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ARRENDAMENTO RURAL
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO PELO DANO DA PERDA DA VINHA
Sumário
– A expressão em “mau estado”, para definir o estado de uma vinha, tem cariz genérico e conclusivo. II – A sua inclusão na fundamentação de facto aproxima-se da decisão de facto obscura, pois não é possível apreender com clareza e segurança o seu significado e, assim, considerar estabelecida uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso. III – Se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente o permitirem, a Relação deverá concretizar a matéria conclusiva e, nessa medida, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto. IV – No âmbito de um arrendamento rural, tendo por objecto uma vinha, a qual, em consequência da falta de manutenção da mesma pela arrendatária, se tornou irrecuperável, não é possível a reconstituição natural da mesma uma vez que uma vinha incorporada num determinado terreno, é um organismo vivo único, que ali é plantado, cresce e morre, sendo por isso insubstituível e para a qual não existe sucedâneo ou equivalente. V - Ainda que exista uma outra vinha com características semelhantes, esta não é transmutável para o lugar daquela. E se é certo que pode ser plantada uma vinha nova no solo em que existia uma vinha que morreu, essa é uma outra realidade, total e absolutamente diferente, desde logo, na sua “idade”. E também não estamos perante um bem relativamente ao qual seja possível adquirir um bem novo da mesma espécie ou qualidade: não há sucedâneo ou equivalente para uma vinha que morre. VI – Assim, a indemnização pelo dano da perda da vinha só pode ser fixada em dinheiro, a qual tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
Texto Integral
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães
1. Relatório
AA intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra EMP01..., Unipessoal, Lda., antes denominada EMP02..., Lda. e BB, pedindo:
a) seja declarada a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no seu não cumprimento, nos termos dos números 1 e 2/a) e b) do NRAR, sendo a Ré condenada a despejar o prédio arrendado e a entregá-lo ao Autor, desocupado de pessoas e bens e em perfeitas condições de conservação e bem assim a entregar o trator e alfaias agrícolas em perfeitas condições de conservação;
b) sejam ambos os Réus condenados a indemnizar o Autor pelos danos emergentes e lucros vincendos, nos termos dos artigos 22.º/1 do NRAR não inferiores à quantia de € 22.024,00, acrescida de juros de mora a contar da citação dos presentes autos e ainda dos juros de mora vincendos;
c) seja a Ré, condenada no pagamento das custas processuais;
d) sejam apensados os autos de Produção Antecipada de Prova.
Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou com a 1.ª Ré um contrato de arrendamento rural tendo por objecto um prédio rústico que identifica, um tractor e alfaias agrícolas; tendo visitado o prédio por duas vezes, acompanhado de um técnico, verificou existirem ineficiências e desleixo, que concretiza, que motivavam o estado em que a vinha se encontrava; requereu a realização antecipada de prova pericial cujo resultado foi, para a parcela designada pela letra ... em fase de instalação, ainda que com a falta de intervenção direta na sua condução, se encontrasse num estado de desaproveitamento de todo o seu potencial, para a parcela “B”, em regular estado de conservação, ainda que com sintomas visíveis de doenças criptogâmicas e a parcela “C” em estado de abandono; a locatária não cumpriu com aquilo a que estava obrigada, nomeadamente o disposto no ponto 4 da Cláusula 2ª; os trabalhos necessários para a recuperação da vinha na parcela “A”, que indica, terão o custo de € 1.864,00; a vinha da parcela “C” é irrecuperável e será necessária a replantação, com a desmatação adequada, preparação do solo e plantação propriamente dita, com o custo de € 20.160,00; alegou ainda a falta atempada do pagamento das rendas, a utilização do tractor e alfaias agrícolas em outras explorações e a falta de envio dos comprovativos da produção vinícola no ano de 2020 para apuramento da parcela variável da renda.
Regularmente citados os RR., contestou a Ré EMP01... por excepção – ilegitimidade, erro na forma de processo, caducidade e cessação da mora – e por impugnação, dizendo, neste âmbito, que à data da outorga do contrato, o A. tinha obtido aprovação de um projecto de reestruturação para uma área de 1,2 ha, tendo o contrato sido outorgado com a perspectiva da R. executar o referido projecto, tendo realizado os trabalhos que descreve, encontrando-se, assim, tal área em fase de formação/instalação; em toda a área da vinha do prédio rústico a Ré executou os trabalhos agrícolas regulares que descreve, pelo que a restante área de vinha, correspondente a cerca de 1,8 ha, se encontra em regular estado de produtividade; na data da celebração do contrato de arrendamento o prédio arrendado dispunha de uma parcela de vinha de cerca de 9,000 m2 completamente abandonada; o A. não incluiu esta parcela no projecto de reestruturação que aprovou, porque dela desistiu ao longo dos anos para plantação da vinha.
O A. foi notificado para responder às excepções, o que fez.
Foi ordenada a apensação aos presentes, dos autos de produção antecipada de prova pericial e designada data para audiência prévia.
Na data designada para a audiência prévia, 29.04.2021, o Autor requereu a ampliação do pedido, aditando uma alínea e) ao petitório com o seguinte teor: e) deve ser “apurado o valor da renda em conformidade com o disposto na cláusula 3.ª número 2 do contrato de arrendamento em causa e consequentemente deve o Réu ser condenado a liquidar ao Autor a diferença entre os valores liquidados pela Ré a título de renda e os que se vierem a apurar serem devidos, a condenação da Ré.
Realizou-se a audiência prévia, em que foi fixado à causa o valor de € 22.024,00 e foram julgadas improcedentes as excepções invocadas pela Ré.
A Ré requereu a reforma do despacho que julgou não estar precludido o direito do A. de resolver o contrato de arrendamento com base na falta de pagamento de renda e pronunciou-se quanto ao articulado superveniente.
Foi proferido despacho que indeferiu a ampliação do pedido, julgou improcedente a excepção de caducidade, julgou procedente o pedido de reforma, e em consequência julgou “precludido o direito do autor de resolver o contrato de arrendamento rural com base na falta de pagamento da renda, consignou o objecto do litigio e os temas da prova e pronunciou-se quanto às provas requeridas.
Foi interposto recurso do despacho que indeferiu a ampliação do pedido e do despacho que julgou procedente o pedido de reforma, e em consequência julgou “precludido o direito do autor de resolver o contrato de arrendamento rural com base na falta de pagamento da renda, ambos rejeitados neste tribunal.”
A 24.01.2023 o autor apresentou outro articulado superveniente, em que, em síntese, alegou que tendo-se mantido a postura dos Réus quanto ao cultivo da vinha, por força do decurso do tempo, o estado geral se degradou ainda mais, pelo que os prejuízos, actualmente, são superiores aos que foram peticionados, já que mostra-se necessário executar maiores trabalhos de recuperação da vinha, por as perdas e falhas serem maiores e as perdas de produção são superiores, estimando para realizar os trabalhos de recuperação necessários quantia não inferior a €30.000,00 e quantificando o prejuízo ao nível das perdas de produção em quantia não inferior a €50.000,00.
E pediu a alteração do valor inscrito na alínea b) do petitório para € 80.000,00.
Mais alegou que eram objecto do arrendamento um tractor e alfaias agrícolas; verifica-se uma total ausência de conservação do trator que veio a culminar com a sua avaria, sendo visível a sua degradação por evidenciar sinais de ferrugem; para a sua reparação será necessária quantia não inferior a € 10.000,00.
Após resposta da Ré, foi proferido despacho que considerando que o articulado superveniente tinha por objecto três realidades – i) quantia estimada para indemnizar as perdas de produção, ii) quantia necessária para proceder aos trabalhos de recuperação da vinha e iii) quantia necessária para reparação do tractor – indeferiu o quanto às realidades referidas em i) e iii) e admitiu-o quanto à quantia referida em ii), que passou de € 22.024,00 para € 30.000,00.
Na sessão de julgamento de 02/10/2023 o A., com base no cálculo apresentado pelos Senhores Peritos a 04/07/2023, requereu a ampliação do pedido constante na alínea b) para o valor de € 35.000,00, o que foi admitido.
Realizou-se a audiência final e foi proferida sentença com o seguinte decisório: Em face do exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente, determinando-se: (i) a resolução do contrato de arrendamento rural celebrado entre o Autor e a Ré a 01.01.2017, condenando-se a Ré a entregar ao Autor o prédio arrendado desocupado de pessoas e bens assim como o tractor e as alfaias agrícolas. (ii) a condenação dos Réus a indemnizar o Autor no montante de €1.188,58 acrescido de juros de mora a contar do trânsito em julgado da presente acção [certamente por lapso refere-se “acção quando se queria dizer sentença], absolvendo-se os Réus do demais peticionado. (iii) custas do processo a cargo do Autor e dos Réus na proporção de 30% e 70%.
O A. interpôs recurso pedindo seja revogada a parte da sentença, julgando-se provada, por procedente, a acção intentada pelo A. contra os RR., conforme o peticionado nas alíneas a), b) e c) do petitório, atendendo à admitida ampliação do pedido, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1- O A. impugna a decisão relativa à factualidade declarada “Provada” em nºs 30 e 31 da sentença recorrida, conforme se deixou expresso e afirmado no corpo destas alegações. 2- Fundamenta a sua impugnação relativa à decisão proferida quanto a esta parte da matéria de facto – n.ºs 30 e 31 - na prova documental que supra se descreveu – cláusulas supra transcritas do contrato de arrendamento celebrado entre A. e RR., as fotografias do Google Earth juntas aos autos ao longo do processo – refª: ...68 – e as juntas na audiência de julgamento, tal como as fotografias existentes no IFAP, – refª: ...22 – 3- Fundamenta sua impugnação relativa à decisão proferida quanto a esta parte da matéria de facto – n.ºs 30 e 31 - nos relatórios elaborados pelos peritos e no relatório pericial que o colégio de peritos apresentou nos autos; 4- E fundamenta a sua impugnação relativa à decisão proferida quanto a esta parte da matéria de facto – n.ºs 30 e 31 – nas partes supra transcritas, detalhadas e discriminadas, do depoimento da testemunha CC; 5- Tal prova produzida nos autos, por si e concatenada com as regras de experiência comum, demonstra o erro de julgamento cometido na parte supra impugnada da decisão reportada à matéria de facto – respostas dadas a nºs 30 e 31 do elenco dos factos Provados - da douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”. 6- Pois, sempre salvo o devido e merecido respeito, nesta parte da decisão da matéria de facto aqui impugnada – n.ºs 30 e 31 - não há na Sentença recorrida o necessário e obrigatório “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” – n.º4 do art. 607º do C.P.Civil. 7- Ao invés, a análise crítica de toda aquela prova documental supra citada, do exame pericial, e da parte supra transcrita do depoimento da testemunha, impõe que o Tribunal “ad quem“ altere a decisão reportada a apenas esses dois nºs 30 e 31 do elenco da matéria de facto declarada “Provada” por forma a que essa parte impugnada da decisão da matéria de facto passe a ser declarada ”Não Provada”. Por outro lado, 8 - Os autos e todo o conjunto de prova nela produzida e devidamente elencada em nºs 1 a 29, inclusive e 32 a 36 – que aqui por brevidade e economia processual se devem ter por integralmente reproduzidas - demonstram, salvo o devido respeito, que a arrendatária, aqui R. violou flagrantemente as suas obrigações contratualmente fixadas. 9 - Em nºs 3 e 4 da cláusula 2ª do contrato de arrendamento ficou estipulado: “(…) o arrendatário obriga-se a obter e custear todos os actos necessários ao exercício da actividade no locado, não sendo imputáveis ou oponíveis ao senhorio as limitações, restrições, recusas ou efeitos desses actos, salvo se este lhes der causa;” “O arrendatário responsabiliza-se pela exploração do locado de forma duradoura, permanente e em plenas condições de funcionamento e operacionalidade, ao longo de todo o período da duração do contrato, desempenhando a sua actividade de acordo com as exigências de um regular, contínuo e eficiente funcionamento dos serviços prestados no locado, sob os melhores padrões de qualidade”. 10 - Na cláusula 5ª do mesmo contrato: “(…) são ainda da responsabilidade do arrendatário, ao longo de todo o período de vigência do contrato, as demais obras de conservação e manutenção do locado, bem como as obras que sejam necessárias realizar no locado por decorrência de alterações legislativas ou determinações judiciais ou administrativas” 11 - Também nas als. a), b) e c) da cláusula 6ª do mesmo contrato de arrendamento – contrato junto com a P.I., expressamente aceite, porque nunca impugnado – ficou convencionado e estipulado: “a) Usufruir do locado em moldes que confiram elevados padrões de qualidade, designadamente no que diz respeito à higiene, segurança e salubridade do locado; e) Explorar o locado de acordo com o seu destino e as obrigações legais e contratuais previstas e a não dar ao locado utilização ou destino diverso do previsto no contrato; f) Manter em bom estado de utilização e conservação o locado e os bens existentes ou adquiridos, de modo a evitar perturbações ou deficiências graves na organização e no regular desenvolvimento da exploração do locado, máquinas e equipamentos que comprometam a continuidade e ou a regularidade da sua actividade ou a integridade e segurança de pessoas e bens.” 12 - Como se verifica da factualidade apurada e declarada “Provada” em nºs 14, 15, 17, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 33 e 35 do elenco dos factos declarados “Provados” a R. violou o contrato de arrendamento celebrado com o A. 13 - Na douta Sentença também foi apurado que: “25. A vinha C em setembro de 2019 apresentava-se em estado de abandono, por falta de intervenção (podas, tratamentos fitossanitários e controlo de vegetação espontânea nas entrelinhas e na linha de plantação e de espécies lenhosas [sobreiros]). 26. Na presente data, na vinha C é necessária a replantação com a desmatação adequada, preparação do solo e plantação propriamente dita. 27. Na vinha C, para aquela área, admitiu-se a produção de 6500Kg que corresponde a um valor bruto de €3.600,00. 28. Para realização dos trabalhos referidos em -21 estima-se um custo de 2.607,00€. 29. A reposição/reconversão da vinha C - parcela de 0,887 há – é de € 31.211,53, conforme resulta da tabela abaixo referida.” 14 - Tendo o tribunal na factualidade apurada declarado que os prejuízos que o A. sofre com o incumprimento contratual imputado à R. atingem o valor de €.31.211,53. 15 - O prejuízo efectivo em que passados 7 anos da celebração do contrato de arrendamento, o A. está a sofrer é aquele que os senhores Peritos fixaram em razão dos custos e despesas que são necessárias para a reposição do arrendado, na sua totalidade, aqui se incluindo aquela parte da vinha que está delimitada como sendo a parcela C, em bom estado de utilização e conservação dado que o arrendatário se responsabilizou pela exploração do locado de forma duradoura, permanente e em plenas condições de funcionamento e operacionalidade. 16 - Nada nos autos permite afirmar que o A. tem condições ou preenche os requisitos para recorrer a subsídios estatais por forma a repor o prédio arrendado e toda a sua zona de vinha por forma a que seja corrigido e alterado o estado de abandono a que o prédio, pelo menos em parte, foi votado pela R. 17 - A obrigação da R., nos termos do que ficou convencionado no contrato é a de conservar o locado e os bens existentes ou adquiridos tal como usufruir do mesmo e assim o deixar para o A. em moldes que confiram elevados padrões de qualidade. 18 - Não existe, salvo o devido respeito, qualquer fundamento no contrato e, ou, nos autos que permitam ao tribunal reduzir o valor da indemnização correspondente ao custo da “reposição/reconversão da vinha C – parcela de 0,887ha – é de €.31.211,53” conforme ficou especificado em nº 29 da relação da matéria de facto declarada “Provada”. 19 - Os senhores Peritos no relatório colegial apresentado deixaram devidamente aclarado e demonstrado que o custo total da correcção e reposição da vinha ascendia àquela quantia de €.31.211,53. 20 - E deve ser este o valor que os RR. – sociedade arrendatária e seu fiador – devem ser condenados a pagar ao A.. Pelo que, 21 - Salvo o devido respeito a douta sentença, na parte aqui recorrida violou e, ou, interpretou erradamente, pelo menos, o conjugadamente disposto nos arts. 607º nº 3 e 4 do CPC, art. 22º n.º1 do NRAR e ainda os arts. 405º, 406º, 562º, 566º e 762º e segs. do CC.
A Ré contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida (....).
2. Questões a apreciar
O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139).
Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida.
Vejamos
No final das conclusões o A. pretende que seja revogada a parte da sentença, julgando-se provada, por procedente, a acção intentada pelo A. contra os RR., conforme o peticionado nas alíneas a), b) e c) do petitório, atendendo à admitida ampliação do pedido.
A sentença recorrida declarou resolvido o contrato de arrendamento rural celebrado entre o Autor e a Ré a 01.01.2017, condenando-se a Ré a entregar ao Autor o prédio arrendado desocupado de pessoas e bens assim como o tractor e as alfaias agrícolas.
Assim e nesta parte, o A. obteve vencimento, pelo que não se alcança a referência, no final das conclusões, à alínea a) do petitório.
Quanto à alínea c) do petitório diz respeito às custas. Porém e nas conclusões do recurso não há qualquer referência quanto a essa matéria.
Feitas estas observações e tendo em consideração as conclusões, que delimitam o objecto do recurso, são duas as questões que cumpre apreciar:
- a matéria dos pontos 30 e 31 dos factos provados deve ser considerada não provada?
- a indemnização relativa à parcela “C” deve ser fixada em € 31.211,53?
3. Fundamentação de facto 3.1. O tribunal recorrido considerou: A. Dos factos provados
1. Em 1 de janeiro de 2017, foi celebrado um acordo escrito designado de “contrato de arrendamento rural”, através do qual o Autor AA entregou 1.ª Ré o prédio rústico denominado “Quinta ...” em ..., ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...92... e o trator e alfaias agrícolas, pelo período de 7 anos, contados a partir de 1 de janeiro de 2017.
2. De acordo com a cláusula primeira do documento designado de “contrato de arrendamento rural” referido em -1, que aqui se dá por inteiramente reproduzido: (2.) o locado, destina-se a exploração vitícola ou serviços associados à viticultura, não lhe podendo ser dado outro fim ou uso, salvo se autorizados expressamente pelo senhorio; (3) o Arrendatário declara que o locado, presentemente se encontra e adequa ao fim a que se destina; (4.) o arrendatário obriga-se a cultivar o locado e à fruição e exploração do mesmo, de acordo com os métodos tradicionais da região e de forma a conservar ou aumentar a sua capacidade (5.) o arrendatário pode realizar todas as benfeitorias que achar necessárias, podendo este utilizar as autorizações de plantação das vinhas existentes, bem como proceder à elaboração de projectos e subsídios com recurso aos fundos comunitários e nacionais em vigor, tais como PDR 2020 e VITIS.
3. Na cláusula 2 do documento referido em -1 consta “(3) o arrendatário obriga-se a custear todos os actos necessários ao exercício da actividade no locado, não sendo imputáveis ou oponíveis ao senhorio as limitações, restrições, recusas ou efeitos desses actos , salvo se este lhes der causa; (4) O arrendatário responsabiliza-se pela exploração do locado de forma duradoura, permanente e em plenas condições de funcionamento e operacionalidade, ao longo de todo o período da duração do contrato, desempenhando a sua actividade de acordo com as exigências de um regular, contínuo e eficiente funcionamento dos serviços prestados no locado sob os melhores padrões de qualidade”.
4. Na cláusula 3 do documento referido em -1 consta que “(1) o arrendatário, no primeiro ano deste contrato, não paga qualquer renda, ao pelo arrendamento do locado. (2) nos anos seguintes, o arrendatário paga ao senhorio como renda pela fruição do locado, o valor anual de 30% do valor da litragem, mais uvas do mosto a beneficiar, declarado pelo instituto do vinho do ... ou outra entidade que venha a decidir, relativo a cada ano.”
5. Na clausula 5.º do documento referido em -1 (1) são ainda da responsabilidade do arrendatário, ao longo de todo o período de vigência do contrato, as demais obras de conservação e manutenção do locado, bem como as obras que sejam necessárias realizar no locado por decorrência de alterações legislativas ou determinações judiciais ou administrativas.
6. Na cláusula 12.º consta que “para garantia de integral e pontual cumprimento de todas as obrigações decorrentes do presente contrato, com renúncia a qualquer benefício ou direito designadamente de execução prévia, que por qualquer forma, possa limitar, restringir ou anular a sua obrigação, constitui-se e assume-se como fiador do arrendatário o Sr. BB”.
7. A 1.ª Ré em 2019 entregou ao Autor, a pedido deste, os comprovativos de produção do ano de 2018.
8. O autor em 2020 pediu os comprovativos de produção do ano de 2019.
9. À data da celebração do acordo referido em 1. e para uma parcela de terreno do prédio rústico com a área de 1,2h, o Autor tinha a aprovação pelo Ministério da Agricultura de um projecto de restruturação “VITIS”.
10. O acordo referido em 1. foi celebrado com a perspectiva da 1.ª Ré executar o referido projecto de restruturação indicado em 9.
11. No decorrer do ano de 2017, e no cumprimento do projecto de reconversão, a Ré mandou efectuar o saibramento da vinha referida em 9. procedendo à replantação da vinha.
12. A plantação das videiras ocorreu em 08.06.2017.
13. O pai do Autor deslocou-se ao prédio referido em 1. para verificar como estavam a ser efectuado os trabalhos agrícolas tendo sido acompanhado por DD, que elaborou dois relatórios, um de 13 de abril de 2019 e outro em 13 de maio de 2019.
14. No Relatório de visita técnica Quinta ... datado de 13 de Abril 2019 consta “de acordo com a informação obtida e proveniente do instituto dos Vinhos do ..., IP, a área vitícola é de 3,923 há e estão distribuídas em 3 parcelas. Uma com 2,0ha, plantada em 2002, outra com 1,0360 ha, plantada em 2009 e uma última com 0,887 ha, plantada em 2003. Em termos de classificação das parcelas são respectivamente da D a primeira, e C as restantes. A atribuição de MG (mosto generoso) é de 3,036 ha, ou seja, a totalidade da área vitícola nas duas parcelas e sem atribuição da MG para a última dado que esta foi plantada com recurso a direitos da reserva natural. (…) Este relatório será elaborado tendo por base a minha visita à exploração em 23 de Julho de 2018 e em 16 de março de 2019. (…) Resultante da primeira visita (julho de 2018) na Quinta ... nota-se falta de vigor generalizado das plantas, contribuindo assim para a fraca produtividade média da vinha, mais evidente nas vinhas mais velhas e nas vinhas de castas tintas. (…) tivemos, em 2018, um ataque muito agressivo do míldio da videira (…) A reposição dos taludes deve ser feita de imediato considerando o estado fenológico da vinha (…) consiste em recolocar a terra nos taludes que deslizaram motivados pelo encaminhamento deficiente das águas pluviais, quer estejam ou não relacionadas com a intempéries. (…) A reposição de falhas deve ser feita até ao final do mês de abril de 2019 (…) Os esteios devem de toadas as parcelas ser repostos e correctamente colocados (alinhados horizontalmente e verticalmente, à profundidade adequada e com alturas idênticas). Do mesmo modo as cabeceiras e as respectivas arriostas. Os arames devem estar colocados e esticados. (…) como a poda foi feita tardiamente aconselho que se faço nos primeiros tratamentos fitossonitários, antes da floração (…) Reposição das manilhas ou meias-manilhas partidas devem ser repostas (…).
15. Relatório de Visita técnica datado 13 de maio de 2019 refere o seguinte: (…) das tarefas que foram preconizadas no relatório elaborado no passado 13 de abril a situação actual é: a reposição dos taludes não foi efectuada. Da reposição das plantas (falhas) não houve evolução ao verificado no passado dia 16 de Abril vinha nova – não foi feita – as falhas repostas foram com bacelos; as vinhas mais velhas foi parcialmente feita com bacelos. Existem covas abertas a ferro sem a plantação de qualquer bacelo ou enxerto-pronto; no embardamento não se verifica nenhum tipo de intervenção que reponha o verificado anteriormente; poda da vinha e limpeza dos patamares continua na data da visita por efectuar, bem como a limpeza dos taludes e respectivas plataformas. As manilhas ou meias manilhas partidas não foram repostas e continuam a ser danificadas pela passagem do trator de rastos, dado estarem colocadas superficialmente. (…) estado de desenvolvimento da vinha debilitado fruto de existência de várias manchas de grama (cyndon dactylon) de canas (arundo donax), uso excessivo ou inapropriado de herbicidas (glifosato ou misturas) mesmo nas vinhas novas; vinha sem qualquer operação de desladroamento ou despampa. Esta é essencial para o aumento do vigor, contribuindo deste modo para a produção, mas é fundamental para o controlo fitossanitário da vinha. Lembro mais uma vez que o controlo do oídio da videira se faz essencialmente pelo bom arejamento da videira. Sem estes produtos deixam de ter eficácia no controlo desta doença que é endógena na região”.
16. De acordo com o relatório pericial colegial elaborado com base na visita ao prédio ocorrida em 14 de Setembro de 2019, o prédio referido em 1. divide-se em 3 parcelas por referência ao estado em que as vinhas se encontravam:
Vinha A – plantada através do vitis em 2017 com a área de 1,2ha (figura 1 do relatório)
Vinha B - vinha antiga em exploração com a área de 1,836 há (figura 2 do relatório)
Vinha C - vinha abandonada com área de 0,887 ha (figura 3 do relatório).
17. Em 2019, a vinha B apresenta-se em estado regular de exploração com sintomas visíveis de doenças criptogâmicas, em especial Oídio de videiras (cachos e varas), plantas mortas e inexistentes e vegetação não orientada, originado perdas de produção de 5% a 10%.
18. Em 2019, a produção da vinha B fixava-se entre os 90% a 95% e para o ano de 2020 admite-se que possa ser normal pois os factores climáticos não são controláveis pelo agricultor.
19. A vinha B, no ano de 2019, foram executadas as actividades normais até à colheita.
20. Na vinha B apresenta uma perda máxima de 100Kg a que corresponde um valor bruto de € 550,00.
21. Em 2019, a vinha A encontrava-se em fase de instalação, verificando-se uma maior falta de intervenção directa na condução da vinhas, sendo necessário uso de tubos protectores das plantas para a promoção de um crescimento mais rápido e melhor formação das plantas, uma replantação das plantas mortas com enxertos prontos de boa qualidade, acompanhado de regas ao longo do ano para diminuir os riscos de morte das jovens plantas, adubação folear, para recuperação destas plantas em relação às plantadas em 2017.
22. O relatório pericial aponta para que “na vinha A em 2019 fosse necessária a replantação da vinha com material adequado e bons tratos durante o ano, rega e adubação folear e condução permanente das videiras já plantadas. Na vinha B para além do reforço das medidas de controlo das doenças criptogâmicas (oídio e míldio de videira) da reposição das videiras mortas e em falta de condução e da vegetação, deve existir a continuação das restantes tarefas tal como tem feito até ao momento”.
23. A produção na vinha A em 2019 é nula.
24. Na vinha A, em 2020 de acordo com o estimado, deveria ter uma produção equivalente a 20% do máximo previsível (1440Kg), que corresponde a um valor bruto de € 800,00.
25. A vinha C em setembro de 2019 apresentava-se em estado de abandono, por falta de intervenção (podas, tratamentos fitossanitários e controlo de vegetação espontânea nas entrelinhas e na linha de plantação e de espécies lenhosas [sobreiros]).
26. Na presente data, na vinha C é necessária a replantação com a desmatação adequada, preparação do solo e plantação propriamente dita.
27. Na vinha C, para aquela área, admitiu-se a produção de 6500Kg que corresponde a um valor bruto de €3.600,00.
28. Para realização dos trabalhos referidos em 21. estima-se um custo de 2.607,00€.
29. A reposição/reconversão da vinha C - parcela de 0,887 há - é de € 31.211,53, conforme resulta da tabela abaixo referida.
30. Em 2015, a vinha C já evidenciava vegetação espontânea, não condizente com um estado de conservação normal para a região demarcada do ....
31. Na vinha C a colheita de 2016 foi a última a ser realizada, apesar do mau estado da vinha e em quantidades bem inferiores ao que normalmente se colhe numa vinha daquela dimensão.
32. Até 2016, o Autor procedeu à poda das vinhas que ainda existiam e limpava o terreno, aguardando que aquela parcela passasse a ser elegível para o programa VITIS, com vista à sua reconversão, o que sucederia em 2018.
33. Em 2018, verifica-se que a vegetação espontânea invadiu a parcela C, já não se encontra com clareza as linhas das videiras, o que traduz que o abandono se encontra generalizado e instalado com as linhas ocupadas por muita vegetação.
34. Em 2023 a vinha A está reposta e sem as falhas de videiras existentes em 2019 e referidas em 17.
35. Em 2023, a vinha C está completamente inacessível, com vegetação típica de uma mata.
36. No ano 2018, a região do ... e por referência a anos anteriores, foi considerado um ano de decréscimo generalizado de produção derivado, nomeadamente às condições climatéricas ocorridas e ao surgimento acrescido de doenças da vinha (míldio e oídio).
B. Factos não provados
Não se apuraram os seguintes factos:
a. Aquando da celebração do acordo referido em 1., a parcela relativa à vinha C já se encontrava abandonada.
b. A Ré nunca executou os granjeios habituais, aplicação de herbicidas e outros trabalhos necessários ao cultivo da vinha A e B, o que levou a que doenças como o míldio, oídio e traça, invadissem toda a vinha, tornando irreversível a recuperação das uvas, fazendo com que a produção de 2019 tivesse ficado comprometida, assim como do ano de 2020.
c. A terra que suporta os taludes deslizou aquando das intempéries de 2016, estando a obstruir a plataforma dos equipamentos e a cobrir as videiras.
d. A condução das águas está a ser feita pelo ravinamento feito pela queda do talude.
e. A Ré utilizou o tractor e as alfaias agrícolas referidas em -1 noutras explorações.
f. No ano de 2019 o autor cortou o fornecimento de água à Ré necessária à realização de sulfatações, retirou-lhe o acesso a armazém destinado à armazenagem de produtos e alfaias agrícolas.
g. O autor autorizou que um dos vizinhos confinantes utilizasse o tractor e o tomix para proveito próprio.
h. Que a Ré se tenha obrigado a enviar os comprovativos de toda a produção do ano agrícola em causa.
3.2. Impugnação da decisão de facto 3.2.1. Requisitos
Dispõe o art.º 640º do CPC, cuja epígrafe é “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)”
Não releva dar aqui conta do percurso legislativo, até se chegar à norma em referência – para tal cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 194-199.
Apenas importa considerar que em tal percurso “…foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” – aut. e ob. cit. pág. 194.
Importa ainda ter em consideração que as exigências legais visam uma clara e inequívoca delimitação do objecto do recurso em matéria de facto e conferir efectividade ao princípio do contraditório, pois só na medida em que se sabe o que é que é objecto de impugnação, quais os meios de prova convocados e as razões porque se entende que tais meios de prova permitem uma alteração da decisão de facto é que será possível à parte contrária exercer efectivamente o contraditório.
O mesmo autor, in ob. cit. pág. 196-197, procede a uma síntese da jurisprudência relativa às exigências legais da impugnação da decisão de facto, nomeadamente quanto ao “lugar” (alegações ou conclusões) em que as mesmas devem ser observadas e que são:
a) o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do n.º 1 do art.º 640º), com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, dizendo em nota (307) que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, conforme dispõe o art.º 635º, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões;
b) deve ainda especificar, na motivação, os concretos meios de prova (alínea b) do n.º 1 do art.º 640º), constantes do processo (documentos ou confissões reduzidas a escrito) ou de registo (depoimentos que não foi possível gravar, mas que foram reduzidos a escrito, como sucede com cartas rogatórias) ou gravação nele realizada (depoimentos orais prestados em audiência que ficaram gravados em áudio ou vídeo), que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos objecto de impugnação;
c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação tenha por base, no todo ou em parte, a prova gravada, cumpre ainda ao recorrente indicar (alínea a) do n.º 2 do art.º 640º) com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere pertinentes;
d) o recorrente deixará, expresso, na motivação, a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do n.º 1 do art.º 640º), tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidas
Impõe-se acrescentar algumas precisões.
Relativamente ao referido em b), a impugnação da decisão de facto não pode ser uma impugnação genérica, a impor uma reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância; a impugnação da decisão de facto visa, única e exclusivamente, “concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente” (Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 194).
Assim, não basta ao recorrente indicar, por um lado, os pontos de facto que considera mal julgados e, por outro, alguns dos depoimentos prestados, sem especificar, para cada um daqueles factos (ou bloco de factos ligados entre si, por se reportarem à mesma realidade), os concretos meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida e, além disso, sem indicar as razões pelas quais os meios de prova que convoca, impunham decisão diversa da recorrida, isto é, permitem se considere provado, ou não provado, consoante for o caso, o facto impugnado, ou seja, o recorrente tem de explicar porque é os meios de prova que convoca são determinantes para uma alteração da decisão de facto.
Impõe-se ao recorrente o “ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente.” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, 2ª edição, pág. 797 e Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 197).
Assim e como se afirma no Ac. desta RG de 09.11.2023, proc. 2984/22.9T8GMR.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, “se o dever - constitucional (art.º 205.º, n.º 1, da CRP) e processual civil (art.ºs 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respetiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1). (…) É, pois, irrecusável e imperativo que, “tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia”, não bastando nomeadamente para o efeito “reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos” (Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 595).”
Relativamente ao referido em c), como consta do sumário do Ac. do STJ de 18/06/2019, proc. 152/18.3T8GRD.C1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj: III - A alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil deve ser interpretada no sentido de que a impugnação da matéria de facto com base em prova gravada tanto se pode fazer mediante a indicação dos concretos segmentos da gravação como mediante a transcrição deles. IV - Todavia, transcrever os depoimentos é reproduzir objetivamente, sem fazer intervir qualquer subjetividade, filtro ou juízo apreciativo, aquilo que as pessoas ouvidas declararam (verbalizaram). V - Não vale como transcrição uma “resenha” (sic) ou aquilo que “em suma” (sic) terão referido as pessoas de cujos depoimentos o recorrente se quer fazer valer. VI - Neste caso não se está senão perante a interpretação dada pelo recorrente aos depoimentos em causa, e não, como é devido, perante uma transcrição objetiva do teor desses depoimentos.
Ainda quanto ao referido em c), a alínea a) do n.º 2 do art.º 640º rege para a hipótese de os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas terem sido gravados e o recorrente não der cumprimento ao ónus de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso ou proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Caso se verifique esta hipótese, impõe-se a rejeição do recurso “na respectiva parte”, ou seja - e é isto que se quer relevar -, na parte relativa aos meios probatórios que tenham sido gravados.
Se acaso a parte tiver invocado, além de meios probatórios que tenham sido gravados, outros meios de prova – documentos, perícia - nesta parte, quanto a estes meios de prova, a impugnação não pode ser rejeitada.
Relativamente ao referido em d), o STJ, através do AUJ n.º 12/2023, proferido no processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 220, de 14 de novembro de 2023 e objecto de Declaração de retificação n.º 25/2023, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 230, de 28 de novembro de 2023, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.
Finalmente e como refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 201, a análise do cumprimento destes ónus deve ser realizada “à luz de um critério de rigor. Trata-se afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que, afinal, devem ser o contraponto dos esforços que todos quantos, durante décadas, reclamaram a atenuação do princípio da oralidade pura e a atribuição à Relação de efetivos poderes de sindicância da decisão da matéria de facto como instrumento da realização da justiça”.
O recurso da decisão da matéria de facto não pode ser objecto de despacho de aperfeiçoamento (neste sentido os Ac.s do STJ de 27-09-2018, processo 2611/12.2TBSTS.L1.S1, de 18/06/2019, processo 152/18.3T8GRD.C1.S1 e de 08/09/2021, processo 5404/11.0TBVFX.L1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt/jst, Abrantes Geraldes, ob cit. pág. 198-199 e Rui Pinto, in Manual do Recurso Civil, I, AAFDL Editora, pág. 304).
A letra do art.º 640º n.º 1 é lapidar em afastar a possibilidade de despacho de aperfeiçoamento ao dispor que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:…”
Ou seja: se a impugnação da decisão de facto não observar os referidos requisitos, nessa parte o recurso deve ser rejeitado.
E tanto é assim, que, em sede de impugnação do recurso em matéria de facto, não existe norma semelhante à do n.º 3 do art.º 639º, onde se dispõe: Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
Finalmente, o art.º 652º n.º 1 alínea a) do CPC, que define a função do relator, dispõe que este apenas pode “convidar as partes a aperfeiçoar as conclusões das respetivas alegações, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º”
3.2.2. Em concreto
O Recorrente cumpriu de modo suficiente os requisitos da impugnação da decisão de facto, pelo que se impõe proceder à sua apreciação. 3.3. Da modificabilidade da decisão de facto / Enquadramento jurídico
O art.º 662º do CPC, com a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, dispõe: “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (…)”
Está em causa saber como deve a Relação mover-se no domínio da modificabilidade da decisão de facto motivada pela impugnação da decisão de facto.
A apreciação, pela Relação, da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).
O sentido deste normativo é o de impor à Relação o dever de modificar a decisão de facto, sempre que, havendo impugnação da matéria de facto e no respeito do princípio do dispositivo quanto ao objecto do recurso, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, entendendo-se que:
i) incumbe ao Tribunal da Relação formar o seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do citado art.º 662º], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1 e em sentido semelhante os Ac.s do STJ de 14/09/2021, proc. 60/19.0T8ETZ.E1.S1, e de 13/04/2021, proc. 2395/11.1TBFAF.G2.S1 todos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj) assumindo-se o mesmo como tribunal de instância (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 331 e 332);
ii) no processo de formação de uma convicção autónoma, a Relação não está adstrita “aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido” (o Ac. do STJ, de 20.12.2017, proc. 3018/14.2TBVFX.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj), tendo plena aplicação o disposto no art.º 413º do CPC.
De referir ainda que, na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, caso a Relação proceda à alteração da mesma e se verifique ser necessário, em função da reapreciação conjunta e global dos factos, alterar algum facto não impugnado, pode a Relação fazê-lo a bem da coerência daquela decisão (cfr. Ac. do STJ de 29/04/2021, proc. 684/17.0T8ABT.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).
Importa ainda, neste âmbito, ponderar o princípio da livre apreciação da prova e que também se aplica à Relação na reapreciação da prova.
O n.º 4 do art.º 607º do CPC dispõe que “ Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
A análise crítica das provas a que se refere o n.º 4 citado, significa, em primeiro, uma análise conjugada de toda a prova produzida e, em segundo, uma análise segundo os critérios de valoração racional e lógica do julgador e da experiência, dispondo, a este respeito, o n.º 5 do art.º 607º que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, o que tem em vista a prova por declarações de parte, salvo na parte em que constituam confissão, a prova documental escrita a que falte algum dos requisitos exigidos na lei, a prova pericial, a prova por inspecção e a prova testemunhal, provas relativamente às quais a lei dispõe, expressamente (cfr. artºs 466º n.º 3 do CPC e art.ºs. 366º, 389º, 391º e 396º do CC, respectivamente), que estão sujeitas à livre apreciação do tribunal.
O n.º 4, ao determinar que o juiz especifique os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, impõe que o juiz explique como se convenceu com as provas que se produziram, que motive a decisão de facto.
Assim, a motivação consiste em exarar o raciocínio do tribunal para uma dada decisão de facto e deve conter, para além da indicação dos concretos elementos probatórios que lograram aceitação por parte do tribunal, as razões ou motivos dessa aceitação.
São estes dois factores - o convencimento e a dificuldade de apurar a verdade - que se misturam e impõem que o juiz explique como se convenceu com as provas que à sua frente se produziram.
Refere Manuel Tomé Soares Gomes, Da Sentença Cível, CEJ, 2014, https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 29:
“A motivação do julgamento de facto tem como matriz um discurso argumentativo problemático, parcelado na órbita de cada juízo probatório, sem prejuízo da sua compatibilização no universo da trama factual, e rege-se por razões práticas firmadas na análise dos resultados probatórios, à luz das regras da experiência comum ou qualificada e dos padrões de valoração (prova bastante e prova de verosimilhança) estabelecidos na lei.”
O facto, quando ocorre, esgota-se em si mesmo, é sempre impossível a sua reconstituição e o que se pretende fazer numa audiência de julgamento é reconstituir como se passou o que se passou, na base do que ficou documentado, no que ficou retido em quem a ele assistiu ou dele teve conhecimento, ou mesmo no que técnicos especializados expressaram sobre os factos.
A função da prova é demonstrar a realidade dos factos (art. 341º, CC), é a de fazer convencer quem tem de julgar ("fazer prova significa produzir no Tribunal a convicção da justeza de uma afirmação") e, como tal, não é - nem pode ser - a certeza absoluta da ocorrência do facto, dada a impossibilidade de fugir à deformação sofrida até à apreensão pelos receptores dos factos e desde a apreensão até ao seu relato: é da natureza das coisas.
A prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)… a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta,… A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436).
Ou seja: a prova judicial não tem que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca dos factos a provar; a prova judicial nunca é a realidade naturalística das coisas; o que a prova judicial deve determinar é um grau de probabilidade (do facto) tão elevado que baste para as necessidades da vida.
Como refere Manuel Tomé Soares Gomes, in ob. cit. pág. 25, “… a valoração da prova, por parte do tribunal, consubstancia[-se] na formação de juízos de razoabilidade sobre os factos controvertidos relevantes para a resolução do litígio, em função do material probatório obtido através da atividade instrutória, à luz das regras da experiência e da coerência lógica dum raciocínio pragmático sobre as ocorrências da vida. “
E mais adiante, pág. 26: “prova judicial tem como objetivo lograr uma compreensão suficientemente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso.“
Importa atentar que o disposto no art.º 607º também é aplicável à Relação nos termos do disposto no art.º 663º n.º 2 do CPC, com as devidas adaptações, porquanto, muito embora na eventual reapreciação da decisão da matéria de facto caiba à Relação formar a sua própria convicção quanto à prova produzida, tal reapreciação não visa, como já ficou referido, um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quocom vista a corrigir eventuais erros da decisão relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.
Assim, refere-se no Ac. desta RG de 04/04/2019, processo 1012/15.5T8VRL-AV.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg (sublinhado nosso): “ a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.“
Por outro lado, uma vez que é perante si que toda a prova é produzida, o juiz da 1ª instância encontra-se numa posição privilegiada para proceder à sua valoração, já que, através da imediação, tem acesso ao comportamento das partes e das testemunhas, o que lhe permite aferir, de forma cabal, da respectiva espontaneidade e credibilidade.
Tal não sucede com a Relação, que apenas dispõe do registo de som e não também de imagem.
Mas essa é uma consequência das opções assumidas pelo legislador, ou seja, a Relação reaprecia a decisão da matéria de facto com base nos elementos que lhe estão acessíveis.
Não tendo a Relação aquele elemento – imediação – e não havendo elementos probatórios que lhe permitam formar um juízo seguro de que existe erro de valoração da prova, deverá ser dada prevalência à decisão da 1ª Instância.
Assim refere Ana Luísa Geraldes, in «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609 (sublinhado nosso): «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». 3.4. Motivação do tribunal recorrido
O tribunal recorrido não se refere, na motivação, aos pontos 30 e 31.
No entanto, tal deve-se a lapso manifesto, já que a determinado passo se afirma: Quanto aos factos provados 25 a 27, 29, 33 e35 os mesmos referem-se ao estado da vinha C antes e depois da celebração do contrato de arrendamento.
E lida a restante parte, verifica-se que a motivação daqueles pontos está aqui englobada.
Assim, consta da decisão recorrida: Quanto aos factos provados 25 a 27, 29, 33 e35 os mesmos referem-se ao estado da vinha C antes e depois da celebração do contrato de arrendamento. Ora, o tribunal atendeu e conjugou, por um lado, as declarações dos peritos e, por outro, o teor do relatório pericial, as fotografias retira[das] do Google Earth (ref. citius 38410968), as fotografias existentes no IFAP (ref. ...22) e da análise das mesmas realizadas pelos peritos no relatório com a ref. ...22. Assim, das declarações dos peritos e do relatório pericial resulta que, aquando da visita dos peritos em 2019 ao prédio, era claro que esta parcela de terreno se encontrava abandonada, tendo os peritos constatado este abandono e o que seria necessário para recuperar aquela parcela (reconversão da mesma uma vez que já não era possível tratar da que existia através da replantação das falhas). Os peritos explicaram que o abandono se verificava há dois ou três anos por referência a 2019 e que a última vindima teria sido em 2016. Estas são as primeiras circunstâncias que permitem definir como início do abandono daquela parcela de terreno, o começo do contrato de arrendamento. Estes elementos são depois corroborados com a análise das várias fotografias relativas àquela parcela de diferentes anos, com as declarações do perito do Autor que se deslocou ao prédio ainda em 2018 (data em que ainda seria possível a manutenção daquela vinha através da reposição das falhas de videiras), e ainda pelas declarações da testemunha CC, que apesar de ter interesse na acção, o que narrou ao tribunal encontra a sua justificação e consistência com a restante prova acima referida. Senão vejamos: Analisando as fotografias do Google Earth (acima referidas e juntas em audiência de julgamento pelo Autor), relativas aos anos de 2015, 2019, 2020 e 2021, esta parcela de terreno (a chamada vinha C) foi-se degradando cada vez mais, e se em 2015, apesar dos espaços sem vinha, ainda se visualizarem com nitidez as linhas das videiras e o caminho que atravessava a parcela, as fotografias de 2019 em diante mostram já todo o espaço infestado de vegetação como se de uma mata se tratasse (tal como é visível nas fotografias da inspeção ao local). Também quanto às fotografias da parcela C, que se encontravam junto do IFAP, os peritos pronunciaram-se quanto às mesmas, salientando que em 2015 a vinha já não era condizente com o normal estado de conservação. No entanto, apesar dos peritos considerarem que a vinha já não se encontrava bem conservada, tal não significa que esteja abandonada, tan[t]o mais que a última vindima /colheita que identificam terá sido em 2016. Se foi feita vindima quer dizer que houve poda e que até essa data, pelo menos, os cuidados mínimos teriam de ser feitos pelo Autor. Em conjugação com o acima referido, o tribunal ainda atendeu às declarações da testemunha CC, que soube ainda explicar quais as suas intenções (e as do Autor) para aquela parcela de terreno e que o objectivo era reconverter aquela parcela a partir de 2018, data a partir da qual poderia recorrer aos apoios do projecto VITIS. No entanto, foi claro em afirmar que nunca abandonou aquela parcela, no sentido de deixar de cuidar das vinhas que iam sobrevivendo e de limpar os infestantes. Assim, ia mantendo aquela parcela, fazendo a poda e a vindima enquanto aguardava pela reconversão, o que vai de encontro ao referido pelos peritos (última vindima em 2016) e à imagem fotográfica de 2015. Acresce que a circunstância daquela parcela estar mal cuidada foi explicada pela testemunha CC, relatando ao tribunal que o saibramento e reconversão dessa vinha, em 2003, não correu como esperado e que seria necessário alterar a disposição das vinhas, alterar o tipo de castas e que, como era sua intenção reconverter aquela parcela, ao longo dos anos não foi fazendo a reposição das vinhas mortas, mas ia mantendo aquela parcela (cuidando das vinhas que iam sobrevivendo e limpando os infestantes que eram muitos dada a proximidade da mata), desde logo, para não perder a licença de plantio. Desta forma, referiu que aquando da celebração do contrato de arrendamento a intenção do filho era que aquela parcela fosse mantida, não em termos de reposição das vinhas em falta (plantando vinhas nas falhas), mas sim em cuidar/ manter das que existiam, tal como ele vinha fazendo nos últimos anos. Por fim, não menos relevante, a testemunha EE que trabalhou para a Ré neste prédio entre Fevereiro de 2017 e 30 de julho de 2017, além de ter referido os trabalhos de reconversão da vinha A e os restantes serviços realizados, desde poda, herbicidas, limpeza de pontas, referiu que nesta parte superior da quinta (parcela C) ainda fizeram a poda embora já tivesse poucas cepas e limparam as infestantes. O legal representante da Ré FF, nas suas declarações procurou justificar que aquela parcela não fazia parte do arrendamento e que já se encontrava abandonada. Ora, analisando o contrato de arrendamento este também incluiu esta parcela e, quanto à mesma, a Ré vinculou-se a manter todo o locado no estado em que se encontrava. Também o Réu BB referiu que aquela parcela já se encontrava a monte e que nos anos anteriores à data da celebração do contrato, já não era efectuada a vindima daquela parcela. Sucede que, embora o legal representante da Ré e o Réu tenha dito que aquela parcela não era viável em termos produtivos, ao abrigo do contrato de arrendamento, a Ré poderia ela própria candidatar-se ao projecto vitis em 2018, e reconverter aquela parcela tal como sucedeu com a vinha A. Além disso, apesar do legal representante da Ré e do Réu terem referido que esta parcela se encontrava abandonada aquando do contrato de arrendamento, tal também não é consistente com a demais provas e acima referidas, que demonstram que a parcela não se encontrava abandonada, embora não se encontrasse em regular funcionamento pois tinha muitas falhas de videiras (o que leva a uma produção baixa). A testemunha GG, pai do legal representante da Ré, confirmou as declarações do filho referindo que a vinha C já se encontrava abandonada aquando da celebração do contrato, não tendo sinais se ser tratada há alguns anos. Quanto à testemunha HH, que vive num prédio confinante ao destes autos, veio também relatar que aquela parcela já se encontrava a monte e que sempre a conheceu assim. A testemunha II, que começou a trabalhar para a Ré em 2017, também relatou que em 2017 aquela parcela já era mata e que não sabia que existia uma vinha. Sucede que o relatado por estas testemunhas arroladas pela Ré falece, desde logo, no confronto com a análise das fotografias juntas aos autos, pois se aquela parcela já estava abandona[da] há muito tempo então, em 2015 já não seria possível visualizar as linhas das videiras, ou seja, nesta data já estaria em completo abandono, o que não sucedia, muito menos a última vindima teria sido em 2016, pois se estas testemunhas diziam que aquela parcela era até inacessível, em virtude da vegetação, como seria possível fazer a vindima? Relativamente à testemunha JJ, que trabalha em vinhas perto do prédio do Autor, referiu também ele que aquela parcela estava a monte, mas sem grande concretização. No seguimento do exposto, e atendendo ao teor do relatório e demais esclarecimentos dos peritos, à analise das fotografias constantes dos autos bem como das declarações da testemunha CC e ainda da inspeção ao local, os factos provados 25 a 27, 29, 33 e 35 foram dados como provados e foi dado como não provado o facto a. de que a vinha C, aquando da celebração do contrato de arrendamento já se encontrava abandonado.” 3.5. Apreciação deste tribunal
Vejamos, em primeiro lugar, o que resulta da prova produzida, seguindo a sua ordem de produção.
O A. juntou ao requerimento de produção antecipada de prova e à petição inicial da acção dois pareceres técnicos de Abril e Maio de 2019, elaborados por DD.
No parecer de Abril de 2019 refere: “De acordo com a informação e proveniente do Instituto dos Vinhos do ..., IP, a área vitícola é de 3,923ha e estão distribuídos em 3 parcelas. Uma com 2,0ha, plantada em 2002, ou[tra] com 1,0360ha, plantada em 2009 e uma última com 0,887ha, plantada em 2003. Em termos de classificação das parcelas são, respetvamente, da D a primeira, e C as restantes. A atribuição de MG [Mosto Generoso] é de 3,036ha, ou seja, a totalidade da área vitícola nas duas primeiras parcelas e sem atribuição de MG para a última, dado que esta foi plantada com recurso a Direitos de Reserva Nacional (…)”
Foi requerida a realização de produção antecipada de prova pericial (em que o A. indicou e foi nomeado perito DD, pessoa que já tinha emitido os já referidos pareceres técnicos de Abril e Maio de 2019 – cfr. art.º 115º, n.º 1, alínea c), aplicável ex vi n.º 1 do art.º 470º e de conhecimento oficioso, nos termos da 2ª parte do n.º 1 do art.º 471º, todos do CPC - questão que, no entanto, não foi suscitada por nenhuma das partes nem conhecida oficiosamente até ao momento oportuno) e que constitui o apenso A.
No Relatóriopericial os Srs. Peritos declaram que visitaram o prédio dos autos a 14/09/2019 e por unanimidade consideram que a vinha C está ao abandono, devido à falta de intervenção (podas, tratamentos fitossanitários e controlo de vegetação espontânea nas entrelinhas e na linha de plantação), acrescendo a presença de espécies lenhosas (sobreiros), o que indicia que aquele abandono não é recente, afirmando ainda que a recuperação da vinha é impossível, restando apenas a possibilidade de instalação de uma vinha nova, mediante a desmatação adequada, preparação do solo e plantação propriamente dita, o que, tendo em consideração os valores previstos para o actual programa Vitis, que contempla uma ajuda na ordem dos 70% dos custos totais, terá o custo de € 20.160,00, distribuído por vários items.
Com o referido Relatório juntaram, sob a foto 14 e 15, quatro fotos relativas ao estado actual da vinha C, que tendo em consideração o objecto do recurso aqui não releva precisar.
Na sessão de julgamento de 19/06/2023 o A. requereu a junção aos autos de quatro fotografias obtidas através do Goggle Earth referentes aos períodos de 04/2015, 05/2019, 06/2020 e 06/2021, em que está a parcela C está delimitada através de uma linha azul.
Na foto de 2015 e relativamente à parcela C, são visíveis as carreiras das videiras, ainda que com falhas, as linhas de separação entre elas e, aparentemente, um caminho que atravessa a parcela na diagonal.
O mesmo já não sucede com a foto de 2019, onde se notam manchas verdes no meio da vinha, sinais de vegetação no seu interior, o que também se verifica nas fotos de 2020 e 2021.
Declarações de parte da Ré, prestadas pelo seu legal representante, FF (a gravação captou projecções ruidosas de declarante, perturbadoras da audição, mas não da inteligibilidade e não captou de forma cabal partes em que o declarante foi confrontado com fotografias), declarou que aquando do contrato de arrendamento havia uma parcela abandonada, com sobreiros “da grossura do meu braço”, tojo e “outras coisas”, tendo mais adiante referido que tinha silvas e que só se percebia que era vinha ao perto, o estado de abandono da referida parcela já se verificava à data da assinatura do contrato, que “já tinha uns anos de abandono”, esta parcela não tinha “benefício”; perguntado se tendo a parcela em referência sido plantada em 2003, sem benefício, com recurso a direitos de reserva nacional, o A. a abandonou por não ser lucrativa, respondeu “eu acho que sim”; aquando da celebração do contrato não se colocou a questão de tratar da parcela em referência, porque estava abandonada; perguntado porque é que não acautelou no contrato o facto de aquela parcela estar abandonada, respondeu que se baseou na boa fé; na sua opinião, aquando do arrendamento o abandono da vinha já se verificava há 4 anos.
Os senhores peritos prestaram esclarecimentos na audiência final.
Os mesmos foram perguntados se podiam precisar desde quando é que a vinha C estava ao abandono, tendo o Sr. Perito KK declarado que as espécies lenhosas/árvores que se encontravam na referida vinha tinham no mínimo 2/3 anos, pelo que será esse o período de abandono dessa vinha, não podendo precisar se era 2 ou se era 3 anos; a última vindima foi em 2016 e a partir daí é que ficou em estado de abandono; em Janeiro de 2017 a poda não foi feita; abandona-se uma vinha quando já não se tem tantas videiras vivas quantas se deveria ter, o que implica com o rendimento e, portanto não faz sentido estar a investir; pode haver a intenção de fazer uma nova plantação, porque as variedades que nela se encontram já não têm interesse; a planta que lá encontraram pode ser o rebento de uma árvore que já lá existia.
O Sr. Perito LL declarou concordar com a opinião do perito KK, ou seja, que o estado de abandono terá 3 anos e que provavelmente a última vindima foi em 2016, sem que o possa afirmar perenptoriamente.
O Sr. Perito DD declarou que, muito embora não tenham sido feitas análises, o terreno da vinha C tem uma fertilidade superior à normal na Região Demarcada do ... e confina com uma mata, estando, por isso, sujeita ao transporte de sementes pelos pássaros; mas o desenvolvimento de uma semente é diferente de um rebento que está lá e que já existia antes da instalação da vinha e que foi ficando; esclareceu ainda que esta parcela não tem “benefício” [ou seja, dizemos nós, não é possível produzir vinho generoso/..., a partir da uva extraída da referida parcela] e está em área de reserva nacional, o que é indiferente porque o direito de implantar vinha é perpétuo.
Acrescentou o Sr. Perito KK que a razão para o abandono pode residir no facto de não ter “benefício“, porque o rendimento financeiro é menor.
Foram confrontados com as fotografias do Google Earth juntas em audiência pelo A. relativas à vinha C e aos anos de 2015, 2019, 2020 e 2021, tendo os mesmos declarado que relativamente à foto de 2015 não se evidencia qualquer abandono.
Ainda mais adiante o Sr. Perito DD esclareceu que a vinha C não integrou o projecto Vitis por não ter a “idade mínima” para tal, já que tinha sido plantada em 2003, só o podendo ser objecto de um novo projecto em 2018.
Referiu que a mata próxima da vinha C tem sobreiros e os mesmos podem surgir de sementes transportadas ou de rebentos de tocos que ficaram e que têm um sistema radicular que lhe permite um crescimento muito forte.
Referiu também que quando visitou a vinha C em 2018, ainda tinha recuperação, com investimento, pelo que não a considerava em abandono.
Referiu que aquando da visita que fez em 2018, a poda não seria feita há 1 / 2 anos.
Realizou-se inspecção ao local, constando da Ata de audiência final de 19/06/2023 o seguinte: “Após ter terminado a inspeção judicial e ouvidos novamente os Srs. Peritos, a Mmª Juiz faz consignar em ata o seguinte: - Os Srs. Peritos mantêm a posição que a parcela C, no momento da realização da perícia, estaria abandonada há 2/3 anos. - Na opinião do Perito do Tribunal, Engº KK, na sua opinião os sobreiros têm mais do que 2/3 anos, porque já aparecem nas fotografias do Google 2015. - O Engº LL, perito indicado pela Ré, refere que os sobreiros estão no embardamento, que poderia traduzir-se num abandono do cultivo da parcela da vinha. - O Enólogo, Dr. DD, indicado pelo Autor, referiu que quando veio ao local em 2018, não viu a vinha em estado de abandono. Discorda que aqueles sobreiros (os do embardamento) tenham 4/5 anos (por referência a 2018), tendo em conta que se trata de um solo fértil e existe uma mata próximo. - Pelo Perito do Tribunal foi acrescentado que os sobreiros estão no limite da vinha (na última linha do embardamento) - fotografia 6. Quanto aos sobreiros existentes no interior da vinha não consegue saber se estão ou não no embardamento, mas eram visíveis em 2019 quando cá vieram.”
Integram a Ata fotos numeradas de 1 a 6.
Na sessão de julgamento de 19/06/2023 a Mmª Juiz a quo determinou que o Sr. Perito KK juntasse aos autos os ortofotogramas existentes no IFAP referentes à parcela C e aos anos de 2015 e 2018.
A 04/07/2023 o Sr. Perito enviou um e-mail com vários anexos, nomeadamente, os ortofotogramas que existem no IFAP [Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas,I.P] referentes à parcela C e aos anos de 2015 e 2018, referindo-se:
- no final do ortofotograma de 2015 relativo à vinha C o seguinte: “Da análise das fotografias de 2015, os peritos consideram que a vinha assinalada já evidenciava vegetação espontânea não condizente com uma [vinha] em estado de conservação normal para a Região Demarcada do .... Desta podemos ainda inferir que, com forte probabilidade, a colheita de 2016 terá sido a última, mesmo tendo em conta o mau estado da vinha e em quantidades bem inferiores ao que normalmente se colhe numa vinha daquela dimensão.”
- no final do ortofotograma de 2018 relativo à vinha C o seguinte: “Da análise da fotografia de 2018, verifica-se que a vegetação espontânea invadiu a parcela, já não se observa com clareza as linhas de videiras, o que traduz que o abandono se encontra generalizado e instalado, com as linhas ocupadas por muita vegetação.”
A testemunha CC, pai do A., declarou, no que releva ao objecto do recurso, que foi ele quem negociou o contrato com BB, à data gerente da Ré, o qual conhecia bem a quinta por ser o pai dele e, depois ele, quem fazia o transporte das uvas, só tendo tido conhecimento da sociedade aquando do contrato; só existia projecto para uma área da vinha; relativamente à parcela C, assim identificada pelos senhores peritos - e que no seu entender era uma área de “VQPRD – vinho de qualidade produzido numa região determinada” - declarou que não tem “benefício”; foi plantada em 2003 e foi acordado com o Sr. BB que quando fizesse os 15 anos de lei, seria reconvertida também para vinho de mesa VQPRD; tinha de ser reconvertida devido às castas; aquela área não estava ao abandono; “estava em mau estado”; era uma vinha mecanizada; precisava de ser reconvertida porque na altura em que foi construída aquilo era mata e houve erros na construção e o tipo de castas que não era adequado ao local, o que só perceberam ao fim de 4, 5, 6 anos após a construção; mas continuaram a manter e fizeram a vindima de 2016, a Ré fez a poda e a vindima de 2017; a área em referência (à beira da mata) estava em “pior estado” que a restante área, nomeadamente a da parcela A, quando esta foi reconvertida, tal como designada pelos peritos; não podia ser reconvertida porque ainda não tinha passado o tempo legal para tal – 15 anos; havia um compromisso verbal com o Sr. BB no sentido de reconverter a área em referência e, para isso, apresentar um projecto; o período de carência no pagamento da renda foi porque a parcela C seria reconvertida, acabando por reconhecer que tal carência era por tudo; a intenção não era que replantassem a parcela C, mas que a mantivessem “para não perder a licença”, que comprou; pediu licença para a mata toda, mas só lhe deram licença para aquela área; depois da poda e vindima de 2017 a Ré não mais cuidou da parcela, sem dar qualquer explicação para tal; a parcela C só podia ser reconvertida em 2018; a reconversão traduzir-se-ia no arranque da vinha, apresentando um projecto para o efeito; e permanece com essa intenção, se não tiver perdido a licença; a vinha da parcela C estava em “pior estado” “pela simples razão de que estava mais próximo duma mata”; fez sempre a manutenção dessa área de vinha; uma vez que havia a intenção de reconverter a vinha em 2018; deixou de a replantar; o objectivo era reconverter a parcela C em 2018 porque era mais fácil controlar as infestantes e com outro tipo de castas que dessem mais rentabilidade; relativamente aos sobreiros declarou que passava com o triturador, mas sem grande preocupação porque em 2018 era para reconverter a vinha; a indemnização está a ser pedida nos moldes em que está a ser pedida porque a Ré não fez a reconversão da parcela C que prometeu verbalmente; existe um sobreiro no canto da vinha que deitava sementes e todos os anos tinha de cortar sobreiros; e a zona onde está implantada era mata e o saibramento foi mal feito e por isso é que ia fazer a reconversão.
A testemunha EE, declarou que trabalhou com a Ré na medida em que representou a EMP03..., sócia da antiga EMP04..., que fez o contrato da Quinta ...; a EMP03... entrou em litígio com a EMP04..., tendo havido processos em tribunal; conhece o Sr. BB e FF, de quem foi amigo, tendo-se desentendido em virtude do litígio entre a EMP03... e a EMP02..., mas não tem qualquer relação com eles neste momento; não teve intervenção no contrato de arrendamento nem nunca o leu; fez trabalhos na Quinta ...; não conhecia a Quinta; só em virtude dos trabalhos de manutenção da vinha que a EMP03..., cuja actividade era a de serviços agrícolas, fez na Quinta, entre Fevereiro e 30 de Junho de 2017 é que a conheceu; a partir dessa data e em virtude de desentendimentos dentro da EMP02... deixaram de prestar serviços e nunca mais acompanhou a Quinta ...; fizeram a manutenção de vinha e a reconversão de cerca de 1,2ha de vinha ao abrigo dum projecto Vitis; no resto fizeram os trabalhos básicos em toda a área restante da vinha, incluindo uma parcela da parte de cima, que não tinha “benefício”, tendo aí feito a poda e herbicida; comparativamente com a restante parte da vinha, esta parte estava em pior estado de conservação, pois tinha falhas, infestantes, não tinha sobreiros, mas tinha vegetação/arbustos que foi limpa aquando da poda; esta área estava operacional e podia ser recuperada em 3 a 4 anos; era mais fácil recuperar do que uma vinha antiga; aquela vinha tinha menos cuidado que o resto da vinha, mas era produtiva; começou a trabalhar na área da viticultura há mais de 10 anos; a falta de manutenção pode conduzir à morte da vinha; os trabalhos realizados na “parcela de cima” era o mais básico possível, já que não tinha “beneficio”; a recuperação daquela parcela implicava a reposição das falhas e a limpeza da mata na parte circundante à vinha, deixando uma área livre até à mesma, o que não se verificava, tendo, também, de haver um maior cuidado na vinha devido à propagação de sementes; se uma vinha perto de uma mata não for mantida, em 2 a 3 anos, a mesma propaga-se à vinha; terá de haver uma limpeza muito rigorosa daquela vinha sob pena de nenhum projecto ser aceite, pois há uma vistoria prévia; tem de haver vinha para o projecto ser aceite; esta parcela poderá ter perdido a licença de plantio; e obter uma nova licença, hoje é impossível; fizeram vindima em 2017; quando lá chegou em Fevereiro de 2017, a parcela de cima tinha falhas e infestantes normais do terreno vitícola, ou seja, na linha de videiras e algumas no meio; tinha poda feita do ano anterior e também tinha sido feita vindima; não estava abandonada; tendo a Mmª Juiz feito referência a uma imagem de 2015 onde a linha de videiras não é continua, disse que isso eram as falhas; um sobreiro demora 5 ou 6 anos a fazer-se; viu uma imagem do Google de 2015 e não encontra nela sobreiros; o amarelo são falhas; quando lá chegou em Fevereiro de 2017 não encontrou sobreiros na vinha.
A testemunha GG, pai do legal representante da Ré, declarou que conhece a Quinta ... por lá ter ido algumas vezes com o filho desde que ele começou a cultivar, 2016/2017; era uma propriedade que não estava muito bem arranjada no sentido agrícola, aquilo estava um bocado deteriorado, mas tinha um projecto para fazer; disse que não estava bem arranjada por causa de uma parte, pegada a um monte, uma mata; essa vinha pouco mais estava que uma mata; não estava em pleno funcionamento; tinha sobreiros, carrascos, silvas, já não se viam videiras; não entrou na vinha; sobreiros ainda jovens, carrascos, pinheiros novinhos; viu as cepas; o que descreveu era na parte de cima, a confinar com a mata, aí é que estava tudo muito deteriorado; não tinha sinais do que estava tratado e já não era tratado há uns anos; é quase impossível ter havido vindima naquela parcela, porque era “monte, monte bravio”; a testemunha pensava que aquela parte não fazia parte da propriedade; e quando confrontado o filho com isso, ele também manifestou dúvidas quanto a isso; visitou a propriedade pela primeira vez em 2017; quando lá foi não andava ninguém do EE a trabalhar; quando foi ver a parte de cima, os tractores não conseguiam andar na mesma; pensa que nessa parte a produção era de vinho tinto; nessa parte em 2017 não houve vindima; o filho nunca granjeou a parte de cima; era possível granjear a parte de cima fazendo uma intervenção de fundo.
A testemunha HH (ouvido por teleconferência, nem sempre o seu depoimento é audível), declarou que conhece a propriedade dos autos por a sua propriedade, também denominada Quinta ..., ser confinante com a do A., sendo propriedades “irmãs”, sendo a dele a “de cima” e a do A. a “de baixo”; identificou uma parte saibrada há pouco tempo e outra parte saibrada há mais tempo e que é confinante com uma mata, que também pertence ao A., parcela essa que fica da parte de baixo da mata e que tem vinha; esta parte está deteriorada e tem mais monte que vinha, tendo tojo, silvas, sobreiros alguns; está ali há 8 anos e sempre a conheceu a parcela assim, tendo depois rectificado para 11 anos; aquela parcela desde que a conhece que esteve sempre assim; não quer dizer que estava como está hoje; as coisas vão de ano para ano; da casa dele vê a mata; estava “meio a monte”; a parte de baixo estava mais granjeada; nunca viu ninguém a vindimar a parte meio a monte; pouco se via das linhas das videiras.
A testemunha II, agricultor, que prestou serviços para a Ré enquanto denominada EMP02... e conhece o A. de vista, por o ver na propriedade; fez podas, sulfatações, “pontas” em 2017; quando lá entrou havia um projecto Vitis, tendo feito a formação da vinha nova e continuaram a tratar do resto da vinha, excepto uma parte em cima, “que era mata”, onde praticamente não se via videiras, nunca ninguém lá tocou; não foi ele que plantou a vinha nova; apenas deu seguimento; fez a vindima em 2017; numa outra área foi preciso replantar “americanos” para pôr a vinha a produzir; nunca “tocou” na parte em cima, porque já não havia maneira de lá entrar; não sabia que lá havia vinha, porque já não dava para ver; essa parcela confina com uma mata; não sabe a área da mesma; já estava abandonada há alguns anos; tinha silvas, pinheiros, “alguns bem grandes”, sendo necessária uma máquina para entrar na vinha; não tem a certeza de haver sobreiros, “carrascos”; não se vinha a vindima na parte abandonada; a parte em referência, não era podada; foi confrontado com uma fotografia de 2015.
A testemunha JJ declarou que trabalha na vinha, conhece o BB, para quem trabalhou, trabalha na Quinta ... ao lado; na Quinta do A. há uma mata; há uma parte que está a monte, que está em mato há muitos anos; lembra-se que houve um saibramento na referida parcela, mas não sabe há quanto tempo; está em monte há 10 anos ou mais; foi confrontada com a fotografia de 2015; era uma vinha, nunca tendo visto ninguém a tratá-la; quando começou a ver o BB na propriedade, a área em causa já estava assim, sem dúvida nenhuma; é empregada da testemunha HH; mas também trabalha para o FF aos sábados na Quinta ...; começou a trabalhar na Quinta ... antes do Covid; o caminho que utiliza passa na área que está a monte; a área em causa foi saibrada, mas não se recorda quando.
Finalmente foi ouvido, oficiosamente, em declarações de parte, o R. BB, tendo o mesmo declarado que havia uma parte em cima que era o monte; ainda no tempo do pai do depoente e do Sr. CC [o pai do A.] já não se tirava uvas da referida “parte em cima”; quando lá ia carregar uvas, só carregava uvas das parcelas que hoje estão a funcionar; “aquilo já tinha mato”; na parte em referência não faziam nada; já na altura do contrato “aquilo não dava uvas”; há 8 ou 9 anos que nunca vi uvas dali; foi confrontada com a fotografia do Google Earth de 2015; é rápido a ficar a “monte”; no contrato não estava incluída a parte de cima; nunca foi falado um projecto para a área em referência; o EE/EMP03... fez o projecto Vitis e a poda “em baixo”; na parte de cima o EE “não tocou”, “nunca lá mexemos em nada, nunca lá fez nada”; não sabe se a parcela tinha vides; aquilo não dava uvas; perante a fotografia de 2015, mantém o que disse; não fazia a vindima; limitava-se a transportar as uvas para a adega, mas não trazia uvas daquela parcela.
Recorde-se a matéria impugnada: 30. Em 2015, a vinha C já evidenciava vegetação espontânea, não condizente com um estado de conservação normal para a região demarcada do .... 31. Na vinha C a colheita de 2016 foi a última a ser realizada, apesar do mau estado da vinha e em quantidades bem inferiores ao que normalmente se colhe numa vinha daquela dimensão.
Analisada a prova produzida, verifica-se que os pontos 30 e 31 são a transcrição da análise que os senhores peritos juntaram a 04/07/2023, com o ortofotograma de 2015 relativo à vinha C, análise que tem o seguinte teor: “Da análise das fotografias de 2015, os peritos consideram que a vinha assinalada já evidenciava vegetação espontânea não condizente com uma [vinha] em estado de conservação normal para a Região Demarcada do .... Desta podemos ainda inferir que, com forte probabilidade, a colheita de 2016 terá sido a última, mesmo tendo em conta o mau estado da vinha e em quantidades bem inferiores ao que normalmente se colhe numa vinha daquela dimensão.”
Salvo o devido respeito, mas não releva para os autos o estado da parcela C, tal como denominada pelos senhores peritos, em 2015, uma vez que o contrato de arrendamento é de janeiro de 2017. É que entre 2015 e 2017 medeiam dois anos.
O que releva é saber qual o estado da citada parcela na data da outorga do contrato de arrendamento ou, não sendo possível essa precisão, na data mais próxima daquela data.
Importa, aliás e neste contexto, ter em consideração que o tribunal recorrido considerou não ter ficado provado que: a. Aquando da celebração do acordo referido em 1., a parcela relativa à vinha C já se encontrava abandonada.
E a decisão quanto a este ponto da matéria de facto não foi impugnada pela Ré, seja em recurso próprio ou em ampliação do recurso.
Destarte, por irrelevante, impõe-se a eliminação do ponto 30 dos factos provados.
Quanto ao ponto 31 podemos desde já afirmar que, analisada, de forma critica e conjugada toda a prova produzida e ao contrário do propugnado pelo recorrente, este tribunal formula um juízo probatório idêntico ao tribunal a quo.
No entanto, utiliza-se no mesmo uma expressão - em “mau estado” -, que tem cariz genérico e conclusivo.
Nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC, a “Relação deve, mesmo oficiosamente: c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta” (sublinhado nosso).
Relativamente ao processo declarativo em geral, Alberto dos Reis in CPC Anotado, IV, pág. 553, tendo por pano de fundo a existência de questionário, referia (sublinhado nosso): “…as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente. São obscuras quando o seu significado não pode ser apreendido com clareza e segurança. São deficientes quando aquilo que se respondeu não responde a tudo quanto foi quesitado.“
A inclusão na decisão de facto, da expressão em “mau estado”, com cariz genérico e conclusivo, é uma situação que se aproxima da decisão de facto obscura, pois não é possível apreender com clareza e segurança o seu significado e, assim, considerar estabelecida uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso.
Neste contexto, desde que os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente o permitam, a Relação deverá concretizar a matéria conclusiva e, nessa medida, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Avançando
No que à prova produzida diz respeito, ao contrário do propugnado pelo recorrente, muito embora a celebração e clausulado do contrato de arrendamento sejam, em primeiro lugar, um facto (em segundo plano é fonte de direitos e deveres), o mesmo em nada contraria a matéria do ponto 31.
Por outro lado, como já referido a alínea a) dos factos não provados não foi impugnada pela Ré, pelo que é irrelevante toda a prova produzida no sentido da mesma, ou seja, as declarações de parte do legal representante da Ré, as declarações de parte do Réu BB e o depoimento das testemunhas GG, HH, II e JJ.
Assim, a prova essencial que se tem em consideração é:
- o Parecer Técnico de Abril de 2019, nos aspectos relativos à data da plantação da vinha na parcela e ao facto de a vinha nela plantada não ter “benefício”, aspectos que não só nunca foram contestados, como foram aceites ao longo de todo o julgamento;
- os esclarecimentos dos Senhores Peritos prestados em audiência de julgamento;
- a análise dos senhores peritos que acompanha o ortofotograma de 2015 na parte em que se mostra compatível com as falhas da vinha na parcela C;
- o depoimento da testemunha CC que, apesar de ser pai do A., depôs revelando ter conhecimento directo dos factos objecto do seu depoimento, por ser ele e não o filho quem, directa e concretamente, se ocupava do prédio dado em arrendamento, sendo certo que tal razão de ciência não foi, por qualquer modo, colocada em causa por qualquer outro meio de prova; depôs de forma coerente, espontânea (afirmando, nomeadamente, que, relativamente aos sobreiros declarou que passava com o triturador, mas sem grande preocupação porque em 2018 era para reconverter a vinha) e segura, não resultando do seu depoimento elementos que permitam afirmar ser o mesmo objecto de enviesamento; e, além disso, o por si narrado mostra-se verosímil tendo em consideração as regras da experiência e normalidade e compagina-se com o Parecer Técnico de Abril de 2019, os esclarecimentos dos senhores peritos e o depoimento da testemunha EE;
- o depoimento da testemunha EE, que embora incompatibilizado com a Ré e os seus anteriores e actual representante legal, depôs revelando ter conhecimento directo dos factos objecto do seu depoimento, por, à data do contrato de arrendamento, ser representante de uma sociedade que à data era sócia da Ré e ter efectuado trabalhos no prédio arrendado - tratamento da vinha das parcelas B e C e construção da vinha na parcela A, razão de ciência não foi, por qualquer modo, colocada em causa por qualquer outro meio de prova; depôs de forma coerente, espontânea (afirmando, nomeadamente, que os trabalhos realizados na “parcela de cima” [parcela C] era o mais básico possível, já que não tinha “beneficio”) e segura, não resultando do seu depoimento elementos que permitam afirmar ser o mesmo objecto de enviesamento; e, além disso, o por si narrado mostra-se verosímil tendo em consideração as regras da experiência e normalidade e compagina-se com o Parecer Técnico de Abril de 2019, os esclarecimentos dos senhores peritos e o depoimento da testemunha CC.
Recorde-se que a prova judicial não tem que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca dos factos a provar; a prova judicial nunca é a realidade naturalística das coisas; o que a prova judicial deve determinar é um grau de probabilidade (do facto) tão elevado que baste para as necessidades da vida.
Explicitando e concretizando a expressão em mau estado e precisando a prova considerada: a) A parcela C, referida em 16, era, originalmente, uma mata e confina com uma mata – o depoimento da testemunha CC quanto á primeira parte e o mesmo depoimento e os esclarecimentos dos senhores peritos quanto à segunda parte (sendo certo que o facto de a parcela em causa confinar com uma mata também foi referido pelas testemunhas GG, HH, II e JJ); b) O A. adquiriu uma licença para plantar vinha naquela área – o depoimento da testemunha CC; c) O que foi feito em 2003 - o Parecer Técnico de Abril de 2019, os esclarecimentos dos senhores peritos e o depoimento da testemunha CC; d) A vinha plantada na referida parcela não tinha “beneficio”, ou seja, a partir das uvas ali produzidas não era possível produzir vinho generoso - o Parecer Técnico de Abril de 2019, os esclarecimentos dos senhores peritos e o depoimento das testemunhas CC e EE (sendo certo que também o legal representante da Ré reconheceu que a vinha instalada na parcela C não tinha benefício); e) O saibramento do solo da referida parcela (que tinha sido mata) foi mal feito - o depoimento da testemunha CC e os esclarecimentos dos senhores peritos, donde resulta que pode haver vegetação infestante que seja o rebento de árvores que teriam existido naquele local e cujo sistema radicular ficou no solo; f) As castas plantadas não eram as adequadas ao local - o depoimento da testemunha CC; g) Devido ao facto de estar próxima da mata, a vinha ficou sujeita à vegetação infestante proveniente daquela - os esclarecimentos dos senhores peritos e o depoimento das testemunhas CC (que referiu que num canto da vinha existia um sobreiro que deitava sementes para a vinha) e EE, o que torna compreensível a factualidade provada sob os pontos 33. (Em 2018, verifica-se que a vegetação espontânea invadiu a parcela C, já não se encontra com clareza as linhas das videiras (…) ocupadas por muita vegetação), 25. (A vinha C em setembro de 2019 apresentava[…] falta de (…)controlo de vegetação espontânea nas entrelinhas e na linha de plantação e de espécies lenhosas [sobreiros]) e 35. (Em 2023, a vinha C está completamente inacessível, com vegetação típica de uma mata). h) Devido aos três últimos aspectos, já antes do arrendamento à Ré, era intenção do A. reconverter aquela área de vinha, com o arranque da vinha ali existente, a plantação de castas mais produtivas, o controlo das infestantes e a apresentação de um projecto para o efeito, o que só podia ser feito a partir de 2018 – ainda que numa perspectiva abstracta, em sede de esclarecimentos o Sr. Perito KK referiu que abandona-se uma vinha quando já não se tem tantas videiras vivas quantas se deveria ter, o que implica com o rendimento e, portanto não faz sentido estar a investir; pode haver a intenção de fazer uma nova plantação, porque as variedades que nela se encontram já não têm interesse; o depoimento da testemunha CC e ainda os esclarecimentos dos senhores peritos especificamente quanto ao ano em que podia haver reconversão da vinha; i) À data do arrendamento a vinha da parcela C estava em pior estado de conservação que a vinha da parcela A porque tinha muitas falhas (de videiras) e estava sujeita à vegetação infestante proveniente da mata adjacente – o depoimento da testemunha CC e da testemunha EE que inclusive referiu que seriam 3 a 4 anos para recuperar a vinha da parcela C; j) As falhas não eram repostas e, relativamente à vegetação infestante, era passado o tractor, mas sem grande preocupação, dada a intenção de reconverter a vinha a partir de 2018 - o depoimento da testemunha CC; l) A última vindima feita pelo A. na parcela C foi em 2016, a qual, devido à dimensão das falhas, foi em quantidade inferior ao que normalmente se colhe numa vinha daquela dimensão – o depoimento da testemunha CC e a análise dos senhores peritos que acompanha o ortofotograma de 2015 relativo à vinha C: “(…) com forte probabilidade, a colheita de 2016 terá sido a última, mesmo tendo em conta o mau estado da vinha e em quantidades bem inferiores ao que normalmente se colhe numa vinha daquela dimensão.”, sendo certo que esta última afirmação é o resultado da lógica: se, como ficou provado na alínea i) à data do arrendamento a vinha da parcela C estava em pior estado de conservação que a vinha da parcela A porque tinha muitas falhas (de videiras) então a sua produção é naturalmente menor;
Em face do exposto, altera-se a redacção do ponto 31 dos factos provados, que passa a ser:
31. a) A parcela C, referida em 16, era, originalmente, uma mata e confina com uma mata;
31. b) O A. adquiriu uma licença para plantar vinha naquela área;
31. c) O que foi feito em 2003;
31. d) A vinha plantada na referida parcela não tinha “beneficio”, ou seja, a partir das uvas ali produzidas não era possível produzir vinho generoso;
31. e) O saibramento do solo da referida parcela (que tinha sido mata) foi mal feito;
31. f) As castas plantadas não eram as adequadas ao local;
31. g) Devido ao facto de estar próxima da mata, a vinha ficou sujeita à vegetação infestante proveniente daquela;
31. h) Devido aos três últimos aspectos, já antes do arrendamento à Ré, era intenção do A. reconverter aquela área de vinha, com o arranque da vinha ali existente, a plantação de castas mais produtivas, o controlo das infestantes e a apresentação de um projecto para o efeito, o que só podia ser feito a partir de 2018;
31. i) À data do arrendamento a vinha da parcela C estava em pior estado de conservação que a vinha da parcela A porque tinha muitas falhas (de videiras) e estava sujeita à vegetação infestante proveniente da mata adjacente;
31. j) As falhas não eram repostas e, relativamente à vegetação infestante, era passado o tractor, mas sem grande preocupação, dada a intenção de reconverter a vinha a partir de 2018;
31. l) A última vindima feita pelo A. na parcela C foi em 2016, a qual, devido à dimensão das falhas, foi em quantidade inferior ao que normalmente se colhe numa vinha daquela dimensão; 4. Fundamentação de direito
O tribunal recorrido concluiu que entre o A. e a Ré foi celebrado um contrato de arrendamento rural, o que nenhum das partes coloca em causa.
E decretou a resolução do contrato de arrendamento por a Ré ter violado as suas obrigações relativamente à parcela C, o que também não está em causa.
Finalmente, julgou parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização relativamente à parcela C e condenou os Réus a indemnizar o Autor no montante de € 1.188,58 acrescido de juros de mora a contar do trânsito em julgado da sentença [em lugar de “sentença” refere-se, manifestamente por lapso, “acção].
O A., por sua vez, entende que o montante da indemnização deve ser fixado em €31.211,53.
Impõe-se aqui um breve enquadramento jurídico
Dispõe o art.º 406º, n.º 1 do CC que o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
Como dispõe o art.º 762º, n.º 1, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.
Já o não cumprimento da obrigação, em sentido naturalístico, verifica-se quando a prestação devida não é realizada e em termos jurídicos pela não realização da prestação devida por causa imputável ao devedor, o que pode ocorrer pela falta de cumprimento dos deveres, positivos ou negativos, estipulados ou considerados integrados no contrato (cfr. art.º 798º do CC) ou pela impossibilidade de cumprimento (cfr. art.º 801º, n.º 1 do CC), não cumprimento que pode ainda ser considerado definitivo ou temporário.
Como dispõe art.º 798º do CC o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
E dispõe o art.º 801º, n.º 1 do CC que, tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação.
A situação é semelhante à falta de cumprimento, na medida em que o devedor continua a não realizar a prestação por facto que lhe é imputável. Em termos de responsabilidade é idêntico o devedor não realizar culposamente uma prestação possível ou não realizar uma prestação que culposamente se tornou impossível.
Os dois normativos contemplam a responsabilidade obrigacional, a qual tem pressupostos idênticos aos da responsabilidade delitual – facto ilícito; culpa; dano; nexo de causalidade.
O facto ilícito traduz-se na não realização, pelo devedor, da prestação a que estava obrigado.
Neste domínio, a culpa presume-se, dispondo o art.º 799º n.º 1 do CC que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
Tudo quanto se diz no âmbito da obrigação de indemnização - art.º 562º a 572º do CC – é aplicável no domínio da responsabilidade contratual, com a precisão de que na responsabilidade contratual, a indemnização abrange o chamado interesse contratual positivo ou de cumprimento, ou seja, todas as utilidades que se frustraram em virtude da não realização da prestação, devendo a indemnização colocar o credor na situação em que estaria se a obrigação tivesse sido voluntariamente cumprida (Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, 3ª edição, pág. 247).
Assim dispõe o art.º 562º do CC que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Assim, a obrigação de indemnização traduz-se, em regra, na reintegração natural, ou seja, na restauração do estado de coisas que existia antes da lesão (tem-se em vista a remoção do dano real ou in natura), a qual prossegue o interesse do lesado na integridade dos seus bens.
Se o dano se traduz na danificação de uma coisa, a obrigação de indemnizar processa-se através da sua reparação, se isso for viável, ou, não sendo, por ter ficado destruída, através da entrega de coisa equivalente (o que só será possível se se estiver perante coisa fungível (Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, 10ª edição, pág. 366), isto é, se estiver disponível no mercado uma coisa equivalente à coisa destruída, como acontece, por exemplo, com os veículos usados).
Em situações em que não seja possível uma remoção integral do dano, uma reposição integral da utilidade perdida, por “não haver um mercado de bens em segunda mão ou não estar disponível uma coisa com características equiparáveis (…) tem-se admitido a aquisição de um bem novo da mesma espécie ou qualidade por ser a única solução que assegura a continuidade do gozo que a coisa usada proporcionava ao lesado, sem prejuízo de eventualmente recair sobre ele o dever de restituir a vantagem assim obtida” (cfr. Rui Ataíde in Direito da Responsabilidade Civil, Gestlegal, pág. 522).
E isto porque “a aquisição de um bem novo proporciona[…] ao lesado a obtenção de um proveito que excede o quantum dos prejuízos”; “a obtenção de tal vantagem não deve ser fundamento para recusar a atribuição de uma dada indemnização quando tal recusa implicar a subsistência de um dano por reparar, mas a concreta vantagem adicional obtida pelo credor deve ser restituída, eliminando o sacrifício patrimonial que, por estar além do dano sofrido pelo lesado, foi indevidamente suportada pelo lesante. Depõem neste sentido dois vectores jurídicos fundamentais que se complementam de forma harmoniosa, um concernente à responsabilidade civil e outro respeitante ao enriquecimento injustificado: o dever de indemnizar apenas serve para suprimir o dano, devendo, por conseguinte, ser restituído o valor suplementar recebido, à luz também da cláusula geral que proíbe o enriquecimento sem causa obtido à custa de outrem (…)” (aut. e ob. cit. pág. 526).
Note-se, no entanto, que a referida doutrina, só se aplica estando em causa bens móveis fungíveis, ou seja, bens da mesma espécie, qualidade e quantidade.
Não deixará de ser restauração natural a entrega de quantia ao lesado para proceder ele ou terceiro à reparação da coisa danificada ou à aquisição de coisa usada ou nova, com características equivalentes à coisa danificada, independentemente de, posteriormente, o lesado, no exercício da sua “soberania jurídica (…) para conformar a sua esfera a sua própria esfera patrimonial” (cfr. Rui Ataíde ob. cit. pág. 525) dar outro destino à quantia entregue.
Se a reconstituição natural não for possível (a coisa foi destruída e não está disponível coisa equivalente ou sucedânea, a reconstituição natural não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor), dispõe o n.º 1 do art.º 566º do CC que a indemnização é fixada em dinheiro.
E nesta situação e como dispõe o n.º 2 do mesmo normativo, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
A indemnização corresponde à diferença entre a situação patrimonial do lesado que existiria se não fosse o facto lesivo (situação hipotética actual) e acordo com o curso normal dos factos e a situação patrimonial que se verifica após o evento lesivo (situação real actual) ou, dito de outra forma, entre a situação em que o lesado se encontraria sem o dano sofrido e a situação em que se encontra, com o dano sofrido, precisando Luís Menezes Leitão in Direito das Obrigações, II, 10ª edição, pág. 365, nota 908: “Não se trata, por isso, de uma comparação entre duas situações patrimoniais reais, presente e passada, mas entre duas situações patrimoniais presentes, uma real e outra hipotética.”
Está aqui em causa o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado, a avaliação concreta da lesão no âmbito do património do lesado, o “dano de cálculo” (Nuno Pinto de Oliveira, in ob. cit. pág.672).
Finalmente e como dispõe o n.º 3, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
A obrigação só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – art.º 563º do CC.
Decorre deste normativo (e também do art.º 564º, ao dispor que o dever de indemnizar compreende (…) o prejuízo causado) que a indemnização nunca pode ser superior ao dano efectivamente produzido pela actuação do responsável.
O dano indemnizável nunca pode ser superior ao dano produzido em consequência da conduta do lesante, sob pena de enriquecimento injusto do lesado.
Vejamos agora em concreto
O tribunal recorrido concluiu que entre o A. e a Ré foi celebrado um contrato de arrendamento rural, o que nenhum das partes coloca em causa.
Dispõe o artigo 22.º n.º 1 do Regime do Arrendamento Rural, aprovado pelo DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro, que o arrendatário é obrigado a conservar e, findo o contrato, a restituir o prédio no estado em que o recebeu, ressalvadas as alterações inerentes a uma adequada utilização do mesmo em conformidade com os fins constantes do contrato, sob pena de pagamento de indemnização, nos termos da lei geral, e sem prejuízo do disposto nos artigos 23.º e 24.º, no que se refere às benfeitorias.
Decorre deste normativo que o arrendatário é obrigado a conservar e, findo o contrato, a restituir o prédio no estado em que o recebeu.
E, se não o fizer, isto é, se não restituir o prédio no estado em que o recebeu, apresentando deteriorações, que não sejam as inerentes a uma adequada utilização do mesmo em conformidade com os fins constantes do contrato, o senhorio tem o direito de exigir do arrendatário uma indemnização pelos danos causados.
A norma, ao determinar o “pagamento de indemnização, nos termos da lei geral” remete, naturalmente, para a responsabilidade contratual – art.º 798º e segs do CC -, pois é no domínio contratual que nos encontramos.
E o n.º 2 do mesmo normativo refere que para efeitos do n.º 1, entende-se por utilização adequada a exploração do prédio de acordo com as técnicas que se revelem necessárias e adequadas à execução da actividade prevista no contrato, de acordo com os fins contratualmente previstos.
A expressão utilizada pelo n.º 1 do art.º 22º do RAR “…a restituir o prédio no estado em que o recebeu…”, remete-nos para a necessidade de considerar as características, as qualidades do prédio aquando da sua entrega e as características, as qualidades do mesmo à data da resolução do contrato.
E sendo assim, o dano apura-se no confronto entre o estado da parcela C, aquando da sua entrega e o estado da mesma à data da resolução do contrato. Resulta da factualidade provada que: 31. a) A parcela C, referida em 16, era, originalmente, uma mata e confina com uma mata; 31. b) O A. adquiriu uma licença para plantar vinha naquela área; 31. c) O que foi feito em 2003; 31. d) A vinha plantada na referida parcela não tinha “beneficio”, ou seja, a partir das uvas ali produzidas não era possível produzir vinho generoso; 31. e) O saibramento do solo da referida parcela (que tinha sido mata) foi mal feito; 31. f) As castas plantadas não eram as adequadas ao local; 31. g) Devido ao facto de estar próxima da mata, a vinha ficou sujeita à vegetação infestante proveniente daquela; 31. h) Devido aos três últimos aspectos, já antes do arrendamento à Ré, era intenção do A. reconverter aquela área de vinha, com o arranque da vinha ali existente, a plantação de castas mais produtivas, o controlo das infestantes e a apresentação de um projecto para o efeito, o que só podia ser feito a partir de 2018; 31. i) À data do arrendamento a vinha da parcela C estava em pior estado de conservação que a vinha da parcela A porque tinha muitas falhas (de videiras) e estava sujeita à vegetação infestante proveniente da mata adjacente; 31. j) As falhas não eram repostas e, relativamente à vegetação infestante, era passado o tractor, mas sem grande preocupação, dada a intenção de reconverter a vinha a partir de 2018; 31. l) A última vindima feita pelo A. na parcela C foi em 2016, a qual, devido à dimensão das falhas, foi em quantidade inferior ao que normalmente se colhe numa vinha daquela dimensão; 32. Até 2016, o Autor procedeu à poda das vinhas que ainda existiam e limpava o terreno, aguardando que aquela parcela passasse a ser elegível para o programa VITIS, com vista à sua reconversão, o que sucederia em 2018.
Resulta desta factualidade que à data do arrendamento existia na parcela C uma vinha, a qual apresentava vários problemas:
- tinha sido mal construída pois: 31. a) A parcela C, referida em 16, era, originalmente, uma mata e confina com uma mata. // 31. d) A vinha plantada na referida parcela não tinha “beneficio”, ou seja, a partir das uvas ali produzidas não era possível produzir vinho generoso; // 31. e) O saibramento do solo da referida parcela (que tinha sido mata) foi mal feito; // 31. f) As castas plantadas não eram as adequadas ao local; // 31. g) Devido ao facto de estar próxima da mata, a vinha ficou sujeita à vegetação infestante proveniente daquela; -já não era objecto de uma cabal manutenção e investimento por parte do A. pois:31. i) À data do arrendamento a vinha da parcela C estava em pior estado de conservação que a vinha da parcela A porque tinha muitas falhas (de videiras) e estava sujeita à vegetação infestante proveniente da mata adjacente; // 31. j) As falhas não eram repostas e, relativamente à vegetação infestante, era passado o tractor, mas sem grande preocupação, dada a intenção de reconverter a vinha a partir de 2018;
- e não era produtiva: 31. l) A última vindima feita pelo A. na parcela C foi em 2016, a qual, devido à dimensão das falhas, foi em quantidade inferior ao que normalmente se colhe numa vinha daquela dimensão.
E tanto assim era, que: 31. h) Devido aos três últimos aspectos [ referidos nos pontos 31. e), f) e g) ] já antes do arrendamento à Ré, era intenção do A. reconverter aquela área de vinha, com o arranque da vinha ali existente, a plantação de castas mais produtivas, o controlo das infestantes e a apresentação de um projecto para o efeito, o que só podia ser feito a partir de 2018; // 32. Até 2016, o Autor procedeu à poda das vinhas que ainda existiam e limpava o terreno, aguardando que aquela parcela passasse a ser elegível para o programa VITIS, com vista à sua reconversão, o que sucederia em 2018.
Entretanto e após o contrato de arrendamento (que é de Janeiro de 2017) verifica-se que: 33. Em 2018, (…) a vegetação espontânea invadiu a parcela C, já não se encontra com clareza as linhas das videiras, o que traduz que o abandono se encontra generalizado e instalado com as linhas ocupadas por muita vegetação. 16. De acordo com o relatório pericial colegial elaborado com base na visita ao prédio ocorrida em 14 de Setembro de 2019, o prédio referido em 1. divide-se em 3 parcelas por referência ao estado em que as vinhas se encontravam: (…) Vinha C - vinha abandonada com área de 0,887 ha (figura 3 do relatório). 25. A vinha C em setembro de 2019 apresentava-se em estado de abandono, por falta de intervenção (podas, tratamentos fitossanitários e controlo de vegetação espontânea nas entrelinhas e na linha de plantação e de espécies lenhosas [sobreiros]). 35. Em 2023, a vinha C está completamente inacessível, com vegetação típica de uma mata. 26. Na presente data, na vinha C é necessária a replantação com a desmatação adequada, preparação do solo e plantação propriamente dita.
Decorre da factualidade provada que a Ré não realizou os trabalhos necessários para a manutenção da vinha existente na parcela C, passando a mesma a apresentar deteriorações, pois: ponto 33. – em 2018, (…) a vegetação espontânea invadiu a parcela C, já não se encontra com clareza as linhas das videiras, o que traduz que o abandono se encontra generalizado e instalado com as linhas ocupadas por muita vegetação; // ponto 25 - em setembro de 2019 apresentava-se em estado de abandono, por falta de intervenção (podas, tratamentos fitossanitários e controlo de vegetação espontânea nas entrelinhas e na linha de plantação e de espécies lenhosas [sobreiros]); // ponto 35 - em 2023 está completamente inacessível, com vegetação típica de uma mata.
As alterações produzidas na parcela C não são, de forma alguma, inerentes a uma adequada utilização da mesma em conformidade com os fins constantes do contrato.
Em consequência – ponto 26 - na presente data, na vinha C é necessária a replantação com a desmatação adequada, preparação do solo e plantação propriamente dita.
Como já se deixou referido, o dano apura-se no confronto entre o estado da parcela C, aquando da sua entrega e o estado da mesma à data da resolução do contrato (sendo que a parcela em si mesmo é restituível).
Assim, e em face de tudo o supra exposto, o dano sofrido pelo A. tem uma dupla vertente: por um lado está completamente inacessível, com vegetação típica de uma mata (ponto 35 dos factos provados); por outro lado, a vinha que ali existia está perdida (ponto 26).
Decorre do disposto no art.º 22º n.º 1 do RAR e do art.º 801º, n.º 1 do CC que a Ré está obrigada a indemnizar o A..
Relativamente à primeira vertente do dano,é possível a sua restauração naturalmediante a atribuição da quantia necessária para o A. proceder à desmatação.
A sentença recorrida assim considerou afirmando que “a indemnização do Autor deverá incluir (…) o montante necessário para a limpeza de toda a parcela, uma vez que a mesma foi tomada pela vegetação, em virtude da falta de manutenção por parte da Ré. Esta indemnização cobre a despesa que o Autor terá com a limpeza e que não teria caso a ré tivesse mantido aquela parcela no estado em que se encontrava em 2017. Desta forma (…) a Ré deverá ser condenada numa indemnização por danos emergentes (tal como peticionado) correspondente ao valor necessário para a limpeza do terreno ou seja €1.188,58 (de acordo com a tabela referida nos factos provados e para 1hectare, a regularização do terreno tem um custo de 975,00€, na parte do arrasamento, o custo do tractor com reboque é de 200,00€ e de mão de obra de 165,00€, o que corresponde para 0,887h a quantia de € 1.188,58 [ 1.340,00x0,887h), acrescido de juros desde o trânsito da presente sentença até integral e efectivo pagamento.”
Acompanha-se este entendimento no que respeita à primeira vertente do dano já referida.
Mas como referido, existe uma segunda vertente do dano: a vinha perdida.
Nesta parte, verifica-se que a restituição da parcela C com a vinha é absolutamente impossível por facto imputável à Ré.
Uma vez que uma vinha incorporada num determinado terreno, é um organismo vivo único, que ali é plantado, cresce e morre, a perda da vinha que existia na parcela C significa que não é, pela natureza das coisas, possível a sua restauração natural.
Também não é possível, pela natureza das coisas a entrega de coisa sucedânea ou equivalente porque, pura e simplesmente, não existe.
A vinha que existe num determinado terreno, aquela concreta vinha, morrendo, é insubstituível, na medida em que, ainda que exista uma outra vinha com características semelhantes, isto é, com a mesma idade e o mesmo desenvolvimento, não é transmutável para o lugar daquela.
É certo que pode ser plantada uma vinha nova no solo em que existia uma vinha que morreu. Mas essa vinha nova é um outro organismo, uma outra realidade, total e absolutamente diferente, desde logo, na sua “idade”, o que, naturalmente, implica com as demais características, não sendo, portanto, equivalente à vinha que existia (e que, recorde-se, tinha vários problemas).
Porém, verifica-se que o A. pede é que a Ré seja condenada a pagar-lhe o custo da replantação da vinha, com a desmatação adequada (este dano emergente já foi considerado supra), preparação do solo e plantação propriamente dita, fundando-se para tanto no facto de ter ficado provado – ponto 29 – que a reposição/reconversão da vinha C - parcela de 0,887ha - é de € 31.211,53, nos termos melhor explicados na tabela anexa ao ponto 29 dos factos provados.
Ou seja: O A. pretende que a Ré seja condenada a pagar-lhe o custo de instalação de uma vinha nova no lugar de uma vinha “velha”.
Mas a sua pretensão não tem fundamento.
Em primeiro e desde logo porque não é aplicável a doutrina do “estraga velho, paga novo”, porque, como já se referiu, pela natureza das coisas não estamos perante um bem relativamente ao qual seja possível adquirir um bem novo da mesma espécie ou qualidade: não há sucedâneo ou equivalente para uma vinha que morre.
Além disso, caso se considerasse que o dano patrimonial do A. corresponderia ao valor de substituição da vinha, então estar-se-ia a proporcionar-lhe a concretização da por si pretendida reconversão da vinha plantada em 2003, em mau estado à data do contrato de arrendamento, como evidenciado supra (ponto 31 dos factos provados) e que aqui não se repete, numa vinha nova e produtiva (como se refere na sentença recorrida), pretensão essa já anterior ao contrato de arrendamento e que estava na base do estado da vinha na data do mesmo.
Se era e é intenção do A. proceder à reconversão da vinha plantada na parcela C, por a mesma ter problemas, não tem a Ré de arcar com os custos respectivos, sendo certo que ao contrário do que parece ser entendimento do recorrente, em parte alguma do contrato a Ré se obrigou a realizar uma tal conversão.
Ou seja: a procedência da pretensão do A. – vinha nova, sem os problemas da anterior e produtiva - traduzir-se-ia, manifestamente, num excesso relativamente ao dano causado – vinha plantada em 2003, com vários problemas de raiz, desinvestida - conduzindo a um enriquecimento injusto à conta da lesante.
Sendo impossível à Ré restituir a vinha que existia na parcela C, teria plena aplicação o disposto no n.º 1 do art.º 566º do CC: a indemnização é fixada em dinheiro, a qual tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
Sucede que não foi este o caminho seguido pelo A., ou seja, o mesmo não pediu uma indemnização correspondente à diferença entre a situação patrimonial em que o mesmo se encontraria se não fosse o facto lesivo de acordo com o curso normal dos factos e a situação patrimonial em que se encontra após o evento lesivo (situação real actual).
Para tal haveria de ter alegado qual seria o valor que a vinha que existia na parcela (o bem perdido foi a vinha e não a parcela em si mesma, vinha essa que tinha os problemas documentados no ponto 31 dos factos provados) teria actualmente de acordo com o curso normal dos factos se não fosse o facto lesivo (situação hipotética actual).
Quanto ao seu valor actual, face ao que consta dos pontos 35 e 26, haveria de considerar-se ser nulo.
Note-se que nada disto encontra eco no alegado e provado, que tem em vista a condenação da Ré a pagar uma quantia para a plantação de uma vinha nova, quando não existe equivalência com a realidade perdida, que é infungível e completamente diferente da indemnização calculada nos termos da teoria da diferença plasmada no n.º 2 do art.º 566º do CC.
Em face de tudo o exposto, a decisão recorrida deve manter-se e, em consequência, o recurso deve ser julgado improcedente.
As custas da apelação ficam integralmente a cargo do recorrente por vencido – art.º 527º, n.º 1 e 2 do CPC.
5. Decisão
Termos em que acordam os Juízes que compõem a 1ª secção da Relação de Guimarães em manter a decisão recorrida e, em consequência, julgar improcedente o recurso.
Custas da apelação pelo recorrente
Notifique-se
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Guimarães, 14/11/2024
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos: José Alberto Martins Moreira Dias
Paula Ferreira de Sousa Santos Venade