DESISTÊNCIA PARCIAL DO RECURSO
INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
COMUNHÃO GERAL DE BENS- 1790ºCC
RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS
TRÂNSITO EM JULGADO
ENCARGOS NORMAIS DA VIDA FAMILIAR
BEM E DIVIDA PRÓPRIA DO CABEÇA DE CASAL
DÍVIDA COMUM DO EXTINTO CASAL
Sumário


1- Enquanto não for proferido acórdão pelo tribunal de recurso, o art. 632º, n.º 5, do CPC consente que o recorrente possa livremente desistir da totalidade do recurso que interpôs, ou de parte dos fundamentos de recurso que invocou nas respetivas conclusões, o que se traduz numa desistência parcial do recurso interposto.
2- O processo de inventário subsequente a divórcio, nos casos de casamento celebrado sob o regime de comunhão geral de bens ou de comunhão de adquiridos (no caso de casamento celebrado sob o regime de separação geral de bens não existe património comum do ex-casal, pelo que não existe fundamento legal para se recorrer a processo de inventário subsequente a divórcio), destina-se a partilhar os bens comuns do extinto casal, à data da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges (em princípio, à data da propositura da ação de divórcio), tendo em conta o regime matrimonial (efetivo) do casamento, bem como a liquidar as dívidas comuns daquele património comum perante terceiros e, bem assim, a efetuar e liquidar as compensações stritu sensu entre os cônjuges (nos casos em que o património próprio daqueles tenha liquidado dívida comuns do casal, ou vice-versa) e, se for o caso, a liquidar as responsabilidades mútuas entre eles (nos casos em que, independentemente do regime matrimonial do casamento, um dos cônjuges, na constância do matrimónio, tiver contribuído consideravelmente mais do que devia para a satisfação dos encargos da vida doméstica, não se cumprindo o critério da proporcionalidade do n.º 1 do art. 1676º do CC, ficando conferido ao cônjuge sacrificado, nos termos do seu n.º2, um direito a ser compensado, no momento da partilha, por esse sacrifício desproporcionado).
3- Apesar das relações patrimoniais entre os cônjuges cessarem, em princípio, na data da propositura da ação de divórcio, o património comum entre os ex-cônjuges mantém-se até à partilha, sendo nela que aqueles dissolvem o património comum, pagam as dívidas do património comum e exigem, quando for caso, a liquidação das compensações a que tenham direito.
4- A norma do art. 1790º do CC, na redação introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31/10, apenas significa que quando o casamento tenha sido celebrado sob o regime de comunhão geral de bens, em caso de divórcio, no momento da partilha, nenhum dos ex-cônjuges pode receber uma meação (em termos de valor) superior à que receberia se o casamento tivesse sido celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos.
5- O art. 1790º do CC não altera o regime de bens do casamento, pelo que, tendo o mesmo sido celebrado sob o regime de comunhão geral de bens, com exceção dos bens intransmissíveis, todos os outros que os ex-cônjuges tinham à data da celebração do casamento, ou que vieram a adquirir na constância do matrimónio, são bens comuns do ex-casal e continuam a manter essa natureza (de bens comuns), tendo, por isso, de ser relacionados como tal no processo de inventário subsequente a divórcio, onde ficam sujeitos a partilha e a todas as operações próprias do processo de inventário, nomeadamente, a licitações e ao modo de compor os quinhões de cada um dos ex-cônjuges; mas aquela norma apenas impõe que, no momento da partilha, se faça um juízo comparativo entre o valor da meação de cada ex-cônjuge à luz do regime efetivo do casamento (a comunhão geral de bens) e o valor da meação que cada um deles receberia à luz do regime hipotético da comunhão de adquiridos, de modo a que nenhum deles receba uma meação (em termos de valor) superior à que que receberia se o casamento tivesse sido celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos.
6- Tendo o tribunal recorrido, por decisão transitada em julgado, conhecido parcialmente da reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal - em que julgou que as relações patrimoniais entre os ex-cônjuges cessaram em 23/10/2018 e que, consequentemente, as relações patrimoniais entre os mesmos perduraram no tempo entre 05/12/2007 (data da celebração do casamento) e 23/10/2018 (data da propositura da ação de divórcio) -, e com base nesse pressuposto julgado improcedente a reclamação no segmento em que a reclamante pretendia que se aditasse à relação como bem comum o saldo de uma conta bancária, com fundamento de que a reclamante não alegou (e, por isso, não pôde provar) que esse saldo existisse em 23/10/2018, sob pena de violação do caso julgado que cobre essa decisão, não pode o tribunal considerar posteriormente, para efeitos de aplicação do regime do art. 1790º do CC, que as relações patrimoniais entre os ex-cônjuges perduraram no tempo entre 05/12/2007 e 23/10/2020.
7- O processo de inventário subsequente a divórcio é um processo especial, pelo que, em sede de reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, na ausência de qualquer norma que nele regule o ónus da impugnação especificada e o incumprimento desse ónus, nos termos do art. 549º, n.º 1 do CPC, a reclamação fica submetida ao regime legal do art. 574º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
8- Assim, tendo o cabeça-de-casal, na relação de bens que apresentou com o requerimento inicial, alegado que determinados bens que aí relacionou foram por si adquiridos no estado de solteiro, não tendo a reclamante, na reclamação impugnado essa alegação do cabeça-de-casal, consideram-se admitidos por acordo das partes que aqueles bens foram adquiridos pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro, conforme fora por ele alegado.
9- Já acusando a reclamante, na reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal a falta de relacionamento de determinados bens, vindo, na resposta a essa reclamação o cabeça-de-casal a aceitar a falta de relacionamento dos mesmos (por à luz do regime matrimonial do casamento este ter sido celebrado sob o regime de comunhão geral de bens, tratando-se, por isso, de bens comuns), mas alegando que os mesmos foram por si adquiridos no estado de solteiro, e na medida em que o processo de inventário não comporta réplica à resposta à reclamação, o tribunal, fazendo uso dos poderes de gestão processual e de adequação formal, ou notificava a reclamante para se pronunciar, querendo, quanto a esses factos novos, ou., na ausência dessa notificação, relegava a observância do princípio do contraditório que assiste à reclamante quanto a essa facticidade nova para o início da audiência prévia, ou, na ausência desta, para o início da conferência de interessados (art. 3º, n.º 3 do CPC); e só então, uma vez facultada a palavra à reclamante para exercer o direito do contraditório quanto aos novos factos alegados pelo cabeça-de-casal na resposta à reclamação, caso esta não os impugne, nos termos do disposto no art. 574º, n.º 2, ex vi, art. 549º, n.º 1 do CPC, se pode considerar a mesma admitida por acordo (isto é, os bens cuja falta de relacionamento foi acusada pela reclamante foram adquiridos pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro, conforme foi por ele expressamente alegado na resposta à reclamação).
10- Para efeitos do disposto no art. 1691º, n.º 1, al. b) do CC, considera-se “encargos normais da vida familiar” - e que, por isso, independente do regime de bens do casamento, são dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, quer tenham sido contraídas antes ou depois do casamento -, as despesas relacionadas com o dia-a-dia da gestão doméstica do casal (v.g., despesas com alimentação, consumo de água, eletricidade, gás, telecomunicações, vestuário, calçado, artigos de higiene para a casa e para os membros do agregado familiar, etc.), mas também outros encargos, como o pagamento de propinas dos filhos estudantes, a renda da casa, a liquidação de prestações para amortização de empréstimo bancário contraído para aquisição ou construção da casa de morada de família do casal, etc.
11- Tendo o terreno que integra o prédio urbano relacionado pelo cabeça-de-casal sido por ele adquirido no estado de solteiro, e tendo a casa que este nele construiu sido edificada mediante um contrato de mútuo bancário, hipotecário, que celebrou com uma instituição bancária, ainda em estado de solteiro, a fim de a construir (que, na sequência do casamento, veio a constituir a casa de morada de família do ex-casal), à luz do regime (hipotético) da comunhão de adquiridos, para efeitos de aplicação do regime do art. 1790º do CC, aquele prédio urbano (terreno e casa) é bem próprio do cabeça-de-casal e a dita dívida emergente do contrato de mútuo bancário é também uma dívida própria do cabeça-de-casal.
12- Para que, ao abrigo do disposto no art. 1691º, n.º 1, al. b) do CC, se pudesse considerar que a dívida emergente do contrato de mútuo bancário celebrado pelo cabeça-de-casal, ainda no estado de solteiro, para construir a dita casa, que, na sequência do casamento, veio a constituir a casa de morada de família do extinto casal, é uma dívida comum do extinto casal era necessário que o cabeça-de-casal tivesse alegado (e, posteriormente, provado) que celebrou aquele contrato de mútuo bancário com vista a construir a dita casa, a fim de nela, na sequência do casamento com a reclamante, instalar a casa de morada de família do casal, o que não fez.
13- Na ausência dessa alegação, o montante das prestações emergentes desse contrato de mútuo que, entre a data de celebração do casamento e a cessação das relações patrimoniais (entre 05/12/2007 e 23/10/2018), foi pago pelo extinto casal, à luz do hipotético regime de casamento celebrado sob a comunhão de adquiridos, para efeitos de aplicação do regime do art. 1790º do CC, tem de ser relacionado como um direito de crédito do património comum do extinto casal sobre o cabeça-de-casal.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

AA instaurou, em ../../2023, ação de inventário subsequente a divórcio, por apenso aos autos de ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que intentou em 23/10/2018, contra BB, em que, por sentença proferida em 19/11/2019, transitada em julgado, o casamento de ambos foi declarado dissolvido por divórcio.
Requereu que fosse nomeado cabeça-de-casal em virtude de ser o ex-cônjuge mais velho.
Juntou compromisso de honra e relação de bens.

Na relação de bens relacionou o seguinte:

RELAÇÃO DE BENS COMUNS
ACTIVO:
A – PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
Verba n.º 1 – uma quota na sociedade EMP01..., UNIPESSOAL, LDA., NIPC...30, constituída em 07.06.2017, com sede na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., com o capital social de €1.000,00 (mil euros), registada a favor do Requerente, no valor nominal de €1.000,00;
B - BENS MÓVEIS
B.1 - SUJEITOS A REGISTO
Verba n.º 2 – um veículo automóvel de matrícula ..-..-NA, marca ..., modelo ..., do ano de 1999, adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, a que se atribuiu o valor €300,00;
B.2 - OUTROS BENS MÓVEIS
Verba n.º 3 – um sofá em pele branca, tipo wall, composto por três módulos, no valor de €200,00
Verba n.º 4 - um conjunto de dois sofás em pele branca, tipo twin, no valor de €200,00;
Verba n.º 5 – um conjunto de duas chaises, em pele castanha, tipo landscape, no valor de €400,00;
Verba n.º 6 - uma chaise, em pele castanha, tipo Hockney, no valor de €200,00;
Verba n.º 7 - uma mesa em Inox, com tampo branco, no valor de €200,00;
Verba n.º 8 - um conjunto de 20 cadeiras da ..., modelo ..., de cor ..., no valor de €100,00;
Verba n.º 9 - um conjunto de 4 cadeiras da ..., modelo ..., de cor ..., no valor de €40,00;
Verba n.º 10 - um conjunto de 4 chaises e 2 bancos, em alumínio, e respetivos colchões, no valor de €500,00;
Verba n.º 11 - um móvel de aparelhagem em madeira, no valor de €100,00;
Verba n.º 12 - um móvel de TV com duas gavetas, no valor de €20,00;
Verba n.º 13 - uma mesa de jantar, com tampo em MDF folheado e base em inox, no valor de €100,00;
Verba n.º 14 - conjunto de mesa de escritório com tampo em MDF folheado e base em inox, cadeira ajustável mesh e candeeiro com base me inox ..., no valor de €250,00;
Verba n.º 15 - espelho composto com base vermelha, no valor de €100,00;
Verba n.º 16 - um sofá em pele castanha, tipo Wall, de 2 lugares, no valor de €50,00;
Verba n.º 17 - uma cadeira de massagens, no valor de €100,00;
Verba n.º 18 - conjunto de duas mesas, com tampo em MDF folheado e base em inox, no valor de €100,00;
Verba n.º 19- conjunto de duas cadeiras de escritório em pele sintética branca, ..., no valor de €20,00;
Verba n.º 20 - um quarto de casal, composto por uma cama em pele branca, tipo wall, 2 estrados articulados, 2 colchões individuais, e espelho com aro em madeira, no valor de €500,00;
Verba n.º 21 – um quarto de casal, composto por uma cama em pele castanha, tipo wall, 2 estrados e 1 colchão, um móvel de uma porta com frente lacada em branco e 1 candeeiro de cerâmica, no valor de €200,00;
Verba n.º 22 - uma cama em linho com colchão tempur, no valor de €250,00;
Verba n.º 23 – um conjunto de mesa de cozinha e quatro cadeiras, no valor de €100,00;
Verba n.º 24 - um conjunto de 3 móveis ..., de duas portas com frente lacada em branco, no valor de €40,00;
Verba n.º 25 - um conjunto de 2 candeeiros com base em inox e abajur, um bege e outro preto, no valor de €40,00;
Verba n.º 26 - um conjunto de 2 candeeiros Flos, modelo ..., no valor de €75,00;
Verba n.º 27 - um conjunto de aparelhagem Hi-Fi, composto por amplificador ..., colunas ..., leitor de CDs ... CD3 e suportes Target, no valor de €300,00;
Verba n.º 28 - um projetor ..., no valor de €100,00;
Verba n.º 29 - uma televisão ... de 40", no valor de €100,00;
Verba n.º 30 - uma televisão ... de 32", no valor de €70,00;
Verba n.º 31 - um conjunto de altifalantes Home Cinema, composto por colunas ..., ... e colunas ..., no valor de €150,00;
Verba n.º 32 - um conjunto de equipamentos Hi-Fi, composto por DAC ..., no valor de €100,00;
Verba n.º 33 - um gira-discos Project, no valor de €75,00;
Verba n.º 34 - um conjunto de três leitores de DVD, das marcas ..., ... e Polaroid, no valor de €20,00;
Verba n.º 35 - par de colunas ..., adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €500,00;
Verba n.º 36 - um conjunto de colunas ..., no valor de €40,00;
Verba n.º 37 - um amplificador CC, sub-rogado no lugar de bem próprio pela venda de equipamentos da mesma natureza adquiridos pelo requerente no estado de solteiro, no valor de €250,00;
Verba n.º 38 - uma coleção de discos de Vinil, no valor de €200,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022 - eliminado);
Verba n.º 39 - uma máquina fotográfica ... 450D, no valor de €50,00;
Verba n.º 40- uma máquina vídeo ..., no valor de €30,00;
Verba n.º 41 - conjunto de material informático, composto por monitor ..., teclado e rato da ..., câmara ... 207MW, câmara ... 207W, telefone ... sem fios e medidor de consumo elétrico, no valor de €40,00;
Verba n.º 42 - conjunto de pequenos eletrodomésticos, composto por torradeira da marca ..., fervedor ..., máquina de café ..., máquina de sumos ... e aspirador portátil, no valor de €150,00;
Verba n.º 43 - uma bicicleta BH ..., no valor de €30,00;
C – IMÓVEIS
Verba n.º 44 - prédio urbano, destinado a habitação, em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, composto por rés de chão e andar, tipo T4, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...24 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...46, construído pelo Requerente previamente ao casamento com recurso ao crédito hipotecário, contraído este em 8 de agosto de 2002, (…) com o valor patrimonial tributário de €147.720,00;

PASSIVO

Verba n.º 1- dívida ao Banco 1..., referente ao empréstimo bancário contraído em 8 de agosto de 2002 e para construção do imóvel relacionado na verba 44 do ativo, que se cifra atualmente em €27.259,29”.
Por despacho de 25/05/20231 nomeou-se o requerente para o cargo de cabeça-de-casal, julgou-se validamente prestado o compromisso de honra por ele junto aos autos e ordenou-se a citação da requerida.
A requerida BB reclamou da relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal nos seguintes termos:
(i)- aceitou a existência e o valor dos bens relacionadas sob as verbas n.ºs 1, 2, 34, 36, 43;
(ii) – quanto aos bens relacionados sob as verbas n.ºs 3 a 33, 35, 37 a 42, aceitou a existência dos mesmos, mas impugnou o valor que lhes foi atribuído pelo cabeça-de-casal, indicando um valor diferente para cada um deles;
(iii) – acusou a falta de relacionamento dos seguintes bens comuns do casal:
“OUTROS BENS MÓVEIS:
Verba n.º 45 - conjunto de piano marca ... e banco, no valor de €950,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022 - eliminado);
Verba n.º 46 - conjunto de sistema de alarme da marca ..., composto por 4 detetores de movimento internos e 2 detetores de movimentos externos, centralina com ligação remota, comandos remotos, câmara ... 207MW, e 3 câmaras ... 207W, bateria e sirene, no valor de €3.500,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022 - eliminado);
Verba n.º 47- um sofá em pele castanha, tipo Andy, composto por três módulos e costas articuladas, no valor de €2.000,00;
Verba n.º 48 - duas carpetes de linho e lã, modelo ..., da firma Tapeçarias ... (... Carpets), 260x260 e 260x250 no valor de €4.000,00;
Verba n.º 49 - uma carpete de lã feltrada, branca, da firma Tapeçarias ... (... Carpets), no valor de €1.500,00;
Verba n.º 50 - duas carpetes de lã, modelo DD, da firma Tapeçarias ... (... Carpets), 270x300 e d150 no valor de €3.000,00;
Verba n.º 51- um tapete em pelo de cordeiro natural, branco, no valor de €150,00;
Verba n.º 52 - um candeeiro da marca ... 100, no valor de €2.100,00;
Verba n.º 53 - um candeeiro da marca ..., modelo ..., com o valor de €1.500,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022 – mantida a sua relação com a eliminação da expressão “Base”);
Verba n.º 54 - um conjunto de 8 cadeiras EE, brancas, com o valor de €500,00;
Verba n.º 55 - uma coleção de prémios/memorabilia Radiohead, no valor de €2.500,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022 - eliminado);
Verba n.º 56 - uma colcha em pele natural de ... de cor ..., no valor de €700,00;
Verba n.º 57- um conjunto de cama composto por capa de edredão, 2 fronhas e lençol, 100% linho, cor natural da ... ..., no valor de €1.000,00;
Verba n.º 58 - uma mesa exterior em inox, no valor de €700,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022       - eliminado);
Verba n.º 59 - cinco bancos em napa, no valor de €150,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022                          - eliminado);
Verba n.º 60 - uma carpete ..., preta com risca camel, no valor de €800,00;
Verba n.º 61 - uma tela de home cinema, no valor de €400,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022              - eliminado);
Verba n.º 62 - uma tela motorizada, no valor de €150,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022                           - eliminado);
Verba n.º 63 - coleções de livros, no valor de €1.500,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022 - eliminado);
Verba n.º 64 - coleção de dvd, ... Collection e outros, no valor de €800,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022 - eliminado);
Verba n.º 65 - coleção de cd musicais, no valor de €800,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022                        - eliminado);
Verba n.º 66 - um rolo de cortina screen no valor de €120,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022              - eliminado);
Verba n.º 67 - um estore de correr ... no valor de €20,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022               - eliminado);
Verba n.º 68 - oito cortinas, no valor de €2.500,00 (objeto do acordo que veio a ser celebrado na sessão de 24/11/2022 - eliminado);

ii) DINHEIRO:

Verba n.º 69 - saldo bancário pertencente aos interessados, retirado pelo Requerente da conta conjunta de ambos no Banco 2..., com o IBAN  ...64, no valor de €21.000,00”;
Precavendo a hipótese de se entender que o imóvel relacionado constitui bem próprio do cabeça-de-casal, alegou ter participado com o produto do seu rendimento na respetiva aquisição, o qual constituiu a casa de morada de família durante o matrimónio, bem como na liquidação do empréstimo contraído para a sua construção e, em consequência, acusou a falta de relacionamento dos seguintes créditos que detém sobre o cabeça-de-casal:
a- a quantia de 10.890,06 euros, referente à aquisição pelo cabeça-de-casal da metade indivisa da reclamante do terreno onde viria a ser construída a dita casa de morada de família;
b- valores liquidados pela reclamante para pagamento do empréstimo contraído pelo cabeça-de-casal, no estado de solteiro, para a construção daquela casa, em quantia não concretamente apurada, por se encontrar a aguardar que a instituição bancária lhe faculte os elementos necessários para operar essa concretização; e
c- despesas correspondente à comparticipação na construção da dita casa e não suportadas pelo financiamento antes referido, em quantia não concretamente apurada, mas que, entretanto, concretizará logo que recolha todos os elementos necessários para o efeito.
Arrolou testemunhas e requereu que se procedesse à avaliação dos bens relacionados pelo cabeça-de-casal e, bem assim, daqueles cuja falta de relacionamento acusou.
O cabeça-de-casal respondeu à reclamação apresentada, alegando que:
(i) O piano (verba n.º 45) pertence ao filho do ex-casal;
(ii) O sistema de alarme (verba n.º 46) não pode ser dissociado da moradia, de que é parte integrante, e as câmaras ... já se encontram contempladas na verba n.º 41; contudo, caso assim se não entenda, o seu valor não ultrapassa os 1.000,00 euros;
(iii) O sofá (verba n.º 47) foi adquirido pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro e o seu valor não excede os 500,00 euros;
(iv) As carpetes (verbas n.ºs 48 a 50) foram adquiridas pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro (na data e pelo preço de aquisição que indica) e o seu valor global não excede os 1.500,00 euros;
(v) Quanto ao tapete (verba n.º 51), aceita assistir razão à reclamante e que se trata de um bem que foi efetivamente adquirido na constância do matrimónio, mas o seu valor não ultrapassa os 500,00 euros;
(vi) O candeeiro (verba n.º 52) foi adquirido pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro (na data e pelo preço de aquisição que indica) e o seu valor não excede os 150,00 euros;
(vii) O bem da verba n.º 53 foi adquirido pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro (na data e pelo preço de aquisição que indica), mas o seu valor não excede os 100,00 euros;
(viii) O bem da verba n.º 54 foi adquirido pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro e o seu valor não excede os 100,00 euros;
(ix) O bem da verba n.º 55 não pode ser relacionado uma vez que foi vendido pelo cabeça-de-casal ainda no estado de casado com a reclamante, como é do conhecimento da última;
(x) O bem da verba n.º 56 foi adquirido pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro e o seu valor não excede os 200,00 euros;
(xi) Os jogos de cama (verba n.º 57) foram adquiridos pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro (na data e pelos preços de aquisição que indica); contudo, o seu valor não excede os 150,00 euros;
(xii) Os bens das verbas n.ºs 58 e 59 não foram relacionados porque são propriedade de terceiros, designadamente, do irmão da reclamante;
(xiii) O bem da verba n.º 60 foi adquirido pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro e o seu valor não excede os 50,00 euros;
(xiv) O bem da verba n.º 61 foi adquirido pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro e não pode ser autonomizado da moradia, uma vez que está embutido no teto falso desta;
(xv) O bem da verba n.º 62 foi adquirido pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro e não pode ser autonomizado da moradia, dado que está embutido na sanca do teto falso da mesma;
(xvi) Quanto aos bens da verba n.º 63, impugna a acusação de falta do seu relacionamento na medida em que a reclamante não identifica minimamente as coleções de livros a que se reporta, tornando-se impossível ao cabeça-de-casal tomar posição quanto à sua existência;
(xvii) Os DVD´s e CD´s (verbas 64 e 65), o valor destes é simbólico, propondo que sejam partilhados extrajudicialmente e se elimine as verbas em causa da relação de bens, dispondo-se, contudo, o cabeça-de-casal que esses bens sejam adjudicados à reclamante pelo valor por ela indicado;
(xviii) O bem da verba n.º 66 faz parte integrante da moradia, dado que foi feito à medida para esta última e encontra-se embutido, com caráter definitivo, na sanca do teto falso dessa moradia; contudo, o seu valor não ultrapassa os 200,00 euros;
(xix) O bem da verba n.º 67 não tem qualquer valor comercial, julgando, inclusivamente, o cabeça-de-casal que esse bem foi para o lixo;
(xx) O bem da verba n.º 68 foi adquirido pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro e, dadas as suas particularidades, faz parte integrante da moradia; contudo, o seu valor não excede os 1.000,00 euros;
(xxi) O saldo bancário (verba n.º 69) é inexistente, tratando-se de dinheiro que foi emprestado ao cabeça-de-casal pelos seus pais e que o mesmo já lhes devolveu cerca de um ano antes da entrada da ação de divórcio em juízo.
Impugnou que a reclamante tivesse comparticipado com 10.890,06 euros para a compra do terreno onde veio a ser construída a moradia, alegando que, em sede de incidente de atribuição da casa de morada de família a própria reclamante, nas declarações de parte que aí prestou, declarou que o terreno em causa foi adquirido pelo cabeça-de-casal com dinheiro proveniente de um empréstimo que contraiu junto da mãe da própria reclamante e que aquele, entretanto, liquidou, o que também foi aí confirmado pela mãe da reclamante.
Impugnou que a reclamante antes do casamento tivesse contribuído com qualquer quantia para a amortização do crédito à habitação de que lançou mão, antes do casamento, para construir a moradia, na medida em que, qualquer quantia que aquela possa ter antecipado foi-lhe devolvida pelo próprio (cabeça-de-casal), para uma conta desta, e que a mesma afetou aos seus gastos pessoais.
Alegou que apenas a partir do casamento a reclamante comparticipou na amortização daquele empréstimo, uma vez que  só a partir de então o dito empréstimo passou a ser amortizado com as forças da economia conjugal, pelo que a reclamante apenas tem direito a ser compensada pelo capital amortizado a partir de janeiro de 2008; mas ao valor desse contributo (correspondente a metade do valor do capital amortizado, juros, seguros associados e comissões) tem de ser descontado o valor do uso feito pela reclamante da moradia e do desgaste e depreciação que esta sofreu em consequência daquele uso, sob pena de se enriquecer à custa do património do cabeça-de-casal. Defendeu que, atento ao desgaste acentuado sofrido pela moradia ao longo dos anos de comunhão de vida conjugal e, em particular, nos últimos três anos, com a quase total ausência de manutenção (pelo menos por parte da interessada), e tendo em mente os custos envolvidos na reposição da moradia num estado próximo daquele em que se encontrava aquando do casamento, entende nada ser devido à reclamante a título da mencionada comparticipação.

Aditou à relação de bens que tinha apresentado o seguinte:
Verba n.º 44 - um sofá em pele castanha, tipo Andy, composto por três módulos e costas, adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €500,00;
Verba n.º 45 - duas carpetes de linho e lã, modelo ..., da firma de Tapeçarias ... (... Carpets), com as medidas de 260x260 e 260x250, adquiridas no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €700,00;
Verba n.º 46 - uma carpete de lá feltrada, branca, da firma Tapeçarias ... (... Carpets), modelo ..., da firma de Tapeçarias ... (... Carpets, adquirida no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €300,00;
Verba n.º 47 - duas carpetes de lã, modelo DD, da firma Tapeçarias ... (... Carpets), adquirida no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €500,00;
Verba n.º 48 - um tapete em pele de cordeiro natural, branco, no valor de €50,00;
Verba n.º 49 - um candeeiro de marca ..., com 90 cm de diâmetro, adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €150,00;
Verba n.º 50 - um candeeiro de marca ..., modelo ..., adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €100,00;
Verba n.º 51 - um conjunto de 8 cadeira ..., brancas, adquiridas no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €200,00;
Verba n.º 52 - uma colcha em pele natural de ... de cor ..., adquirida no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €200,00;
Verba n.º 53 - um conjunto de jogo de cama, composto por capa de edredão, 2 fronhas e lençol, 100% de linho, cor natural, da marca ..., adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €150,00;
Verba n.º 54 – uma carpete ..., preta com risca camel, adquirida no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €50,00;
Concluiu pedindo que se julgasse a reclamação improcedente, se admitisse o aditamento à relação de bens que antes apresentara, e se condenasse a reclamante como litigante de má fé em multa e em indemnização.
Juntou prova documental, requereu que fosse tomado depoimento de parte à reclamante à matéria que indicou, que fosse admitido a prestar declarações de parte, arrolou testemunhas e requereu que se avaliasse os bens móveis que relacionou.
Ordenou-se a notificação da reclamante para juntar aos autos os documentos que protestou juntar no articulado de reclamação; e para que especificasse os valores a que se refere nos arts. 12º e 13º dessa reclamação, com indicação das datas em que esses valores foram utilizados nos termos aí referidos.
Na sequência, a reclamante BB apresentou o requerimento de 24/01/2022, em que alegou, além do mais, que:
- desde a data da constituição do empréstimo até à data do casamento comparticipou na amortização do empréstimo contraído pelo cabeça-de-casal para construir a moradia em valor não concretamente apurado, mas em montante não inferior a metade do valor das prestações liquidadas nesse período temporal;
- de dezembro de 2007 até novembro de 2009 contribuiu para a amortização de capital, juros e seguros decorrentes daquele empréstimo contraído pelo cabeça-de-casal para a construção da moradia com a quantia de 5.841,49 euros;
- de novembro de 2009 até junho de 2017 contribuiu para a amortização de capital, juros e seguros decorrentes daquele empréstimo com a quantia de 26.020,23 euros; e
- e em novembro de 2011, contribuiu para a amortização de capital, juros e seguros decorrentes daquele empréstimo com a quantia de 27.000,00 euros.
Mais alegou que, para a construção da moradia e obras que nela foram, entretanto, realizadas comparticipou com as seguintes quantias:
- desde a data do início da construção da moradia até à data do casamento com a quantia de 58.650,00 euros;
- desde dezembro de 2007 até novembro de 2009 com a quantia de 9.425,18 euros; e
- desde novembro de 2009 até junho de 2017 com a quantia de 20.413,89 euros.
O cabeça-de-casal respondeu à concretização feita alegando que a reclamante aproveitou para alegar novos factos que não tinha alegado na reclamação que apresentou, como é o caso das quantias com que pretensamente comparticipou nas obras realizadas na moradia após a construção desta.
Concluiu pedindo que não se admitisse o requerimento apresentado pela reclamante, por ser legalmente inadmissível; subsidiariamente, impugnou a facticidade aí alegada, pedindo que se julgasse improcedente os pedidos aí formulados e se condenasse a reclamante como litigante de má fé.

Por despacho proferido em 28/02/2022, decidiu-se (passa-se a transcrever ipsis verbis a respetiva parte dispositiva):
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Não admitir o requerimento de 21-01-2022, apresentado pela interessada BB, no segmento em que reclama valores atinentes a contribuições por si efetuadas para obras realizadas na moradia que integra o imóvel descrito na relação de bens apresentada com a petição inicial após a sua construção e, em consequência, não se atenderá, em sede da apreciação da reclamação à relação de bens, de qualquer valor atinente a tal contribuição;
b) Não admitir o requerimento de 21-01-2022, acima referido, no segmento constante dos arts. 1º a 36º, dando-se o mesmo como não escrito”.
 A requerimento do cabeça-de-casal e da reclamante BB realizou-se uma tentativa de conciliação que, após suspensão de instância, se veio a frustrar.
Em 04/07/2022, proferiu-se decisão em que se conheceu parcialmente da reclamação apresentada pela reclamante BB à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, e em que se decidiu (passa-se a transcrever ipsis verbis a parte dispositiva dessa decisão):
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, apreciando-se parcialmente a reclamação à relação de bens deduzida a 28-06-2021, decide-se:
i. Não conhecer da questão do valor a atribuir às verbas 3 a 33, 35, 37 a 42 da relação de bens e relegar para o momento previsto no art. 1114º, n.º 1, do CPC, a sua apreciação, caso se mostre necessária por força da intervenção processual dos interessados;
ii. Determinar o aditamento à relação de bens das verbas indicadas na reclamação à relação de bens sob os números 47 a 52, 54, 56, 57, 62, pelos valores indicados para pelo cabeça-de-casal na resposta junta aos autos a 02-11-2021, e relegar para o momento previsto no art. 1114º, n.º 1, do CPC, a fixação dos valores das mesmas, caso se mostre necessária por força da intervenção processual dos interessados;
iii. Julgar a reclamação improcedente quanto ao aditamento do saldo bancário existente na conta domiciliada no Banco 2..., com o IBAN  ...64, no valor de € 21 000,00;
iv. Não conhecer da reclamação no segmento referente ao aditamento à relação de bens de um crédito no montante de €10.890,06, referente à aquisição pela reclamante da metade indivisa do terreno onde foi edificada a casa de morada de família, e de créditos resultantes de pagamentos do empréstimo contraído para a construção da moradia, descrito na verba 1 do passivo da relação de bens apresentada, e do pagamento de despesas realizadas com a construção da moradia não suportadas pelo empréstimo referido, todos a favor da reclamante”.

Na sequência da decisão acabada de referir notificou-se o cabeça-de-casal e a reclamante BB para esclarecerem quais os segmentos dos requerimentos de prova por si apresentados que tinham por pertinentes para conhecimento das questões suscitadas pela reclamação de bens que se mostravam por apreciar, o que fizeram.
Por despacho proferido em 25/10/2022, conheceu-se dos requerimentos probatórios apresentados e designou-se data para a produção da prova pessoal.

Na primeira sessão designada para produção de prova, que teve lugar em 24/11/2022, o cabeça-de-casal AA e a reclamante BB acordaram o seguinte:

“1) Os bens referidos nas verbas nº 38, 45, 64 e 65 não integram, ou são excluídas da relação de bens a partilhar, por pertencerem ao filho dos interessados, AA.
2) Os bens referidos na verba nº 55 não integram a relação dos bens a partilhar por já terem sido vendidos pelo cabeça-de-casal, o qual pagará ao menor a quantia de € 800,00 (oitocentos euros), a depositar em conta titulada pelo menor, por tais bens lhe pertencerem.
3) Os bens referidos nas verbas nº 58 e 59 não integram a relação de bens, por pertencerem ao irmão da interessada, FF.
4) O bem referido na verba nº 63 não integra a relação de bens porque já foi partilhada extrajudicialmente.
5) Os bens referidos nas verbas nº 46, 61, 62, 66, 67 e 68 não integram a relação de bens como bens autónomos, devendo ser considerados como partes integrantes do imóvel constante da relação de bens.
6) O bem referido na verba nº 53 integra a relação dos bens a partilhar, devendo passar a ser descrito como candeeiro de marca ..., modelo ....                                                                       
Na sequência, ordenou-se ao cabeça-de-casal para apresentar relação de bens corrigida de acordo com o decidido em 04 de julho de 2022 e o acordo alcançado.

Em 30/11/2022, o cabeça-de-casal apresentou a relação de bens que se segue (procede-se à sua transcrição ipsis verbis):
RELAÇÃO DE BENS COMUNS
ATIVO:
A – PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
Verba n.º 1 - uma quota na sociedade EMP01..., UNIPESSOAL, LDA., NIPC...30, constituída em 07.06.2017, com sede na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., com o capital social de €1.000,00 (mil euros), registada a favor do Requerente, no valor nominal de €1.000,00;

B - BENS MÓVEIS
B.1 - SUJEITOS A REGISTO
Verba n.º 2 - um veículo automóvel de matrícula ..-..-NA, marca ..., modelo ..., do ano de 1999, adquirido no estado de solteiro pelo Requerente - cfr. DUA que agora se junta - Doc. 2 - a que se atribuiu o valor de €300,00;

B.2 - OUTROS BENS MÓVEIS
Verba n.º 3 - um sofá em pele branca, tipo wall, composto por três módulos, no valor de €200,00;
Verba n.º 4 - um conjunto de dois sofás em pele branca, tipo twin, no valor de €200,00;
Verba n.º 5 - um conjunto de duas chaises, em pele castanha, tipo landscape, no valor de €400,00;
Verba n.º 6 - uma chaise, em pele castanha, tipo Hockney, no valor de €200,00;
Verba n.º 7 - uma mesa em Inox, com tampo branco, no valor de €200,00;
Verba n.º 8 – um conjunto de 20 cadeiras da ..., modelo ..., de cor ..., no valor de €100,00;
Verba n.º 9 - um conjunto de 4 cadeiras da ..., modelo ..., de cor ..., no valor de €40,00;
Verba n.º 10 - um conjunto de 4 chaises e 2 bancos, em alumínio, e respetivos colchões, no valor de €500,00;
Verba n.º 11 - um móvel de aparelhagem em madeira, no valor de €100,00;
Verba n.º 12 - um móvel de TV com duas gavetas, no valor de €20,00;
Verba n.º 13 - uma mesa de jantar, com tampo em MDF folheado e base em inox, no valor de €100,00
Verba n.º 14 - conjunto de mesa de escritório com tampo em MDF folheado e base em inox, cadeira ajustável mesh e candeeiro com base me inox ..., no valor de €250,00;
Verba n.º 15 - espelho composto com base vermelha, no valor de €100,00;
Verba n.º 16 - um sofá em pele castanha, tipo Wall, de 2 lugares, no valor de €50,00;
Verba n.º 17 - uma cadeira de massagens, no valor de €100,00;
Verba n.º 18 - conjunto de duas mesas, com tampo em MDF folheado e base em inox, no valor de €100,00;
Verba n.º 19 - conjunto de duas cadeiras de escritório em pele sintética branca, ..., no valor de €20,00;
Verba n.º 20 - um quarto de casal, composto por uma cama em pele branca, tipo wall, 2 estrados articulados, 2 colchões individuais, e espelho com aro em madeira, no valor de €500,00;
Verba n.º 21 - um quarto de casal, composto por uma cama em pele castanha, tipo wall, 2 estrados e 1 colchão, um móvel de uma porta com frente lacada em branco e 1 candeeiro de cerâmica, no valor de €200,00;
Verba n.º 22 - uma cama em linho com colchão tempur, no valor de €250,00;
Verba n.º 23 - um conjunto de mesa de cozinha e quatro cadeiras, no valor de €100,00;
Verba n.º 24 - um conjunto de 3 móveis ..., de duas portas com frente lacada em branco, no valor de €40,00;
Verba n.º 25 - um conjunto de 2 candeeiros com base em inox e abajur, um bege e outro preto, no valor de €40,00;
Verba n.º 26 - um conjunto de 2 candeeiros Flos, modelo ..., no valor de €75,00;
Verba n.º 27 - um conjunto de aparelhagem Hi-Fi, composto por amplificador ..., colunas ..., leitor de CDs ... CD3 e suportes Target, no valor de €300,00;
Verba n.º 28 - um projector ..., no valor de €100,00;
Verba n.º 29 - uma televisão ... de 40", no valor de €100,00;
Verba n.º 30 - uma televisão ... de 32", no valor de €70,00;
Verba n.º 31 - um conjunto de altifalantes Home Cinema, composto por colunas ..., ... e colunas ..., no valor de €150,00;
Verba n.º 32 - um conjunto de equipamentos Hi-Fi, composto por DAC TEAC e streamer ..., no valor de €100,00;
Verba n.º 33 - um gira-discos Project, no valor de €75,00;
Verba n.º 34 - um conjunto de três leitores de DVD, das marcas ..., ... e Polaroid, no valor de €20,00;
Verba n.º 35 - par de colunas ..., adquirido no estado de solteiro pelo Requerente - Doc. 3 - no valor de €500,00;
Verba n.º 36 - um conjunto de colunas ..., no valor de €40,00;
Verba n.º 37 - um amplificador CC, sub-rogado no lugar de bem próprio pela venda de equipamentos da mesma natureza adquiridos pelo requerente no estado de solteiro, no valor de €250,00;
Verba n.º 38- uma máquina fotográfica ... 450D, no valor de €50,00;
Verba n.º 39 - uma máquina vídeo ..., no valor de €30,00;
Verba n.º 40 - conjunto de material informático, composto por monitor ..., teclado e rato da ..., câmara ... 207MW, câmara ... 207W, telefone ... sem fios e medidor de consumo elétrico, no valor de €40,00;
Verba n.º 41 - conjunto de pequenos eletrodomésticos, composto por torradeira da marca ..., fervedor ..., máquina de café ..., máquina de sumos ... e aspirador portátil, no valor de €150,00;
Verba n.º 42 - uma bicicleta BH ..., no valor de €30,00;
Verba n.º 43 - um sofá em pele castanha, tipo Andy, composto por três módulos e costas, adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €500,00;
Verba n.º 44 - duas carpetes de linho e lã, modelo ..., da firma de Tapeçarias ... (... Carpets), com as medidas de 260x260 e 260x250, adquiridas no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €700,00;
Verba n.º 45 - uma carpete de lá feltrada, branca, da firma Tapeçarias ... (... Carpets), modelo ..., da firma de Tapeçarias ... (... Carpets, adquirida no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €300,00;
Verba n.º 46 - duas carpetes de lã, modelo DD, da firma Tapeçarias ... (... Carpets), adquirida no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €500,00;
Verba n.º 47 - um tapete em pele de cordeiro natural, branco, no valor de €50,00;
Verba n.º 48 - um candeeiro de marca ..., com 90 cm de diâmetro, adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €150,00;
Verba n.º 49 - um candeeiro de marca ..., modelo ..., adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €100,00;
Verba n.º 50 - um conjunto de 8 cadeiras ..., brancas, adquiridas no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €200,00;
Verba n.º 51 - uma colcha em pele natural de ... de cor ..., adquirida no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €200,00;
Verba n.º 52 - um conjunto de jogo de cama, composto por capa de edredão, 2 fronhas e lençol, 100% de linho, cor natural, da marca ..., adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €150,00;
Verba n.º 53 - uma carpete ..., preta com risca camel, adquirida no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €50,00;

C – IMÓVEIS
Verba n.º 54 - prédio urbano, destinado a habitação, em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, composto por rés de chão e andar, tipo T4, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...24 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...46, construído pelo Requerente previamente ao casamento com recurso ao crédito hipotecário, contraído este em 8 de Agosto de 2002, do qual se encontra ainda em dívida ao Banco 1... a quantia de €27.259,29, sito na Rua ..., da freguesia - cfr. caderneta predial urbana, certidão da Conservatória do Registo Predial, escrituras de aquisição e constituição de hipoteca e extratos bancários (à data do casamento e atual), que agora se juntam e cujo teor se dá aqui por reproduzido - Doc. 4 a 9 - com o valor patrimonial tributário de €147.720,00;

PASSIVO
Verba n.º 1 - dívida ao Banco 1..., referente ao empréstimo bancário contraído em 8 de agosto de 2002 e para construção do imóvel relacionado na verba 55 do ativo - conforme decorre dos Docs. 7 a 9 juntos, mormente do extrato bancário atualizado, que atualmente se cifra em €27.259,29”.
Notificada da relação de bens antes referida a reclamante nada disse.
Em 12/01/2023, a 1ª Instância proferiu o despacho que se segue (procede-se à sua transcrição ipsis verbis):
“Não se encontram questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar.
Assim, determina-se a notificação dos interessados para, no prazo de vinte dias, proporem a forma da partilha, nos termos do art. 1110º, n.º 1, al. b) do CPC, aplicável por força do disposto no art. 1084º, n.º 2 do mesmos Código”.
Na sequência, o cabeça-de-casal apresentou, em 06/02/2023, proposta quanto à forma da partilha.
Notificada a reclamante BB para que se pronunciasse quanto à forma da partilha proposta pelo cabeça-de-casal, por requerimento de 02/03/2023 alegou discordar da proposta apresentada, uma vez que os bens discriminados nas verbas n.ºs 2, 35, 37, 43, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 51, 52 e 53 (todos bens móveis) e na verba n.º 54 (imóvel) deveriam considerar-se bens comuns do extinto casal, dado que foram adquiridos por ambos os ex-cônjuges através de comparticipação mútua.
Alegou que, apesar de ter acordado com o cabeça-de-casal que os bens relacionados sob as verbas nº 46, 61, 62, 66, 67 e 68 fazem parte integrante da moradia, tal não significa que tenha prescindindo da quota-parte da sua comparticipação na aquisição dos mesmos.
 Mais alegou que, caso assim não se entenda e se considere que aqueles bens são próprios do cabeça-de-casal, detém sobre o último um crédito quanto à sua comparticipação na aquisição dos mesmos, designadamente, quanto à metade correspondente: ao valor de aquisição dos bens móveis descritos naquelas verbas; ao valor do crédito referente à aquisição e construção da moradia liquidado anteriormente  ao casamento; e ao valor dos bens retirados da relação de bens por incorporação no imóvel identificado.
Alegou ainda que, caso se venha a revelar insuficiente a meação do cabeça-de-casal nos bens comuns, para pagamento dos créditos que lhe assistem, responderão os bens próprios do cabeça-de-casal pela satisfação desses créditos, nos termos do art. 1689º, n.º 3 do CC, e que o passivo constante da relação de bens deve ser atribuído exclusivamente ao cabeça-de-casal, por se reportar à construção do identificado imóvel de que arroga constituir bem próprio.
Na sequência, em 22/03/2023, a 1ª Instância proferiu o despacho que se segue (que aqui se transcreve ipsis verbis):
“No termo do incidente de reclamação à relação de bens, após junção aos autos, a 30-11-2022, da relação de bens a partilhar devidamente corrigida em conformidade com o que resultou de tal incidente, os interessados foram notificados, em cumprimento do despacho proferido a 12-01-2023, para proporem a forma à partilha, nos termos do art. 1110º, n.º 1, al, b), do CPC, aplicável por força do disposto no art.  1084º, n.º 2, do mesmo código.
Veio, então, o cabeça-de casal, a 06-02-2023, propor a forma à partilha defendendo a salvaguarda do disposto no art. 1690º do CC através do mecanismo das tornas, devendo, nessa sede, assumir-se que os bens constantes das verbas n.º 2, 35, 37, 43-46, 48-53 (móveis) e 54 (imóvel) são bens próprios de acordo com o regime da comunhão de adquiridos, posto que ingressaram na sua esfera jurídica no estado de solteiro.
Em resposta, a interessada, por requerimento junto aos autos a 02-03-2023, veio declarar que discorda do defendido pelo cabeça-de-casal, devendo os bens acima mencionados ser tidos como comuns, posto que adquiridos por ambos, através de comparticipação mútua, beneficiando da presunção de comunicabilidade consagrada no art. 1725º do CC.
Sem prescindir do referido, a interessada defendeu que, caso os bens mencionados venham a ser considerados como bens próprios do cabeça-de-casal, sempre terá um crédito sobre o cabeça-de-casal quanto à comparticipação na aquisição dos bens, designadamente, por referência à metade do valor de aquisição dos móveis e à metade do valor do crédito contraído para aquisição e construção do imóvel que foi liquidado antes do casamento bem como à metade dos bens retirados ao património comum e incorporados no valor do imóvel.
A interessada defendeu, também, que o passivo da relação de bens deve ser atribuído exclusivamente ao cabeça-de-casal, posto que respeita à construção do imóvel referido, que o mesmo refere ser um bem próprio seu.
II.
De acordo com o disposto no art. 1110º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 1084º, n.º 2, do mesmo código, “na fase de saneamento, o juiz deve resolver todas as questões condicionantes da partilha ou para esta relevantes, de modo a que todas elas se mostrem já solucionadas aquando da realização da conferência de interessados e das diligências de concretização da partilha” (Teixeira de Sousa, Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Livraria Almedina, 2020, p. 101-102).
A solução normativa referida tem em vista que, no momento em que as operações de partilha sejam realizadas, a situação jurídica dos interessados não se mantenha em dúvida, tendo, cada um, perfeito conhecimento da quota ideal a que tem direito bem como da quota ideal a que cada um dos outros interessados também tem direito.
Nessa perspetiva, importa reter que, como referido no despacho proferido a 04-07-2022, que apreciou parcialmente o incidente da reclamação à relação de bens, os interessados casaram entre si no dia 05-12-2007, segundo o regime da comunhão geral de bens.
A partilha a realizar nos autos está, assim, sujeita ao disposto no art. 1790º do CC, na redação dada pela Lei n.º 1790º do CC, segundo o qual, nenhum dos ex-cônjuges poderá receber pela mesma mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de bens adquiridos na constância do matrimónio.
Tal preceito é aplicável a todos os casamentos celebrados segundo o regime da comunhão geral de bens, mesmo os celebrados em data anterior à da sua entrada em vigor (que ocorreu a 01-12-2008), desde que, nesse caso, subsistam nessa data, como ocorre no caso em apreço (cfr., a propósito: Acórdãos STJ, processo n.º 191/10.8TMLSB-C.L1.S1 e Ac. TRG de 14-10-2021, processo n.º 1635/20.0T8VCT.G1, acessíveis em www.dgsi.pt; Cristina Araújo Dias, A Partilha dos Bens do Casal no Caso de Divórcio – A Solução do art. 1690º do CC, Separata de Lex Familiae – Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 8, n.º 15, Janeiro-Junho 2011, Coimbra Editora, p. 30).
A aplicação no procedimento do aludido preceito deve ocorrer, salvo melhor entendimento, em sede de determinação do valor das meações de cada um dos cônjuges, aí se atendendo ao regime da comunhão de adquiridos, sendo a elaboração do mapa da partilha e o pagamento de tornas (arts. 1120º e 1121º do CPC) os instrumentos processuais adequados a tal desiderato, assim se obstando a que algum dos cônjuges receba na partilha mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo a comunhão de adquiridos.
Importa, porém, reter que, em momento prévio ao referido - determinação do valor das meações de cada um dos cônjuges -, cumpre apurar, ainda que ficticiamente, qual o acervo patrimonial do casal à luz do regime da comunhão de adquiridos, nele se incluindo os bens e direitos comuns, dívidas comuns a terceiros e as compensações a operar entre os cônjuges, quer pela utilização de património comum a favor do património próprio de cada cônjuge quer pela utilização de bens próprios destes a favor do património comum.
A decisão a proferir sobre a questão acabada de elencar integra um incidente processual que, por não se mostrar tipificado, deve ser tramitado nos termos definidos nos arts. 292º a 295º do CPC, por força do disposto no art. 1091º do mesmo código.
Face ao disposto no art. 1110º, n.º 1 e 2, do CPC, e à finalidade que lhe subjaz, a que acima se fez menção, tem-se por adequado proceder, nesta fase do processo, à aludida tarefa de determinação do património a ponderar para a definição da quota ideal de cada interessado à luz do regime da comunhão de adquiridos, assim se permitindo aos mesmos que, em momento prévio à conferência de interessados, tenham pleno conhecimento de tal quota.
Ora, atentando no articulado apresentado a 06-02-2023 pelo cabeça-de-casal, constata-se que o mesmo é omisso na indicação dos meios de prova dos factos por si alegados para sustento da sua posição de afastamento da natureza comum dos bens que indica, por força da sua aquisição, por si, antes do casamento.
Considerando o disposto no art. 293º, n.º 1, do CPC, bem como o aproveitamento do articulado em referência para tramitação do aludido incidente, sem prévio anúncio aos interessados, e procurando permitir aos mesmos o pleno exercício das suas faculdades processuais, tem-se por pertinente convidar o cabeça-da-casal para, no prazo de 10 dias, vir aos autos oferecer os meios de prova que tiver por convenientes para sustento do por si alegado no requerimento apresentado a 06-02-2023.
No que respeita ao articulado apresentado pela interessada BB a 02-03-2023, verifica-se que o mesmo não contem qualquer referência aos valores que pretende ver reconhecidos como devidos a si, ao património comum do casal por parte do cabeça-de-casal ou à respetiva causa, para a hipótese de os bens referidos por este virem a ser tidos como seus bens próprios.
De igual modo, o articulado em referência é omisso em relação à factualidade subjacente à exclusão da dívida relacionada como comum (dívida perante entidade bancária) e na indicação de meios de prova.
Convocando-se, aqui, o acima referido a propósito do convite a formular ao cabeça-de-casal, tem-se por adequado convidar a interessada a, no prazo de 10 dias, vir aos autos alegar e requerer o que tiver por conveniente sobre as questões supramencionadas, assim complementando o seu articulado.
Caso se mostre necessário, dar-se-á cumprimento ao disposto no art. 3º, n.º 3, do CPC.
III.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, convidam-se os interessados a, no prazo de 10 dias, vir aos autos complementar os seus requerimentos, acima identificados, em relação às matérias acima elencadas” (destacado nosso).
Por requerimento de 14/04/2023, o cabeça-de-casal alegou, em suma, que: na forma à partilha de 06/02/2023 consignou que os bens deveriam ser considerados bens próprios tendo em linha de conta a data da sua aquisição face ao disposto no art. 1790º do CC, o que está em linha com tudo o que foi por si produzido nos autos, quer no requerimento inicial, quer nas várias relações de bens que apresentou na senda dos ulteriores desenlaces do processo, onde sempre consignou que os bens em causa foram por si adquiridos no estado de solteiro (contra o que a requerida nunca se insurgiu, posto que, caso houvesse discordância, teria de ser processualmente esgrimida, não sendo processualmente admissível a discussão de aspetos que tinham de ser suscitados e decididos na fase da reclamação à relação de bens ou, porventura, na data em que as corrigidas foram apresentadas); e a alegação da requerida configura um facto novo e uma tentativa de fazer vingar a tese de que tais bens foram adquiridos por aquela e pelo cabeça-de-casal, quando, na reclamação à relação de bens de 28/06/2021, apenas manifestou a sua discordância quanto ao valor atribuído a determinadas verbas e acusou a omissão de outras, sem nunca ter alegado que os bens tivessem sido adquiridos pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro com a sua comparticipação (o que conduz a que se tenha de dar como assente, por aceitação, as datas de aquisição das mencionadas verbas que se encontram alegadas nas relações de bens que apresentou e, por conseguinte, considerar tratar-se de bens próprios do cabeça-de-casal).
Na eventualidade de assim se não entender e que é necessário apurar a meação de cada um dos cônjuges, ainda que ficticiamente, de molde a permitir as ulteriores compensações patrimoniais a eventualmente operar entre eles, o que aceita e reputa efetivamente como necessário, importa ter presente que, por despacho de 04/07/2022, em que se decidiu parcialmente o incidente de reclamação à relação de bens, ficaram por decidir “questões com influência direta no apuramento da quota ideal de cada um dos ex-cônjuges, que estão pendentes de decisão”, e que se reconduzem em saber se: “a) há ou não um crédito a favor da interessada no montante de 10.890,06, referente à aquisição por esta da metade indivisa do terreno onde foi edificada a casa de morada de família; b) há algum crédito a favor da interessada relativa ao pagamento de despesas realizadas com a construção da moradia não suportadas pelo empréstimo bancário; c) há algum crédito a favor da interessada, referente a pagamentos do empréstimo bancário contraído para a construção da moradia, em data anterior ao casamento; d) como consequência das decisões anteriores, o imóvel a que se refere a verba n.º 54 deve ser considerado bem próprio do cabeça-de-casal à luz do regime de comunhão de adquiridos; e) existe, segundo o regime da comunhão de adquiridos, um crédito a favor da interessada à comparticipação desta para amortização do crédito hipotecário durante o casamento e se existe um crédito a favor do cabeça-de-casal sobre aquela  referente ao uso, desgaste e depreciação do referido imóvel no período da constância do matrimónio e até à presente data”. As ditas questões “devem ser também sujeitas a produção de prova e decisão judicial, pois que de outro modo sempre estarão goradas as tentativas que possam ser empreendidas pelas partes para apuramento da sua quota ideal”, para o que dá por reproduzida toda a prova que carreou para os autos.
Apresentou prova documental, arrolou testemunhas, requereu a tomada de depoimento de parte à requerida GG à matéria que identificou, requereu que lhe fossem tomadas declarações de parte, e que fosse realizada perícia ao imóvel para apurar quais as obras e custos associados à reposição deste no seu estado de conservação.
Perante o silêncio da requerida GG em face do determinado no despacho de 22/03/2023, ordenou-se que se repetisse a sua notificação (despacho de 28/04/2023), na sequência do que requereu que lhe fosse prorrogado o prazo que lhe fora concedido, o que foi deferido (requerimento de 15/05/2023 e despacho de 17/05/2023), na sequência do que, mantendo-se a mesma silente, ordenou-se a repetição da sua notificação para que desse cumprimento ao determinado naquele despacho de 22/03/2023 (despacho de 04/07/2023), o que foi feito sendo que aquela nada disse.
Por despacho de 23/10/2023 conheceu-se do requerimento de prova apresentado pelo cabeça-de-casal e, em 04/12/2023, designou-se data para a produção da prova pessoal por ele indicada e que foi admitida.
Produzida a prova pessoal, em 16/01/2024, a 1ª Instância decidiu (procede-se à transcrição ipsis verbis do despacho proferido):
“Para a decisão referente à apreciação do incidente referido no despacho proferido a 22-03-2023, mostra-se pertinente o apuramento dos valores pagos, durante a pendência do casamento entre os interessados e a data da interposição da ação de divórcio entre os mesmos, ou seja, entre 05-12-2007 e 23-10-2020, para amortização do contrato de mútuo que constituiu a dívida referida no passivo da relação dos bens a partilhar.
Para apuramento de tal factualidade, tem-se por pertinente a obtenção de informação, junto da entidade bancária credora, sobre a mesma.
Nessa perspetiva, determina-se a notificação do interessado AA para, no prazo de 10 dias, vir aos autos declarar se consente na divulgação, pela referida entidade bancária, dos valores pagos, entre 05-12-2007 e 23-10-2020, para amortização do contrato de mútuo que constituiu a dívida referida no passivo da relação dos bens a partilhar”.
Por requerimento de 19/01/2024, o cabeça-de-casal declarou dar o seu consentimento para que a entidade bancária prestasse a informação pretendida e informou que, entre 05/12/2007 e 23/10/2020, o valor amortizado no âmbito do contrato de mútuo por si celebrado, no estado de solteiro, para a construção da vivenda ascendeu a 57.400,97 euros, conforme extratos bancários que juntou aos autos.
Na sequência, ordenou-se a notificação da reclamante BB para que informasse se concordava com o valor da amortização indicado pelo cabeça-de-casal; e, perante o seu silêncio, ordenou-se que fosse novamente notificada, com a expressa advertência de que, nada dizendo, se presumiria que concordava com a alegação do cabeça-de-casal quanto ao montante amortizado no período de tempo referido, na sequência do que aquela se manteve silente.
Em 15/05/2024, a 1ª Instância proferiu sentença, em que decidiu fixar o património do casal à luz do regime da comunhão de adquiridos, para os efeitos do disposto no art. 1790º do CC, ordenando para esses efeitos:
 (i) - a exclusão da relação de bens da verba n.º 2, por, à luz do regime de comunhão de adquiridos, se tratar de bem próprio da interessada BB;
(ii) - a exclusão da relação de bens das verbas n.ºs 35, 49, 52 e 54, por, à luz do regime de comunhão de adquiridos, se tratar de bens próprios do cabeça-de-casal;
(iii) - a inclusão/manutenção na relação de bens das verbas n.ºs 37, 43, 44, 45, 46, 48, 50, 51, 52 e 53, dado tratar-se de bens adquiridos na pendência do casamento, tratando-se, à luz do regime de comunhão de adquiridos, de bens comuns do extinto casal.
(iv) - a improcedência do direito de crédito reclamado pela interessada BB, no montante de 10.890,06 euros, referente à aquisição de metade indivisa do terreno onde foi edificada a casa de morada de família, que respeita ao imóvel relacionado na verba n.º 54, por se tratar de pretenso de direito de crédito constituído antes do casamento;
(v) - a improcedência do direito de crédito reclamado pela interessada BB, decorrente do pagamento de despesas realizadas com a construção da moradia não suportadas pelo empréstimo bancário;
(vi)- a improcedência do direito de crédito reclamado pela interessada BB, decorrente de pagamentos do empréstimo bancário contraído para a construção da moradia, em data anterior ao casamento, por se tratar de pretenso direito de crédito constituído antes do casamento e que, por isso, não pode ser considerado no presente processo inventário, onde o que releva é o património comum do extinto casal;
(vii) - a procedência do direito de crédito reclamado pela interessada BB, decorrente da sua comparticipação para amortização do crédito hipotecário durante o casamento (considerando-se para o efeito o período entre 05-12-2007 – data da celebração do casamento – e 23/10/2020 – data do trânsito em julgado da sentença que declarou dissolvido o casamento, por divórcio) e, em consequência, ordenou que fosse relacionada como direito de crédito do património comum do extinto casal sobre o cabeça-de-casal (à  luz do regime da comunhão de adquiridos) a quantia de 57.400,97 euros, correspondente ao valor monetário do património comum utilizado para o cumprimento da dívida referida na verba n.º 1;
 (viii) - a improcedência de um direito de crédito a favor do cabeça-de-casal sobre a interessa BB, decorrente do uso, desgaste e depreciação do imóvel no período da constância do matrimónio e até à data da apresentação do requerimento junto a 14/04/2023.
A referida sentença consta da seguinte parte dispositiva (que aqui se transcreve ipsis verbis):
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se fixar o património do casal à luz do regime da comunhão de adquiridos, para os efeitos do art. 1790º do CC, nos seguintes termos, respeitando-se a numeração constante da relação de bens junta a 30-11-2022 para melhor compreensão:
Verba n.º 1
Uma quota na sociedade EMP01..., UNIPESSOAL, LDA., NIPC...30, constituída em 07.06.2017, com sede na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., com o capital social de €1.000,00 (mil euros), registada a favor do Requerente, no valor nominal de €1.000,00;
Verba n.º 3
Um sofá em pele branca, tipo wall, composto por três módulos, no valor de €200,00;
Verba n.º 4
Um conjunto de dois sofás em pele branca, tipo twin, no valor de €200,00
Verba n.º 5
Um conjunto de duas chaises, em pele castanha, tipo landscape, no valor de €400,00;
Verba n.º 6
Uma chaise, em pele castanha, tipo Hockney, no valor de €200,00;
Verba n.º 7
Uma mesa em Inox, com tampo Branco, no valor de €200,00
Verba n.º 8
Um conjunto de 20 cadeiras da ..., modelo ..., de cor ..., no valor de €100,00;
Verba n.º 9
Um conjunto de 4 cadeiras da ..., modelo ..., de cor ..., no valor de €40,00;
Verba n.º 10
Um conjunto de 4 chaises e 2 bancos, em alumínio, e respetivos colchões, no valor de €500,00;
Verba n.º 11
Um móvel de aparelhagem em madeira no valor de €100,00;
Verba n.º 12
Um móvel de TV com duas gavetas, no valor de €20,00
Verba n.º 13
Uma mesa de jantar, com tampo em MDF folheado e base em inox, no valor de €100,00;
Verba n.º 14
Conjunto de mesa de escritório com tampo em MDF folheado e base em inox, cadeira ajustável mesh e candeeiro com base me inox ..., no valor de € 250,00;
Verba n.º 15
Espelho composto com base vermelha, no valor de € 100,00
Verba n.º 16
Um sofá em pele castanha, tipo Wall, de 2 lugares, no valor de € 50,00
Verba n.º 17
Uma cadeira de massagens, no valor de €100,00
Verba n.º 18
Conjunto de duas mesas, com tampo em MDF folheado e base em inox, no valor de €100,00
Verba n.º 19
Conjunto de duas cadeiras de escritório em pele sintética branca, ..., no valor de € 20,00
Verba n.º 20
Um quarto de casal, composto por uma cama em pele branca, tipo wall, 2 estrados articulados, 2 colchões individuais, e espelho com aro em madeira, no valor de € 500,00
Verba n.º 21
Um quarto de casal, composto por uma cama em pele castanha, tipo wall, 2 estrados e 1 colchão, um móvel de uma porta com frente lacada em branco e 1 candeeiro de cerâmica, no valor de €200,00
Verba n.º 22
Uma cama em linho com colchão tempur, no valor de €250,00
Verba n.º 23
Um conjunto de mesa de cozinha e quatro cadeiras, no valor de € 100,00
Verba n.º 24
Um conjunto de 3 móveis ..., de duas portas com frente lacada em branco, no valor de € 40,00
Verba n.º 25
Um conjunto de 2 candeeiros com base em inox e abajur, um bege e outro preto, no valor de € 40,00
Verba n.º 26
Um conjunto de 2 candeeiros Flos, modelo ..., no valor de € 75,00
Verba n.º 27
Um conjunto de aparelhagem Hi-Fi, composto por amplificador ..., colunas ..., leitor de CDs ... CD3 e suportes Target, no valor de € 300,00
Verba n.º 28
Um projetor ..., no valor de € 100,00
Verba n.º 29
Uma televisão ... de 40", no valor de € 100,00.
Verba n.º 30
Uma televisão ... de 32", no valor de € 70,00.
Verba n.º 31
Um conjunto de altifalantes Home Cinema, composto por colunas ..., ... e colunas ..., no valor de € 150,00
Verba n.º 32
Um conjunto de equipamentos Hi-Fi, composto por DAC TEAC e streamer ..., no valor de € 100,00.
Verba n.º 33
Um Gira Discos Project, no valor de € 75,00.
Verba n.º 34
Um conjunto de três leitores de DVD, das marcas ..., ... e Polaroid, no valor de € 20,00.
Verba n.º 36
Um conjunto de colunas ..., no valor de € 40,00.
Verba n.º 37
Um amplificador CC, no valor de € 250,00.
Verba n.º 38
Uma máquina fotográfica ... 450D, no valor de € 50,00.
Verba n.º 39
Uma máquina vídeo ..., no valor de € 30,00.
Verba n.º 40
Conjunto de material informático, composto por monitor ..., teclado e rato da marca ..., câmara ... 207MW, câmara ... 207W, telefone ... sem fios e medidor de consumo elétrico, no valor de € 40,00.
Verba n.º 41
Conjunto de pequenos eletrodomésticos, composto por torradeira da marca ..., fervedor ..., máquina de café ..., máquina de sumos ... e aspirador portátil, no valor de €150,00.
Verba n.º 42
Uma bicicleta BH ..., no valor de € 30,00.
Verba n.º 43
Um sofá em pele castanha, tipo Andy, composto por três módulos e costas, no valor de € 500,00.
Verba n.º 44
Duas carpetes de linho e lã, modelo ..., da firma de Tapeçarias ... (... Carpets), com as medidas de 260x260 e 260x250, no valor de €700,00.
Verba n.º 45
Uma carpete de lá feltrada, branca, da firma Tapeçarias ... (... Carpets), modelo ..., da firma de Tapeçarias ... (... Carpets), no valor de € 300,00.
Verba n.º 46
Duas carpetes de lã, modelo DD, da firma Tapeçarias ... (... Carpets), adquirida no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de € 500,00.
Verba n.º 47
Um tapete em pele de cordeiro natural, branco, no valor de €50,00.
Verba n.º 48
Um candeeiro de marca ..., com 90 cm de diâmetro, adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €150,00.
Verba n.º 50
Um conjunto de 8 cadeiras ..., brancas, no valor de €200,00.
Verba n.º 51
Uma colcha em pele natural de ... de cor ..., no valor de € 200,00.
Verba n.º 53
Uma carpete ..., preta com risca camel, no valor de € 50,00.
Verba n.º 55º
Direito de crédito, no montante de € 57 400,97, correspondente ao valor monetário do património comum utilizado para o cumprimento da dívida referida na verba n.º1 do passivo constante da relação de bens junta a 30-11-2022, sendo devedor o cabeça-de-casal”.

Após, proferiu-se a seguinte forma à partilha:

“Procede-se a inventário para separação de meações do casamento, celebrado sob o regime da comunhão geral de bens entre AA e BB.
Foi relacionado passivo.
Notificados para os termos do disposto no art. 1110º, n.º 1, al. b) do CPC, o interessado AA, por requerimento junto a 06/02/2023, apresentou proposta referente à forma à partilha.
Procede-se à partilha do património comum do casal da seguinte forma, conforme sugerido pelo interessado:
Ao valor dos bens descritos, abate-se o passivo aprovado e divide-se o total assim obtido em duas partes iguais, constituindo uma metade a meação da interessada e a outra metade a meação do interessado/cabeça de casal (cfr. art. 1732º do CC).
No preenchimento dos quinhões, ter-se-á em conta o deliberado e licitado na constância do matrimónio, por força do disposto no art. 1790º do CC.
Assim, ponderando o acervo patrimonial acima determinado de acordo com o regime da comunhão de bens adquiridos na constância do matrimónio, deverá calcular-se a sua partilha nos seguintes termos, tendo em conta que não existe passivo:
Ao valor dos bens descritos, abate-se o passivo aprovado e divide-se o total assim obtido em duas partes iguais, constituindo uma metade a meação da interessada e a outra metade a meação do interessado/cabeça de casal (cfr. art. 1732º do CC).
No preenchimento dos quinhões, ter-se-á em conta o deliberado na conferência de interessados.
A definição final do quinhão de cada interessado deverá corresponder ao valor apurado de acordo com o regime da comunhão de bens adquiridos na constância do matrimónio”.

*
Inconformado com o decidido, o cabeça-de-casal AA interpôs recurso da sentença, no segmento em que nela se fixou o património comum do extinto casal à luz do regime da comunhão de adquiridos, para efeitos de aplicação do disposto no art. 1790º do CC, em que formulou as seguintes conclusões:

I- Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, sentença que antecede (subsumida nesta veste quanto ao incidente) e, por outro lado, ao subsequente despacho saneador do processo materializado sob o disposto no artigo 1110.º, do CPP, funcionando, assim, numa dupla vertente contando que se trata de uma posição processual conjunta face à dupla dimensão da decisão proferida.
II- A discordância que motiva a presente reação recursória assenta arraiais, ab initio, na prolação duma decisão-surpresa quanto à resolução das questões que estavam carentes de decisão neste inventário desde a decisão parcial de 04.07.2022 proferida quanto à reclamação à relação de bens, as quais se entendem serem uma flagrante postergação dos mais basilares direitos do recorrente e está, por isso mesmo, eivada de irregularidades e/ou nulidades, e passa,
III- por outro lado, pela decisão ao inopinado incidente erigido duma lacónica proposta de forma à partilha apresentada pelo Recorrente, porquanto se perfilha que os bens constantes das verbas n.ºs 2, 35, 37, 43, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 51, 52, 53 (todos bens móveis) e a verba n.º 54 (imóvel) não podem ser considerados comuns,
IV- porquanto estão todos estabilizados no que concerne às suas datas de aquisição, devendo, por conseguinte, ser considerados próprios do recorrente sob a égide do disposto no artigo 1790.º, do CC e na ficção que se é obrigatória fazer face ao regime da comunhão de bens adquiridos, o que, todavia, não sucedeu.
V- Discordância essa que, em justa medida, vai também agregar a desconsideração das regras processuais (questão de direito) e a prova coligida quando o Tribunal “a quo” se prontificou a decidir quer a matéria do incidente quer aquela que estava na ótica do recorrente impedida de aqui ser decidida, isto sem que fossem previamente asseguradas as garantias legais de molde a que o Recorrente pudesse produzir toda a prova que arrolou em momento próprio.
VI- Deste modo, a insurgência do recorrente visa não só impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, como tem em vista rebater outras questões que motivam a sua discordância relativamente à decisão recorrida, nomeadamente a interpretação e aplicação de normas jurídicas, as quais merecem, no entender do Recorrente e sempre com o incomensurável respeito por opinião diversa, diferente interpretação e aplicabilidade daquela que a sentença e o despacho saneador em crise resolveram acolher, o que tudo conjugado impele a decisão diversa da observada.

Da Decisão-Surpresa:

VII- Do Requerimento de forma à partilha apresentado, nos termos da al. b), do n.º 1, do artigo 1110.º, do CPC, o Tribunal “a quo”, em particular da alegação de que as verbas n.ºs 2, 35, 37, 43, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 51, 52, 53 (todos bens móveis) e a verba n.º 54 (Imóvel), ter-se-iam que considerar como próprias do cabeça-de-casal, porque adquiridos no estado de solteiro deste, deu origem a um incidente tramitado nos termos do disposto no artigo 292.º a 295.º, do CPC.
VIII- Aproveitando o ensejo desse inopinado incidente para esse fim o Tribunal entendeu por bem enxertar “(...) à aludida tarefa de determinação do património a ponderar para a definição da quota ideal de cada interessado à luz do regime da comunhão de adquiridos, assim se permitindo aos mesmos que, em momento prévio à conferência de interessados, tenham pleno conhecimento de tal quota.”
IX- Tendo o recorrente sido convidado a juntar a sua prova para aquilo que este entendeu estar delimitado pelo aspeto concernente à data de aquisição de tais verbas, única questão por si, pelos vistos, levantada na tal proposta de forma à partilha.
X- Não obstante, este no exercício processual de indicação da sua prova - 14.04.2023 – fez questão de consignar que haviam, no entender do recorrente, várias questões a aguardar decisão desde o despacho saneador de 04.07.2022, onde apenas foi parcialmente apreciada a reclamação à relação de bens, o que tudo tinha, assim se entendia, influência direta no âmbito da partilha, conforme consta neste requerimento plasmado e que aqui se dá como reproduzido.
XI- Quanto a este pedido de ser tudo julgado e decidido, em prol do princípio da economia processual, neste incidente nada mais foi dito ou decidido que permitisse interiorizar que podia haver a possibilidade das questões pendentes serem ali definitivamente decididas – despacho de 28.04.2023 com a referência declara apenas “visto” e o de 23.10.2023 que acaba por recusar a prova pericial requerida com base no facto de esta ir além do objeto do incidente.
XII- Concatenada toda essa realidade do incidente, da sua delimitação e prova admitida, jamais podia o Recorrente antever que as questões carentes de decisão da reclamação à relação de bens pudessem vir, como foram, a ser globalmente apreciadas sob este mote, o que se torna inevitável intuir atentando na tramitação que este seguiu.
XIII- Contudo, em derrogação dessa convicção legitimamente criada veio a ser julgada e decidida, para além daquilo que se entendeu serem os limites deste incidente, a seguinte matéria que estava a aguardar decisão:
- A existência de um crédito, a favor da interessada, referente à comparticipação desta para amortização do crédito hipotecário durante o casamento.
- A existência de um direito de crédito, a favor do cabeça-de-casal, sobre a interessada, decorrente do uso, desgaste e depreciação do referido imóvel no período da constância do matrimónio e até à data da apresentação do requerimento junto a 14-04-2023.
- A exclusão do passivo da verba n.º 1 relacionada.
XIV- Ora, a apreciação destas questões constituiu um verdadeira decisão-surpresa e flagrantemente fora do objeto do incidente, o que gera uma irregularidade e/ou nulidade processual que não se pode deixar de invocar, desde logo, por violação do princípio do contraditório e, por outro, por excesso de pronúncia, tudo com influência direta no exame e decisão da causa
XV- Pois, colocar a parte na convicção de que se apresta a ir discutir uma determinada matéria, tendo esta estruturado a sua prova para tal desiderato e depois, a final, revisitar o que estava em espera e dar-lhe um impulso desta natureza contende com as mais basilares garantias e direitos das partes, coartando estas de poderem produzir a sua prova de uma forma livre e consciente.
XVI- Vício esse que pode ser arguido nesta sede por emergir de despacho formal, de acordo com o entendimento vertido no Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 11.07.2019.
XVII- Arrimado no entendimento vertido no aresto anteriormente citado, ao qual se adere por maioria de razões, deve ser reconhecido, desde logo, que a decisão em apreço viola o princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC,
XVIII- Constituindo, por isso mesmo, uma decisão surpresa que contém em si mesma a preterição de um ato obrigatório suscetível de influir no exame e na decisão da causa (artigo 195.º, n.º 1, do CPC), designadamente a produção de prova arrolada, revogando-se consequente a decisão proferida quanto a toda essa matéria.
XIX- Ou, se assim não for acolhido, deve então ser reconhecida a nulidade da decisão quanto a estes acima aflorados aspetos que estavam a aguardar decisão por força da reclamação à relação de bens e subsequente resposta impetrada pelo Recorrente, por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, na medida em que só era legítimo conhecer da mesma após a produção de toda a prova que tinha sido arrolada.
Sem prescindir, caso não venha a ser assim acolhido,

Os efeitos cominatórios da falta de impugnação especificada:
XX- Nos presentes autos de inventário encontram-se juntas 3 (três) relações de bens, sendo inquestionável que em todas elas e a propósito das verbas n.ºs 2, 35, 37, 43, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 51, 52, 53 (todos bens móveis) e a verba n.º 54 (Imóvel), está expressamente referido que foram todas adquiridas no estado de solteiro do recorrente ou sub-rogadas no seu lugar, ao que a recorrida nunca se insurgiu ou mostrou-se sequer na disposição de contrariar, fosse de que modo fosse.
XXI- O que criou a justificada convicção, arreigado nessa inação processual da recorrida, que tal não constituía matéria controvertida, pelo que estava dado como assente, o que levou o recorrente a estruturar a sua prova alavancado nesse pressuposto, dispensando-se de carrear ou suscitar a produção de prova para esse efeito, como é imperioso que assim fosse seguido.
XXII- Não obstante, a sentença ora colocada em crise rematou essa possibilidade em três singelos parágrafos que acima vão transcritos, os quais são partidários da ideia de que esse efeito cominatório, preceituado no artigo 574.º, n. º 2, do CPC, não se produz sob a égide deste incidente porquanto essa inatividade processual está fora do mesmo, o que jamais se pode aceitar como sendo o entendimento mais correto.
XXIII- Do que se discorda, por várias ordens de razões, tendo por assente o estatuído no artigo 1091.º, do CPC, que refere que aos incidentes verificados no processo de inventário aplica-se o disposto nos artigos 292.º a 295.º, do CPC.
XXIV- Não sendo despropositado apelar ao facto, de não somenos importância, de que na relação de bens deve ser feita, para além de relacionar os bens que compõem esse acervo, “A menção dos bens é acompanhada dos elementos necessários à sua identificação e ao apuramento da sua situação jurídica.” artigo 1098.º, n.º 4, do CPC.
XXV- O que se propõe, segundo se julga saber e extrair da norma, definir a concreta situação do bem, isto de modo a que os interessados possam interiorizar a mesma, o que neste caso assumia particular importância pela necessidade de apelar ao artigo 1790.º, do CC.
XXVI- Desta sorte, a falta de reação e/ou tomada de posição quanto a esse dado fulcral de cada uma dessas verbas, que é a sua data de aquisição, não pode deixar de ter efeitos jurídicos, muito menos um que não possa estender os seus efeitos aos incidentes processados nos próprios autos.
XXVII- Em apoio da existência do efeito cominatório quanto à não reação da recorrida às várias relações de bens, podemos a título meramente exemplificativo apontar o Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 09.02.2023, o Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 07.12.2023, o Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 24.02.2024, os quais propendem para entender que há de facto efeitos emergentes dessa inatividade de não reagir à relação de bens que é transversal a todo o processo e impede até desse facto aceite poder ser repristinado ulteriormente.
XXVIII- Acresce salientar, neste particular, o vertido no Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 25.05.2023, o qual aduz no seu sumário que “1. Numa reclamação à relação de bens apenas podem ser sujeitos de prova os factos que estiverem controvertidos entre os interessados”, torna-se clarividente que esta questão do momento de aquisição de tais bens e mesmo da sua sub-rogação nunca foi controvertida entre as partes, seja na reclamação à relação de bens seja mesmo em sede deste incidente.
XXIX- Tudo isto significa que ao derrogar tais efeitos a essa falta de reação processual da recorrida o Tribunal acabou por se sobrepor à vontade da própria parte e, sem que perceba a razão pelo qual o fez, vai para além da vontade desta, criando um cenário de matéria controvertida que nunca existiu na verdade.
XXX- Ademais, não sendo este aspeto matéria controvertida estavam até as partes impedidas de produzir prova quanto à mesma, dado que o único efeito jurídico que se pode retirar deste é o consignado nos artigos 574.º, n.º 2 e 293.º, n.º 3, ambos do CPC, dependendo se se considera que a reclamação à relação de bens é um incidente da instância ou uma normal decorrência desta, o que não contende, ao fim ao cabo, com o efeito que legalmente se lhe é forçado a reconhecer.
XXXI- Por conta dessa certeza e sob o mantra dos acórdãos acima indicados há, em justa medida, um efeito confessório decorrente dessa falta de reação processual ao não impugnar o estado civil do recorrente aquando da compra dos bens em causa, o qual é preclusivo e não permite a sua ulterior sindicância seja qual for a lógica processual em que este recrudesça.
XXXII- Por força deste efeito cominatório, que agora se suscita que seja reconhecido, devem as verbas n.ºs 2, 35, 37, 43, 44, 45, 46, 48,49, 50, 51, 52, 53 e 54 da relação de bens serem, sob o exercício empreendido por apelo ao artigo 1790.º, do Código Civil, reconhecidas todas como bens próprios do recorrente.
XXXIII- Revogando-se e alterando-se, nessa consonância, a decisão proferida neste tocante, por ser a única que se mostra mais conforme o direito e a tramitação do processo face às decorrências processuais que são inevitáveis retirar da inatividade da Recorrida quanto a este concreto facto.
Continuando sem prescindir,
Da prova que foi erradamente valorada ou simplesmente desconsiderada que comprime à revogação da sentença no que diz respeito às verbas que foram consideras como próprias da interessada ou comuns:
XXXIV- O veículo automóvel que está junto relacionado sob a verba n.º 2 da primitiva relação de bens – 20.05.2021 – faz expressamente referência que o veículo em causa foi adquirido no ano de 1999 pelo Recorrente no estado de solteiro, tendo sido junto o DUA – Doc. 2 -, emitido em 2010.11.17.
XXXV- Realidade essa que se manteve sem a mínima insurgência da recorrida nas subsequentes relações de bens, existindo até uma confissão judicial plasmada no articulado de reclamação à relação de bens – vide ponto 5.º.
XXXVI- Do confronto com o DUA resulta que este foi emitido em 2010, não sendo com base no mesmo que o Tribunal poderia dar como provado que foi inicialmente comprado pela Recorrida, porque nunca o foi e as declarações de parte do recorrente são disso a suma evidência ao referir que este está atualmente registado em nome da recorrida, o que infirma, na sua base, a ilação que o tribunal chegou para considerar tal bem como próprio da recorrida.
XXXVII- Deste modo, é à saciedade evidente que há um erro notório na apreciação da prova, pelo que deve, reconhecido e valorado este, ser a decisão in casu revogada e substituída por outra que nos mesmos termos legais que estão invocados na decisão considere que o referido bem é à luz do regime da comunhão de adquiridos um bem próprio do Recorrente.
XXXVIII- A verba n.º 37 da relação de bens, amplificador, foi sub-rogada no lugar de um bem que era próprio, o que nunca foi rebatido, tendo apenas sido rebatido o valor atribuído a esta verba.
XXXIX- Aliás, é a própria recorrida que fez questão de transcrever na sua reclamação à relação de bens – datada 28.06.2021 - as verbas que considerava estarem erradamente avaliadas escrevendo, quanto a esta concreta verba, o seguinte: “Um amplificador CC, sub-rogado no lugar de bem próprio pela venda de equipamentos da mesma natureza adquiridos pelo requerente no estado do solteiro, no valor de €9.000,00.
XL- Tal declaração constituiu uma confissão judicial nos termos do artigo 352.º e 356.º, ambos do Código Civil, a qual, por não ter sido derrogada nos termos legais, tem força probatória plena contra o confitente – artigo 358.º, do CC – como se suscita.
XLI- Dessa sorte, atentando nas declarações do recorrente, na prova junta com a resposta à reclamação à relação de bens, na falta de impugnação desse facto consignado nas relações de bens de que é um bem sub-rogado em nome de outro próprio e, mesmo até, na confissão judicial fica demonstrado, ao arrepio de dúvida, que este bem nunca poderia ser considerado comum, mas, isso, sim, tem que ser considerado próprio à luz do mencionado regime de comunhão de adquiridos a que se apela para aplicação do artigo 1790.º, do CC.
XLII- Esta anteriormente adscrita realidade é, sem nuances dignas de relevo, a mesmíssima da verba antecedente pelo que cumpre, em prol da economia processual, apelar e dar como reproduzido tudo o quanto já disse sob a esfera da mesma.
XLIII- Contando que também está assim descrita em todas as relações de bens, não foi alvo de reação em sentido diverso, as declarações de parte do recorrente foram seguras, consistentes e esclarecedoras, o que tudo concatenado consubstancia uma errada apreciação da prova produzida e uma desconsideração, aqui mais ostensiva, por parte do Tribunal “a quo” no que tange aos efeitos legais que advém quer da falta de impugnação dessa alegação plasmada nas várias relações de bens, pois que assistia o direito processual de tomar posição quanto a esse facto ao abrigo, desde logo, do direito ao contraditório.
XLIV- Chamando aqui à liça, outrossim, o arrazoado em sede de efeitos cominatórios e confessórios, entende-se que a decisão tem que ser alterada e proferida outra em sua substituição que reconheça que este bem é próprio do Recorrente porquanto foi adquirido antes do casamento.
XLV- No que concerne às verbas 44, 45 e 46 cuida importar e, por mera parcimónia, dar aqui por reproduzido tudo o quanto se deixou referido quanto às verbas precedentes, porque de facto mantém atualidade e aplicabilidade.
XLVI- Suscitando-se, assim, por ser de direito e conforme a prova produzida, a revogação da decisão, substituindo esta por outra que reconheça que estes bens são próprios.
XLVII- Restando acrescentar que aqui há a particularidade do Tribunal “a quo” ter feito uma errada apreciação da prova, contando que estão juntos quatro documentos, docs. 7 a 9 juntos com o requerimento de 02.11.2021, não impugnados é curial referir, que se aprestava para servir de prova desse facto e foram simplesmente ostracizados, isto sem que houvesse o mínimo rebate crítico sobre a razão pela qual não poderiam, em abstrato, ter a potencialidade de cumprir tal desiderato probatório e não perdendo de vista que não foram impugnados.
XLVIII- O que colide com o manifestado na sentença de que nada se encontra junto aos autos com relevo para a decisão destas verbas.
XLIX- Cotejando esses documentos com as declarações de parte do Recorrente impunha-se que a decisão fosse de facto outra totalmente diferente desta, ou seja, considerar que estes bens são próprios do recorrente porque adquiridos antes do matrimónio.
L- Quanto às verbas 50, 51 e 53, um conjunto de cadeiras, uma colcha em pele natural e uma carpete ... para, tão-somente, deixar aqui aflorado e in totum renovado o que acima se referiu no tocante à verba n.º 43, pois que a realidade é, sem tirar nem pôr, a mesmíssima.
LI- Revogando-se essa decisão por outra que reconheça estes bens como próprios.
LII- No que tange à verba 48 renova-se aqui tudo o quanto se encontra adscrito para as demais verbas, com a agravante que aqui se fala de um candeeiro que está numa sala com um pé direito de cerca de 6 metros e que remonta à data do término da sua construção.
LIII- O que o cabeça de casal cuidou de explicar com outra acuidade que aqui se dispensa de renovar, mas que quando associadas às fotos carreadas para os autos pela recorrida – 09.12.2021 – servem, dentro da lógica das coisas e por apelo senso comum, para corroborar que este bem só fazia sentido ter sido adquirido no âmbito do término da construção (momento em que o recorrente para ali deslocou a sua habitação ainda solteiro, conforme está documentado nos autos), razão pela qual a recorrida nunca esboçou sequer alguma discordância quanto ao facto de na relação de bens estar ali referido que foi adquirido no estado de solteiro do recorrente.
LIV- Arrimado nessas contingências também clama a verdade dos factos pela alteração da decisão de molde a que fique decidido que este é bem próprio do recorrente.

Do crédito erradamente reconhecido à Recorrida:
a) Do evidente erro quanto à data de decesso das relações patrimoniais entre os cônjuges:
LV- “Encontra-se assente neste incidente que a soma dos valores pagos, entre 05-12-2007 e 23-10-2020, ou seja, na pendência do casamento, para amortização do empréstimo em referência corresponde à quantia de €57.400,97.” transcrição.
LVI- Sucede que o casamento foi realizado a ../../2007, a ação de divórcio entrou em juízo em ../../2018 e a sentença que decretou o divórcio transitou em julgado no dia ../../2020.
LVII- Nesse sentido, atentando no que preceitua o artigo 1789.º, do CC., é pacífico, assim se comunga, que a data para cômputo dessas relações patrimoniais entre os cônjuges teria que ser fixada em ../../2018, o que aliás já estava decido e pacificamente transitado em julgado por força da decisão proferida em 04.07.2022.
LVIII- Destarte, deve este erro, que se aceita ficar a dever a lapsus calami, ser corrigido ou então reconhecido que há de facto uma nulidade por violação do caso julgado.
LIX- E, por via dele, ser então assente que os valores pagos por conta daquele mútuo hipotecário com o produto do trabalho dos cônjuges não é de €57.400,97, mas, isso sim, de €52.622,10, o que o Tribunal pode não estar em condições de reconhecer por falta de elementos, mas que a parte facilmente pode comprovar nos autos, relegando-se assim essa determinação para ulterior momento processual se assim se justificar, o que se pugna por ver assim reconhecido e alterado neste tocante, isto ainda que se comungue da opinião que tal se afigura despiciendo face ao não reconhecimento de tal crédito que a seguir se defende, mesmo sob o manto fáctico seguido pelo Tribunal para recusar a existência de qualquer crédito do Recorrente sobre a recorrida.

b) Da Inexistência do Crédito da Recorrida:
LX- O Tribunal “a quo” reconheceu a existência dum crédito a favor da recorrida por conta da sua contribuição durante o período de casamento para pagamento do empréstimo contraído pelo Recorrente destinado à construção do imóvel que constituiu a casa de morada de família do decesso casal.
LXI- Decidindo, ainda, que a dívida deste é da exclusiva responsabilidade do recorrente estribado no preceituado na al. a), do art. 1692.º, do CC.
LXII- Entendimento esse com o qual não pode o recorrente concordar, desde logo quanto à dívida ser da responsabilidade de apenas um deles, pois que isso olvida, ab initio, a segunda parte da própria norma invocada que refere isto só assim é se estiver fora das previsões das alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 1691.º, do CC.
LXIII- Dispondo a alínea b), do n.º 1, do artigo 1691.º, do CC, estatuiu que “1.São da responsabilidade de ambos os cônjuges: b) As dívidas contraídas por qualquer um dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar.”
LXIV- Deste modo, a questão central para aferir da correção dessa decisão quanto ao crédito e remoção desse passivo bancário passa por interiorizar o que dispõe o artigo 1676.º, n.º 1 do Código Civil.
LXV- Ora, tendo os ex-cônjuges decidido, por evidente acordo de vida, fixar a sua residência familiar no imóvel que está em causa nestes autos (artigo 1673.º, do CC) assume-se inevitável concluir que o pagamento de todos os encargos deste empréstimo que lhe está associado devem equiparar-se a uma «renda» para o encargo da residência comum.
LXVI- Seguindo os ensinamentos do Prof. Antunes Varela percebe-se, sem grandes elucubrações, que a renda da casa é um normal encargo da vida familiar, o que no caso vertente mais claro se torna quando se considera o nível de rendimentos e de vida prosseguido pelas partes transforma o normal custo mensal de aproximadamente €400,00 num rotineiro encargo sem que constitua um esforço desmesurado do casal para garantir uma habitação.
LXVII- Levando em linha de conta esse nível de vida, espelhado na abundante prova documental carreada ao nível de extratos bancários, assume-se natural intuir que o apontado valor do empréstimo compreende-se, pela sua dimensão, naquilo que são os normais encargos da vida familiar.
LXVIII- A interiorização desse pagamento de tal empréstimo como um encargo normal da vida familiar, ainda que o bem possa vir a ser próprio dum deles, está cristalinamente acolhida na nossa jurisprudência.
LXIX- Disseminada esta com uma profundidade e clareza que não nos assiste no acórdão da Relação do Porto, produzido no âmbito do processo 1975/17.6T8VLG, datado de 09.11.2020, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 3442/17.9T8CSC.L1-7, datado de 12-10-2021, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 13920/20.7T8SNT-D.L1-8, datado de 24-02-2022, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 2138/20.9T8PDL.L1-6, datado de 24-06-2021, acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 667/19.6T8STS.P1, datado de 29-04-2021 e mesmo com outro distanciamento temporal no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16.01.1979.
LXX- Toda esta convocada jurisprudência aponta nesse indicado sentido que o Tribunal não acolheu, isto ainda que tenha deixado firmado na decisão - Tem-se como seguro que a disponibilização de um bem próprio para fixação da casa de morada de família constitui a afetação de recurso a encargos da vida familiar do casal (no mesmo sentido, veja-se Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, Gestlegal, edição, p. 502) -, pelo que é inevitável que o pagamento dos encargos bancários atinentes à sua construção também se subsumam a essa rúbrica.
LXXI- A concordância do casal para ali deslocar a sua habitação está provada nos autos mormente no apenso B que a sentença faz alusão e de que se valeu para o caso, retroagindo esta ao período anterior ao casamento, isto porque o mesmo foi integralmente construído no decurso da relação de namoro que ambos mantiveram nos anos anteriores à celebração do casamento com o objetivo de naquele imóvel estabelecer a sua vida familiar, o que veio a acontecer em dezembro de 2007.
LXXII- Cumprindo, ainda assim, salvaguardar que esse pagamento do empréstimo não constituiu nem um enriquecimento sem causa nem mesmo um empobrecimento da recorrida, para o que se traz aqui à liça o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 2152/09.5TBBRG.G1.S1, de 20-03-2014 e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 5837/19.4T8GMR.G2.S1, de 14-03-2023, ambos claros na ausência dos pressupostos para que isso pudesse ser sequer equacionado.
LXXIII- O facto da recorrida ter fruído ao longo desses anos de um imóvel que lhe proporcionou em elevadíssimo nível de conforto leva-nos a afirmar que a interessada não só não empobreceu, como, ao invés, enriqueceu.
LXXIV- Deste modo, comunga-se da justificada opinião de que a sentença ora recorrida não deu o correto entendimento da parte final da redação do artigo 1692.º, al. a), do CC, designadamente porque desconsiderou que esse pagamento era para “ocorrer aos encargos normais da vida familiar”, por força do artigo 1691.º, al. b), do CC, os quais são da responsabilidade de ambos os cônjuges, pelo que terá de ser revogada e substituída por outra que considere que, no caso presente, não existe qualquer direito de crédito da recorrida a favor do património comum por decorrência do montante amortizado na pendência do casamento ao mútuo em análise.
LXXV- Expurgando, subsequentemente, da relação de bens organizada sob o regime da comunhão de bens adquiridos, a verba n.º 55, denominada de direito de crédito, no montante de €57.400,97 de que ali figura como devedor o recorrente.
LXXVI- Alterando a decisão de modo a que o pagamento dessa dívida na constância do casamento seja considerado um encargo normal da vida familiar – mesmo que esta dívida tenha sido constituída antes do casamento com o consentimento do outro - porque tinha em vista acorrer às necessidades de habitação do casal – artigo 1691.º, n.º al. a) e b), do CC -,
LXXVII- E, arreigado nesse facto, provado nos autos, que ali instalaram a sua residência após o casamento, considerar esta dívida como sendo da responsabilidade de ambos os cônjuges.
LXXVIII- Ordenando, por fim, que este passivo continue a figurar na relação de bens como verba autónoma, constituindo um passivo que carece de ser considerado, com a inevitável influência no ativo a partilhar.
LXXIX- Decidindo, enfim, pela revogação das partes decisórias da sentença em tudo o que não se mostre conforme o aqui alegado e justificado.

TERMOS EM QUE, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença proferida, com as legais consequências, substituindo-a por outra que julgue conforme anteriormente se alegou e concluiu.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
Adicionalmente pronunciou-se quanto à nulidade por omissão de pronúncia assacada pelo recorrente à sentença recorrida, concluindo pela sua não verificação.
*
Em 14/10/2024, já após o recurso ter subido a esta Relação, o recorrente requereu que se excluísse do objeto do recurso a parte atinente à denominada decisão-surpresa - nulidade, a qual surge epigrafada, em sede motivação, como “I – Da decisão surpresa, das nulidades/irregularidades associadas e da fatal preterição das garantias de defesa do recorrente.”, porquanto não tem interesse na apreciação desses indicados vícios que ali assacou à decisão, suscitando, assim, que esse ponto de discordância invocado e ali escrutinado seja desconsiderado do objeto deste recurso, apreciando-se, admitida esta impetrada restrição, a demais matéria vertida no mesmo e na qual continua a ter interesse em ver apreciada e decidida. Sem prejuízo do ora requerido, cumpre aqui manifestar, em forma de prolepse, que caso seja sufragado o entendimento, o que é múnus acautelar, de que o princípio da unidade e harmonia dos recursos contende no seu âmago com a desistência parcial deste, colocando assim o acima requerido no plano de não ter o mínimo cabimento processual, quiçá, porque não se encontra no âmbito das previsões do artigo 632.º, do CPC, o Recorrente opta então, neste caso, pela apreciação global do recurso, postergando, nessa eventualidade, o que vai anteriormente requerido, ou seja, pugna subsidiariamente pela total desconsideração dessa sua pretensão”.
Notificada da pretensão acabada de referir, a recorrida nada disse.
O relator decidiu, por razões de celeridade processual, remeter a apreciação do requerimento que antecede para o acórdão a proferir pela conferência.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].

No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões tendo em consideração a sua precedência lógica:

a- Questão prévia: da validade jurídica do requerimento apresentado pelo recorrente em 14/10/2024, em que declara desistir de parte dos fundamentos de recurso que invocou nas conclusões de recurso?
b- No caso de não ser juridicamente válida a desistência parcial do recurso (a que se reconduz, a nosso ver, a questão prévia acabada de referir), se a sentença proferida é nula, por violação do princípio do contraditório, consubstanciando uma decisão-surpresa (conclusões II, VII a XIX das alegações de recurso)?
c- Independentemente da questão prévia referida em a) se, ao determinar que se relacionasse na relação dos bens comuns do extinto casal formado pelo cabeça-de-casal (recorrente) e pela requerida e reclamante BB (recorrida), à luz do regime de comunhão de adquiridos, para efeitos do disposto no art. 1790º do CC, sob a verba n.º 55, um “direito de crédito, no montante de 57.400,97 euros, correspondente ao valor monetário do património comum utilizado para o cumprimento da dívida referida na verba n.º 1 do passivo constante da relação de bens junta a 30/11/2022, sendo devedor o cabeça-de casal” (correspondentes às amortizações feitas por esse património comum, no período entre 05/12/2009 e 23/10/2020, no âmbito do contrato de empréstimo celebrado pelo recorrente com a instituição bancária, no estado de solteiro, para construir aquela que foi a casa de morada de família do extinto casal), violou-se o caso julgado que cobre a decisão proferida em 04/07/2022 (conclusão LVII das alegações de recurso e que sempre consubstancia questão que é do conhecimento oficioso do tribunal)?
d- Se o julgamento da matéria de facto realizado na decisão recorrida (ao julgar como não provada a data de aquisição dos bens relacionados sob as verbas n.ºs 2, 35, 37, 43, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 51, 52 e 53 - todos móveis - e 54º - imóvel – que fora alegada pelo recorrente nas sucessivas relações de bens que apresentou, em que sustentou que os mesmos foram por si adquiridos antes de ter contraído casamento com a recorrida BB), padece de erro de direito, por violação da regra de direito probatório material do art. 574º, n.º 2 do CPC (conclusões III, IV, XX a XXXII, XXXIX a XLI)?
e- Se o julgamento da matéria de facto realizado na sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto:
- à verba n.º 2 (conclusões XXXIV a XXXVII)?
- à verba n.º 37 (conclusão XXXVIII a XLIV)?
- à verba n.º 43º (conclusões XXXVII a XLIV e L)?
- às verbas n.ºs 44, 45 e 46 (conclusões XLV a XLIX)?
- às verbas n.ºs 50, 51 e 53 (conclusão L)? e
- à verba n.º 48 (conclusões LII a LIV)?
f- Se a decisão de mérito constante da sentença recorrida, no segmento em que determinou que se relacionasse na relação de bens do património do extinto casal, à luz do regime da comunhão de adquiridos, para efeitos do disposto no art. 1790º do CC, sob a verba n.º 55, um “direito de crédito, no montante de 57.400,97 euros, correspondente ao valor monetário do património comum utilizado para o cumprimento da dívida referida na verba n.º 1 do passivo constante da relação de bens junta a 30/11/2022, sendo devedor o cabeça-de casal” (correspondente ao montante das amortizações feitas por esse património comum do extinto casal, no período entre 05/12/2009 e 23/10/2020, no âmbito do contrato de empréstimo celebrado, no estado de solteiro, pelo recorrente com a instituição bancária para construir aquela que foi a casa de morada de família do extinto casal) padece de erro de direito, por o pagamento dessa dívida na constância do casamento consubstanciar um encargo normal da vida familiar; e se, em consequência, se impõe expurgar da verba n.º 55 a menção que dela consta de que é devedor do direito de crédito nela consignado o recorrente (cabeça-de-casal) e determinar que “esse passivo continue a figurar na relação de bens como verba autónoma, constituindo um passivo que carece de ser considerado, com a inevitável influência no ativo a partilhar” (conclusões LX a LXXIX)?
*
III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou como provada a seguinte facticidade com relevância para a decisão a proferir no âmbito do presente incidente, que tem em vista fixar o património do extinto casal formado pelo recorrente (cabeça-de-casal) e pela recorrida BB (reclamante) à luz do regime da comunhão de adquiridos, para efeitos de aplicação do regime previsto no art. 1790º do CC:
A- O cabeça-de-casal, AA, e a interessada, BB, celebraram entre si casamento, com convenção antenupcial no regime de comunhão geral de bens, a 05-12-2007 - cfr. certidão de assento de casamento junta com o requerimento inicial no processo principal.
B- O divórcio entre o cabeça-de-casal e a interessada acima mencionados foi decretado por sentença proferida nos autos principais a 27-11-2019, transitada em julgado a ../../2020.
C- A petição inicial que deu origem ao processo especial de divórcio a que os presentes autos estão apensos foi apresentada em Tribunal, por via eletrónica, a 23-10-2018.
D- A relação de bens comuns do casal a partilhar nos autos, apresentada a 30-11-2022, tem o seguinte teor:
Verba n.º 1
Uma quota na sociedade EMP01..., UNIPESSOAL, LDA., NIPC...30, constituída em 07.06.2017, com sede na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., com o capital social de €1.000,00 (mil euros), registada a favor do Requerente, no valor nominal de €1.000,00;
Verba n.º 2
Um veículo automóvel de matrícula ..-..-NA, marca ..., modelo ..., do ano de 1999, no valor de €300,00;
Verba n.º 3
Um sofá em pele branca, tipo wall, composto por três módulos, no valor de €200,00;
Verba n.º 4
Um conjunto de dois sofás em pele branca, tipo twin, no valor de €200,00
Verba n.º 5
Um conjunto de duas chaises, em pele castanha, tipo landscape, no valor de €400,00;
Verba n.º 6
Uma chaise, em pele castanha, tipo Hockney, no valor de €200,00;
Verba n.º 7
Uma mesa em Inox, com tampo Branco, no valor de €200,00
Verba n.º 8
Um conjunto de 20 cadeiras da ..., modelo ..., de cor ..., no valor de €100,00;
Verba n.º 9
Um conjunto de 4 cadeiras da ..., modelo ..., de cor ..., no valor de  €40,00;
Verba n.º 10
Um conjunto de 4 chaises e 2 bancos, em alumínio, e respectivos colchões, no valor de €500,00;
Verba n.º 11
Um móvel de aparelhagem em madeira, no valor de €100,00;
Verba n.º 12
Um móvel de TV com duas gavetas, no valor de €20,00
Verba n.º 13
Uma mesa de jantar, com tampo em MDF folheado e base em inox, no valor de €100,00;
Verba n.º 14
Conjunto de mesa de escritório com tampo em MDF folheado e base em inox, cadeira ajustável mesh e candeeiro com base me inox ..., no valor de € 250,00;
Verba n.º 15
Espelho composto com base vermelha, no valor de € 100,00
Verba n.º 16
Um sofá em pele castanha, tipo Wall, de 2 lugares, no valor de € 50,00
Verba n.º 17
Uma cadeira de massagens, no valor de €100,00
Verba n.º 18
Conjunto de duas mesas, com tampo em MDF folheado e base em inox, no valor de €100,00
Verba n.º 19
Conjunto de duas cadeiras de escritório em pele sintética branca, ..., no valor de € 20,00
Verba n.º 20
Um quarto de casal, composto por uma cama em pele branca, tipo wall, 2 estrados articulados, 2 colchões individuais, e espelho com aro em madeira, no valor de € 500,00
Verba n.º 21
Um quarto de casal, composto por uma cama em pele castanha, tipo wall, 2 estrados e 1 colchão, um móvel de uma porta com frente lacada em branco e 1 candeeiro de cerâmica, no valor de €200,00
Verba n.º 22
Uma cama em linho com colchão tempur, no valor de €250,00
Verba n.º 23
Um conjunto de mesa de cozinha e quatro cadeiras, no valor de € 100,00
Verba n.º 24
Um conjunto de 3 móveis ..., de duas portas com frente lacada em branco, no valor de € 40,00
Verba n.º 25
Um conjunto de 2 candeeiros com base em inox e abajur, um bege e outro preto, no valor de € 40,00
Verba n.º 26
Um conjunto de 2 candeeiros Flos, modelo ..., no valor de € 75,00
Verba n.º 27
Um conjunto de aparelhagem Hi-Fi, composto por amplificador ..., colunas ..., leitor de CDs ... CD3 e suportes Target, no valor de € 300,00
Verba n.º 28
Um projetor ..., no valor de € 100,00
Verba n.º 29
Uma televisão ... de 40", no valor de € 100,00.
Verba n.º 30
Uma televisão ... de 32", no valor de € 70,00.
Verba n.º 31
Um conjunto de altifalantes Home Cinema, composto por colunas ..., ... e colunas ..., no valor de  € 150,00
Verba n.º 32
Um conjunto de equipamentos Hi-Fi, composto por DAC TEAC e streamer ..., no valor de € 100,00.
Verba n.º 33
Um gira-discos Project, no valor de € 75,00.
Verba n.º 34
Um conjunto de três leitores de DVD, das marcas ..., ... e Polaroid, no valor de € 20,00.
Verba n.º 35
Par de colunas ..., no valor de €500,00.
Verba n.º 36
Um conjunto de colunas ..., no valor de € 40,00.
Verba n.º 37
Um amplificador CC, no valor de € 250,00.
Verba n.º 38
Uma máquina fotográfica ... 450D, no valor de € 50,00.
Verba n.º 39
Uma máquina vídeo ..., no valor de € 30,00.
Verba n.º 40
Conjunto de material informático, composto por monitor ..., teclado e rato da marca ..., câmara ... 207MW, câmara ... 207W, telefone ... sem fios e medidor de consumo eléctrico, no valor de € 40,00.
Verba n.º 41
Conjunto de pequenos eletrodomésticos, composto por torradeira da marca ..., fervedor ..., máquina de café ..., máquina de sumos ... e aspirador portátil, no valor de €150,00.
Verba n.º 42
Uma bicicleta BH ..., no valor de € 30,00.
Verba n.º 43
Um sofá em pele castanha, tipo Andy, composto por três módulos e costas, no valor de € 500,00.
Verba n.º 44
Duas carpetes de linho e lã, modelo ..., da firma de Tapeçarias ... (... Carpets), com as medidas de 260x260 e 260x250, no valor de €700,00.
Verba n.º 45
Uma carpete de lá feltrada, branca, da firma Tapeçarias ... (... Carpets), modelo ..., da firma de Tapeçarias ... (... Carpets), no valor de € 300,00.
Verba n.º 46
Duas carpetes de lã, modelo DD, da firma Tapeçarias ... (... Carpets), adquirida no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de € 500,00.
Verba n.º 47
Um tapete em pele de cordeiro natural, branco, no valor de €50,00.
Verba  n.º 48
Um candeeiro de marca ..., com 90 cm de diâmetro, adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €150,00.
Verba n.º 49
Um candeeiro de marca ..., modelo ..., no valor de € 100,00.
Verba n.º 50
Um conjunto de 8 cadeiras ..., brancas, no valor de €200,00.
Verba n.º 51
Uma colcha em pele natural de ... de cor ..., no valor de € 200,00.
Verba n.º 52
Um conjunto de jogo de cama, composto por capa de edredão, 2 fronhas e lençol, 100% de linho, cor natural, da marca ..., no valor de €150,00.
Verba n.º 53
Uma carpete ..., preta com risca camel, no valor de € 50,00.
Verba n.º 54
Prédio urbano, destinado a habitação, em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, composto por rés de chão e andar, tipo T4, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...24 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...46, com o valor patrimonial tributário de € 147 720,00.
PASSIVO
Verba n.º 1
Dívida ao Banco 1..., referente ao empréstimo bancário contraído em 8 de agosto de 2002 e para construção do imóvel relacionado na verba 55 do ativo - conforme decorre dos Docs. 7 a 9 juntos, mormente do extrato bancário atualizado, que atualmente se cifra em € 27 259,29.
E- O veículo automóvel descrito na verba n.º 2 foi comprado por BB em 22/03/1999.
F- As colunas descritas na verba n.º 35 foram compradas por AA em novembro de 2006.
G- O candeeiro descrito na verba n.º 49 foi comprado por AA em 18/02/2002.
H- O conjunto de cama descrito na verba n.º 52 foi comprado por AA em 21/07/2005.
I- O prédio descrito na verba n.º 54 foi comprado por AA em 14/03/2002.
J- Entre 05/12/2007 e 23/10/2020, o casal formado por AA e BB amortizaram a quantia de 57.400,97 euros no empréstimo contraído pelo primeiro para a construção da casa que aquele construiu no prédio descrito na verba n.º 54.
*
Ao abrigo do disposto no art. 662º, n.º 1 do CPC, ordena-se o aditamento ao elenco dos factos provados na sentença da seguinte facticidade essencial para a decisão a proferir no âmbito do presente recurso (a qual foi alegada, no ponto 10º da reclamação à relação de bens apresentada – cfr. fls. 32 verso do processo físico – e não foi impugnada pelo recorrente na resposta a essa reclamação, encontrando-se, por isso, nos termos do disposto no art. 574º, n.º 2, ex vi, art. 549º, ambos do CPC, admitida por acordo das partes):
K- A casa que foi construída por AA no prédio descrito na verba n.º 54, mediante recurso a empréstimo bancário hipotecário contraído por aquele, em 08 de agosto de 2002, junto do Banco 1..., S.A., constituiu a casa onde o casal formado por AA e BB e o seu agregado familiar residiram na constância do casamento.
*
Na sentença sob sindicância a 1ª Instância julgou como não provada a seguinte facticidade:

1- O amplificador descrito na verba n.º 37 tivesse sido comprado por AA com recurso ao produto da venda de bem pelo mesmo adquirido em data anterior a 05/12/2007;
2- O sofá descrito na verba n.º 43 tivesse sido comprado por AA em data anterior a 05/12/2007;
3- As carpetes descritas na verba n.º 44 tivessem sido compradas por AA em data anterior a 05/12/2007;
4- A carpete descrita na verba n.º 45 tivesse sido comprada por AA em data anterior a 05/12/2007;
5- As duas carpetes descritas na verba n.º 46 tivessem sido compradas por AA em data anterior a 05/12/2007;
6- O candeeiro descrito na verba n.º 48 tivesse sido comprado por AA em data anterior a 05/12/2017;
7- As oito cadeiras descritas na verba n.º 50 tivessem sido compradas por AA em data anterior a 05/12/2007;
8- A colcha descrito na verba n.º 51 tivesse sido comprada por AA em data anterior a 05/12/2017;
9- A carpete descrita na verba n.º 53 tivesse sido comprada por AA em data anterior a 05/12/2007.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Da questão prévia – desistência parcial do recurso

Após ter interposto recurso da sentença sob sindicância, em que a 1ª Instância fixou o património do extinto casal formado pelo recorrente (cabeça-de-casal) e pela recorrida BB (reclamante) à luz do regime da comunhão de adquiridos, para efeitos do disposto no art. 1790º do CC, em 14/10/2024, o recorrente requereu que se excluísse do objeto do recurso que interpôs a “parte atinente à denominada decisão-surpresa – nulidade, a qual surge epigrafa, em sede de motivação, como “I- Da decisão surpresa, das nulidades/irregularidades associadas e da fatal preterição das garantias de defesa do recorrente”, alegando não ter interesse “na apreciação desses vícios”, requerendo, “assim, que esse ponto de discordância invocado e ali escrutinado seja desconsiderado do objeto deste recurso”, apreciando-se, contudo, os restantes fundamentos do mesmo.
Subsidiariamente, requereu que, caso se considere que, face ao disposto no art. 632º do CPC, atento o princípio da unidade e harmonia dos recursos, não é possível a desistência parcial dos fundamentos de recurso que invocou, se apreciasse o recurso na sua globalidade.
Deste modo, a questão que se suscita nos autos é a de saber se ao recorrente é legalmente consentido desistir de parte dos fundamentos de recurso que invocou nas respetivas conclusões.

Dispõe o art. 632º, n.º 5 do CPC, que: “O recorrente pode, por simples requerimento, desistir do recurso interposto até à prolação da decisão”.
Consagra-se no preceito acabado de referir o princípio da livre desistência do recurso pelo recorrente até à prolação de acórdão pelo tribunal ad quem.
O recorrente pode, assim, enquanto o tribunal de recurso não proferir acórdão, desistir livremente do recurso, mediante simples requerimento, subscrito pelo próprio ou pelo seu mandatário, sem que este necessite de comprovar ser detentor dos poderes especiais exigidos pelo art. 45º, n.º 2 do CPC para a transação, desistência do pedido ou da instância[2].
Conforme antedito, não tendo o recorrente desistido da totalidade do recurso que interpôs, mas apenas de parte dos fundamentos que nele invocou, o que, salvo melhor opinião, se reconduz a uma desistência parcial do recurso interposto, cumpre apreciar se essa desistência parcial é legalmente admissível em face da norma contida no n.º 5 do art. 632º do CPC.
A resposta a essa questão, salvo melhor opinião, deve ser positiva, atento o princípio de quem pode o mais pode o menos; e quando se pondera que, no n.º 5 do identificado art. 632º, não se proíbe, pelo menos, de modo expresso, a desistência parcial do recurso pelos recorrentes, nem se descortina ao nível da lei adjetiva ou substantiva qualquer fundamento que obste à validade jurídica dessa desistência parcial do recurso.
Com efeito, a circunstância do legislador na norma do n.º 5 do art. 632º do CPC ter permitido ao recorrente que, até à prolação de acórdão pelo tribunal de recurso, possa desistir  livremente do recurso que interpôs e de ter, inclusivamente, facilitado essa desistência - ao ter permitido que possa ser feita por simples requerimento, subscrito pelo próprio recorrente, ou pelo seu mandatário, sem que o último tenha de comprovar ser detentor de poderes especiais que o habilitem a desistir, e sem que tivesse condicionado a validade jurídica dessa desistência (parcial ou total) ao acordo do recorrido, mesmo quando tenha interposto recurso subordinado -, apenas pode significar que, até ao termo final fixado naquela norma, o recorrente  é totalmente livre de desistir do recurso, liberdade essa que engloba, na ausência de norma que o proíba, quer a desistência total, quer a desistência parcial do recurso interposto.
De resto, o que se acaba de dizer mostra-se em plena concordância com a circunstância de, no âmbito do processual civil nacional, vigorar o princípio do dispositivo, nos termos do qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (art. 3º, n.º 1 do CPC). É que podendo as partes dispor dos direitos de natureza privada, sobre as mesmas recai o ónus de promover e de impulsionar os instrumentos de natureza processual destinados a assegurar a respetiva tutela, estando, salvo as exceções previstas na lei, vedado ao Estado, através dos tribunais, a possibilidade de por sua iniciativa própria, dirimir um conflito em matéria de direito privado, cuja resolução não lhe foi solicitada pelos interessados ou por quem detenha legitimidade extraordinária ou indireta, incluindo certos casos em que esta é atribuída ao Ministério Público[3]. E como decorrência desse princípio, apenas se reconhecer legitimidade para recorrer a quem, sendo principal na causa, nela tenha ficado vencida, e às pessoas que sejam direta e efetivamente prejudicadas pela decisão proferida, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias (art. 631º, n.ºs 1 e 2 do CPC); e, bem assim, de apenas se permitir que o tribunal de recurso aprecie as questões que lhe foram colocadas pelo recorrente em sede de conclusões de recurso (art. 635º, n.º 4 do CPC), sem prejuízo de poder conhecer daquelas que sejam de conhecimento oficioso.
Acresce que, não obstante a instância se iniciar com a propositura de ação e se fixar com a citação do réu, tendo, por força do princípio da estabilidade da instância, após a citação de se manter imutável quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas a lei - arts. 250º a 260º do CPC - (pelo que a interposição de recurso não dá lugar à abertura de uma nova instância)[4], não convém desconsiderar que, nos termos do n.º 1 do art. 283º do CPC, o autor pode, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele.
Segundo Teixeira de Sousa, “a desistência do pedido é o negócio unilateral através do qual o autor reconhece a falta de fundamento do pedido formulado. A desistência do pedido extingue a situação jurídica que o autor pretendia tutelar (art. 295º, n.º 1) (ou constitui a situação que o autor negava)”[5]. O autor é, assim, inteiramente livre, até ao trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo, de desistir, total ou parcialmente, do pedido, por ato jurídico unilateral seu, sem necessidade de obter a concordância da parte contrária. 
Ora, se o autor é totalmente livre de desistir, total e parcialmente do pedido,  por ato unilateral seu até ao trânsito em julgado da decisão judicial, não se descortina qualquer fundamento jurídico válido que impeça que, uma vez salvaguardo o termo final imposto pelo n.º 5 do art. 635º, o recorrente possa livremente desistir de parte dos fundamentos de recurso que invocou (o que, reafirma-se, se reconduz a uma desistência parcial do recurso), quando se está perante um conflito de natureza privada, em que vigora o princípio do dispositivo, em que apenas tem legitimidade para recorrer as partes que tenham ficado vencidas ou aqueles a quem a decisão proferida cause prejuízo direto (que não apenas indireto ou meramente reflexo) na sua esfera jurídica, e quando o tribunal de recurso vê o seu campo de cognição limitado às questões que lhe foram colocadas pelo recorrente nas conclusões de recurso, sem que lhe seja consentido conhecer de outras, exceto se forem de conhecimento oficioso (sob pena de incorrer em nulidade por excesso de pronúncia) e, bem assim, quando a desistência parcial do recurso impede que o tribunal de recurso possa conhecer dos fundamento de facto e/ou de direito que o recorrente alegou nas conclusões de recurso que interpôs mas de que veio a desistir, não podendo mais conhecer desses fundamentos, traduzindo-se, por isso, a desistência parcial do recurso num minus em relação a desistência parcial do pedido, a qual, reafirma-se, é livremente consentida ao autor pelo art. 295º, n.º 1 nos termos já antes enunciados.
Aliás, a desistência parcial do recurso pode, inclusivamente, em termos materiais e ontológicos levar a uma desistência parcial do pedido (v.g. o tribunal a quo julgou improcedentes os pedidos formulados pelo autor; este interpôs recurso da sentença, imputando erro de facto e/ou de direito em que assim se decidiu, mas veio posteriormente a desistir do recurso que interpôs quanto ao segmento decisório da sentença em que julgou um desses pedidos improcedente; nesse caso, a desistência parcial do recurso leva a que a sentença transite em julgado quanto ao pedido que julgou improcedente e que foi objeto da referida desistência parcial do recurso, pelo que, ao desistir parcialmente do recurso, em termos materiais e fácticos, essa desistência parcial reconduz-se a uma desistência parcial do pedido).
Por isso, atento o elemento gramatical da norma do n.º 5 do art. 632º, em que se permite, até à prolação de acórdão pelo tribunal de recurso, ao recorrente ou ao seu mandatário que, por simples requerimento, desista do recurso interposto, sem que nela se proíba a desistência parcial daquele, aliado à unidade do sistema jurídico, entendemos que, do ponto de vista da lei adjetiva e/ou substantiva, nada obsta à admissibilidade legal da desistência parcial do recurso interposto pelo recorrente.
Nesta conformidade, admite-se a desistência parcial do recurso interposto pelo recorrente, explanada no requerimento de 14/10/2024, pelo que, no seu âmbito não se conhecerá dos fundamentos que por ele foram alegados na “parte atinente à denominada decisão-surpresa – nulidade”, a qual surge epigrafada, em sede de motivação, como “I- Da decisão surpresa, das nulidades/irregularidades associadas e da fatal preterição das garantias de defesa do recorrente”.
Em face do que se acaba de decidir, o objeto do presente recurso reconduz-se apenas às questões supra enunciadas, em sede de “II- Do Objeto do Recurso”, sob as alíneas c) a f).

B- Da violação do caso julgado que cobre a decisão proferida em 04/07/2022 
Na sentença recorrida a 1ª Instância julgou procedente a questão suscitada pela reclamante BB quanto ao crédito que reclamou relativo à sua comparticipação, durante o casamento, para a amortização do crédito hipotecário contraído pelo cabeça-de-casal, no estado de solteiro, para a construção da moradia, que constituiu a casa de morada de família do extinto casal; e, em consequência, ordenou que, para efeitos de fixação do património comum deste, à luz do regime da comunhão de adquiridos e do determinado no art. 1790º do CC, fosse relacionado como direito de crédito do património comum do extinto casal sobre o cabeça-de-casal a quantia de 57.400,97 euros, correspondente ao valor monetário que esse património comum, no período de 05/12/2007 (data da celebração do casamento) a 02/07/2020 (data do trânsito em julgado da decisão judicial que decretou o divórcio), despendeu na amortização daquele crédito hipotecário nos seguintes termos:
“Verba n.º 55º
Direito de crédito, no montante de € 57 400,97, correspondente ao valor monetário do património comum utilizado para o cumprimento da dívida referida na verba n.º 1 do passivo constante da relação de bens junta a 30-11-2022, sendo devedor o cabeça-de-casal”.
 Advoga o recorrente que tendo, por decisão proferida em 04/07/2022, transitada em julgado, sido decidido que os efeitos patrimoniais do divórcio entre os ex-cônjuges devem reportar-se ao período entre 05/12/207 (data da celebração do casamento) e 23/10/2018 (data da interposição da ação especial de divórcio, em que o casamento veio a ser dissolvido por divórcio), ao assim decidir, o tribunal a quo violou o caso julgado que cobre  aquela anterior decisão judicial, que fixou como período relevante para efeitos das relações patrimoniais emergentes do casamento entre os ex-cônjuges o período entre 05/12/2007 e 23/10/2018.
Vejamos se assiste razão ao recorrente para a crítica que assaca à decisão recorrida.
Os presentes autos de inventário subsequente a divórcio foram instaurados pelo recorrente (cabeça-de-casal AA) na sequência do seu casamento com a recorrida BB, celebrado em 05/12/2007, sob o regime de comunhão geral de bens, ter sido dissolvido, por divórcio, por sentença proferida em 27/11/2019, transitada em julgado em 02/07/2020, e cuja ação de divórcio dera entrada em juízo em 23/10/2018 (cfr. alíneas A) a C) dos factos apurados).
Nos termos do disposto no art. 1788º do Cód. Civil (CC) o divórcio dissolve o casamento e tem os mesmos efeitos da dissolução por morte, salvas as exceções consagradas na lei.
Por sua vez, nos termos do art. 1688º do mesmo Código, as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento, sem prejuízo das disposições legais nele previstas relativas a alimentos.
Nos termos do art. 1789º daquele Código, os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges (n.º 1); e se a separação de facto entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha começado (n.º 2).
Resulta do regime jurídico que se acaba de expor que, em consequência da dissolução do casamento por divórcio (único fundamento de dissolução do casamento que está em discussão nos presentes autos), cessam as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, salvo as decorrentes da obrigação de alimentos. O divórcio extingue a relação matrimonial e faz cessar para o futuro as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, mantendo-se, porém, os efeitos já produzidos. Os efeitos do divórcio produzem-se, em regra, a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retrotraem-se à data da propositura da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges e, inclusivamente, se tiver ocorrido separação de facto entre aqueles e qualquer um deles tiver requerido que os efeitos patrimoniais entre eles se retroajam ao início da separação de facto, a cessação desses efeitos patrimoniais retroagem-se à data em que se iniciou a separação de facto que vier a ser fixada, a requerimento dos mesmos, na sentença que decretar o divórcio.
Cessadas as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges em consequência da dissolução do casamento por divórcio, qualquer dos cônjuges (ou se qualquer um deles tiver falecido, os respetivos sucessores) pode requerer inventário para partilha dos bens comuns (art. 1133º do CPC), em que eles próprios ou os seus herdeiros recebem os bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património (art. 1689º, n.º 1 do CC).
Sendo o casamento o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições do Código Civil  (art. 1577º do CC, a que se reportam todas as disposições legais que se venham a referir sem menção em contrário), dando origem à sociedade conjugal, com interesses patrimoniais próprios, que não devem ser sujeitos ao regime geral das relações jurídicas, aos nubentes, salvas as situações em que o art. 1720º impõe que o casamento seja celebrado sob o regime imperativo da separação de bens, assiste o direito de, em convenção antenupcial, no exercício da sua liberdade contratual e dentro dos limites da lei, escolherem o regime matrimonial que irá regular na constância do casamento as relações patrimoniais entre eles e entre os mesmos e os terceiros.
Neste âmbito, lê-se no art. 1698º que: “Os esposos podem fixar livremente, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos neste código, quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver, dentro dos limites da lei”.
A convenção antenupcial é, portanto, o acordo celebrado entre os nubentes, previamente à celebração do casamento e tendo em vista a sua celebração, em que escolhem o regime matrimonial do casamento que irão celebrar e que irá regular as relações patrimoniais entre ambos durante o matrimónio e entre eles e os terceiros.
Salvo os casos em que o casamento tenha de ser celebrado sobre o regime imperativo de separação de bens, assiste, assim, aos nubentes o direito de, em convenção antenupcial, optarem por um dos regimes matrimoniais tipo enunciados no CC (o regime da comunhão de adquiridos, regulado nos arts. 1721º a 1730º; o regime da comunhão geral de bens, regulado nos arts. 1732º a 1734; ou o regime da separação, regulado no art. 1735º); ou podem acordar num regime distinto dos modelos tipo previstos no CC, contanto que não violem as normas imperativas nele previstas, ou seja, observem “os limites da lei”, nomeadamente, os decorrentes do art. 1699º.
Note-se que, nos casos em que os nubentes não celebrem convenção antenupcial, ou, tendo-o feito, a convenção antenupcial que celebraram venha a caducar, a ser declarada inválida ou ineficaz, o casamento considera-se automaticamente celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos (art. 1717º), o que significa que este regime matrimonial é o regime supletivo que vigora no ordenamento jurídico nacional.
O regime matrimonial é, portanto, o estatuto jurídico escolhido pelos futuros cônjuges, ou que, na ausência de convenção antenupcial, lhes é automaticamente aplicável por lei, e que regula, durante  o matrimónio, as relações patrimoniais entre os cônjuges e entre estes e os terceiros[6].
 Acontece que uma vez celebrada convenção antenupcial, ou na ausência dela (em que o casamento se considera automaticamente celebrado segundo o regime supletivo de comunhão de adquiridos), uma vez oficiado o casamento, por força do princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens resultante da lei, nos termos do disposto no art. 1714º do CC, salvas as exceções previstas no art. 1715º do CC, os cônjuges ficam vinculados ao regime matrimonial que escolheram; ou que, na falta de convenção antenupcial, lhes é automaticamente aplicável por força da lei (a comunhão de adquiridos).
Deste modo, por força do regime de bens do casamento, e salvo nos casos em que o casamento tenha sido  celebrado no regime da separação de bens (em que cada um dos cônjuges conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros, podendo dispor deles livremente - art. 1735º do CC), quando o casamento tenha sido celebrado no regime de comunhão de adquiridos ou de comunhão geral de bens, em sede de relações patrimoniais, durante a sua vigência (e até à partilha), surpreendem-se sempre três massas de bens: o património de cada um dos cônjuges e o património comum do casal.
Com efeito, no regime de comunhão geral de bens o património comum dos cônjuges é constituído por todos os seus bens presentes e futuros, que não sejam excetuados por lei (art. 1732º do CC), entre os quais se contam os elencados no art.  1733º do CC, mas também nos arts. 1757º e 1764º, n.º 2 do mesmo Código. E no regime de comunhão de adquiridos são comuns o produto do trabalho dos cônjuges e os bens que por eles forem adquiridos na constância do matrimónio que não sejam excetuados por lei (art. 1724º), enquanto são bens próprios, nomeadamente, os elencados nos arts. 1722º e 1723º.
Destarte, à semelhança do que acontece na comunhão geral de bens, no regime de comunhão de adquiridos há um património comum e há bens próprios de cada um dos cônjuges. “Simplesmente, enquanto no regime de comunhão geral são comuns, em princípio, todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, no regime de comunhão de adquiridos não se comunicam os bens presentes, isto é, os bens que cada um dos cônjuges leva para o casal, nem os bens que depois eles adquirem, uma vez adquiridos a título gratuito”[7].
Acresce enfatizar que, pressupondo o casamento uma plena comunhão de vida (art. 1577º do CC), baseada na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges (art. 1671º, n.º 1 do CC), tendo presente que quando o casamento seja celebrado sob o regime de comunhão geral de bens ou sob o regime de comunhão de adquiridos - em que, conforme acabado de referir, se surpreendem sempre a existência de três massas de bens acima referidas (património próprio de cada um dos cônjuges e património comum do casal) -, essa plena comunhão de vida inviabiliza que ocorra uma clara e inequívoca separação entre essas massas patrimoniais, assistindo-se a uma interpenetração entre elas (em que as dívidas comuns do casal são, frequentes vezes, pagas com bens próprios de um dos cônjuges, e em que as dívidas de um deles são pagas com bens comuns do casal), gerando-se, assim, entre esses patrimónios um fenómeno de transferências de verbas a crédito e a débito que, em caso de dissolução do casamento, têm de ser mutuamente compensadas (as denominadas compensações strictu sensu), no momento da partilha, sob pena de se assistir ao enriquecimento de um dos cônjuges à custa do empobrecimento do outro.
Ademais, durante o casamento (qualquer que seja o regime de bens) os cônjuges encontram-se reciprocamente vinculados, entre outros, ao dever de assistência, de natureza patrimonial, que os obriga a terem de contribuir para os encargos da vida familiar, de harmonia com as possibilidades de cada um, através de contribuições financeiras (rendimentos e proventos), ou através de contribuições de facto (como o trabalho despendido no lar ou na educação dos filhos); e poderá acontecer que o contributo de cada um deles para esses encargos se revele consideravelmente superior ao que devia, face ao que que se encontrava adstrito, não se cumprindo o critério da proporcionalidade previsto no n.º 1 do art. 1676º. Quando tal aconteça, verifica-se uma situação de desequilíbrio entre os cônjuges ao nível do cumprimento do dever de assistência a que ambos se encontram legalmente vinculados durante a constância do matrimónio, a qual confere ao cônjuge que tenha contribuído consideravelmente mais do que devia para aqueles encargos o direito a ser compensado (compensações entre cônjuges), no momento da partilha (n.ºs 2 e 3 do art. 1676º).
Destarte, cessadas as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges com o trânsito em julgado da sentença que decretar o divórcio, retroagindo-se a cessação dos efeitos patrimoniais entre os cônjuges, em princípio, à data da propositura da ação de divórcio, no caso de casamento celebrado sob o regime de comunhão (de adquiridos ou de comunhão geral), conforme antedito, qualquer dos ex-cônjuges, ou no caso de falecimento de um deles, os respetivos sucessores, podem requerer inventário para partilha dos bens comuns, nos termos do art. 1133º do CC.
O processo de inventário subsequente a divórcio tem, assim, como pressuposto que as relações patrimoniais entre os cônjuges tenham cessado, na sequência do trânsito em julgado de sentença de divórcio, e o casamento tenha sido celebrado sob o regime de comunhão geral de bens ou de comunhão de adquiridos (uma vez que, no regime da separação de bens não existe património comum do casal a partilhar e, por isso, não existe fundamento legal para inventário subsequente a divórcio). Impõe-se que nele o cabeça-de-casal relacione todos os bens comuns do casal, existentes à data em que se consideram cessadas as relações patrimoniais entre os ex-cônjuges, de acordo com o regime de bens que vigorou durante o casamento; e, bem assim, os créditos que esse património comum detenha sobre os próprios ex-cônjuges (no caso do património comum do casal ter liquidado dívidas que eram próprias dos cônjuges) ou sobre terceiros, bem como as dívidas que esse património comum tenha perante os próprios cônjuges (no caso dos bens próprios destes terem liquidado dívidas comuns do casal) ou perante terceiros[8] e, bem assim, reclamem as eventuais compensações que entre eles tenham de ser realizadas.
O processo especial de inventário subsequente a divórcio destina-se, portanto, não só a partilhar os bens comuns do extinto casal, mas também a liquidar as dívidas comuns daquele património comum e, bem assim, a liquidar as responsabilidades mútuas entre cônjuges e as eventuais compensações que entre eles devam ter lugar.
Quanto às responsabilidades entre os cônjuges, conforme resulta do que se vem dizendo, há que se distinguir as compensações strictu sensu das simples compensações entre os cônjuges.
As compensações strictu sensu ocorrem apenas nos regimes de comunhão (de adquiridos ou geral) quando existam movimentos a crédito e a débito entre o património comum e os patrimónios próprios dos cônjuges: quando o património próprio dos ex-cônjuges tenha respondido por dívidas do património comum ou vice-versa. A compensação entre esses movimentos a crédito e a débito  entre o património comum do ex-casal e  o património próprio de cada dos ex-cônjuges far-se-á no momento da liquidação e partilha[9].
As simples compensações entre os cônjuges verificam-se quando ocorra o sobredito desequilíbrio entre os cônjuges ao nível do cumprimento do dever de assistência a que ambos se encontram legalmente vinculados na constância do casamento (independentemente do regime deste); e conferem ao cônjuge que tenha contribuído consideravelmente mais do que devia para esses encargos o direito a ser compensado pelo outro cônjuge. Essa compensação de responsabilidades mútuas entre cônjuges também se opera no momento da liquidação e partilha do património comum do ex-casal.
Adiante-se, porém, que apesar das relações patrimoniais entre os cônjuges cessarem, em princípio, à data da propositura da ação de divórcio em que este venha a ser decretado, por sentença transitada em julgado, a comunhão de bens entre os ex-cônjuges mantém-se até à partilha, sendo na partilha que estes dissolvem o património comum, pagam as dívidas comuns e exigem, quando for caso disso, o pagamento das compensações a que tenham direito entre eles.
Neste sentido lê-se no art. 1689º do CC, que tem por epígrafe “Partilha do casal. Pagamento de dívidas”, que:
“1- Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património.
2- Havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes.
3- Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas, não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor”.
Logo, é na partilha que os cônjuges: põem termo ao património comum (o qual é integrado pelo ativo e pelo passivo existentes à data da cessação das relações patrimoniais entre eles e em função do regime de bens que vigou durante o casamento, participando cada um deles em metade desse ativo e passivo, de acordo com a regra imperativa da metade do art. 1730º, n.º 1, preceito esse que, apesar de se encontrar previsto para o casamento celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos, é também aplicável aos casamentos celebrados sob o regime geral de bens, por força do art. 1734º); procedem à liquidação das dívidas do património perante os mesmos (procedendo às necessárias compensações entre o património comum e os patrimónios próprios de cada um deles) e terceiros; e procedem à liquidação das eventuais compensação que entre eles devam ter lugar e partilham os bens comuns (remanescentes) entre si.
Adiante-se que, de acordo com o art. 1790º: “Em caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos”.
A norma acabada de referir foi introduzida ao Código Civil pelo art. 1º da Lei n.º 61/2008, de 31/10, e dela decorre que, nos casos em que o casamento tenha sido celebrado sob o regime de comunhão geral, em caso de divórcio, no momento da partilha nenhum dos cônjuges pode recebe mais (isto é, em termos de valor) do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos.
Na Exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 509/X, que esteve na origem da mencionada Lei n.º 61/2008, lê-se que, “em caso de divórcio, a partilha far-se-á como se os cônjuges tivessem estado casados em comunhão de adquiridos, ainda que o regime convencionado tivesse sido a comunhão geral, ou um outro regime misto mais próximo da comunhão geral do que da comunhão de adquiridos”. Pretendeu-se como o novo comando do art. 1790º evitar “que o divórcio se torne um meio de adquirir bens, para além da justa partilha do que se adquiriu com o esforço comum na constância do matrimónio, e que resulta da partilha segundo a comunhão de adquiridos. Abandona-se o regime atual que aproveita o ensejo para premiar um inocente e castigar um culpado” (destacado e sublinhado nosso).   
A norma do art. 1790º acabada de referir não altera, pois, o regime do casamento quando este tenha sido celebrado sob o regime de comunhão geral, mas limita-se a estabelecer um limite quantitativo (de valor) máximo a ter em conta no momento da partilha do património comum do ex-casal, ao impedir que, no ato da partilha, os cônjuges possam receber mais – um valor superior - do que receberiam se o casamento tivesse sido celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos.
Deste modo, quando o casamento tenha sido celebrado sob o regime da comunhão geral de bens, com exceção dos bens incomunicáveis previstos no art. 1733º, mas também nos arts. 1764º, n.º 2 e 1757º, todos os bens que os cônjuges tinham à data da celebração do casamento e, bem assim, os que adquiriram na constância do matrimónio, são bens comuns do extinto casal; e continuam a ter a natureza de bens comuns e têm, por isso, de ser relacionados no processo de inventário subsequente a divórcio como bens comuns, “onde estão sujeitos a partilha e a todas as operações próprias do processo de inventário, designadamente às licitações e ao modo de compor os quinhões de cada um dos ex-cônjuges”[10].
Acontece que, por via do regime do art. 1790º, no momento da partilha do património comum do ex-casal, nos casos em que o casamento foi celerado sob o regime de comunhão geral de bens, nenhum deles pode receber mais, em termos de valor, do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado no regime da comunhão de adquiridos.

Neste sentido expende Francisco Pereira Coelho que o regime previsto no art. 1790º do CC, “não implica a substituição do regime da comunhão geral pelo da comunhão de adquiridos que levaria a que cada cônjuge pudesse pedir a inscrição a seu favor dos bens que levou para o casamento ou que depois lhes advieram por herança ou doação com base no regime típico da comunhão de adquiridos. Tendo sido estipulado o regime da comunhão geral, esses bens entraram na comunhão e nela permanecem até à partilha; só depois desta poderá saber-se a quem ficarão a pertencer. Por outras palavras, a lei não impõe que na partilha cada cônjuge seja encabeçado nos bens que lhe pertenceriam se tivesse vigorado o regime da comunhão de adquiridos; só quer que cada cônjuge não receba na partilha mais do que receberia se tivesse sido convencionado esse regime. Não lhe importam os bens em espécie, mas só o seu valor”[11].
No mesmo sentido pronunciam-se Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres ao escreverem que o comando legal contido no art. 1790º “significa que, se o casamento tiver sido celebrado no regime de comunhão geral de bens ou num regime de comunhão mais completo do que o da comunhão de adquiridos, se ficciona que no casamento tinha vigorado o regime de comunhão de adquiridos e se compara o que cada um dos cônjuges receberia segundo este regime com o que cada um deles vai receber segundo o regime de bens do casamento. Não se altera a titularidade de nenhum bem, antes se compara o valor potencial da meação, apurado segundo o regime de bens do casamento, com o seu valor hipotético, determinado segundo o regime da comunhão de adquiridos. Se o que for obtido como valor potencial for maior do que o que for determinado como valor hipotético, o valor real da meação é correspondentemente diminuído”[12].
Este tem sido o entendimento que tem sido acolhido pela jurisprudência nacional a propósito da norma contida naquele art. 1790º[13], pondo-se em destaque (pelo seu interesse para o caso dos autos) o acórdão proferido pela Relação do Porto, em 06/02/2014, Proc. 124/10.6TBOAZ.P1, cujo sumário consta do seguinte teor: “I- O art. 1790º do Código Civil, na redação da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, é aplicável a todos os casamentos celebrados segundo o regime de comunhão geral de bens, ainda que em data anterior à entrada em vigor da referida Lei (01.12.2008) mas que nesta data ainda subsistam. II- O art. 1790º do Código Civil, na redação da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, não altera o regime de bens a que se encontra sujeito o casamento celebrado, pelo que a partilha continua a fazer-se tratando como bens comuns aqueles que de acordo com esse regime o são. III- Para efetuar a partilha aplicando essa disposição, uma vez apurado o valor que corresponde ao quinhão (meação) de cada um dos cônjuges nos bens comuns a partilhar, tem de se comparar esse valor com aquele que resultaria da sua partilha como se o regime de bens fosse a comunhão de adquiridos; para o efeito simula-se a partilha de acordo com este regime de bens, separando os bens que de acordo com esse regime seriam próprios e encontrando a hipotética quota (meação) de cada um dos cônjuges nos bens que mesmo nesse regime seriam comuns; finalmente, comparando os valores apurados na partilha segundo o regime efetivo e na partilha segundo o regime hipotético, caso aquele valor exceda este, deverá ser reduzido a este valor, aumentando correspondentemente a quota do outro cônjuge, procedendo-se então ao preenchimento dos quinhões”.
Assentes nas premissas acabadas de referir, revertendo ao caso dos autos, o recorrente (cabeça-de-casal) e a recorrida celebraram casamento, com convenção antenupcial, no regime da comunhão geral de bens, a 05/12/2007, tendo esse casamento sido declarado dissolvido, por divórcio, por sentença proferida a 27/11/2019, transitada em julgado a 02/07/2020. A ação de divórcio foi instaurada pelo recorrente em 23/10/2018 (cfr. alíneas A) a C) dos factos apurados).
  Por força do regime de bens do casamento celebrado entre recorrente e recorrida (a comunhão geral de bens), salvo os bens incomunicáveis, são comuns do extinto casal todos os bens (ativo) de que recorrente e recorrida eram proprietários à data da celebração do casamento e, bem assim, os que adquiram na constância do matrimónio (art. 1732º); e são comuns as dívidas que onerem bens comuns dos cônjuges, quer se tenham vencido antes, quer depois da comunicação dos bens (art. 1694º) e as elencadas (independentemente do regime de bens do casamento) no art. 1691º.
Acontece que tendo, na sequência do divórcio, o recorrente instaurado o presente processo de inventário, onde foi nomeado cabeça-de-casal, a recorrida reclamou da relação de bens por ele apresentada onde, além do mais, acusou a falta de relacionamento de bens e, bem assim, de diversos direito de crédito a que se arroga titular perante aquele, decorrente de: a) antes da celebração do casamento ter alegadamente pago: a.1- parte do preço de aquisição do terreno que o cabeça-de-casal comprou, ainda no estado de solteiro, e onde veio a ser construída a futura casa de família do casal; a.2- ter pago parte das prestações mensais do empréstimo bancário contraído pelo cabeça-de-casal, no estado de solteiro, para construir aquela que veio a ser a referida casa de morada de família do casal; b) na constância do matrimónio ter pago: b.1-  as prestações mensais do empréstimo contraído pelo cabeça-de-casal para construir a dita casa de morada de família; b.2- e ter pago parte das despesas decorrentes da construção daquela casa que não foram cobertas pelo mencionado financiamento bancário.
Por decisão proferida em 04/07/2022, a 1ª Instância conheceu parcialmente da reclamação apresentada pela recorrida à relação de bens apresentada pelo recorrente (cabeça-de-casal), em que expendeu o seguinte, em sede de subsunção jurídica da facticidade apurada:
“No que tange às relações patrimoniais entre os cônjuges, os efeitos do divórcio retrotraem à data da propositura da ação (art. 1789º, n.º 1 do CC). Podem ainda retroagir à data em que se deu a sua separação de facto, desde que esta esteja provado no processo (art. 1789º, n.º 2 do CC).
(…).
Assim, no caso dos autos, os efeitos patrimoniais do divórcio entre os cônjuges devem reportar-se a 23/10/2018, respeitante à data da interposição da ação especial de divórcio, posto que a decisão que o decretou não fixou qualquer data para os efeitos previstos no referido art. 1789º, n.º 2 do CC”.
Deste modo, segundo o decidido na decisão que se acaba de transcrever, as relações patrimoniais entre recorrente e recorrida, por via da dissolução do seu casamento, por divórcio, cessaram a 23/10/2018 (data da propositura da respetiva ação de divórcio), pelo que, tendo o casamento entre recorrente e recorrida sido celebrado em 05/12/2007, essas relações patrimoniais entre os mesmos perduraram no período temporal entre 05/12/2007 e 23/10/2018.
Essa decisão foi proferida em sede de reclamação apresentada pela ora recorrida (reclamante) à relação de bens apresentada pelo ora recorrente (cabeça-de-casal), onde estava em causa determinar quais os bens (ativo) e dívidas (passivo) que, por via do regime de bens que vigorou durante o casamento (a comunhão geral de bens), tinham natureza comum; e que, por isso, tinham de ser relacionados na relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, a fim de, posteriormente, na partilha, serem partilhados entre os ex-cônjuges, após terem sido liquidadas as dívidas comuns à custa desses bens comuns do ex-casal e, na insuficiência destes, à custa dos bens próprios dos mesmos (art. 1689º).
Debruçando-se sobre o aditamento à relação de bens do saldo bancário existente na conta domiciliada no Banco 2..., com o IBAN  ...64, no montante de 21.000,00 euros, pretendido pela recorrida (reclamante) lê-se na decisão de 04/07/2022, que:
“A reclamante não especifica a data a que se reporta o saldo da conta em referência.
Como já acima referido, os efeitos do divórcio dos interessados reportam-se a 23-10-2018, data da interposição da ação onde o mesmo foi decretado.
(…).
A reclamante remete a demonstração da existência do direito de crédito mencionado para um documento constituído por um extrato da conta bancária a que aquele se refere, tendo protestado juntá-lo aos autos.
Por despacho proferido a 26-11-2022, determinou-se a notificação da reclamante para, no prazo de 10 dias, vir aos autos juntar os documentos que protestou juntar ao articulado de reclamação à relação de bens, onde se inclui o acima mencionado.
Em cumprimento de tal despacho, a reclamante, a 09-12-2021, juntou aos autos extratos da conta bancária em referência onde constam movimentos e saldos ocorridos no período entre 16-06-2017 e 29-12-2017.
Os documentos referidos não se mostram, pois, idóneos a demonstrar a existência do saldo referido pela reclamante na data em que os efeitos do divórcio se produziram, ou seja, a 23-10-2018.
A demonstração da existência do saldo bancário alegada pela reclamante, constitutiva do direito de crédito por si reclamando, não se mostra suscetível de ser realizada por outro elemento de prova além da documental, sendo certo que, nos autos, o depoimento de parte do cabeça-de-casal não se mostra requerido.
Perante a ausência de prova da matéria de facto em referência, constitutiva do direito de crédito por si invocado, e atendendo a que incumbia à reclamante o ónus da sua demonstração (art. 342º, n.º 1 do CC), conclui-se pela improcedência da reclamação no segmento em apreço, sem necessidade de apreciação da argumentação expendida pelo cabeça-de-casal em sede de resposta” (destacado nosso).
E, na sequência do discurso argumentativo fáctico-jurídico acabado de transcrever, naquela decisão, conhecendo parcialmente da reclamação apresentada pela ora recorrida à relação de bens apresentada pelo ora recorrente (cabeça-de-casal), julgou-se improcedente a dita reclamação quanto ao aditamento do identificado saldo bancário pretendido pela recorrida enquanto património comum do ex-casal.
A decisão acabada de referir não foi alvo de recurso, pelo que transitou em julgado.
É pacífico o entendimento que o caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, o comando autoritário que consta do dispositivo final de tais decisões judiciais; e que “como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor do caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”[14]. Decorre do exposto que, verificando-se que a decisão de improcedência da reclamação apresentada pela recorrida à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal (recorrente) - quanto ao saldo bancário que aquela pretendia ver aditado a essa relação de bens (apresentada pelo cabeça-de-casal), enquanto bem comum do extinto casal -, se alicerçou na circunstância das relações patrimoniais entre aquela e o ora recorrente (cabeça-de-casal) terem cessado em 23/10/2018, e da prova documental por ela junta aos autos não se ter mostrado idónea a demonstrar a existência daquele saldo à data da cessação dessas relações patrimoniais, o caso julgado que cobre a parte dispositiva do nela decidido (de improcedência daquela reclamação quanto ao mencionado saldo bancário) estende-se necessariamente à consideração de que as relações patrimoniais entre os ex-cônjuges cessaram a 23/10/2018, na medida em que esse facto serviu como pressuposto fáctico-jurídico necessário e lógico da dita decisão de improcedência.
Daí que se encontre nos presentes autos decidido, em definitivo (por via do trânsito em julgado daquela decisão de 04/07/2022), que as relações patrimoniais entre recorrente e recorrida cessaram em 23/10/2018 (data da propositura da ação em que veio a ser declarado dissolvido o seu casamento, por divórcio, por sentença transitada em julgado), tendo, por conseguinte, essas relações patrimoniais perdurado no tempo entre 05/12/2007 (data da celebração do casamento) e 23/10/2018.
Como é sabido, o caso julgado produz dois efeitos: um negativo, que se traduz na insusceptibilidade de qualquer tribunal se voltar a pronunciar sobre a decisão proferida; e um positivo, que resulta na vinculação do tribunal à decisão proferida, para quem o decidido adquire força vinculativa e obrigatória. Os ditos efeitos negativo e positivo do caso julgado podem produzir-se apenas dentro do processo em que a decisão transitada em julgado foi proferida (situação em que o caso julgado que cobre a decisão é o formal – art. 620º do CPC), ou intra e extra processualmente (situação do caso julgado material – arts. 619º, n.º 1 e 621º do CPC).

Por sua vez, a sentença recorrida foi proferida pela 1ª Instância no âmbito do incidente que enxertou no presente processo de inventário, com vista a dar concretização prática ao comando legal constante da norma do art. 1790º  já antes analisado, o qual, conforme antedito, veda que, nos casos em que o casamento tenha sido celebrado sob o regime de comunhão geral de bens (com é o caso dos autos) os ex-cônjuges, no momento da partilha, possam receber mais (um valor superior) do que receberiam caso o casamento tivesse sido celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos; e impõe, para esses efeitos, que se simule que o casamento foi celebrado no regime de comunhão de adquiridos e, em consequência, se determine quais os bens (ativo) e as dívidas (passivo) que, de acordo com esse regime de bens (hipotético) teriam natureza comum e os que teriam natureza própria de cada um dos ex-cônjuges, por forma a determinar o valor da meação (hipotética) que caberia a cada um deles no momento da partilha, a fim de se comparar esse valor com o valor da meação real que lhes é devida no dito momento em função do regime de bens efetivo do casamento celebrado e dissolvido (a comunhão geral de bens), obstando-se a que cada um deles, no momento da partilha, receba um valor superior ao que receberia caso o casamento tivesse sido celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos.
Daí que, no âmbito do presente incidente em que foi proferida a sentença recorrida, não esteja em causa a determinação dos bens (ativo) e dívidas (passivo) que, em função do real regime de bens do casamento entretanto dissolvido (a comunhão geral) têm de ser relacionadas, por terem natureza comum, a fim de, no momento da partilha, as dívidas comuns serem pagas e o remanescente dos bens comuns ser partilhado entre os ex-cônjuges,  uma vez que essa determinação já tem (ou deveria) estar feita, mas apenas fazer aquela operação hipotética, de modo a observar-se o comando do art. 1790º.

O caso julgado que cobre a decisão proferida em 04/07/2022 - em que se decidiu em definitivo que as relações patrimoniais entre os ex-cônjuges cessaram em 23/10/2018 e que, portanto, o período relevante para efeitos de relações patrimoniais entre os mesmos se processa no período entre 05/12/2007 e 23/10/2018 -, por via do seu efeito negativo impede que, no âmbito do presente incidente, essa questão seja alvo de nova discussão; e, por via do seu efeito positivo, impõe que o assim decidido tenha de ser observado de forma vinculativa e incontestável.
De resto, ao considerar-se, no âmbito do presente incidente, um período temporal em que perduraram as relações patrimoniais entre os ex-cônjuges distinto daquele que foi considerado no despacho de 04/07/2022, transitado em julgado - para efeitos de se determinar quais os bens e as dívidas que, em função do regime (real) de bens do casamento (comunhão geral), têm de ser considerados como comuns e que, por isso, têm de ser objeto de relacionamento no presente processo de inventário subsequente a divórcio, para efeitos das dívidas comuns serem pagas no momento da partilha e dos bens comuns remanescentes serem partilhados entre os ex-cônjuges (como ocorre na sentença recorrida) -, implica que ficasse impedido o cumprimento do regime do art. 1790º, por inviabilizar o juízo comparativo que o incidente em causa pressupõe que se realize entre meação real e meação hipotética que cabe a cada um dos ex-cônjuges no património comum no momento da partilha.

Ora, tendo na decisão recorrida o tribunal a quo considerado que, no período entre 05/12/2007 e 23/10/2020, o património comum do extinto casal liquidou, a título de amortizações do empréstimo contraído pelo recorrente, no estado de solteiro, para construir a moradia que veio a servir de casa de morada de família ao extinto casal na constância do matrimónio, a quantia global de 57.400,97 euros, e ante a consideração que a dívida assim amortizada, atento o regime (hipotético) da comunhão de adquiridos assume a natureza de dívida própria do recorrente (cabeça-de casal) e, em consequência, determinou que se aditasse à relação de bens que elaborou (a fim de fixar o património comum do extinto casal, à luz do identificado regime de bens hipotético do casamento - a comunhão de adquiridos -, para efeitos de aplicação do regime do art. 1790º), um direito de crédito do património comum do ex-casal sobre o recorrente, no montante de 57.400,97, é inegável que, ao assim decidir (e tal como acusa o recorrente acontecer), violou-se frontalmente o caso julgado que cobre a decisão proferida em 04/07/2022  (onde se decidiu definitivamente que as relações patrimoniais entre os ex-cônjuges cessaram em 23/10/2018 e que, portanto, o período relevante para efeitos de relações patrimoniais entre os mesmos é o que se processa entre 05/12/2007 e 23/10/2018).

Decorre do exposto, proceder este fundamentos de recurso, impondo-se revogar a sentença recorrida, no segmento em que calculou que as amortizações feitas pelo património comum do ex-casal, para amortizar o empréstimo contraído, no estado de solteiro, pelo recorrente, no período entre 05/12/2007 e 23/10/2020, à luz do regime hipotético de comunhão de adquiridos, para efeitos de aplicação do regime do art. 1790º do CC, ascendeu a 57.400,97 euros; e que, em consequência, fixou, sob a verba n.º 55 da relação de bens que elaborou na sentença (para efeitos do disposto no art. 1790º do CC), que o património comum dos ex-cônjuges é titular sobre o recorrente (cabeça-de-casal) de um direito de crédito no montante de 57.400,97 euros, quando o período relevante para esses efeitos é o que se processa entre 05/12/2007 e 23/10/2018.
Os extratos bancários que foram juntos aos autos pelo recorrente em 19/02/2024 (na sequência do despacho proferido em 16/01/2024, em que a 1ª Instância determinou a notificação daquele para declarar se consentia que o Banco 1... informasse os valores pagos, entre 05/12/2007 e 23/10/2020, para amortização do contrato de mútuo que celebrou com o recorrente para financiamento da construção daquela que veio a ser casa de morada de família do ex-casal), não permitem determinar qual a quantia amortizada pelo património comum do ex-casal no período de 05/12/2007 e 23/10/2018, na medida em que, o primeiro extrato bancário junto pelo recorrente aos autos reporta-se a  06/12/2007, e o segundo à data de 06/11/2020.
Como tal, caso o erro de direito que o recorrente assaca à decisão recorrida a que se alude na al. f) supra, em sede de “II- DO OBJETO DO RECURSO”, venha a improceder - e, em consequência, se imponha efetivamente, para efeitos de se fixar o património comum do casal à luz do regime hipotético de comunhão de adquiridos, a fim de se dar cumprimento ao comando do art. 1790º, relacionar o direito de crédito do património comum do ex-casal sobre o recorrente (cabeça-de-casal), correspondente às quantias que esse património comum amortizou no âmbito do contrato de mútuo que o recorrente celebrou, no estado de solteiro, com o Banco 1..., a fim de construir aquela que veio a ser a casa de morada de família do extinto casal na constância do matrimónio, no período entre 05/12/2007 e 23/10/2018 -, impõe-se que a 1ª Instância diligencie pela junção aos autos dos necessários extratos exigidos pela fixação daquele crédito comum tendo em conta o período temporal acabado de referir.

B- Da violação da regra de direito probatório material do art. 574º, n.º 2 do CPC – efeitos cominatórios da falta de impugnação especificada

Advoga o recorrente que, no que respeita às verbas n.ºs 2, 35, 37, 43, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 51, 52 e 53 - todos móveis - e 54º - imóvel, nas três relações de bens que juntou aos autos sempre alegou expressamente que esses bens foram por si adquiridos no estado de solteiro ou sub-rogados no seu lugar, o que nunca foi impugnado pela recorrida, o que determina que, nos termos do disposto nos arts. 574º, n.º 2 e 293º, n.º 3 do CPC, se tenha como admitida por admissão/confissão aquela sua alegação; e que, em consequência, se tenha de considerar que todos os bens constantes das ditas verbas são bens próprios do mesmo à luz do regime de comunhão de adquiridos, para efeitos do disposto naquele art. 1790º do CC.
Conclui que, ao não ter considerado assim e ao ter submetido a julgamento aquela matéria fáctica, desconsiderando o efeito cominatório do n.º 2 do art. 574º, o tribunal a quo incorreu em erro de direito em sede de sentença recorrida.

Quid inde?

O processo de inventário subsequente a divórcio encontra-se regulado nos arts. 1133º e 1134º do CPC, sendo-lhe aplicável, em tudo o que não estiver especificamente regulado nessas normas, o regime definido para o inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária (n.º 2 do art. 1084º do CPC).
Sendo o processo de inventário um processo especial, na medida em que se encontra inserido no Livro V do CPC, mostra-se-lhe aplicável o n.º 1 do art. 549º do mesmo Código, nos termos do qual: “Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutros, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum”.
O processo de inventário subsequente a divórcio inicia-se com a entrada em juízo do requerimento inicial e quando este seja apresentado pelo cabeça-de-casal tem de ser acompanhado, além do mais, pela relação de bens (art. 1097º do CPC).
Da relação de bens a apresentar pelo cabeça-de-casal deve constar, em sede de ativo do património comum conjugal, a identificação: a) dos bens comuns do casal, segundo o regime da comunhão (efetivo) que tenha vigorado no casamento, existentes à data da cessação das relações patrimoniais entre os ex-cônjuges (arts. 1097º do CPC e 1688º e 1789º, n.º 1 do CC); b) as compensações devidas ao património comum pelos patrimónios próprios de cada um dos ex-cônjuges; e c) os créditos do ex-casal sobre os terceiros. E em sede de passivo comum, na relação de bens tem de se identificar: a) as compensações devidas pelo património comum aos patrimónios próprios de cada um dos ex-cônjuges, ou seja, as dívidas do património comum aos patrimónios próprios; b) as dívidas comuns dos ex-cônjuges perante terceiros; e c) as dívidas de cada um dos ex-cônjuges perante o outro[15].
Nos termos do art. 1105º do CPC: “Se for deduzida oposição ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada” (n.º 1). “As provas são indicadas com os requerimentos e respostas” (n.º 2). “A questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092º e 1093º” (n.º 3).
Resulta deste normativo que a reclamação à relação de bens, apesar de seguir uma tramitação de cariz incidental, não consubstancia um incidente do processo de inventário, na medida em que se insere na tramitação normal desse processo, como direito de defesa, nos termos gerais[16].
Por sua vez, naquela norma do art. 1105º nada se estabelece quanto ao ónus da impugnação especificada. Por isso, por força do comando do art. 549º, n.º 1 do CPC, tem aplicação ao processo de inventário o regime do art. 574º, n.ºs 1 e 2 do mesmo Código, que impõe que os interessados, perante a relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, tenham o ónus de apresentar reclamação e de nela tomar posição definida quanto aos factos essenciais ali alegados, sob pena de se considerarem admitidos por acordo os que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa apresentada na reclamação considerada no seu conjunto, tratar-se de factos em relação aos quais não seja admissível confissão ou que só possam ser provados por documento escrito[17].
Aliás, a não apresentação de reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, na medida em que, nos termos do disposto no art. 573º do CPC, preclude os direitos de defesa dos interessados, obsta a que aqueles possam posteriormente acusar a falta de relação de bens pelo cabeça-de-casal ou apresentar outros meios de defesa.
No caso dos autos, na relação de bens que apresentou com o requerimento inicial, o cabeça-de-casal alegou que o veículo automóvel que relacionou sob a verba n.º 2, com a matrícula ..-..-NA, marca ..., modelo ..., do ano de 1999, foi “adquirido no estado de solteiro pelo requerente”.  Quanto ao par de colunas ..., que relacionou sob a verba n.º 35, alegou que foram adquiridas “no estado de solteiro pelo requerente”.  E quanto ao amplificador CC, que relacionou sob a verba n.º 37, alegou que o mesmo foi “sub-rogado no lugar de bem próprio pela venda de equipamento da mesma natureza adquiridos pelo requerente no estado de solteiro”.
Na reclamação à relação de bens a recorrida BB não impugnou que os identificados bens relacionados sob as verbas n.º 2 e 35 tivessem sido adquiridos no estado de solteiro pelo recorrente (cabeça-de-casal) como por ele foi expressamente alegado, e, bem assim, também não impugnou que o bem relacionado sob a verba n.º 37 tivesse sido adquirido mediante sub-rogação no lugar de bem próprio pela venda de equipamentos da mesma natureza que o cabeça-de-casal adquiriu ainda no estado de solteiro; e, assim, por força do disposto no art. 574º, n.º 2, ex vi, art. 549º, n.º 2, ambos do CPC, consideram-se admitidos por acordo tais factos quanto às verbas n.ºs 2, 35 e 37, isto é,  que os bens relacionados sob as verbas n.ºs 2 e 35 foram adquiridos pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro, enquanto o relacionado sob a verba n.º 37 foi por ele adquirido mediante dinheiro que obteve com a venda de equipamento de igual natureza que o mesmo adquiriu no estado de solteiro.
Sustenta-se na sentença sob sindicância que assim não é, na medida em que “a matéria atinente à autoria e data de aquisição dos bens foi alheia ao objeto do incidente de reclamação à relação de bens e de tudo o mais decidido até ao momento nestes. Por outro lado, o efeito cominatório previsto nos arts. 567º, n.º 2 e 574º, do CPC, aplicáveis no processo especial de inventário, por força do estatuído no art. 546º, n.º 2, do mesmo código, que o cabeça-de-casal invoca, apenas ocorre no que concerne à factualidade integrante do objeto do procedimento ou do incidente para o qual foi suscitada, não correndo fora dos mesmos” e que, “nessa perspetiva, a alegada omissão de pronúncia por parte da interessada BB da factualidade alegada pelo cabeça de casal referente à autoria e data de aquisição dos bens integrantes das verbas 2, 35 e 37 (…), em sede de outros incidentes não importa para o incidente que ora se aprecia, o efeito cominatório referido, ao invés do pretendido pelo cabeça-de-casal. Razão porque se entende que nada obsta a que se conheça da matéria de facto mencionada na presente decisão, posto que se tem como pertinente para a mesma”.
Se bem se entende a posição do julgador a quo, a alegação do cabeça-de-casal (recorrente), vertida na relação de bens que apresentou com o requerimento inicial quanto à data de aquisição dos bens que relacionou sob as verbas n.ºs 2 e 35, e quanto ao modo como adquiriu o bem relacionado sob a verba n.º 35, não relevaria para a determinação dos bens comuns do ex-casal a serem relacionados no âmbito do presente processo de inventário, atento o regime de bens do casamento (a comunhão geral de bens), mas apenas para a aplicação, em sede de partilha, do regime do art. 1790º do CC, o que se subscreve. Contudo, entendeu-se que, atento esse facto, a circunstância da recorrida, na reclamação à relação de bens que apresentou, não ter impugnado aquela facticidade não impedia que, posteriormente, no âmbito do presente incidente a impugnasse, como o veio a fazer na resposta à proposta de forma à partilha que foi apresentada pelo cabeça-de-casal, o que já não subscrevemos.
Na verdade, por um lado, na relação de bens o cabeça-de-casal deve alegar, além do mais, todos os factos essenciais (art. 552º, n.º 1, al. d), ex vi,  art. 549º, n.º 1, ambos do CPC) que interessam à partilha, como é o caso daquela alegação que verteu nas verbas n.ºs 2, 35 e 37, quanto ao momento temporal em que adquiriu os bens que relacionou sob as verbas n.ºs 2 e 35, e quanto ao modo como adquiriu o da verba 37, por via do comando do art. 1790º do CC; e por outro, na reclamação que venham a apresentar, impende sobre os interessados (no caso, sobre a reclamante e recorrida BB), por via do ónus da impugnação especificada do n.º 1 do art. 574º do CPC, impugnar todos os factos essenciais que foram alegados pelo cabeça-de-casal na relação de bens que apresentou com pertinência, nomeadamente, para a partilha, sob pena desses factos se terem admitidos por acordo (art. 574º, nºs 1 e 2 e 549º, n.º 1 do CPC), bem como,  inclusivamente, aqueles têm, naquela reclamação, de apresentar todos os seus meios de defesa, nomeadamente acusando a falta de relacionamento de bens, sob pena de se precludir esses seus direitos, não podendo, posteriormente, vir alegá-los, nem a falta de relacionamento de bens pelo cabeça-de-casal (art. 573º, ex vi, art. 549º, n.º 1 e 1104º, n.º 1, al. d), todos do CPC).
Neste sentido expendem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes, Pedro Pinheiro Torres: “Cabe aos interessados diretos deduzir no articulado de oposição qualquer reclamação quanto à relação de bens apresentada pelo requerente ou pelo cabeça-de-casal (n.º 1, al. d)), sustentando, nomeadamente, a insuficiência dos bens, o excesso dos bens relacionados, a inexatidão na sua descrição ou impugnando o valor que lhes foi atribuído. Este ónus de concentração das reclamações contra a relação de bens no âmbito da oposição ao inventário é consequência de a fase inicial do processo se não encerrar sem que se mostre apresentada pelo cabeça-de-casal a relação de bens. (…). No atual sistema, o momento das reclamações é necessariamente o previsto no n.º 1, sob pena de preclusão do direito de reclamar, ainda que, naturalmente, sem prejuízo da invocação de uma situação de superveniência (cf. art. 588º, n.º 2). (…). Não há nenhuma limitação objetiva quanto ao articulado de contestação. Este articulado não é apenas um articulado de resposta ao requerimento inicial (arts. 1097º e 1099º) ou ao articulado complementar do cabeça-de-casal (art. 1102º), dado que ele pode ser utilizado por qualquer interessado não requerente para se exprimir, pela primeira vez e sem qualquer limitação no processo de inventário. Quer dizer: o articulado de contestação pode ser utilizado para impugnar qualquer facto alegado no requerimento inicial ou no articulado complementar, para alegar qualquer exceção perentória oponível ao afirmado nesse requerimento ou nesse articulado e ainda para invocar qualquer outro facto novo, ou seja, qualquer outro facto não alegado no requerimento inicial, com relevância para a partilha da herança.  (…). Por força da regra geral enunciada no art. 549º, n.º 1, o efeito cominatório associado a qualquer daquelas situações de inércia do citado é o que decorre do regime contido, para o processo declarativo comum, nos arts. 566º e 567º, n.º 1, para situação de revelia, e no art. 574º, n.º 1, para o incumprimento do ónus de impugnação. Daqui decorre que, em regra – nada se prevendo sobre esta matéria no âmbito do processo de inventário, com exceção do que se estabelece para o reconhecimento do passivo (art. 1106º, n.º 1) – vigora o efeito cominatório semipleno, considerando-se, no caso de revelia, confessados os factos alegados no requerimento de inventário (art. 567º, n.º 1) e, no caso de falta de impugnação, admitidos por acordo os factos que não hajam sido objeto dessa impugnação (art. 574º, n.º 1. (…). À produção de um efeito cominatório semipleno, decorrente do não exercício do direito de oposição no prazo legalmente fixado, acresce um efeito preclusivo, resultante da estrutura sequencial que se atribui ao processo de inventário e, em especial, da regra da concentração de todas as impugnações e meios de defesa que a parte pretenda suscitar[18]
Deste modo, salvo melhor opinião, a circunstância de a recorrida, na reclamação à relação de bens que o recorrente (cabeça-de-casal) juntou com o requerimento inicial, não ter impugnado aquela facticidade que o recorrente alegou quanto ao momento e modo de aquisição dos bens relacionados sob as verbas n.ºs 2, 35 e 37, determinou que, nos termos do arts. 549º, n.º 1 e 574º, n.º 2 do CPC, se considere admitido por acordo que o veículo automóvel relacionado sob a verba n.º 2 e, bem assim, o par de colunas relacionado sob a verba n.º 35, foram adquiridos pelo recorrente no estado de solteiro; e que o amplificador relacionado sob a verba n.º 37 foi por ele adquirido mediante a venda de equipamentos da mesma natureza por ele antes adquiridos ainda no estado de solteiro.
Por isso, ao submeter a julgamento aquela facticidade como se a mesma, nos termos dos arts. 549º, n.º 1 e 574º, n.º 2, não se encontrasse já provada por confissão/admissão (como é o caso), e ao julgar na sentença recorrida como provado que o veículo automóvel descrito na verba n.º 2 foi comprado por BB em 22/03/1999 (alínea E dos factos provados) e que as colunas descritas na verba n.º 35 foram compradas em novembro de 2006 (alínea F dos factos provados) e, bem assim, ao nela julgar como não provado que o amplificador descrito na verba n.º 37 tivesse sido comprado por AA com recurso ao produto da venda de bem pelo mesmo adquirido em data anterior a 05/12/2007 (ponto 1º dos factos não provados), a 1ª Instância incorreu em violação da regra de direito probatório material do art. 574º, n.º 2 do CPC; e determina que se tenha de ordenar a eliminação da alínea E do elenco dos factos julgados provados na sentença e, bem assim, o ponto 1º dos factos nela julgados não provados, ordenando-se o aditamento ao elenco dos factos provados na sentença da seguinte facticidade:
“E- O veículo automóvel descrito na verba n.º 2 foi adquirido por AA no estado de solteiro.
E1- O amplificador descrito na verba n.º 37 foi comprado por AA com recurso ao produto da venda de equipamentos da mesma natureza por ele adquiridos no estado de solteiro”.
Segundo o regime (hipotético) do casamento da comunhão de adquiridos o veículo automóvel (verba n.º 2) e as colunas (verba n.º 35), na medida em que foram adquiridas pelo recorrente no estado de solteiro, nos termos do art. 1722º, al. a) do CC, são bens próprios deste (cabeça-de-casal), pelo que se impõe revogar a sentença recorrida em que se julgou que o veículo automóvel é bem próprio da recorrida BB.
Por sua vez, o amplificador relacionado sob a verba n.º 37, na medida em que foi adquirido pelo cabeça-de-casal mediante a venda de equipamentos da mesma natureza que foram por ele adquiridos no estado de solteiro, de acordo com o regime (hipotético) de bens do casamento de comunhão de adquiridos é bem próprio do recorrente (al. a) do art. 1723º do CC), impondo-se, em consequência, revogar a sentença recorrida no segmento em que se julgou que o dito amplificador é bem comum do extinto casal à luz do regime da comunhão de adquiridos, para efeitos de aplicação do regime do art. 1790º do CC.
No que respeita ao prédio relacionado pelo cabeça-de-casal sob a verba n.º 54 da relação de bens que juntou com o requerimento inicial, nessa relação o recorrente alegou que o prédio urbano aí descrito foi “construído pelo requerente previamente ao casamento com recurso ao crédito hipotecário, contraído este em 08 de agosto de 2002”.
Na reclamação apresentada pela recorrida BB à relação de bens esta não impugnou que o prédio urbano identificado na verba 54 tivesse sido contruído pelo cabeça-de casal (recorrente) antes do casamento, com recurso ao empréstimo hipotecário aí referido, pelo que essa facticidade se tem por confessada, nos termos das disposições dos arts. 549º, n.º 1 e 574º, n.º 2 do CPC.
Porém, salvo melhor opinião, não se descortina que, na sentença recorrida, o julgador a quo tivesse incorrido em qualquer violação do comando do art. 574º, n.º 2 do CPC, na medida em que nela se limitou  a tomar em consideração o teor da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial relativa a esse prédio  e, bem assim, o da escritura de compra e venda de 14/03/2002, em que a reclamante declarou vender ao cabeça-de-casal a metade indivisa sobre o mesmo; e a fazer atuar a presunção do art. 7º do Cód. Reg. Predial para, a partir daqueles documentos autênticos (juntos aos autos) julgar que: “Tendo presente o disposto no art. 7º do Código do Registo Predial, bem como o teor da escritura pública acima mencionado, o direito de propriedade sobre o imóvel em referência ingressou, na sua totalidade (na data em referência o cabeça-de-casal e a interessada eram comproprietários do imóvel), na esfera jurídica do cabeça-de-casal a ../../2002, ou seja, em data anterior à da celebração do casamento entre o mesmo e a interessada BB. Atentando no estatuído no art. 1722º, n.º 1, al. a) do CC, e no referido no parágrafo anterior, entende-se que o imóvel mencionado, referido na verba n.º 54 da relação de bens, à luz do regime de comunhão de adquiridos, é um bem próprio do cabeça-de-casal e, por isso, não integra o acervo comum do casal”.
Ou seja, para qualificar o prédio relacionado sob a verba 54 causa como bem próprio do recorrente ou como bem comum do extinto casal à luz do hipotético  regime da comunhão de adquiridos, para efeitos do determinado no art. 1790º do CC, a 1ª Instância abstraiu (corretamente – porque, na reclamação à relação de bens que apresentou a apelada não alegou facticidade tendente a ilidir a presunção do art. 7º do CRP, ou a aquisição do direito de propriedade sobre aquele prédio pelo extinto casal, nomeadamente, por acessão imobiliária) da casa que nele foi erigida pelo recorrente no prédio urbano relacionado sob a verba 54, ainda no estado de solteiro.
Deste modo, quanto ao prédio urbano da verba 54, a 1ª Instância não considerou (por desnecessário) o facto da casa construída pelo cabeça-de casal (recorrente), antes do casamento, no terreno que o compõe ter sido edificada mediante recurso ao empréstimo bancário hipotecário que, no estado de solteiro, celebrou com o Banco 1..., pelo que não incorreu em qualquer violação do art. 574º, n.º 2 do CPC, improcedendo este fundamento de recurso.
No que respeita aos bens relacionados sob as verbas n.ºs 43 (um sofá em pele castanha, tipo Andy, composto por três módulos e costas, no valor de € 500,00), 44 (duas carpetes de linho e lã, modelo ..., da firma de Tapeçarias ... (... Carpets), com as medidas de 260x260 e 260x250, no valor de €700,00), 45 (uma carpete de lá feltrada, branca, da firma Tapeçarias ... (... Carpets), modelo ..., da firma de Tapeçarias ... (... Carpets), no valor de € 300,00), 46 (duas carpetes de lã, modelo DD, da firma Tapeçarias ... (... Carpets), adquirida no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de € 500,00), 48 (um candeeiro de marca ..., com 90 cm de diâmetro, adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €150,00), 49 (um candeeiro de marca ..., modelo ..., no valor de € 100,00), 50 (um conjunto de 8 cadeiras ..., brancas, no valor de €200,00), 51 (uma colcha em pele natural de ... de cor ..., no valor de € 200,00), 52 (um conjunto de jogo de cama, composto por capa de edredão, 2 fronhas e lençol, 100% de linho, cor natural, da marca ..., no valor de €150,00) e 53 (uma carpete ..., preta com risca camel, no valor de € 50,00), estes não foram relacionados pelo reclamante na relação de bens que apresentou juntamente com o requerimento inicial; pelo que, naturalmente, que aquele nela não alegou que os mencionados bens tivessem sido por si adquiridos ainda no estado de solteiro.
Trata-se de bens cuja falta de relacionamento foi acusada pela recorrida BB na reclamação à relação de bens apresentada pelo recorrente com o requerimento inicial.
Na sequência dessa reclamação, fazendo uso do disposto no n.º 1 do art. 1105º do CPC, o recorrente (cabeça-de-casal) respondeu a esse articulado, onde aceitou a falta de relacionamento daqueles bens (por, atento o regime de bens do casamento – a comunhão geral de bens – tratar-se de bens comuns), mas alegou que os mesmos foram por si adquiridos ainda no estado de solteiro.
O processo de inventário não comporta réplica ao articulado de resposta à reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, pelo que, tendo neste último articulado o recorrente alegado factos essenciais novos para a partilha do património comum do extinto casal (os bens em causa foram por si adquiridos no estado de solteiro) - por, atento o comando do art. 1790º do CC, terem reflexo na futura partilha a realizar -, embora assistisse à recorrida o direito a responder a esses novos factos, não o podia fazer através de articulado junto  ao processo de inventário por sua iniciativa, por lhe estar legalmente vedado. Para facultar o exercício do direito ao contraditório  pela recorrida (reclamante) quanto a essa nova facticidade, ou o juiz, através dos poderes de gestão processual (art. 6º, n.º 1 do CPC) e de adequação formal (art. 547º do CPC), a notificava para que exercesse o direito ao contraditório quanto a essa nova facticidade; ou, por analogia com o disposto no art. 3º, n.º 4 do mesmo Código, deferia esse contraditório para a audiência prévia (art. 1109º do CPC) ou para a conferência de interessados (art. 1111º do CPC). Só então, isto é, dada a oportunidade à recorrida para se pronunciar quanto a essa facticidade nova, caso a mesma não a impugnasse é que se produziria o efeito estabelecido nos art. 574º, n.º 1 e 2,  ex vi, art. 549º, n.º 1, ambos do CPC[19].
No caso, o tribunal não notificou a recorrida GG para, na sequência da resposta à reclamação apresentada pelo recorrente, responder, querendo, aos factos novos por ele alegados naquela resposta (aqueles bens foram adquiridos pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro), nem convocou a realização de audiência preliminar, nem se realizou ainda a conferência de interessados. Daí que, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, a recorrida não teve ainda possibilidade de exercer o seu direito ao contraditório quanto à sua alegação de que os bens em causa foram por ele adquiridos ainda no estado de solteiro. Por outro lado, na resposta à proposta de forma à partilha proposta pelo recorrente, a recorrida alegou discordar “da matéria constante de 13 do referido requerimento, devendo os bens discriminados nas verbas (…) 43, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 51 e 52 (…) considerar-se bens comuns, porquanto os bens aí descritos foram efetivamente adquiridos por ambos, através de comparticipação mútua” (cfr. fls. 354 do processo físico), com o que impugnou a alegação do recorrente, de que aqueles tinham sido por si adquiridos ainda em estado de solteiro.
Daí que, na sentença recorrida, ao realizar o julgamento de facto quanto a essa alegação do recorrente em função da prova produzida nos autos e submetendo-a ao princípio da livre apreciação da prova, o tribunal a quo não tivesse infringido a norma de direito probatório material do art. 574º, n.º 2 do CPC, improcedendo este fundamento de recurso.
 
C- Da impugnação do julgamento da matéria de facto 
O recorrente impugna o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo quanto às verbas n.ºs 2, 37, 43, 44, 45, 46, 48, 50, 51 e 53.
A apreciação da impugnação do julgamento da matéria de facto no que respeita às verbas n.ºs 2 (veículo automóvel) e 37 (amplificador ...) encontra-se prejudicada face ao anteriormente decidido, em que se concluiu que a facticidade em causa está já admitida por acordo das partes, por força do disposto no art. 574º, n.º 2, ex vi, art. 549º, n.º 1 do CPC, e onde já se extraíram as consequências jurídicas daí decorrentes.
Resta apreciar a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo recorrente quanto às verbas remanescentes.

C.1- Da verba 43º - sofá em pele castanha tipo Andy.
A 1ª Instância julgou como não provado que o sofá descrito na verba n.º 43 tivesse sido comprado por AA em data anterior a 05/12/2017 (cfr. ponto 2º dos factos não provados), ou seja, que esse sofá tivesse sido adquirido pelo recorrente (cabeça-de-casal) ainda no estado de solteiro, conforme fora por ele alegado na resposta à reclamação apresentada pela recorrida à relação de bens.
Após insistir que a facticidade por si alegada, na resposta à reclamação apresentada pela recorrida à relação de bens que apresentou - de que o sofá em causa teria sido adquirido por ele ainda no estado de solteiro - se encontrar já confessada por admissão, nos termos do art. 574º, n.º 2 do CPC (quando assim não é – vide fundamentos supra, que nos abstemos de repetir), advoga o recorrente que o tribunal “não estava dispensado de considerar que se a casa que foi morada de família estava pronta uns anos antes do casamento e o recorrente para lá se mudou, tinha de ter o mínimo de recheio, sendo que nesta lógica que se seguiu de excluir quase todos os bens, colocando  a casa no plano de devoluta e mesmo incapaz de acolher quem quer que fosse para lá viver, o que colide com a realidade que as partes trouxeram ao processo e que o próprio tribunal validou como boa em outros momentos processuais. O que não configura um silogismo forçado, mas, isso sim, uma ilação probatória natural e consequente com aquilo que está vertido e discutido nos autos, por apelo às regras da lógica e do senso comum de que o tribunal se pode e deve valer”. E com fundamento no argumentário acabado de referir postula que se impõe julgar como provado que o sofá relacionado sob a verba 43 foi por si adquirido no estado de solteiro, mas, antecipe-se desde já, sem razão.
Com efeito, ainda que a casa estivesse totalmente mobilada anos antes de recorrente e recorrida terem casado e de terem ido residir para a mesma, as regras da experiência comum demonstram que nas casas que já se encontram mobiladas não é inusual ocorrerem substituições do mobiliário nelas existente, mediante a compra de mobiliário novo, e, bem assim que, mesmo que os residentes não substituam o mobiliário que nelas já existe, são frequentes as situações em que adquirem novas peças de mobiliário.
Daí que, salvo o devido respeito por opinião contrária, nada consente nos autos que se extraia a presunção natural ou judicial pretendida pelo recorrente quanto ao sofá em análise, para a partir do seu argumentário, se julgar como provado que aquele foi por si comprado ainda no estado de solteiro.
Termos em que, sem mais considerações, por desnecessárias, improcede este fundamento de recurso, mantendo-se inalterado o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância quanto ao sofá relacionado sob a verba 43.
   
C.2-  Das verbas n.ºs 44, 45 e 46 – carpetes.
A 1ª Instância julgou como não provado que as carpetes relacionadas sob as verbas n.ºs 44, 45 e 46 tivessem sido compradas por AA em data anterior a 05/12/2007, ou seja, ainda no estado de solteiro (cfr. pontos 2º, 3º e 4º da facticidade julgada não provada).
O recorrente impugna o julgamento de facto assim realizado com fundamento no teor dos documentos 7 a 9, juntos aos autos com o requerimento de 02/11/2021, alegando que esses documentos “foram simplesmente ostracizados” pela 1ª Instância e “comprovam que as 5 carpetes referidas nestas verbas foram adquiridas em abril de 2016. Cotejando esses extratos bancários com a alegação vertida no ponto 85 do requerimento de 02/11/2021, torna-se claro que os pais do recorrente lhe emprestaram a quantia de 2.400,00 euros (06.04.2006 – 2.400,00 euros), a qual tinha em vista a compra dessas mencionadas carpetes. A troca de mensagens entre o recorrente e recorrida – doc. 9 – são a suma evidência desse facto, não permitindo que hajam dúvidas sobre que bens se tratam e as datas das suas aquisições, derrogando, de uma peneirada só, o argumento de que não há prova relevante e provando, como se pretendia, que foram adquiridas antes do casamento”.  
De seguida, o recorrente insiste que, por via do disposto no art. 574º, n.º 2 do CPC, essa matéria (a compra das 5 carpetes pelo recorrente, ainda no estado de solteiro) já se encontra provada por confissão (por via da não impugnação dessa sua alegação na resposta à reclamação que apresentou pela recorrida), quando, conforme anteriormente já sobejamente demonstrado, assim não é.
Analisados os restantes argumentos aduzidos pelo recorrente, compulsados os documentos 7 a 9, juntos com o requerimento de 02/11/202, no ponto 85º desse requerimento, o mesmo alegou que as cinco carpetes “foram igualmente adquiridas (por si), em abril de 2006, ainda no estado de solteiro, com a ajuda financeira de seus pais, que lhe emprestaram a quantia de 3.400,00 euros (28/03/2006 – 1.000,00 euros – 06/04/2006 – 2.400,00 euros)”. E para prova dessa alegação juntou aos autos os mencionados documentos 7 a 9.
Sucede que o documento n.º 7 é uma fotocópia de uma caderneta de uma conta (cujo número e titular(es) se desconhecem), aberta no Banco 3..., onde se vê que, em 28/03/2006, foi levantada daquela conta a quantia de 1.000,00 euros.
Por sua vez, o documento n.º 8 consubstancia uma fotocópia de uma caderneta (cujo número e titular(es) se desconhecem), aberta junto do Banco 3..., onde se vê que, em 06/04/2006, foi transferida dessa conta, para a conta n.º ...55, a quantia de 2.400,00 euros.
Finalmente, o documento n.º 9 é uma conversação mantida entre recorrente e recorrida, em 08/03/2006, por correio eletrónico, onde os mesmos estão claramente a falar de carpetes, dizendo a recorrida ao recorrente, nomeadamente, que: “A HH diz que já tem prontas as DD e perguntou se queremos a entrega ou esperar para a semana de 24 para ter tudo”.
Acontece que, desconhecem-se o número da conta a que se reportam as fotocópias da caderneta juntas aos autos e quem seja o titular (ou titulares) da conta a que se reporta a caderneta em causa, assim como se desconhece o titular da conta para onde, em 06/04/2006, foram transferidos os sobreditos 2.700,00 euros, uma vez que esses dados não constam nos documentos juntos aos autos.
Por isso, os documentos em apreço não permitem com um mínimo de segurança exigível concluir pela prova em como o(s) titular(es) da conta aberta, junto do Banco 3..., a que se reporta a identificada caderneta sejam os pais do recorrente, nem que a conta para onde a quantia de 2.400,00 foi transferida seja titulada pelo recorrente.
Acresce que o correio eletrónico em que recorrente e recorrida mantêm a referida conversação data de 08/03/2006, pelo que não se pode deixar de estranhar que a recorrida comunique ao recorrente que a “HH diz que já tem prontas as DD”, concretizando, tratar-se de “duas DD” (duas carpetes, modelo DD), quando era pressuposto que recorrente e/ou recorrida, na data em que mantiveram a apontada conversação (08/03/2006), já tivessem disponível a quantia monetária necessária ao pagamento do preço das duas carpetes que dizem que a HH se dispunha a entregar-lhes, ou esperar pela semana de 24.
Ora, o primeiro levantamento da conta aberta junto do Banco 3... (1.000,00 euros) ocorreu em 28/03/2006 (desconhecendo-se, inclusivamente, quem levantou essa quantia e a quem eventualmente aquela foi entregue), enquanto a transferência de 2.400,00 euros ocorreu em 06/04/2006.
Daí que, em face do teor dos documentos acabados de analisar, nada permite concluir pela prova da alegação do recorrente de que as cinco carpetes relacionadas sob as verbas 44, 45 e 46 foram por si adquiridas ainda no estado de solteiro, mediante o pretenso dinheiro que os seus pais lhe teriam emprestado e a que se reportam os sobreditos montantes aludidos naquela caderneta; pelo que, bem andou a 1ª Instância em concluir pela não prova em como as carpetes em análise tivessem sido adquiridas pelo mesmo em data anterior ao casamento, ocorrido em 05/12/2007.
Em suma, improcede este fundamento de recurso, mantendo-se inalterado o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância quanto às verbas 44, 45 e 46.

C.3- Das verbas 50, 51 e 53  
O recorrente impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto aos bens relacionados sob as verbas 50, 51 e 53 (um conjunto de cadeiras, uma colcha em pele natural e uma carpete ...), alegando restar-lhe “tão-somente, deixar aqui aflorado e in totum e renovado o que acima se verteu no tocante à verba n.º 43, pois que a realidade é, sem tirar nem pôr, a mesmíssima”; e insiste que, perante a circunstância da recorrida não ter impugnado a sua alegação (vertida na resposta à reclamação) de que os bens descritos nessas verbas foram por ele adquiridos no estado de solteiro, por força do art. 574º, n.º 2 do CPC, essa alegação tem-se por confessada, a propósito do que já nos pronunciamos supra, no sentido de que assim não é.
Quanto aos restantes argumentos aduzidos pelo recorrente (em que o mesmo se limitou a reproduzir os argumentos que invocou a propósito do bem relacionado sob a verba 43), resta-nos reafirmar que, pelos motivos já acima expendidos a propósito da dita verba 43, o seu argumentário mostra-se improcedente, não permitindo (e muito menos impondo – art. 662º, n.º 1 do CPC) que se julgue como provado que os bens relacionados sob as verbas 50, 51 e 53 foram adquiridos por si no estado de solteiro.
Destarte, improcede este fundamento de recurso, mantendo-se inalterado o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto às verbas 50, 51 e 53.

C.4- Da verba n.º 48 – Candeeiro marca ...
Insiste novamente o recorrente que, perante a alegação que verteu na resposta à reclamação apresentada pela recorrida à relação de bens, onde alegou que o candeeiro relacionado sob a verba n.º 48 foi por si adquirido ainda no estado de solteiro e, bem assim, a pretensa não impugnação pela recorrida dessa sua alegação, se impõe, nos termos do n.º 2 do art. 574º do CPC, julgar essa facticidade que alegou como admitida por confissão, a propósito do que já nos pronunciamos  supra em sentido negativo.
Adianta que, “no que concerne ao momento de aquisição desta verba é de considerar aqui como reproduzido e integrado tudo o que se encontra arrazoado supra respeitante às outras verbas, quanto às quais não existe prova documental cabal, pois não se pode dissociar que, neste caso, se fala de um candeeiro que está numa sala, com um pé direito de cerca de 6 metros, e cuja aquisição remonta à data do término da sua construção. O cabeça-de-casal explicou com elevado rigor as circunstâncias que mediaram a sua aquisição, o que está em linha com o por si articulado e manifestado nas duas relações de bens que sobrevieram à reclamação à relação de bens, sendo curial trazer aqui à liça as fotos carreadas para os autos pela recorrida – 09/12/2021 –, as quais dão uma certa luz, perdoe-se a associação fácil, sobre os bens que compõem a mesma e que ajudam a perceber o raciocínio expendido pelo recorrente”.
Conforme decorre do que se acaba de transcrever, o recorrente assenta a impugnação do julgamento de facto realizado pelo julgador a quo a propósito do candeeiro relacionado sob a verba n.º 48 (em que julgou como não provado que esse candeeiro tivesse sido por ele adquirido no estado de solteiro) nos argumentos que aduziu em relação às verbas n.ºs 43, 50, 51 e 53 (a propósito dos quais já nos pronunciamos supra, no sentido da improcedência desses argumentos), nas caraterísticas do candeeiro (desconsiderando ou olvidando não ser é inusual as pessoas irem viver para as casas sem terem instalados candeeiros em todos as repartições que as compõem e, bem assim, ocorrerem substituição de candeeiros que nelas  já se encontravam instalados quando foram para lá residir) e nas declarações de parte prestadas pelo próprio.
Porém, a propósito das declarações de parte, o recorrente não cumpriu com o ónus impugnatório secundário do julgamento da matéria de facto previsto na al. a), do n.º 2 do art. 640º do CPC, o qual, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, o obrigava a indicar com exatidão o início e o termo dos excertos dessas declarações em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição desses excertos.
Assim, não tendo o recorrente cumprido com o identificado ónus impugnatório do julgamento da matéria de facto, impõe-se rejeitar o recurso.
Destarte, rejeita-se a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo recorrente quanto ao candeeiro relacionado sob a verba n.º 48.

D- Do mérito – Do direito de crédito relacionado sob a verba n.º 45
A 1ª Instância considerou que, estando documentalmente provado, mediante “o documento n.º 7, junto com a petição inicial, referente a escritura pública lavrada a 08/08/2002, na qual o cabeça-de-casal e o Banco 1..., S.A. declaram que o segundo concede ao primeiro um empréstimo, no montante de 100.000,00 euros, de que o cabeça-de-casal se confessa devedor”, e que estando apurado que, “durante o casamento, a amortização do empréstimo foi efetuada com os rendimentos de trabalho de ambos os cônjuges”, tratando-se de uma dívida “constituída em data anterior ao casamento”, por força do disposto no art. 1692º, n.º 1, al. a) do CC, a dívida emergente daquele contrato de empréstimo, é uma dívida própria do recorrente, uma vez que “nada se encontra invocado que exclua a aplicação de tal norma”, pelo que, por essa “dívida responde o património do cabeça-de-casal, face ao aludido regime”. Mais argumentou que “o produto do trabalho faz parte da comunhão, de acordo com o mesmo regime, atento o disposto no art. 1724º, al. a) do CC”, pelo que, “tendo o património comum, constituído pelos rendimentos de trabalho de ambos os cônjuges sido utilizado para o cumprimento de uma dívida própria do cabeça-de-casal, da sua responsabilidade”, impõe-se “reconhecer um direito de crédito de tal valor, a favor do património comum, tendo como sujeito passivo o cabeça-de-casal” e, em consequência, relacionou, na relação de bens que elaborou e em que fixou o património comum do casal à luz do regime (hipotético) da comunhão de adquiridos, para efeitos do disposto no art. 1790º do CC, o crédito do património comum do extinto casal sobre o recorrente (cabeça-de-casal) que consignou sob a verba 55.
O recorrente imputa ao assim decidido erro de direito, advogando que a dívida proveniente do mútuo bancário que contraiu em estado de solteiro se destinou a edificar aquela que foi a casa de morada de família do extinto casal, pelo que, nos termos da al. b), do n.º 1 do art. 1691º do CC, a amortização feita pelo extinto casal, na constância do matrimónio, no âmbito daquele contrato de mútuo, constitui dívida para “ocorrer aos encargos normais da vida familiar”, o qual recai sobre ambos os ex-cônjuges”.
Adianta que no conceito de “encargos normais com a vida familiar incluem-se não só as despesas relacionadas com o dia-a-dia da gestão doméstica, como sejam, por exemplo, a alimentação, os consumos de água, luz, gás, internet, os artigos de higiene (seja da casa, seja dos membros da família), os medicamentos, o vestuário e o calçado para toda a família, o lazer dos membros de família, etc., mas também, outros encargos que as famílias têm e que, não fazendo parte da gestão do dia-a-dia, não deixam de ser encargos normais da vida familiar, como sejam a renda da casa ou o empréstimo bancário de aquisição do imóvel, as despesas com propinas escolares dos filhos e material escolar destes, encargos com veículo automóvel da família, entre um ror de tantas outras que são imprescindíveis para garantir um standard mínimo de vivência condigna”.
Mais adianta ser “pacificamente admitido por ambos os ex-cônjuges nos presentes autos, que o imóvel em questão foi construído, antes de se casarem, exatamente para fazer face à necessidade de habitação do futuro casal”, o que foi reconhecido na própria sentença recorrida, resultando “evidente que não pode deixar de considerar-se que a dívida foi contraída para ocorrer a um encargo normal da vida familiar, in casu, a necessidade de habitação do então casal, enquadrável na alínea b), n.º 1, do art. 1691º do CC, sendo, por esse motivo, uma dívida que é da responsabilidade de ambos os cônjuges e, como tal, não restituível à luz do regime da comunhão de adquiridos”, não existindo “qualquer crédito da recorrida a favor do património comum por decorrência do montante amortizado na pendência do casamento”.
Que dizer?
No caso dos autos apurou-se que o prédio urbano relacionado sob a verba n.º 54 foi comprado pelo recorrente em 14/03/2002, o qual, em 08 de agosto de 2002, contraiu um empréstimo bancário, mediante hipoteca onerando esse prédio, junto do Banco 1..., com vista a construir nele uma casa, onde o casal formado pelo recorrente e pela recorrida e o seu agregado familiar residiram na constância do casamento (cfr. alíneas I, J e K dos factos apurados).
Deste modo, quer o prédio urbano (terreno), quer a casa que nele veio a ser edificada pelo recorrente, mediante recurso ao crédito hipotecário que contraiu junto do Banco 1..., S.A., foram por ele adquiridos no estado de solteiro, pelo que, de acordo com o regime (hipotético) do casamento celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos, nos termos da al. a) do art. 1722º do CC, aquele prédio (terreno e casa que nele foi construída) é bem próprio do recorrente.
O contrato de empréstimo hipotecário que o recorrente celebrou com o Banco 1..., S.A. com vista à construção daquela casa foi celebrado em 08 de agosto de 2002, pelo que a dívida emergente desse contrato de mútuo bancário hipotecário para o recorrente (na medida em que se constitui na data da celebração do contrato de mútuo e, por isso, quando era ainda solteiro), no regime da comunhão de adquiridos (em que a propriedade do prédio permaneceu na titularidade do recorrente) é uma dívida própria dele, nos termos do art. 1694º, n.º 2 do CC, posto que onera aquele prédio que, segundo o regime da comunhão de adquiridos, é bem próprio do mesmo.
Pretende o recorrente que assim não é, uma vez que, tendo o empréstimo sido contraído pelo próprio ainda no estado de solteiro, a fim de construir a casa de morada de família, nos termos da parte final da al. a) do art. 1692º e do art. 1691º, n.º 1, al. b) do CC, está-se perante uma dívida que foi por ele contraída, antes da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar.
Nos termos do art. 1691º, n.º 1, al. 1, al. b) do CC, são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas por qualquer deles, antes ou depois da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da via familiar; e o art. 1692º, al. a) do mesmo Código estabelece serem da exclusiva da responsabilidade do cônjuge a que respeitam as dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento por cada um dos cônjuges sem consentimento do outro, fora dos casos indicados nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo anterior.
Deste modo, quanto às dívidas contraídas por cada um dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento, sem o consentimento do outro, aquelas são da exclusiva responsabilidade do cônjuge a que respeitam, exceto quando tenham sido contraídas para ocorrer aos encargos normais da vida familiar (al. b) do n.º 1 do art. 1691º do CC), ou tenham sido contraídas pelo cônjuge administrador em proveito comum do casal (al. c) do n.º 1 do art. 1691º).
Cingindo-nos à al. b) do n.º 1 do art. 1691º, entende-se para efeitos desta norma por dívidas contraídas para “ocorrer aos encargos da vida familiar” as que sejam contraídas para satisfazer as necessidades do agregado familiar, estando aqui englobadas as despesas do dia-a-dia, com alimentação, vestuário, água, luz, gás, telecomunicações, vestuário, calçado, lazer, educação, etc., mas também as suportadas com a renda da casa ou o empréstimo bancário contraído para construção ou aquisição da casa de morada de família, etc.[20]
No caso dos autos, o terreno que constitui o prédio urbano relacionado sob a verba n.º 54 foi comprado pelo recorrente em 14/03/2002, e o crédito hipotecário que ele contraiu junto do Banco 1... para nele construir a casa foi celebrado em 08 de agosto de 2002, data em que se constituiu a dívida que o mesmo assumiu perante essa instituição bancária emergente do contrato de mútuo que celebraram, a qual seria paga em prestações mensais. Contrariamente ao que parece ser o entendimento do recorrente, a dívida que o mesmo assumiu perante o Banco 1... emergente do contrato de mútuo bancário, com hipoteca, constituída sobre o prédio relacionado sob a verba 54, não se constitui na data em que se venceu cada uma das prestações mensais, uma vez que essas prestações se relacionam com o vencimento da dívida que assumiu perante o Banco 1... emergente daquele contrato de contrato de mútuo (dívida essa que se constituiu na data de 08 de agosto de 2002, data da celebração daquele contrato de mútuo bancário, com hipoteca, mas que seria paga em prestações com vencimento mensal).
O casamento entre recorrente e recorrida celebrou-se em 05 de dezembro de 2007, isto é, mais de cinco anos sobre a data de aquisição do terreno e da celebração daquele contrato de mútuo bancário, com hipoteca.
É certo que, esse longo período de tempo que intermediou entre a compra do terreno e a celebração daquele contrato de mútuo, em que se constitui a dívida do recorrente para com o Banco 1... (para construção da casa que, com a celebração do casamento, passou a ser a casa de morada de família do ex-casal), não era impeditivo de, nos termos do art. 1691º, n.º 1, al. b) do CC, se considerar que aquela dívida emergente do referido contrato de mútuo bancário era da responsabilidade de ambos os elementos daquele ex-casal, tratando-se de uma dívida comum; mas para que se pudesse concluir nesse sentido era necessário que o recorrente, no requerimento inicial ou na relação de bens que então apresentou, tivesse alegado que contraiu aquele empréstimo para construir a dita casa, para nela instalar a sua casa de morada de família após a celebração do casamento com a recorrida (art. 3º, n.º 1 do CC) e que viesse a provar essa sua alegação (art. 342º, n.º 1 do CC), posto que só assim se poderia concluir que essa dívida constituída antes do casamento pelo recorrente foi por ele contraída para ocorrer aos encargos normais da vida familiar.
Ora, no requerimento inicial o recorrente nada alegou nesse sentido, pelo contrário, no ponto 8º desse requerimento alegou que: “Quanto aos quais deve ser sempre tido em linha de conta, em sede de partilha, o princípio consignado no art. 1790º, do Código Civil, o qual preceitua que “Em caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos”, o que tem particular importância na questão atinente ao imóvel relacionado e aos outros bens consignados na relação uma vez que foram adquiridos anteriormente ao casamento”.
Na relação de bens que apresentou com o requerimento inicial, o recorrente limitou-se a relacionar/ alegar, sob a verba n.º 44: “Prédio urbano, destinado a habitação, em propriedade total, sem andares, nem divisões suscetíveis de utilização independente, composto por (…), construído pelo requerente previamente ao casamento com recurso hipotecário, contraído este em 08 de agosto de 2002, do qual se encontra ainda em dívida ao Banco 1... a quantia de 27.259,29 euros, sito (…) -  cfr. fls. 8 verso do processo físico.
Daí que, não tendo o recorrente alegado ter contraído o identificado contrato de mútuo bancário, com hipoteca, para construir a casa que edificou no prédio relacionado sob a verba n.º 54 para nela instalar a sua casa de morada de família após a celebração do casamento com a recorrida, naturalmente que ficou impedido de fazer prova dessa facticidade.
Por conseguinte, como bem decidido pela 1ª Instância, estando apurado que, na constância do casamento, o ex-casal formado por recorrente e recorrida amortizaram as prestações emergente daquele contrato de mútuo, com hipoteca, que o primeiro celebrou com o Banco 1..., para a construção da dita casa (cfr. alínea J da matéria apurada), tratando-se de uma dívida própria do recorrente (arts. 1692º, n.º 2, al. a) e 1694º, n.º 2 do CC), que foi liquidada à custa do património comum daquele ex-casal, verifica-se que esse património comum detém um direito crédito, correspondente ao montante amortizado, no período entre 05/12/2007 e 23/10/2018, sobre o recorrente (cabeça-de-casal), cujo montante terá de ser apurado nos termos acima já determinados.
Decorre do que se vem dizendo que, sem prejuízo do período relevante para o cálculo do referido direito de crédito do património comum sobre o recorrente (cabeça-de-casal) não ser o considerado pela 1ª Instância, mas antes o de 05/12/2007 e 23/10/2018, ao assim decidir, a 1ª Instância não incorreu nos erros de direito que são assacados pelo recorrente, improcedendo este fundamento de recurso.
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(....)
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o presente recurso parcialmente procedente e, em consequência:
I- Revogam a sentença recorrida no segmento em que calculou as amortizações liquidadas pelo património comum do ex-casal formada por recorrente e recorrida, para amortizar o empréstimo bancário contraído pelo primeiro junto do Banco 1... para construção da casa, tendo por referência o período entre 05/12/2007 e 23/10/2020 e que, em consequência, fixou, sob a verba n.º 55 da relação constante daquela sentença, um direito de crédito do património comum daquele extinto casal sobre o recorrente (cabeça-de-casal) no montante de 54.400,97 euros, e em sua substituição determinam que o identificado direito de crédito do património comum do extinto casal sobre o recorrente, respeitante às ditas amortizações, seja determinado por referência ao período entre 05/12/2007 e 21/10/2018, determinação essa a realizar pela 1ª Instância após a obtenção de prova documental necessária para o efeito;
II- Ordenam a eliminação do elenco dos factos provados na sentença recorrida da facticidade vertida na alínea E) e, bem assim, da facticidade vertida no ponto 1º dos factos nela julgados não provados, e ordenam o aditamento da seguinte facticidade ao elenco dos factos aí julgados provados:
 “E- O veículo automóvel descrito na verba n.º 2 foi adquirido por AA no estado de solteiro”.
“E1- O amplificador descrito na verba n.º 37 foi comprado por AA com recurso ao produto da venda de equipamentos da mesma natureza por ele adquiridos no estado de solteiro”.
III- Revogam o segmento da sentença recorrida em que se julgou que o veículo automóvel relacionado sob a verba n.º 2, à luz do regime (hipotético) de comunhão de adquiridos, é bem próprio da recorrida BB, e substituem-no por outro em que julgam que esse veículo, à luz do regime da comunhão de adquiridos, é bem próprio do recorrente AA;
IV- Revogam o segmento da sentença recorrida em que, em sede de fixação do património comum do extinto casal formado por recorrente e recorrida à luz do regime (hipotético) de comunhão de adquiridos, para efeitos do disposto no art. 1790º do CC, sob a verba n.º 37, se relacionou “um amplificador CC, no valor de 250,00 euros”, ordenando a eliminação dessa verba daquela relação, por à luz do regime hipotético de comunhão de adquiridos o dito amplificador ser bem próprio do recorrente AA;
V- No mais, confirmam a decisão recorrida.
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Custas do recurso por recorrente e recorrida na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 75% para o recorrente e em 25% para a recorrida (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 14 de novembro de 2024

José Alberto Moreira Dias – Relator
Maria João Marques Pinto de Matos – 1ª Adjunta
Pedro Maurício – 2º Adjunto  
 

[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, 6ª ed., Almedina, págs. 113 a 114, em que expende que: “O legislador pretendeu simplificar a manifestação de tal intenção. Em vez de obrigar a parte à apresentação de documento autêntico ou à necessidade de lavrar nos autos termo de desistência do recurso, à semelhança do que ocorre com a desistência do pedido ou da instância (art. 290º), foi atribuído relevo ao requerimento subscrito pela parte ou pelo respetivo mandatário, não se exigindo sequer, neste caso, a comprovação de poderes especiais que, em geral, é imposta pelo art. 45º, n.º 2. Porém, a desistência do recurso apenas é possível até à prolação da decisão, tornando-se agora inequívoca a solução que já anteriormente se defendia. Esta solução legal valoriza o papel do tribunal superior, evitando que o recorrente acione o mecanismo da desistência depois de ter sido confrontado com o resultado do recurso e ainda antes de transitar em julgado a decisão. Aliás, o momento que releva para o efeito nem sequer é o da notificação da decisão, antes o da prolação. E, ainda que seja admitida a desistência, não prejudica a eventual apreciação da conduta processual da parte, designadamente para efeitos de verificação de uma situação de litigância de má-fé”.
No mesmo sentido de que, até à prolação de acórdão pelo tribunal de recurso o recorrente pode livremente desistir do recurso, por mero requerimento por si subscrito ou pelo seu mandatário, que não tem de fazer prova em como é detentor de poderes especiais para o efeito, veja-se ainda Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 784, notas 3 e 4; Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de processo Civil”, vol. II, 2014, Almedina, págs. 35 e 36, em que, inclusivamente, defendem dever “admitir-se a desistência com o acordo da contraparte até ao trânsito em julgado da decisão”.
[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 18 e 19.
[4] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, Coimbra Editora 1984, pág. 383, onde conclui que: “Com a passagem do processo de tribunal inferior para o tribunal superior em consequência de recurso não se dissolve a instância instaurada, formando-se outra: persiste e mantém-se a mesma instância”.
[5] Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, pág. 205.
[6] Eduardo dos Santos, “Direito da Família”, Almedina, 1985, pág. 310, em que define regime matrimonial como “o estatuto que regula as relações patrimoniais decorrentes do casamento. Ou, mais em concreto, o estatuto que regula as relações patrimoniais entre os cônjuges, e entre estes e terceiros”.
[7] Eduardo dos Santos, ob. cit., pág. 344.
[8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, págs. 628 e 629, notas 1 a 3.
[9] Ac. R.G., de 27/06/2024, Proc. 2248/20.2T8BRG.G1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos a que se venha a fazer referência, sem menção em contrário
[10] Ac. R.G., de 24/03/2022, Proc. 604/20.5T8FAF-A.G1.
[11] Francisco Pereira Coelho, “Curso de Direito da Família”, vol. I – Introdução ao Direito Matrimonial, 5ª ed., Imprensa da Universidade de Coimbra, pág. 749.
[12] Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, “O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil”, Almedina, 2020, pág. 160.
[13] Acs. STJ., de 15/12/2020, Proc. 2654/16.8T8LSB.L1.S1; de 26/03/2019, Proc. 199/10.8TMLSB-C.L1.S1; de 07/06/2018, Proc. 2159/10.0TBOAZ-A.P1.S1; RG., de 24/03/2022, Proc. 604/20.5T8FAF-A.G1; de 12/01/2017, Proc. 91/15.0T8BRG.G1; RC., de 25/10/2011, Proc. 349/10.4TBGVA.C1; RE., de 15/04/2021, Proc. 2126/16.0T8STR.E3; de 27/06/2019, Proc. 1280/10.9TVNO-A.E1.
[14] Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, págs. 578 e 579.
[15] Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, ob. cit., págs. 158 e 159.
[16] Ac. RL., de 09/02/2023, Proc. 92/22.1T8RGR.L1-8.
[17] Acs. R.G., de 07/06/2023, Proc. 1702/20.0T8BRG-A.G1; de 02/06/2022, Proc. 374/20.7T8PTB-B.G1; de 13/01/2011, Proc. 401/05.8TBAVV-B.G1.
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil”, vol. II, ob. cit., pág. 572, nota 2.
Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes, Pedro Pinheiro Torres, ob. cit., pág. 86 a 87.
[18] Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes, Pedro Pinheiro Torres, ob. cit., págs. 81 a 83.
No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit. vol. II, pág. 2, onde se escreve: “Uma vez citados, os interessados têm o ónus de invocar e de concentrar numa única peça todos os meios de defesa que considerem oportunos, em face dos factos alegados no requerimento inicial ou do que foi complementado pelo cabeça de casal, incluindo a pronúncia sobre as suas declarações e sobre os documentos apresentados. Tal corresponde a um verdadeiro ónus e não a uma mera faculdade, já que o decurso do prazo de 30 dias determina, por regra, efeitos preclusivos quanto a tais iniciativas. Este regime diverge do que estava consagrado no CPC de 1961 (art. 1348º) e integra-se, agora, no modelo geral dos processos de natureza contenciosa, sendo o efeito preclusivo justificado, além do mais, por razões de celeridade de eficácia da resposta a um conflito interesses, que importa resolver, em torno da partilha da herança”. E nas notas 13 e 14 (fls. 570) adiantam: “a reclamação relativa à relação de bens não suporta o diferimento que tal regime” (o art. 1348º do CPC de 1961) permitia. Uma vez que os bens são relacionados pelo cabeça de casal e só depois se procede à citação dos interessados, facilmente se compreende que também tenha sido marcado um prazo perentório para o exercício do direito de defesa mediante reclamação, de modo que, uma vez exercido o contraditório e produzidas as provas pertinentes, as questões atinentes ao ativo e passivo da herança estejam definitivamente decididas quando convocada a conferência de interessados. Ressalvando deste regime eventuais situações em que se manifeste a superveniência objetiva ou subjetiva, apenas pode ficar em aberto a discussão sobre o valor dos bens”.
[19] Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, ob. cit., pág. 87.
[20] Pereira Coelho, “Curso de Direito da Família”, Coimbra 1986, pág. 426, em que pondera que as dividas contraídas por qualquer dos cônjuges para ocorrer aos encargos normais da vida familiar, são, nos termos do art. 1691º, n.º 1, al. b) do CC, da responsabilidade de ambos os cônjuges, não interessando que essas “dívidas sejam contraídas antes ou depois do casamento, nem que o regime de bens seja um ou outro. É aqui que cabem as dívidas de alimentação. vestuário, médico e farmácia, etc. Normalmente trata-se de dívidas contraídas por um dos cônjuges no âmbito da parcela de administração dos bens afetos ao governo do lar que lhe caberá, e em proveito comum do casal; se for assim, já seriam de responsabilidade comum por força do art. 1691º, n.º 1, al. c) do CC”.
No sentido de que as prestações de empréstimo bancário contraído, na constância do matrimónio, para aquisição da casa de morada de família, constituem encargo para ocorrer aos “encargos normais da vida familiar”, sendo, por isso, nos termos do art. 1691º, n.º 1, al. b) do CC, dívida cuja responsabilidade recai sobre ambos os cônjuges (dívida do património comum dos ex-cônjuges em caso de divórcio), veja-se acórdãos citados pelo recorrente nas alegações de  recurso, mas que nada têm a ver com o caso dos autos, já que nele o empréstimo foi contraído pelo recorrente, junto do Banco 1..., quando ainda era solteiro (não na constância do matrimónio) .
Ac. RC., de 12/10/1997, Proc. 3442/17.9TBCSC.L1-7, trata-se de um caso em que os ex-cônjuges eram casados sob o regime da separação de bens e, na constância do casamento adquiriram, em compropriedade, um imóvel para habitação do casal, com recurso a crédito concedido a ambos pelo ..., em que o crédito hipotecário foi sempre pago pelo aí Réu. Trata-se, portanto de um bem que é compropriedade de ambos os ex-cônjuges e em que estes são devedores solidários pelo pagamento da dívida emergente do contrato de mútuo bancário que celebraram.  Entendeu-se nesse aresto que, nas relações internas entre os ex-cônjuges, responsáveis solidários pelo pagamento do crédito hipotecário, impor-se-ia distinguir dois momentos em que a obrigação solidária se manteve:  a) no decurso do casamento (sob o regime da separação); e b) no decurso entre o divórcio e a liquidação do empréstimo. Mais se entendeu que, no decurso do casamento, muito embora o matrimónio tivesse sido celebrado no regime da separação e, portanto, não exista património ou bens comuns, a vida financeira do casal não deixou de estar enquadrada pelas normas que regem os efeitos do casamente (nomeadamente, o art. 1577º e as disposições gerais dos arts. 1671º a 1689º do CC). O empréstimo que deu origem à obrigação solidária serviu para aquisição da casa de morada de família, o que faz corresponder o pagamento das suas amortizações e prestações até ao divórcio a um encargo da vida familiar, nos termos do art. 1676º, n.º 1 do CC, que prescinde de qualquer contribuição igualitária. Contudo, os valores pagos e entregues pelo Réu para liquidação do empréstimo correspondem a um encargo da vida familiar, só podendo haver algum ressarcimento ou existir crédito compensatório se a contribuição de um dos ex-cônjuges para os encargos da vida familiar for consideravelmente superior ao previsto no n.º 1 do art. 1676º do CC, porque renunciou de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor da vida em comum, designadamente, à sua vida profissional, com prejuízos patrimoniais relevantes (n.º 2 do art. 1676º).
Ac. RL., de 24/06/2002, Proc.  2138/20.9T8PDL.L1-6, em que se está perante um casamento celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos, em que, na constância do matrimónio, os ex-cônjuges contraíram dois empréstimos bancários para aquisição de uma casa que constituíra a sua casa de morada de família. Logo, está-se perante uma dívida que é comum de ambos os ex-cônjuges, sendo a casa adquirida bem comum à luz do respetivo regime matrimonial. No dito acórdão decidiu-se que o pagamento das amortizações do empréstimo contraído por ambos os cônjuges para aquisição da casa de morada de família, na constância do matrimónio, consubstancia encargo relativo à vida familiar e que, por isso, não há direito de crédito entre cônjuges relativamente a esses pagamentos, mas apenas direito a eventual compensação nos termos do n.º 2, do art. 1676º do CC.
Ac. R.P., de 29/04/2021, Proc. 667/19.6T8STS.P1, que se debruça sobre um casamento celebrado sob a comunhão de adquiridos, em que os ex-cônjuges, na constância do matrimónio, contraíram empréstimo bancário para aquisição da casa de morada de família, em que se seguiu o mesmo entendimento do acórdão anterior. 
Nos acórdãos proferidos pelo STJ citados pelo recorrente, está em causa situações em que autor e réu viviam um com o outro em união de facto e, entretanto, separaram-se.