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PROVA DIGITAL
CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA
PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DE PROVAS
PORNOGRAFIA DE MENORES
Sumário
I - A cadeia de custódia da prova consubstancia o procedimento, constituído por diversos requisitos que devem ser adotados/protocolados, relativamente a alguns meios de prova (como seja a recolha de prova no local do crime - de vestígios ou provas físicas -), tendo em vista garantir a preservação da integridade da prova (a sua autenticidade, rastreabilidade e confiabilidade). II - Pretende-se, desse modo, garantir que a prova recolhida é exatamente aquela que vai ser discutida, contraditada e posteriormente valorada pelo tribunal. III - Sempre que exista desconformidade entre a prova real recolhida e a prova que é apresentada aos sujeitos processuais envolvidos e à valoração por parte do tribunal, a consequência é, necessariamente, a inadmissibilidade da prova no processo e a proibição da sua valoração, já que não transmite a confiabilidade necessária para um processo justo e equitativo. IV - No presente caso, o arguido limita-se a invocar estudos e a descrever conceitos, defendendo que a prova obtida através das ordenadas e executadas perícias - às quais se seguiram a apreensão, pesquisa e recolha de imagens (tudo deviamente autorizado por autoridade judiciária) - é ilegal porque se encontra contaminada em virtude de não ter sido respeitada a cadeia de custódia da prova, sem alegar qualquer facto concreto donde se possa sequer cogitar que se verificou uma qualquer quebra na cadeia de custódia da prova (ou, tendo havido contaminação, como afirma, em que consistiu esta contaminação), antes invocando uma proibição de prova de forma genérica e abstrata, e estando a apreensão e a perícia realizadas de acordo com os normativos da Lei do Cibercrime e do Código de Processo Penal, há que julgar totalmente improcedente o recurso no que respeita à invocada proibição de valoração da prova.
Texto Integral
I – RELATÓRIO
Em processo comum com intervenção do tribunal coletivo, após realização da competente audiência de julgamento, R foi condenado pela prática de um crime de pornografia de menores, agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 176.º, n.º 1, al. c) e d) e 177.º, n.º 7 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão. (…) na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 anos, nos termos do artigo 69.º B, n.º 2 do Código Penal. (…) na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 5 anos, nos termos do disposto no artigo 69.º C, n.º 2 do Código Penal.
Inconformado veio apresentar o presente recurso, o qual conclui do seguinte modo: 1. Por acórdão datado de 15-07-2024 o tribunal “a quo” condenou o arguido pela prática de um crime de pornografia de menores, agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 176.º, n.º 1, al. c) e d) e 177.º, n.º 7 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; condenou o arguido na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 anos, nos termos do artigo 69.º B, n.º 2 do Código Penal; condenou o arguido na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 5 anos, nos termos do disposto no artigo 69.º C, n.º 2 do Código Penal. 2. O arguido ora Recorrente não se conforma com o acórdão de que ora se recorre. 3. O arguido ora Recorrente não se conforma com o acórdão de que ora se recorre. 4. Em primeiro lugar porquanto somos do entendimento que as perícias efetuadas aos equipamentos informáticos apreendidos ao arguido ora Recorrente padecem de nulidade, assim como a perícia preliminar 105EP23 e a perícia efetuada ao telemóvel da testemunha, as quais não podem ser valoradas por procedimentos e técnicas de preservação para a prova digital. 5. Pese embora em Portugal, comparando com outros Ordenamentos Jurídicos, carecemos de regulação dos procedimentos a adotar para a preservação da prova digital e para a manutenção da sua cadeia de custódia, a verdade é que têm que os mesmos têm que ser adoptados e cumpridos, o que manifestamente não sucedeu in casu. 6. Motivo pelo qual entendemos que aquando da realização das perícias aos equipamentos não foi preservada a prova digital, o que para além de inquinar a prova de nulidade não nos garantir que não houve manipulação da prova por terceiros, demonstra que existiu quebra da cadeia de custódia, conforme adiante melhor se explanará. 7. as perícias realizadas são nulas e como tal não podem ser valoradas. 8. O que consubstancia a proibição de obtenção de prova, estatuída no artigo 32.º n.º 8 da Constituição da República e no artigo 126.º do Código de Processo Penal. 9. Andou mal o tribunal “a quo” ao não ponderar que não foi observada a preservação da prova informática. 10. O acórdão recorrido viola assim o artigo 32.º n.º 8 da Constituição da República e no artigo 126.º do Código de Processo Penal. 11. Devendo ser declarada a nulidade da prova pericial por violação dos procedimentos a adotar para a preservação da prova digital 12. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado e consequentemente deverá o arguido ora Recorrente ser absolvido. 13. Na esteira da já invocada nulidade da prova pericial entendemos que ao não terem sido observados os procedimentos a adotar para a preservação da prova digital estamos perante a quebra da cadeia de custódia de prova. 14. Salvo o devido respeito, que é muito, andou mal o tribunal “a quo” ao não verificar que não foram cumpridos todos os procedimentos para a preservação da prova digital e que tal iria quebrar a cadeia de custódia de prova. 15. A cadeia de custódia de prova tem uma grande importância no processo penal porque são estes procedimentos que evitam que o Juiz venha a ter qualquer tipo de dúvida sobre a origem da prova e sobre a sua autenticidade. 16. A validade de determinada prova depende da conservação da cadeia de custódia que, caso seja interrompida, pode causar a inadmissibilidade do seu uso e o comprometimento de todo o processo penal. 17. Sendo incompreensível como é que nos presentes autos não foi utilizado o cálculo do código hash, que é o resultado da aplicação de um algoritmo matemático a uma determinada informação, mais propriamente a determinada prova. 18. O código hash vai funcionar como sendo a impressão digital daquela prova, que vai garantir que o conteúdo da prova analisada é igual ao conteúdo da prova original. 19. Veja-se neste sentido Andreia Carina Claúdio Hermeiro in A CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA DIGITAL: O USO DA TECNOLOGIA BLOCKCHAIN COMO FORMA DE PRESERVAÇÃO VOLUME 1 Dissertação no âmbito do Mestrado em Ciências Jurídico-Forenses orientada pela Professora Doutora Sónia Mariza Florêncio Fidalgo e apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, janeiro 2023, disponível em https://estudogeral.uc.pt/retrieve/259007/Dissertac%CC%A7a%CC%83o_AndreiaHermeiro.pdf. 20. Não tendo assim a cadeia de custódia de preservação da prova sido observada. 21. As consequências da quebra da cadeia de custódia são desde logo, a ilicitude da prova, que é a mais grave das consequências jurídico-processuais penais: uma nulidade qualificada - proibição total de admissibilidade e de valoração da prova por se terem violado regras processuais tão importantes, assim como direitos fundamentais. 22. E como tal estamos perante uma proibição da valoração da prova. 23. A nulidade das provas obtidas por meios ilícitos está prevista na Constituição no artigo 32º, n.º 8, desde logo por lesarem bens jurídicos carentes de tutela penal, tais como a vida, integridade física, a reserva da intimidade da vida privada e familiar, a inviolabilidade das comunicações e do domicílio. 24. Sendo a consequência da destruição da quebra da cadeia de custódia a invalidade da prova. 25. Concluindo, a cadeia de custódia é um procedimento com extrema importância que deve ser rigorosamente seguido, o que não sucedeu in casu. 26. Quando tal não aconteça as consequências são a inadmissibilidade da prova no processo e a proibição da sua valoração, uma vez que os dados aprendidos não transmitem a confiabilidade necessária para um processo justo e democrático. 27. Termos em que deverá o acórdão de que ora se recorre ser revogado por violação do disposto no artigo 249.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal e por violação do artigo 32º, n.º 8 da nossa Constituição e face ao supra exposto deverá ser declarada a nulidade insanável dos presentes autos por quebra da cadeia da custódia de prova. 28. Sem prescindir, deverão ser dados como não provados os factos 1 a 11 dos factos dados como provados, pois pese embora o arguido ora Recorrente em sede de audiência de discussão e julgamento tenha confessado os factos a verdade é que tal confissão não pode ser valorada. 29. As declarações prestadas pelo arguido, na audiência de julgamento, tendo admitido os factos que lhe são imputados na acusação, cingiu-se aos factos óbvios, dada a localização dos ficheiros nos suportes informáticos apreendidos, não deve ser considerada como meio de prova autónomo, sem conexão estreita com a prova proibida. 30. Motivo pelo qual não poderão ser valoradas as declarações do arguido como prova autónoma, não inquinada pela prova (primária) proibida. 31. A confissão é motivada pela apreensão e exame aos equipamentos informáticos onde é descoberta matéria com relevância criminal (que é prova proibida contaminada pela prova proibida original). 32. As declarações do arguido só surgem perante a evidência da apreensão, só surgem por causa daquela, para a justificar e, por isso são um efeito sequencial. 33. As declarações do arguido surgem na sequência da prova inicialmente recolhida, no pressuposto da validade dos elementos de prova – apreensão e perícia – equacionando-se que caso soubesse da sua invalidade as suas declarações poderiam ter sido outras. 34. Note-se que em momento algum o arguido invocou a sua invalidade. 35. Veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 355/22.6JGLSB.E1, datado de 05-03-2024, disponível em www.dgsi.pt. 36. Termos em que e face ao supra exposto deverão os factos impugnados serem 1 a 11 serem dados como não provados e consequentemente deverá o acórdão recorrido ser revogado e ser o arguido ora Recorrente absolvido. 37. Ainda sem prescindir e caso não se entenda que a prova pericial é nula e que existiu quebra na cadeia de custódia de prova, sempre se dirá que resulta da prova produzida que o arguido desinstalou a aplicação telegrama e deixou de utilizar as restantes aplicações. 38. Andou mal o tribunal “a quo” ao não ponderar que tais factos consubstanciam uma desistência da prática do crime. 39. O acórdão recorrido ao não ponderar a desistência viola o disposto no artigo 24.º do Código Penal, uma vez que inequivocamente o arguido ora Recorrente abandonou voluntariamente a atividade criminosa. 40. Termos em que e atendendo à não aplicação do disposto no artigo 24.º do Código Penal deverá o acórdão recorrido ser revogado e consequentemente deverá o arguido ora Recorrente ser absolvido. 41. A pena em que o arguido foi condenado viola os princípios orientadores da teoria dos fins das penas. 42. Termos em que e sem prescindir deve ser revogado o douto acórdão devendo ser proferido novo acórdão que tenha como base a aplicação da teoria dos fins das penas existente no nosso sistema penal, e caso não se absolva o arguido deverá optar-se pela aplicação ao ora recorrente de uma pena educacional e ressocializadora, sempre inferior a cinco anos e suspensa na sua execução. Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso, e em consequência determinar-se a revogação do acórdão recorrido, absolvendo-se o arguido ora Recorrente, assim se fazendo JUSTIÇA!
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Por despacho de 21-08-2024 foi recebido o recurso.
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O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso interposto propugnando pela sua improcedência, apresentando as conclusões que se seguem:
1. R foi condenado pela prática de um crime de pornografia de menores, agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 176.º, n.º 1, al. c) e d) e 177.º, n.º 7 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão. E, também na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 anos, nos termos do artigo 69.º B, n.º 2 do Código Penal. E, ainda, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 5 anos, nos termos do disposto no artigo 69.º C, n.º 2 do Código Penal.
2. O recorrente limita-se a invocar a violação do artigo 126º do CPP, de forma genérica, pois que o material informático apreendido e sujeito a perícia, cumpriu as exigências legais do ordenamento jurídico português, tal como admite a recorrente.
3. Tal como resulta dos fatos provados e da fundamentação do acórdão, o arguido perante o perigo iminente de vir a ser responsabilizado pelos seus atos apagou conteúdo relevante e integrante do crime pelo qual foi condenado. Nesta sede, invocar que se desistiu de um crime já consumado? A sua invocação é irrelevante.
4. A pena de prisão suspensa na execução impõe que a justiça acreditando na reeducação do arguido e na sua capacidade de conduzir a sua vida de acordo com os valores do direito. No caso dos autos, bem se compreende que para o arguido a liberdade seja um bem almejado, tanto mais que dela está privado. A suspensão da pena de prisão não é uma mera possibilidade que pode provir da apreciação do julgador quando da aplicação de uma pena privativa da liberdade, é sim um dever imposto pelo art. 50.º, n.º 1 do CP, ponderação essa que deve ser estabelecida mesmo antes de se considerar qualquer uma das outras penas substitutivas da pena de prisão. No caso dos autos, essa ponderação foi feita e o Tribunal concluiu, e bem, que só uma pena privativa da liberdade permite afastar o arguido do cometimento de novos factos e transmitir à comunidade em geral um sentimento de segurança quebrado com a conduta do arguido. 5. Pelo exposto, entendemos que falecem os pressupostos em que o recorrente faz assentar as razões da sua discordância com a douta sentença, e que surgem plasmados nas conclusões da motivação do recurso. 6 Não foram, por isso, violados quaisquer preceitos legais. Pelo que não merece qualquer censura a decisão recorrida. JUSTIÇA.
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Pela Sr.ª PGA foi emitido o competente parecer, que se transcreve: Presentes os autos com vista nos termos e para os efeitos do disposto no art. 416.º, n.º 1 do CPP, vem o Ministério Público encaminhar aos autos parecer nos termos que se seguem. Vem o arguido R interpor recurso do acórdão que, entre o mais o condena pela prática de um crime de pornografia de menores, agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 176.º, n.º 1, al. c) e d) e 177.º, n.º 7 do Código Penal: • na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; • na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 anos, nos termos do artigo 69.º B, n.º 2 do Código Penal; • na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 5 anos, nos termos do disposto no artigo 69.º C, n.º 2 do Código Penal. Por síntese, alicerça o arguido recorrente as conclusões da sua motivação no seguinte: • O arguido foi condenado por um crime de pornografia de menores agravado, com penas acessórias (artigos 176.º, 177.º e 69.º do Código Penal); • Argumenta que as perícias aos equipamentos informáticos são nulas, alegando falhas na preservação da prova digital, o que entende comprometer a cadeia de custódia e gerar nulidade (artigos 32.º, n.º 8 da Constituição e 126.º do Código de Processo Penal); • Defende que a quebra da cadeia de custódia torna a prova inadmissível, resultando na ilicitude e consequente nulidade do processo, exigindo a revogação do acórdão; • Considera que a confissão do arguido não pode ser valorada autonomamente, pois estaria contaminada pela nulidade da prova obtida ilicitamente; • Sustenta que o tribunal ignorou a desistência voluntária do crime, o que deveria levar à aplicação do artigo 24.º do Código Penal e consequente absolvição; • Alega que a pena aplicada viola os princípios da teoria dos fins das penas, sugerindo que, caso não haja absolvição, a pena deve ser suspensa na sua execução. O recurso foi admitido por despacho de 21.08.2024 e em 18.09.2024 o Ministério Público na primeira instância respondeu à motivação do recurso do arguido recorrente. Aos argumentos invocados pelo recorrente responde o Ministério Público na primeira instância da seguinte forma, sintetizando: • Defende o Ministério Público que o arguido foi corretamente condenado pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, nos termos dos artigos 176.º, n.º 1, al. c) e d) e 177.º, n.º 7 do Código Penal, com a devida aplicação das penas acessórias de proibição de exercício de funções com menores (artigo 69.º B, n.º 2) e proibição de assumir a confiança de menores (artigo 69.º C, n.º 2); • A alegação pelo recorrente de violação do artigo 126.º do Código de Processo Penal (CPP), relativa à prova digital, é feita de forma genérica e infundada, uma vez que o material informático foi apreendido e sujeito a perícia de acordo com a legislação portuguesa; • O recorrente apagou conteúdo digital relevante, integrante do crime, antes de ser responsabilizado e apenas como forma de tentar inviabilizar a sua responsabilização, o que torna irrelevante a sua alegação de desistência do crime, até porque este já estava consumado; • A suspensão da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, foi corretamente ponderada pelo tribunal, que concluiu que apenas a pena privativa de liberdade seria adequada para prevenir a reincidência do arguido e restaurar a confiança da comunidade; • O Ministério Público considera, em conclusão não existirem razões para colocar em crise a decisão ora em recurso, que, por isso, deve ser mantida. A tais argumentos, aditamos apenas que da análise do relatório da perícia a que se refere o recorrente, que constitui a diligência n.º 084E92023 e corresponde à referência citius 11703525, no que se refere aos procedimentos e metodologia seguidos, resulta a observâncias das melhores práticas com vista à preservação a manutenção da integridade dos dados e da informação contida no equipamento digital em causa, mantendo a integridade do dispositivo original que, no caso, foi entregue ligado e acompanhado de termo de consentimento. Feita a leitura daquele relatório não se diagnostica a confirmação de qualquer das invocadas preocupações que poderiam suscitar quebra na custódia da prova e consequência receio quanto à sua integralidade e autenticidade, pelo que falece de qualquer razão de ser a alegação de qualquer nulidade a este propósito. Ponderando os termos da decisão recorrida à luz da motivação do recurso interposto pelo arguido e considerando a resposta dada pelo Ministério Público na primeira instância, com a aditamento que fizemos, manifestamos o nosso parecer de que não deve o recurso obter provimento, por não merecer reparo a decisão recorrida.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, nada tendo sido dito.
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Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos legais, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artº 419º/3 do C.P.P, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II - O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar art.ºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art.º 410º nº 2 CPP.
Questões a decidir:
- Valoração de prova proibida:
a) por violação da cadeia de custódia da prova digital recolhida;
b) por valoração da confissão realizada na sequência e como consequência da prova recolhida através de meios proibidos de prova (fruto da árvore envenenada);
- Desistência da prática do crime;
- Medida da pena;
- Suspensão da Execução da Pena.
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III – Apreciação:
A Decisão de facto constante da decisão recorrida é do seguinte teor: II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Factos provados: 1. No dia 28 de setembro de 2023, pelas 15 horas, na sua residência sita na (….), em Vila Real de Santo António, o arguido detinha, para visualização própria e cedência a terceiros: a) no seu computador portátil, marca HP, modelo Presario CQ60, com número de série 2CE8374Z73 e com o disco rígido (HDD), 2,5, marca Western, número de série WXA1E63VRP46 setenta e seis (76) imagens, em que pelo menos duas dessas datam de 2014, sendo em todas visíveis crianças, na sua maioria menores de 14 anos, nuas, em atos de coito oral, vaginal e anal com adultos e com outras crianças; em atos de introdução de dedos na vagina e no ânus; em poses eróticas, exibindo seios, vagina e ânus; com introdução de objetos e dedos na vagina. b) no seu telemóvel, marca Samsung, modelo Galaxy A42 (SM-A426B), com os IMEI´s 351269933248730 e 354036443248733 e com o cartão SIM da operadora MEO associado ao número 00351 969816788 duas (2) ficheiros contendo imagens nas quais são visíveis menores, em poses eróticas, em atos de coito oral, vaginal e anal com adultos e com outras crianças; despidos; em atos de introdução de dedos na vagina e no ânus; em poses eróticas, exibindo seios, vagina e ânus; com introdução de objetos e dedos na vagina. 2. O arguido até data não concretamente apurada, mas pelo menos até 02 de setembro de 2023, era utilizador da aplicação Telegram, da aplicação Grindr e da aplicação Badoo, através das quais, além de marcar os seus encontros homossexuais, recebida, armazenava e partilhava filheiros de imagens e vídeos com pornografia de menores. 3. O arguido, em meados de maio de 2022, através da aplicação Grindr, conheceu E com quem ali iniciou conversações e marcava os seus encontros para a prática entre ambos de atos sexuais. 4. O arguido através da aplicação do Telegram na qual tinha associado o seu número de telemóvel 00351 969816788, estabeleceu conversações com E, proprietário do smartphone marca Xiaomi, modelo Redmi Note 11 Pro 5G, com os IMEI´s 867087064705667 e 867087064705675, e com o cartão SIM número 00351 924991176, tendo partilhado com este, em dois dias distintos – 20 de abril de 2023 e em 02 de setembro de 2023, no total, quarenta e dois (42) ficheiros de vídeo, nos quais são visíveis bebés e crianças de ambos os sexos, em poses eróticas, em atos de coito oral, vaginal e anal com adultos e com outras crianças e bebés; despidos; exibindo os seus órgãos genitais, praticando atos de masturbação em friccionando de pénis com a mão; em atos de introdução de dedos na vagina e no ânus; em poses eróticas, exibindo seios, vagina e ânus. 5. As contas que o arguido detinha na aplicação “Grindr”, e na qual utilizava a conta de correio eletrónico sexomiguel@hotmail.com, foi bloqueada apresentando a mensagem: “Sua conta foi banida por violar nossas Diretrizes ou Termos de serviço”; também a conta que aquele detinha na aplicação “Badoo” foi bloqueada, exibindo a mensagem: “Bloqueamos a sua conta por motivos relacionados com assédio sexual. O Badoo não tolera conteúdos ou comportamentos sexuais não solicitados”. 6. No registo histórico da navegação existente no telemóvel do arguido R, melhor identificado em 1, foi, ainda, possível apurar a existência de dois links (https://mega.nz/folder/pntzkTSB#RJ3uZpUQmTfi_8ZH1otemQ e https://mega.nz/folder/cedCDTTa#LSFAnbvN3besAlnP1MEBw) de acesso à plataforma de armazenamento online “Mega”, que após a ligação retorna a seguinte mensagem: “Este arquivo ou pasta foi denunciado por armazenar conteúdo censurável, como material relacionado à exploração infantil, extremismo violento ou bestialidade. A conta do usurário que criou este link foi encerrada e as informações desta conta, incluindo o endereço de IP, foram proporcionadas às autoridades competentes”. 7. O arguido agiu com o propósito concretizado de obter, guardar, deter e partilhar em suporte informático e no seu telemóvel, para sua visualização e cedência a terceiros, ficheiros de imagem e de vídeo de pessoas de ambos os sexos, menores, com idades inferiores a 14 anos e com idades entre 14 e 18 anos, nuas, com exibição dos seios, pénis, vulva, ânus, em atos masturbação, de coito oral, vaginal e anal; introduzindo dedos na vagina e no ânus; friccionando pénis com a mão, o que fez sempre ciente da idade das pessoas neles figurantes e do conteúdo de tais ficheiros. 8. O arguido tinha perfeito conhecimento do teor dos vídeos e imagens que detinha, armazenava e partilhava, e que toda a atividade relacionada com eles, designadamente: utilização, detenção, armazenamento, divulgação, exportação ou cedência, se lhe encontravam vedadas pela lei vigente no nosso ordenamento jurídico. 9. Não obstante, e agindo de forma livre, voluntária e conscientemente, o arguido para sua satisfação libidinosa, e bem assim das pessoas junto de quem obtinha e com quem partilhava as fotografias, imagens e vídeos, decidiu, deter, armazenar, divulgar e ceder a terceiros os referidos vídeos e fotografias. 10. O arguido tinha perfeito conhecimento de que aquelas imagens e vídeos de teor pornográfico com utilização de menores, implicaram a exploração sexual efetiva desses menores, utilizados para a realização dos filmes e fotografias em causa, não obstante, não se inibiu de as exibir e de as deter para satisfazer os seus desejos libidinosos. 11. O arguido agiu em tudo, de forma livre, voluntária e consciente, ciente de que a sua conduta era, como é, proibida e punida por lei penal. 12. Entre maio de 2022 e setembro de 2023, R, de 37 anos, vivia com a companheira, de 33 anos e o filho comum, atualmente com 13 anos de idade. 13. Trata-se de um relacionamento iniciado quando ambos eram ainda muito jovens, que passou por um período de cerca de 5 anos de namoro, após o qual iniciaram união de facto, a qual descrevem como gratificante aos vários níveis, incluindo na intimidade. 14. Não obstante ambos reconheçam que o envolvimento do arguido no presente processo tenha marcado negativamente a qualidade da relação, a sua continuidade não é atualmente colocada em causa, tendo a companheira verbalizado manter confiança em R e disponibilizar-lhe apoio afetivo e material. 15. O casal viveu inicialmente e durante alguns anos integrado na família de origem do arguido e só mais tarde se autonomizou. 16. R residia há cerca de 4 anos na morada dos autos, em apartamento arrendado, avaliado como detentor de adequadas condições de habitabilidade, na malha urbana de Vila Real de Santo António, numa zona sem especiais problemáticas sociais. 17. O processo de desenvolvimento de R decorreu no concelho de Vila Real de Santo António, de onde é natural e surge positivamente narrado como normativo e adaptado. 18. R deixou de estudar aos 17 anos de idade, concluindo o 2.º ciclo do ensino básico. 19. A partir dos 18 anos ingressou no mercado de trabalho, tendo trabalhado até aos 31 anos na manutenção de campos de golfe; posteriormente trabalhou na restauração, num restaurante de um familiar até que, em 2020, abriu um restaurante “…..”, juntamente com a companheira, na zona de Castro Marim, atividade que têm desenvolvido até ao presente. 20. R detinha, à data da reclusão, uma situação económica descrita como relativamente ajustada, não obstante os rendimentos obtidos com o restaurante sejam indeterminados, atenta a natureza sazonal desta atividade. 21. Em termos de despesas fixas foi indicado um valor de aproximadamente 1600€ mensais, que inclui a renda de casa, a renda do restaurante e um crédito contratado para melhoramentos no estabelecimento. 22. Conquanto R não reconheça qualquer problema ao nível da sexualidade, o mesmo já foi acompanhado em consultas de psicologia no E.P., descrevendo-as como positivas e facilitadoras da mudança. 23. O arguido revela respeito e aceitação perante a intervenção do sistema penal, revelando uma perceção adequada do bem jurídico em causa nesta tipologia de crime, sendo que a atual situação jurídico-penal teve um impacto negativo muito significativo na sua vida, principalmente laboral, familiar e económico. 24. Em contexto prisional o arguido tem vindo a receber as visitas dos familiares (progenitores, irmã, tia, sogros, companheira e filho) e de amigos. 25. No E.P. de Olhão R tem vindo assumir uma conduta adequada e compatível com o normativo vigente e trabalha na biblioteca há cerca de 6 meses. 26. O arguido não tem antecedentes criminais.
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2. Factos Não Provados Não se provou que: 1. No dia 28 de setembro de 2023, o arguido detinha no seu telemóvel, marca Samsung, modelo Galaxy A42 (SM-A426B): - cento e treze (113) ficheiros contendo imagens nas quais são visíveis menores, em poses eróticas, em atos de coito oral, vaginal e anal com adultos e com outras crianças; despidos; em atos de introdução de dedos na vagina e no ânus; em poses eróticas, exibindo seios, vagina e ânus; com introdução de objetos e dedos na vagina. - trinta e oito (38) ficheiros contendo vídeos em que são visíveis menores, em poses eróticas, em atos de coito oral, vaginal e anal com adultos e com outras crianças; despidos; em friccionando de pénis com a mão; em atos de introdução de dedos na vagina e no ânus; em poses eróticas, exibindo seios, vagina e ânus.
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3. Motivação da decisão da matéria de facto A convicção do Tribunal acerca da matéria de facto dada como provada e não provada assentou no conjunto da prova produzida em audiência recorrendo às regras de experiência e fazendo-se uma apreciação crítica da mesma nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. O arguido prestou declarações e confessou a prática dos factos, referindo que tinha as aplicações Telegram, Grindr e Badoo nas quais fazia parte de grupos que partilhavam este tipo de conteúdos (imagens e vídeos), sendo que também os partilhava com outras pessoas. Referiu que essas imagens e vídeos ficavam nos históricos das aplicações e quando queria copiava, colava e partilhava através do seu telemóvel. Referiu que em setembro de 2023 se encontrava num momento psicologicamente muito afetado, que o restaurante estava com muitas perdas após a pandemia, havia muita pressão para recuperar economicamente e como gosta de pornografia de adultos, esses conteúdos apareceram e começou a ver e a partilhar. Referiu ainda que nunca teve qualquer interesse por menores, todavia, estabelecia conversações sobre sexo com crianças e as mesmas causavam-lhe excitação, motivo pelo qual fantasiava relações sexuais com crianças para estimular e manter essas conversações. Por fim, referiu que no dia 2 de setembro desistiu do telegrama e desinstalou a aplicação porque não queria ter mais nada a ver com isto, achou que era errado, que foi inconsciente e se deixou levar pelas redes sociais. Foi tido em consideração o depoimento da testemunha E que esclareceu sobre o relacionamento que teve com o arguido e sobre os vídeos e imagens que este lhe enviou através da aplicação Telegram, sendo que no dia 2 de setembro de 2023 foram as últimas e foi quando decidiu que ia fazer uma denúncia porque no seu entender era muito grave e foi muito impactante o que viu. Em conjugação com o depoimento desta testemunha foi tida em consideração a perícia efetuada ao telemóvel da testemunha – Apenso Relatório Exame Pericial – onde foram extraídas duas conversações datadas de 20 de abril e 2 de setembro de 2023, e das quais constam os vídeos e imagens enviados pelo arguido à testemunha E. Foi ainda tido em consideração o depoimento da testemunha M, Especialista da Polícia Cientifica da Polícia Judiciária de Faro e que efetuou as perícias aos equipamentos informáticos apreendidos, tendo esclarecido que, com exceção das duas imagens que estavam acessíveis no telemóvel do arguido – Apenso Relatório e Perícia Preliminar – e como deste se fez constar, as demais imagens e vídeos foram extraídas da aplicação Telegram após a reinstalação da mesma. Referiu ainda que as demais aplicações, Grindr e Badoo não foi possível reinstalar porque o arguido havia sido banido face aos conteúdos de caráter sexual a que acedia e partilhava. Em conjugação com este depoimento foi também considerado o teor do relatório de perícia preliminar 105EP23. No que concerne ao conhecimento e vontade do arguido, a convicção do Tribunal decorre da confissão do mesmo, quanto ao acesso e partilha deste tipo de conteúdos. No que respeita ao alegado arrependimento do arguido e bem assim quanto às suas motivações, não nos mereceram credibilidade as declarações prestadas em audiência pelo arguido. Antes de mais, algumas das imagens constantes do computador HP do arguido tem data de 2014 (data de criação e de último acesso), o que permite perceber que o arguido acede a este tipo de conteúdos há mais tempo do que aquele que fez crer ao Tribunal. Por outro lado, não deixa de se notar a coincidência entre a data em que são enviadas as últimas imagens e vídeos para E e a data em que o arguido desinstala o Telegram, o que permite concluir que o arguido desinstalou seguramente por receio da reação do referido E, que até responde “Esa gente merece la muerte” e que em audiência de julgamento referiu que nesse dia decidiu denunciá-lo à polícia. Não deixa igualmente de ser curiosa a declaração do arguido em audiência de julgamento quando referiu que quando desinstalou o Telegram não sabia que tinha um processo contra si. Porque haveria de o saber? Tanto mais que a denúncia apenas veio a ser feita a 9 de setembro (fls. 15), o que apenas significa que E o anunciou ao arguido e por esse motivo o mesmo desinstalou a aplicação após a conversação de dia 2 de setembro, não por qualquer tipo de arrependimento ou ato de contrição. Com efeito, não obstante a postura mais moderada apresentada pelo arguido em audiência de julgamento, não podem ignorar-se as declarações do mesmo prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nas quais referiu que desde adolescente se masturba várias vezes ao dia, criando histórias fantasiosas com homens e mulheres, que se passou a deixar levar pelos vídeos de pornografia de menores que lhe enviavam e que passou a masturbar-se a vê-los, e que tem uma forte compulsão para ver este tipo de ficheiros que não consegue controlar, sendo que nunca procurou qualquer tipo de ajuda ou apoio. Por tudo isto, não ficou o Tribunal convicto do sério arrependimento do arguido, o qual advém obviamente da privação da liberdade e das consequências que tal acarretou a nível familiar, social e profissional. E, em face de tudo quanto ficou explanado se formou a convicção do Tribunal quanto aos factos provados. No que respeita aos factos não provados foram os mesmos assim considerados porquanto como resultou do depoimento da testemunha M tais imagens não estavam acessíveis no telemóvel do arguido, e foram obtidas através da reativação da conta de telegram que se encontrava desativada, ou seja, o arguido já não detinha tais conteúdos, eles foram recuperados através de meios informáticos. No que respeita às condições pessoais do arguido e à ausência de antecedentes criminais, foram considerados o relatório social de fls. 338 a 341e o certificado de registo criminal de fls. 335.
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Do mérito do recurso Valoração de prova proibida:
a) por violação da cadeia de custódia da prova digital recolhida:
Alega o recorrente que as imagens recolhidas não podem ser valoradas já que não foi respeitada a cadeia de custódia da prova digital recolhida. Invoca vários autores que se pronunciaram sobre a cadeia de custódia da prova, os passos que esta deve comportar e os requisitos a que deve obedecer, concluindo que no caso concreto a cadeia de custódia de prova se encontra comprometida, a prova contaminada e por conseguinte constitui prova ilegal/proibida
A cadeia de custódia da prova consubstancia o procedimento, constituído por diversos requisitos que devem ser adotados, protocolados relativamente a alguns meios de prova como seja a recolha de prova no local do crime para recolha de vestígios ou provas físicas, que visa garantir a preservação da integridade da prova e que assegura a sua autenticidade, rastreabilidade e confiabilidade.
Pretende-se deste modo, garantir que a prova recolhida é exatamente aquela que vai ser discutida, contraditada e posteriormente valorada pelo tribunal.
Sempre que exista desconformidade entre a prova real, recolhida e a prova que é apresentada a contraditório pelo arguido ou acusador, MP, e demais sujeitos processuais envolvidos, e valoração por parte do tribunal, a consequência é necessariamente a inadmissibilidade da prova no processo e a proibição da sua valoração, já que transmite a não confiabilidade necessária para um processo justo e equitativo.
No caso, tendo em conta a prova em causa, que se encontrava “armazenada” em computador pessoal e telemóvel do arguido, para que possa ser validamente apresentada como tal em processo penal e após valorada pelo tribunal, tem que obedecer aos requisitos estabelecidos nos art.ºs 11, 12, 15.º, e ss. da Lei do Cibercrime, 177.º e 269º, nº 1, al. c) e d), ambos do C. P. Penal.
Note-se que a testemunha E, denunciante nos autos, prestou consentimento, devidamente assinado e constante dos autos, autorizando a PJ a visualizar, selecionar, recolher, analisar e utilizar a recolha de todos os elementos relevantes relativos ao seu equipamento de comunicações móveis, vulgo telemóvel, incluindo registo de chamadas e mensagens, dados de imagem, áudio e vídeo e outros dados - cf. fls. 5 e 6 da certidão da PJ que constitui o documento junto aos autos sob a referência 11687266, identificado como “processo” - sendo que o arguido a este havia enviado imagens e estabelecera conversações como este comunicou aquando da denúncia que efetuou e depoimento prestado no Inquérito e em audiência, imagens que foram recolhidas do telemóvel da testemunha e constam da mesma certidão devidamente impressas. Estas imagens foram recolhidas, analisadas e catalogadas como prova nos autos através da competente perícia que se encontra documentada no respetivo Relatório, parte integrante desta mesma certidão identificada supra neste parágrafo.
Em 27/09/2023, após promoção nesse sentido, foi judicialmente autorizada a realização de busca domiciliária à residência do arguido, atentas as suspeitas de que o mesmo possuía aparelhos eletrónicos onde se encontrariam armazenadas imagens e vídeos como os que que enviara à testemunha E.
Na busca e apreensão em casa do arguido foram apreendidos 2 computadores pessoais, portáteis, uma caixa de disco rígido, externo, e um telemóvel devidamente identificados no auto de busca e apreensão.
Destes equipamentos foram retiradas imagens e vídeos em tudo semelhantes aos recolhidos do equipamento da testemunha/denunciante E, enviados pelo arguido.
Restaurada a aplicação telegram, no telemóvel do arguido, com o email que o mesmo usava, verificou-se que usava tal aplicação para partilhar com terceiros imagens e vídeos de cariz sexual envolvendo bebés e crianças menores de 14 anos.
Em 29/09/2023 arguido foi interrogado em primeiro interrogatório judicial, no qual prestou declarações e confessou os factos, tendo sido decretada a medida de coação da prisão preventiva.
Foi proferido despacho autorizando a recolha de imagens/vídeos/áudios e outros dados constantes dos equipamentos eletrónicos apreendidos.
Os autos estiveram sujeitos a segredo de justiça, cf. despacho judicial de 11/10/2023.
As perícias efetuadas aos equipamentos acima referidos, apreendidos em casa do arguido, computadores e telemóvel, encontram-se realizadas e juntas aos autos os competentes Relatórios em 16/02/2024, Ref. 12183766, pela PJ.
Os relatórios de perícia contêm explicação do modo como se procedeu à recolha de imagem/vídeos, o respetivo glossário e todas as explicações necessárias á compreensão dos passos dados pelos peritos.
Não obstante, o arguido limita-se a invocar estudos e descrever conceitos, defendendo que a prova obtida através destas ordenadas e executadas perícias, às quais se seguiram a apreensão, pesquisa e recolha de imagens tudo deviamente autorizado por autoridade judiciária, e elas também determinadas, são ilegais porque se encontram contaminadas em virtude de não ter sido respeitada a cadeia de custódia da prova, sem que concretize em que momento não foi tal cadeia respeitada, em que se materializa a contaminação, qual a prova que foi manipulada. Ou seja, como sem qualquer dificuldade se alcança, o arguido defende que a prova não é válida porque está contaminada sem alegar qualquer facto concreto donde se possa sequer cogitar que se verificou uma qualquer quebra na cadeia de custódia da prova, ou tendo havido contaminação, como afirma, em que consistiu esta contaminação.
Dito de outro modo, não explica o arguido e por isso é impossível alcançarmos como nem porque afirma a quebra da cadeia de custódia já que não indica/aponta qualquer acto que demonstre que no caso a cadeia de custódia foi quebrada, em que medida a prova pericial realizada não obedeceu às legis artis que a deve/devia nortear e em que medida/ponto concreto não as observou.
Ora, não alegando factos concretos, antes invocando uma proibição de prova de forma genérica e abstrata, e estando a apreensão e perícia realizadas de acordo com os normativos da Lei do Cibercrime e do Código de Processo Penal já supra referidos, e a perícia efetuada por laboratório oficial, art.º 152.º do CPP, concretamente pela Unidade de Perícia Tecnológica e Informática (UPTI), cf. art.ºs 40.º e 43.º do Dec.-Lei n.º 137/2019, de 13 de Setembro, que instituiu a Nova Estrutura Organizacional da Polícia Judiciária, que detém competência e conhecimentos para a realizar, e o fez de harmonia com os procedimentos periciais adotados em Portugal para e neste tipo de perícia, nada mais nos resta que julgar totalmente improcedente a proibição de prova invocada.
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b) por valoração da confissão realizada na sequência e como consequência da prova recolhida através de meios proibidos de prova (fruto da árvore envenenada).
Pretende o arguido que a confissão por si realizada não seja valorada porquanto a mesma foi por si efetuada confrontado que foi com as apreensões e recolha das imagens e vídeos já descritos, pelo que sendo essa prova nula é nula por consequência a confissão por ela determinada. Não tem, contudo, razão.
Como se vê da mera análise das motivações e conclusões de recurso o arguido apresenta e defende esta questão como consequencial da primeira, qual seja a proibição de valoração da prova consistente nas imagens e vídeos constantes dos autos com fundamento na violação da cadeia de custódia da prova. Como já demonstrado supra, esta questão não tem fundamento legal, até por lhe faltar deste logo suporte factual pois o arguido a não concretizou, tendo improcedido. Assim, está prejudicado o conhecimento desta questão, já que o arguido não invocou qualquer outro vício de que pudesse estar ferida a sua confissão.
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Desistência da prática do crime.
O arguido defende que a circunstância de ter desinstalado as aplicações a que acedia para recolher e procede ao Download de imagens e vídeos consubstancia uma desistência nos termos e para os efeitos previstos no art.º 24.º do Código Penal (CP).
Concretamente alega o arguido: Ainda sem prescindir e caso não se entenda que a prova pericial é nula e que existiu quebra na cadeia de custódia de prova, sempre se dirá que resulta da prova produzida que o arguido desinstalou a aplicação telegrama e deixou de utilizar as restantes aplicações. Andou mal o tribunal “a quo” ao não ponderar que tais factos consubstanciam uma desistência da prática do crime.
Na sua resposta o MP responde, de forma lapidar mas certeira, que não é possível desistir de um crime que já se consumou. E com toda a razão.
O crime em causa nos autos, como se verifica da facti specie do art.º 176.º do CP, que se relembra de seguida, o crime em causa consumou-se com o acesso por parte do arguido aos sites, visualizando, fazendo download e posteriormente partilhando as imagens e vídeos nos termos em que se encontram vertidos nos factos provados, bastante elucidativos e minuciosos. Na verdade, dispõe o art.º 176.º[2], sobre Pornografia de menores 1 - Quem: a) Utilizar menor em espectáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim; b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim; c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior; d) Adquirir, detiver ou alojar materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder; é punido com pena de prisão de um a cinco anos. 2 - Quem praticar os actos descritos no número anterior profissionalmente ou com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de um a oito anos. 3 - Quem praticar os atos descritos nas alíneas a) e b) do n.º 1 recorrendo a qualquer forma de ameaça, constrangimento ou violência é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 4 - Quem praticar os actos descritos nas alíneas c) e d) do n.º 1 utilizando material pornográfico com representação realista de menor é punido com pena de prisão até dois anos. 5 - Quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão até 2 anos. 6 - Quem, presencialmente ou através de sistema informático ou por qualquer outro meio, sendo maior, assistir, facilitar ou disponibilizar acesso a espetáculo pornográfico envolvendo a participação de menores é punido com pena de prisão até 3 anos. 7 - Quem praticar os atos descritos nos n.os 5 e 6 com intenção lucrativa é punido com pena de prisão até 5 anos. 8 - Para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo.
A atuação do arguido posterior ao acesso às imagens e vídeos, respetivo download e cedência, não impedem a consumação do crime, pois que foram posteriores à sua prática. Depois de o mesmo estar consumado, como bem salienta o MP, a intenção não foi impedir a consumação do crime, mas sim outra.
Assim, nada mais nos resta que igualmente julgar improcedente esta questão.
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Medida da pena e suspensão da sua execução.
O arguido igualmente pugna pela violação do art.º 40.º e 71.º do CP, alegando que a pena que lhe foi aplicada é excessiva, ultrapassa o limite da culpa, devendo ser-lhe aplicada outra pena, sempre inferior a 5 anos e suspensa na sua execução.
Perscrutadas as suas motivações de recurso verificamos que o arguido justifica esta sua pretensão com a circunstância de contar com o apoio de sua mulher, filho e restante família, estava inserido em termos laborais e sociais e não tinha/tem qualquer antecedente criminal.
Vejamos se estes factos foram ou não valorados e ponderados pelo tribunal a quo na determinação da pena que decidiu aplicar ao recorrente. A justificação avançada pelo tribunal a quo é a seguinte: 5. Da determinação da medida da pena Cumpre determinar a medida concreta da pena a que o arguido será condenado. Ao crime de pornografia de menores, agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 176.º, n.º 1, alínea c) e d), 177.º, n.º 7 do Código Penal, corresponde uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão a 7 anos e 6 meses de prisão. De acordo com o disposto no artigo 40.º do Código Penal, a aplicação das penas e medidas de segurança visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum a medida da pena ultrapassar a medida da culpa. A fixação da medida concreta da pena far-se-á nos termos equacionados nos artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, ambos do Código Penal, ou seja, à culpa cabe a função de determinar o limite máximo da pena; à prevenção geral de integração a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos (dentro do que é consentido pela culpa) e cujo limite mínimo se encontra nas exigências de defesa do ordenamento jurídico; à prevenção especial, cabe a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente. Assim, quanto à prevenção geral positiva, sempre que o Tribunal aplica uma pena, tem por fim restaurar a confiança que a comunidade deve ter naquela determinada norma que foi violada. Como muitas vezes se tem dito, citando Anabela Miranda Rodrigues, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...” (“A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, pág. 570). No que concerne à prevenção especial positiva, visa-se a reintegração do autor do facto ilícito na sociedade, de forma a que não volte a cometer mais crimes. A culpa, como vertente pessoal do crime, limita as exigências de prevenção, na medida em que a pena jamais poderá ultrapassar essa culpa sob pena de se desrespeitar o princípio basilar da dignidade humana. Em síntese, dentro desse limite máximo inultrapassável que é a medida da culpa, a pena é determinada “no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo da tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico” (vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, Coimbra 2001, pp. 110 e 111) e em função de exigências de prevenção especial. Para além disso, para decidir da pena concreta a aplicar há que ter em consideração os fatores previstos no n.º 2 do citado artigo 71º do Código Penal, assim atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele. Sem violar o princípio da proibição da dupla valoração pode ainda atender-se à intensidade ou aos efeitos do preenchimento de um elemento típico e à sua concretização segundo as especiais circunstâncias do caso, já que o que está aqui em causa são as diferentes modalidades de realização do tipo (neste sentido, Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, pág. 234). Assim, há que ponderar as seguintes circunstâncias: - o grau de ilicitude dos factos, o modo de execução dos factos e as consequências da sua conduta: releva o número, não elevado de ficheiros em causa, a sua natureza – fotografias e vídeos – o lapso de tempo em causa (entre 2014 e 2023); - a culpa, que se manifestou sempre na sua forma mais gravosa, de dolo direto; - os sentimentos manifestados e a motivação para a prática do crime, que no caso mais não foram que a sua própria satisfação sexual, com indiferença por interesses alheios; - a conduta anterior aos factos: tem carácter atenuativo a circunstância de o arguido não ter antecedentes criminais; - a conduta posterior aos factos: o arguido confessou os factos, todavia, procurou demonstrar um arrependimento que efetivamente não existiu até ao momento de ser detido, pois que a desinstalação de aplicação Telegram foi motivada pela reação de E e não por um ato de contrição do arguido, sendo que das demais aplicações foi banido e por razões relacionadas com o tipo de conteúdos a que acedia e partilhava; - as condições pessoais do arguido e a sua personalidade: o arguido encontra-se familiar e profissionalmente inserido, todavia, não deixa de impressionar a compulsão manifestada relativamente ao instinto sexual (designadamente mantendo encontros homossexuais fora do relacionamento) e ao acesso a este tipo de conteúdos e, bem assim, que, no caso concreto, não estamos perante o mero acesso a partilha automática de conteúdos por via do acesso como acontece na generalidade dos casos, mas sim perante alguém que guarda os conteúdos e que os envia diretamente a parceiros sexuais sugerindo aquele tipo de práticas sexuais, o que revela um animus muito superior e muito mais perigoso do ponto de vista do ultrapassar a barreira da visualização para o abuso efetivo de crianças. Neste quadro, é elevada a culpa do arguido e prementes as exigências de prevenção geral e especial, dados os reflexos comunitários deste tipo de crimes e a compulsão do arguido. Tudo ponderado, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tal como decorre do artigo 71º, do Código Penal, o Tribunal considera como suficiente e adequada a condenação do arguido na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
Quid iuris?
É sabido que o Direito Penal protege os bens jurídicos mais importantes na sociedade, punindo os comportamentos desconformes com o dever ser jurídico com maior ou menor severidade consoante a relevância ou importância do bem jurídico protegido pela norma e violado pelo comportamento ilícito, típico e culposo. Deste modo, as penas previstas para os diversos comportamentos típicos criminais visam proteger os bens jurídicos que se encontram na base da norma incriminadora, sem que, no entanto, o agente seja esquecido porquanto a culpa constitui sempre o limite da pena. Pretende a lei que a pena alcance estes dois objetivos: proteja a sociedade, através da proteção dos bens jurídicos essenciais, e (re)socialize o agente do crime (art.º 40.º do CP).
Analisada a justificação avançada pelo tribunal a quo não se vislumbra qualquer violação de qualquer comando ou princípio legal norteador da determinação da pena, enumerados exemplificativamente no art.º 71.º do CP, e muito menos que a pena determinada ultrapasse a medida da culpa, art.º 40.º do mesmo CP. Aliás, a este propósito cumpre referir que a atuação do arguido, tendo em conta o lapso de tempo decorrido desde o primeiro acesso a tal tipo de conteúdos e o último, a cedência e insistência junto da testemunha Oliveiros na partilha de tais conteúdos, não podemos deixar de salientar que a culpa do arguido excede em muito a pena que lhe foi aplicada.
Deste modo, e porque seguimos a jurisprudência segundo a qual a pena fixada pela primeira instância é de manter sempre que a mesma não se mostre desadequada e injusta, dado que é a primeira instância, através da imediação, que se encontra em melhores condições de apreender todos os aspetos que lhe permitem uma melhor compreensão do facto e do seu agente, mantém-se a pena aplicada.
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Da suspensão da Pena
Pugna o arguido pela suspensão da pena.
O Tribunal de primeira instância decidiu que não se verificam os pressupostos necessários à suspensão da pena, o que fez do seguinte modo: 6. Das penas de substituição Face à concreta pena aplicada e às elevadas exigências de prevenção geral em causa, apenas será de considerar a possibilidade da suspensão da execução da pena de prisão. Dispõe o artigo 50.º, nº 1 do Código Penal que: “O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às consequências deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” Como refere o Professor Figueiredo Dias, a opção pela suspensão da pena “não se trata (...) de uma mera faculdade em sentido técnico jurídico, antes de um poder estritamente vinculado e, portanto, nesta acepção, de um poder dever” – cfr. Figueiredo Dias, Das Consequências Jurídicas do Crime, pág. 341. O instituto da suspensão de execução da pena traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e de ressocialização. Assim, a suspensão da execução da pena depende de dois pressupostos: (1) um pressuposto formal relativo à medida concreta da pena de prisão e (2) um pressuposto material, relativo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto que permitam ou não um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do delinquente: se a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão constituem avisos suficientes para o afastamento definitivo da criminalidade – Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Março de 1997, no processo n.º 1335/96. Como reação de conteúdo pedagógico e reeducativo, a suspensão da execução da pena só deve ser decretada quando o tribunal concluir, face às circunstâncias indicadas no n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal, ser essa medida adequada a afastar o agente da criminalidade. Nesse juízo de prognose favorável deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido. Sendo favorável esse juízo de prognose deverá, então, o tribunal decidir se a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção geral do crime. No caso concreto, o arguido apresenta uma situação pessoal regularizada nos demais aspetos vivenciais. Está inserido em termos familiares, profissionais e até afetivos, e não tem antecedentes criminais. Todavia, estamos perante uma pessoa que não obstante todo esse enquadramento, vem levando uma vida paralela ao nível sexual no âmbito da qual sugere práticas sexuais com menores, exibindo para o efeito imagens e vídeos com vista ao aliciamento dos seus companheiros sexuais. Estamos perante um traço de personalidade que releva uma particular perigosidade que vai para além do mero consumo deste tipo de conteúdos e que mesmo a experiência prisional, que normalmente funciona como um indicador marcante da gravidade dos factos (que por vezes, e porque distantes das concretas vítimas, são sentidos sem contexto e sem gravidade expressiva) não evidencia consciência da gravidade das consequências envolvidas dada a postura assumida procurando dar a entender um falsa mudança de comportamento. Assim, estamos em crer que as elevadas exigências de prevenção geral e especial impedem que se faça um prognóstico favorável quanto ao comportamento futuro do arguido, pelo que a pena deve ser efetiva.
Errou o Tribunal de primeira instância ao não considerar suficiente para a assegurar as finalidades da punição a suspensão da execução da pena?
Não o cremos. O art. 50.°, n.° 1, do Código Penal, estatui que sempre que o arguido seja condenado em pena de prisão não superior a cinco anos o tribunal determina que a execução da mesma fique suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Da leitura atenta da norma transcrita conclui-se que a suspensão da execução da pena de prisão tem subjacente um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento do agente, atendendo à sua personalidade e às circunstâncias do facto.
Todavia, este não é o único aspeto a ponderar uma vez que como igualmente se refere no normativo transcrito há que atender às “finalidades da punição”, o que significa que a suspensão da execução da pena de prisão deve mostrar-se também adequada e suficiente à realização das finalidades da punição em termos de prevenção geral, ou seja, à defesa do ordenamento jurídico que o caso concreto requer. Sob pena se a norma violada perder eficácia e força na sua vertente preventiva!
É um facto que as exigências de prevenção, quer geral quer especial, são prementes, como muito bem se exarou na decisão recorrida a propósito da determinação da pena, tal como o é a intensidade do dolo e a ilicitude relevadas nos factos.
Não se pode aceitar que invoque o seu agregado familiar para obter diminuição da pena ou a sua suspensão quando os factos ilícitos que cometeu, que não contesta, envolvem tantas vezes a escravização, o mau trato e a desconsideração impar e inconcebível de crianças, Seres em formação, a quem roubam/roubaram a inocência e a infância.
Por estas razões, não temos dúvidas e concluímos que as exigências de prevenção especial são elevadíssimas, já que este tipo pretende exatamente dissuadir a sua prática e os crimes instrumentais ao mesmo, já referidos.
Termos em que se considera que a pretendida suspensão não se adequada às “finalidades da punição”.
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Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação de Évora, em:
- Julgar não provido o recurso intentado pelo arguido R e em consequência mantém-se a decisão recorrida.
- Custas pelo arguido fixando-se em 3 UC’s a taxa de justiça
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Processado e revisto pela relatora (art.º 94º, nº 2 do CPP).
Lisboa, 19 de novembro de 2024
Maria Perquilhas
Renata Whytton da Terra
Maria José Cortes
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[1] Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363.
[2] Este tipo legal de crime deve ser interpretado tendo presente as suas fontes internacionais, nomeadamente a Convenção dos Direitos da Criança; Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos da Criança sobre o Tráfico de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia, de 2002; Diretiva 2001/92/EU; Convenção do Conselho da Europa sobre o Cibercrime de 23 de novembro de 2003; a Convenção do Conselho da Europa contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual de Crianças; Recomendação do Parlamento Europeu ao Conselho, de 3 de fevereiro de 2009, referente à luta contra a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, as quais devem ser tidos em conta pelo intérprete e aplicador do direito.