, poder-se-á aceitar que tal vinculação abrange as prorrogações do originário licenciamento da concreta construção objeto do contrato – melhor, as prorrogações dos efeitos da comunicação prévia –, mas nunca novo licenciamento respeitante a distinta atividade construtiva. Este parece ser o entendimento da ré refletido nas mensagens de correio eletrónico de 19 de agosto de 2019 e de 18 de novembro de 2019, transcritas na fundamentação de facto.

Recorde-se que as partes acordaram que “Findos os trabalhos que legalmente possam ser executados ao abrigo da referida licença. o EMPREITEIRO só continuará a execução da Empreitada se o DONO DA OBRA assim o determinar por escrito, não podendo o EMPREITEIRO ser responsabilizado pela eventual suspensão dos trabalhos ou de atrasos decorrentes da emissão não atempada da licença de construção e devendo o DONO DA OBRA pagar ao EMPREITEIRO as quantias que este tenha que despender para pagamento de quaisquer eventuais coimas ou multas que lhe sejam aplicadas” – § único do n.º 1 da cláusula 7.ª. Este conteúdo sugere fortemente que o empreiteiro se alheia do processo de obtenção de um novo licenciamento.

De todo o modo, ainda que assim se entenda, para que a ré pudesse atuar no âmbito do procedimento administrativo de comunicação prévia em representação dos autores, teria sempre de estar munida da necessária procuração outorgada pelo dono da obra, interessado naquele procedimento. Isto leva-nos à questão da necessidade de averbamento da identidade do novo dono da obra, para efeitos de satisfação das obrigações contratuais, e de quem tem o dever ou o ónus contratual de o fazer.

(…)

Do raciocínio expendido decorre que podemos aceitar que cabia contratualmente à ré, atuando como mandatária, requerer a prorrogação dos efeitos da comunicação prévia já efetuada –, mas não a obrigação de requerer o licenciamento de novos trabalhos nem de efetuar nova comunicação prévia. No entanto, só poderia cumprir a sua obrigação se os autores, previamente, tivessem promovido o averbamento da alteração da identificação do dono da obra interessado no procedimento administrativo e lhe tivessem outorgado procuração bastante.

Parece resultar da fundamentação de direito da sentença que o tribunal a quo entendeu que a ré requereu uma primeira prorrogação do prazo de eficácia da comunicação prévia – em março de 2019. Tal requerimento inexiste. Quem requereu a prorrogação do prazo inicial foi a T...S.A., conforme resulta do ponto 16 – factos provados.

No entanto, mesmo que se imputasse à ré, atuando em claro abuso de representação, a autoria do primeiro requerimento de prorrogação do prazo de eficácia da comunicação prévia, enquanto mandatária (de quem, erradamente, ainda figurava na comunicação como dono da obra) nunca se se poderia extrair deste facto (hipotético) que a apelante poderia repetir tal atuação ilegítima. No mesmo sentido, não podiam os autores, como é evidente, pretender que a ré apresentasse um requerimento em nome do anterior titular, ficcionando que este continua a deter a legitimidade para edificar no prédio e que dele (e não dos autores) a ré recebeu instruções nesse sentido. O que podiam (e deviam) é atualizar a identidade do beneficiário do título do controlo prévio e conferir à ré a necessária (sua) procuração».

O acabado de expor não merece reparo, sendo consentâneo com a factualidade assente.

Desta feita, conclui-se que incumbia aos autores, não só a prorrogação da comunicação prévia, bem como, o licenciamento de obras adicionais.

Não existe qualquer erro de julgamento no acórdão proferido, na medida em que, a aplicação do direito aos factos efetivamente assentes, não envolve qualquer distorção quanto ao clausulado assumido no contrato de empreitada, nem quanto ao apuramento da vontade negocial das partes no mesmo.

Assim, decai este segmento do recurso.

Entendem os recorrentes que a ré agiu em abuso de direito quando, não procedeu à renovação da comunicação prévia e exigiu que a mesma fosse feita por conta dos autores.

Ora, nos termos do disposto no art. 334º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Como já explanado supra, não era da incumbência da ré, proceder à renovação da comunicação prévia, nem proceder ao licenciamento dos trabalhos a mais.

Resulta dos factos que:

17 – Em 16 setembro de 2019, terminado o prazo referido no ponto 16 – factos provados –, não foi apresentado à Câmara Municipal... novo pedido de prorrogação do prazo da licença referida no ponto 11 – factos provados.

18 – Com a não renovação do pedido de prorrogação do prazo da licença camarária, conforme referido no ponto 17 – factos provados –, a ré suspendeu a execução dos trabalhos de construção.

19 – Apenas com a renovação e, ou, prorrogação da licença camarária poderia a ré estabelecer a calendarização das obras, determinar a data da sua conclusão e retomar os trabalhos.

20 – A não renovação do pedido de prorrogação do prazo da licença camarária e a subsequente suspensão dos trabalhos impediram a ré de realizar a calendarização final da obra, tendo em consideração o desconhecimento da data a partir da qual seriam retomados os trabalhos.

21 – Sabendo, desde 15 de novembro de 2019, ser entendimento da ré caber aos autores requerer o averbamento da comunicação prévia nos seus nomes, nunca estes o requereram, até meados de março de 2020.

22 – A ré disponibilizou-se para, em representação dos autores, requerer à edilidade a prorrogação da comunicação prévia, visando o imediato prosseguimento da obra, com a simultânea apresentação do pedido de licenciamento de obras não abrangidas por licenciamento anterior, mas apenas após os autores concretizarem, por si, o averbamento da alteração da identidade do dono da obra no processo camarário.

23 – A ré faturou e reclamou dos autores o pagamento da quantia de € 5.000,00, por alterações à obra projetada já licenciada, com vista ao licenciamento das obras adicionais solicitadas pelos autores, tendo remetido tal fatura aos autores em 28 de janeiro de 2020.

Recai sobre os donos da obra, na qualidade de titulares do direito de propriedade sobre o prédio em construção, o pagamento das inerentes despesas de licenciamento e não sobre o empreiteiro que executa a obra.

Ao empreiteiro incumbe entregar a obra, em conformidade com o acordado no contrato, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário preconizado.

As despesas resultantes do licenciamento não são obrigação do empreiteiro, nem do contrato dos autos resulta uma tal interpretação, a qual, por natureza não integra a regra geral, no regime de empreitada.

A conduta da ré, não materializa qualquer fundamento para o invocado abuso de direito, não sendo o mesmo aqui configurável e, não assistindo razão aos recorrentes.

Por último, entendem os autores que é abusivo o exercício do direito de retenção por banda da ré.

Nos termos do disposto no art. 754º do Código Civil, o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.

Como se aludiu no Ac. do STJ. de 15-12-2022, in https://www.dgsi.pt «Na interpretação que logrou posição maioritária na doutrina e na jurisprudência o empreiteiro goza de direito de retenção da obra se tiver um crédito contra o seu credor - dono da obra, se o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados, em conformidade com o disposto no art.º 754.º do Código Civil».

Efetivamente, o artigo 754º do Código Civil, concede ao empreiteiro o direito de retenção do objeto da empreitada enquanto o dono da obra não pagar o preço da obra, quer esta tenha sido acabada, quer não.

Na situação em apreço, apurou-se que:

28- Em 11 de dezembro de 2019, existia um saldo de trabalhos realizados a favor da ré no montante de € 10.422,98.

Os autores não procederam a este pagamento, sendo legítimo o direito de retenção da ré, não se verificando qualquer cláusula de exclusão.

Com efeito, cessará o direito de retenção da ré, logo que os autores liquidem o valor em dívida.

Destarte, improcede na totalidade o recurso interposto.

Sumário:

- O dono da obra é a pessoa que pela aquisição do terreno para construção, por via da celebração do contrato de compra e venda, se encontra na titularidade de um direito real que lhe foi transmitido.

- Transmitindo-se a propriedade do bem, este novo titular que vai edificar, na qualidade de dono da obra, terá de comunicar ao processo administrativo, a substituição para o averbamento da alteração.

- Recai sobre os donos da obra, na qualidade de titulares do direito de propriedade sobre o prédio em construção, o pagamento das inerentes despesas de licenciamento e não sobre o empreiteiro que executa a obra, não resultando tal interpretação do contrato formalizado, nem do regime geral da empreitada.

- Ao empreiteiro incumbe entregar a obra, em conformidade com o acordado no contrato, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário preconizado.

- O empreiteiro goza de direito de retenção da obra se tiver um crédito contra o seu credor – o dono da obra, se o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados, em conformidade com o disposto no art.º 754.º do Código Civil.

3- Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a revista, mantendo-se o acórdão proferido.

Custas a cargo dos recorrentes.

Lisboa, 29-10-2024


Maria do Rosário Gonçalves (Relatora)

Ricardo Costa

Luís Correia de Mendonça