VENDA POR LEILÃO ELETRÓNICO
ACESSO À PLATAFORMA E-LEILOES.PT
AGENTE DE EXECUÇÃO
TÍTULO DE TRANSMISSÃO
TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE PROPRIEDADE
Sumário

I – Inexiste um acesso à plataforma e-leiloes.pt distinto para pessoas singulares e para pessoas coletivas. Apenas as pessoas singulares podem ser utentes da plataforma e obterem as necessárias credenciais. Pretendendo adquirir um bem em nome de uma sociedade, as pessoas singulares devem declarar que têm poderes de representação das sociedades que representam, sem que os poderes sejam fiscalizados pelo administrador da plataforma.
II – Na venda por leilão eletrónico, a adjudicação, cuja decisão é da competência do agente de execução, deve ser realizada nos termos previstos para a venda por propostas em carta fechada, por força da parte final do artigo 8º, nº 10, do Despacho n.º 12624/2015. Esse regime é o que se acha previsto no artigo 827º do CPC e inclui a emissão pelo agente de execução de título de transmissão a favor do proponente adjudicatário.
III – A transmissão só ocorre com a emissão do título de transmissão. Até ter lugar essa emissão, aceite a proposta, o proponente está ligado por um contrato preliminar constituído com os elementos já verificados da fatispecie complexa do contrato definitivo em formação, com eficácia semelhante à do contrato-promessa, podendo transmitir a sua posição.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Relator: Helena Melo
Adjuntos: Maria João Areias
Paulo Correia

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

AA, Executado nos autos de execução em que é exequente a Banco 1..., CRL, veio  interpor recurso da decisão proferida em 26.09.2023, pela Mma. Juíza a quo, com o seguinte teor:

Requerimento datado de 14/03/2023:

Face aos motivos aduzidos no requerimento em epígrafe, maxime as razões que motivaram a que a proposta tivesse sido apresentada a título pessoal por BB e, essencialmente, a natureza jurídica da sociedade por quotas A..., Lda, considera-se que, na prática, a proposta foi apresentada pela mesma pessoa, assim se deferindo o requerido, por via do que o título de transmissão emitido nos autos não se mostra ferido de qualquer invalidade.

Notifique e comunique.

*

II.

Reclamação Apresentada por AA/Requerimento Datado de 05/06/2023:

AA, aqui executado, veio reclamar da decisão tomada pela Exma. Sra. Agente de Execução, referente à decisão de não admissão do direito de remição formulado por CC, pedindo a final a admissão do direito de remissão pelo seu descendente identificado.

Não obstante o Tribunal se tenha já pronunciado, no essencial e na decisão datada de 04/05/2023, relativamente à matéria agora em discussão – decisão essa que aqui se reitera integralmente, considerando-a reproduzida para todos os efeitos legais, cumpre-nos tecer ainda e apenas uns breves considerandos.

Vejamos:

Relativamente à suscitada questão da transmissão ter sido lavrada a favor de um terceiro, renova-se aqui, por questões de economia processual, o acima expendido em I.

No mais, sustenta o reclamante, no essencial, que o título de transmissão junto aos autos jamais lhe foi notificado, razão pela qual, como diz, o prazo para o exercício do direito de remição não se iniciou com a notificação do encerramento do leilão, o qual apenas se inicia com a sua notificação ao executado.

Não assiste, porém, qualquer razão ao reclamante.

Dita a lei, no art. 843º do Código de Processo Civil, o termo do exercício do direito de remição, mas já não o momento a partir do qual o mesmo se inicia, não estando este inicio dependente da prática de qualquer ato processual, v.g. notificações, concretamente notificação do título de transmissão.

E assim sucede face ao intuito de proteção que este instituto confere, o qual impõe sobre o potencial remidor um ónus de acompanhar os termos da execução para exercer, tempestivamente, o seu direito.

Neste particular vejam-se as palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2021, págs. 264/265, “(…) Sendo o interesse tutelado pelo instituto da remição o do círculo familiar do executado, não existe qualquer dever de proceder a averiguações no sentido de identificar familiares próximos do executado ou a sua localização e notificação pessoal para efeitos de exercício de tal direito, (…). A lei presume que o executado dará conhecimento atempado ao titular da remição das vicissitudes relevantes para o eventual exercício de tal direito. (…). Recai, assim, sobre o potencial remidor um ónus de acompanhar os termos da execução para exercer, tempestivamente, o seu direito. (…)”.

Em conclusão, não se impunha à Sra. Agente de Execução proceder à notificação do título de transmissão, não estando também o inicio do prazo do direito de remição dependente de qualquer notificação para tanto efetuada, maxime, da notificação do título de transmissão.

Assim, e ressumando da análise dos autos que CC apresentou o seu requerimento para exercer direito de remição por requerimento datado de 07/05/2023, mais estando documentado que o título de transmissão nos mesmos elaborado se mostra datado de 20/03/2023, é evidente que a pretensão de exercer o direito de remição é posterior à data da emissão do título, concluindo-se pela sua  extemporaneidade, como bem decidiu a Sra. Agente de Execução na sua decisão datada de 22/05/2023.

Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a reclamação apresentada e, consequentemente, determina-se que a Sra. Agente de Execução  providencie pela ulterior tramitação da presente execução.

Custas do incidente pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.”

O apelante concluiu as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…).

            Não foram apresentadas contra-alegações.

II – Objeto do recurso

De acordo com as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

. se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação da decisão de facto e falta de fundamentação de direito;

. se a venda efetuada na execução a A..., Lda. quando a proposta foi apresentada por BB deve ser anulada;

. se o direito de remição exercido antes de ter sido proferido despacho sobre o requerimento da proponente pedindo a transmissão do bem a favor da referida sociedade unipessoal, mas depois da emissão do título de transmissão é tempestivo. 

III – Fundamentação

A situação factual que resulta da consulta dos autos principais é a seguinte:

.A)Em 27.02.2023 a Sra. Agente de Execução remeteu ao executado para a morada ..., ... ..., notificação contendo a certidão de encerramento do leilão eletrónico a que se procedeu para a venda do bem penhorado nos autos, onde constava, designadamente o valor da melhor proposta e o nome do licitante.

.B)Em 01.03.2023 o executado veio juntar procuração a favor de Sr. Advogado.

.C)Em 3.03.2023 veio o executado deduzir reclamação de atos praticados pela Sra. SE, alegando não ter sido regularmente notificado dos atos processuais constantes do histórico do processo, mormente quanto à definição da modalidade da venda, preço e, respetivo encerramento do leilão, pelo que não tomou conhecimento desses atos.

.D)Mais alegou terem sido omitidos, pela Sra. Agente de Execução, diversos atos, mormente a definição da modalidade da venda, preço da venda e adjudicação do imóvel.

A irregularidade das notificações e, a omissão dos atos acima referenciados, impediram o executado de reagir nos termos que a lei lhe confere.

.E)Nesse sentido, requereu que  todos os atos praticados, mormente os acima identificados, fossem anulados, nos termos do art.º 195.º, n.º 2 do CPC.

.F)Notificada deste requerimento veia a Sra. SE informar ter sempre notificado os executados, designadamente da penhora que realizou sobre o imóvel em causa, para indicarem a modalidade de venda, quanto ao auto de penhora de 2020/10/09, da decisão de venda, do inicio da venda mediante leilão eletrónico, do encerramento do leilão eletrónico que ficou deserto, do requerimento dirigido aos autos em 23/11/2022 REFª 43971121, do exequente,  solicitando nova diligência de venda, com atualização do valor base para 80.000,00 euros; do início do segundo leilão, do encerramento deste e da apresentação de uma  proposta de valor superior ao valor mínimo anunciado, no montante de 80.000,00 euros. Mais informou que, tendo  terminado o leilão com uma proposta de valor superior ao valor mínimo anunciado, no montante de 80.000,00, “considerou signatária como aceita a referida proposta, tendo notificados em 01/03/2023 os executados e as restantes partes processuais do encerramento do leilão”.

.G)Em 14.03.2023  a proponente veio requerer, alegando não ter conseguido registado na plataforma da e-leilões.pt a sociedade A..., Lda., da qual é a única titular, fez a licitação com a intenção dos bens serem adquiridos para a sociedade, solicitando que os mesmos lhe sejam adjudicados.

.H)Em 17.03.2023, o exequente pronunciou-se sobre a reclamação do ato da Sra. agente de execução  apresentada em 03.03.2023,  pugnando pelo seu indeferimento.

.I)Por notificação de 24.03.2023 a Sra. SA solicitou aos executados a entrega do prédio objeto da venda.

.J) Em 7.04.2023 os executados vieram requerer a notificação imediata da Sra. agente de execução para que procedesse imediatamente  à suspensão de todos os atos relacionados com a venda e entrega do imóvel, até a prolação de decisão sobre a reclamação que tinham deduzido em 03.03.2023.

.L)Neste requerimento o executado manifesta-se contra o requerido pela proponente. imóvel.

.M)Em 26.04.2023  a Sra. SE veio pronunciar-se sobre o requerimento dos executados de 07.04.2023, pugnando pela sua improcedência e solicitou que fosse autorizado o  acompanhamento da força pública para se proceder à entrega do imóvel vendido.

.N).Em 04.05.2023, a Mma Juíza a quo pronunciou-se sobre o requerimento dos executados de 03.03.2023, indeferindo o mesmo.

.O).Em face dos factos dados como provados a decisão recorrida entendeu que improcedia a arguida nulidade/irregularidade das notificações dos executados.

.P) Mais se determinou que:

“No mais, deverá a Sra. Agente de Execução informar o que tiver por conveniente quanto ao Requerimento do Executado datado de 03.05.2023, onde dá conta que o imóvel em questão já se encontra registado a favor da proponente, sendo que, compulsados os autos não se vislumbra que tenha sido emitido o respetivo título de transmissão/assinatura do título que documenta a venda, nem que tenha sido tomada decisão do Tribunal quanto ao requerimento que lhe foi dirigido pela proponente em 14.03.2023, advertindo-se, desde já, que em face das questões processuais que ainda se

encontram pendentes, deverá sobrestar quaisquer atos que tenham em vista a entrega efetiva do imóvel.

Notifique todos os intervenientes processuais, inclusive a proponente.”

.Q) Em 12.05.2023, a Sra. SE veio juntar aos autos cópia do título de transmissão a favor da proponente, por si assinado em 20.03.2023.

.R)Em 17.05.2013,  CC, veio manifestar pretender exercer o DIREITO DE REMIÇÃO, invocando ser filho dos executados e juntou cópia do assento de nascimento, alegando:

.2”O bem imóvel penhorado nos autos (prédio misto, sito em ..., ..., ..., composto por armazém de rés-do-chão, pomar de macieiras e souto manso, que confronta a Norte com DD, Sul com EE, nascente com caminho e, Poente com Estrada ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...57 e, rústica ...56 e, descrito na Conservatória do registo Predial ... sob o n.º ...07) foi adquirido em leilão por leilão a A... mas registado a favor de A..., Lda.

Sucede que,

3. O mesmo ainda não lhe foi entregue.

Acresce ainda,

4.Que dos autos não consta nem não o competente título de entrega, nem outorgada a escritura de compra e venda.

5.O valor da adjudicação é de € 80.000,00 euros, apesar de inexistir decisão da agente de execução.

Nesse sentido,

6.O Requerente ainda está a tempo de exercer o direito de remição, previsto no art.º 842.º do CPC.

Pelo que,

7.O Requerente procederá ao depósito da quantia referida no prazo legal e, quando para o efeito vier a ser notificado.

Termos em que se requer a v. excelência, que se digne reconhecer o direito do aqui requerente remir o bem imóvel penhorado, adjudicado aos exequentes, seguindo-se os demais termos até ao final.

Mais se requer a emissão das competentes guias para efeitos de depósito do preço.”

.S)A Sra. Solicitadora de Execução pronunciou-se sobre este requerimento, referindo que ”O Título de Transmissão sobre a venda do imóvel, feita através do leilão electrónico, foi emitido em 20/03/2023, tendo já produzido os seus efeitos, logo o pedido solicitado pelo Remidor é extemporâneo.”

.T)Em 0.06.2023 o executado veio apresentar nova reclamação,  que concluiu pedindo que,  caso a reclamação de 03/03/2023 não seja julgada totalmente procedente e, em consequência declarada a invalidade da venda do imóvel penhorado, deverá ser a presente reclamação procedente, com a consequente admissão do exercício do direito de remição pelo descendente do executado.

.U)Em 22.06.2023, na sequência de notificação  para se pronunciar a Sra AE veio dizer que “- Quanto ao pedido de CC, a solicitar exercer o Direito de Remição, no entendimento da signatária tal é extemporâneo, porque o  Título de Transmissão já foi emitido em 20/03/2023, bem como o registo na Conservatória do Registo Predial e só ainda não foi entregue, porque aguardo despacho de nos termos do nº 4 do artº 757º e 767º do CPC.

.V)Em 26.09.2023 foi proferido o despacho recorrido supra transcrito.

O presente recurso é interposto dos despachos proferidos em 26.09.2023 - um primeiro despacho que aprecia o requerimento de 14.03.2023 apresentado pela proponente e um segundo despacho que aprecia a reclamação deduzida pelo executado, em 05.06.2023, da decisão da Sra. Agente de execução que considera extemporâneo o exercício do direito de remição pelo filho do executado, FF.

O apelante divide o seu recurso em duas partes, apresentando os seus argumentos relativamente ao decidido em cada um dos despachos.  Seguir-se-à a mesma metodologia.

Do recurso relativamente ao despacho recorrido que se pronunciou sobre o requerimento de 14.03.2023 apresentado pela proponente BB

           

Da nulidade do despacho recorrido

Entende o apelante que o despacho recorrido é nulo porque não  fundamenta “ a assunção dos factos alegados pelo proponente. Nem o podia fazer, porque nada foi feito para apurar a veracidade do alegado” e não há qualquer fundamentação de direito.

Vejamos:

Como tem vindo a ser o entendimento maioritário, apenas a absoluta ausência de fundamentação constitui causa de nulidade e já não a fundamentação errada, incompleta

ou insuficiente (cfr. se defende no Ac. do STJ de 03.03.2021, proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados sem indicação da fonte).

O apelante vem defender que o tribunal não fundamentou a prova dos factos alegados pela proponente, tendo julgado suficiente a alegação da proponente.

Ora, a falta de fundamentação da decisão de facto, que o recorrente aponta à decisão recorrida, por não ter indicado a prova em que se baseou para considerar que a proponente era sócia da adquirente, não constitui causa de nulidade do despacho. Poderá, nos casos previstos no artº 662º, nº 2, alínea d) do CPC, conduzir à remessa dos autos à primeira instância para que fundamente a decisão, nos casos em que há prova gravada e/ou registada e o tribunal deva fundamentar a decisão, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados, mas não é o caso dos autos.

Relativamente à falta de fundamentação do direito,  embora não seja citado qualquer preceito legal, como menciona o apelante, a decisão não deixou de aludir às razões do deferimento do requerido – referindo a natureza jurídica da sociedade unipessoal, que no entender da decisão recorrida, impunha que se considerasse que a proposta apresentada pela sócia tinha sido efetuada pela sociedade (uma vez que a proponente que apresentou a proposta era a sócia única da sociedade).

Assim, ainda que de modo muito resumido, a decisão contém a sua fundamentação. Questão diferente é se decidiu bem, mas tal é uma questão de existência (ou não) de erro de julgamento e não de vício da sentença.

Improcede, assim, a nulidade invocada.

Da invalidade da venda

O executado tem vindo insistentemente a suscitar a invalidade da venda, nas reclamações que tem deduzido aos atos praticados pela Sra. Agente de Execução (doravante designada por AE) e nos requerimentos que apresentou.

Assim:

.Em 03.03.2023 deduziu reclamação de atos da Sra. AE, invocando não ter recebido diversas notificações e requerendo que se declarasse a invalidade de diversos atos, incluindo a venda.

.Em  7.04.2023 requereu o indeferimento do requerido pela proponente em 14.03.2023 por falta de fundamento legal e a suspensão de todos os atos relacionados com a venda e a entrega do imóvel até a reclamação ser decidida.

. Em  03.05.2023, insistiu pelo indeferimento da pretensão da proponente BB,  invocando que a alteração por esta pretendida só poderia ser autorizada por despacho judicial, dada a sua oposição, sendo nulos todos os atos após a apresentação da reclamação, devendo ser anulada a venda.

           No presente recurso o apelante vem requerer que a venda seja anulada,  fundamentando-se no disposto na alínea c) do nº 1 do artº 839ºCPC.

           O apelante invoca como fundamento para a anulação do ato da venda:

. a violação do direito ao contraditório porque a Sra. AE emitiu o título de  transmissão a favor da sociedade unipessoal, sem ouvir os executados, assim tendo sido violado o princípio do contraditório;

. a falta de decisão escrita da Sra. AE sobre a substituição do proponente no título de transmissão, o que constitui uma nulidade processual;

. a substituição do proponente carecia de prévio despacho judicial; 

. a concretização da venda suspende-se na  pendência da reclamação de ato da AE; e,

. a emissão do título de transmissão a favor de pessoa distinta daquela que efetuou a proposta, constitui uma nulidade processual, determinando a invalidade de todos os atos praticados após a reclamação, devendo a venda ficar sem efeito.

Vejamos:

Os recursos não se destinam à apreciação de questões novas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e não estejam abrangidas pelo caso julgado que se tenha formado, estando o seu conhecimento vedado à Relação.

           Ora, nem no seu requerimentos de 7.04.2023, apresentado na sequência da notificação para se pronunciar sobre o requerimento da proponente de 14.03.2023, nem no seu requerimento de  03.05.2023, o apelante veio suscitar a questão da falta da sua notificação prévia pela Sra. AE antes da emissão do título de transmissão, nem da falta de decisão da Sra. AE sobre o requerido pela proponente, tendo apenas pedido o indeferimento do requerido “por falta de fundamento legal”, por não ser admissível a transmissão a outrem que não o proponente  e por falta de decisão prévia do tribunal (e não da AE).

Não o tendo feito anteriormente, está vedado ao apelante suscitar por via do recurso questões que podiam e deviam ter sido suscitadas na altura própria e que não são de conhecimento oficioso, como é o caso. Ora, pelo menos em 3.05.2023, quando o executado veio insistir pela invalidade da venda e juntou certidão do registo predial do prédio vendido, onde consta a inscrição a favor da Sociedade Unipessoal A... Lda.,  o executado poderia ter suscitado as referidas questões, pelo que  tais questões só agora suscitadas, constituindo questões novas,  não podem ser conhecidas.

           

Uma venda efetuada em sede judicial pode ser afetada de diferentes vícios: de caráter procedimental ou substancial (artº 838º, nº 1 do CPC).

Os vícios de caráter procedimental encontram o seu fundamento quer no disposto no art. 835.º do CPC, quer, em termos mais amplos, no âmbito do disposto no art. 195.º, n.º 1 do CPC (prática de ato que a lei não admita, bem como a omissão de ato ou formalidade que a lei prescreva, quando a lei o determine ou quando a irregularidade possa influir no exame ou decisão da causa).

O artigo 839º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil prevê a anulação da venda em processo executivo por invalidade de um ato processual que se integra sequencialmente nessa fase e for concretamente relevante para esse desfecho, ou seja, para a transmissão do bem ao adquirente, viciando-o sem possibilidade de sanação (cfr. se defende no Ac. do TRL de 28.09.2019, proc. 3090/11.7TBCSC-H.L1-7).

A nulidade processual (ou nulidade de procedimento) verifica-se quando existe desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo seguido nos autos, ao qual aquela faça corresponder - embora de modo não expresso -  uma invalidação mais ou menos extensa de atos processuais[1].

O regime das nulidades secundárias tem por base um  princípio de economia processual[2] – a nulidade de um ato só arrastará consigo a inutilização dos termos subsequentes que dele dependam essencialmente; se um ato for nulo apenas numa das suas partes, as partes restantes que dela não dependam, manterão a sua validade; e se o vício do ato apenas impedir a produção de determinados efeitos, não serão afetados os restantes efeitos para que o ato seja apto.

Dos autos resulta que:

Em 27.02.2023 o apelante, executado na execução que lhe foi instaurada pela Banco 1..., CRL, foi notificado da certidão de encerramento do leilão, onde consta, designadamente, o dia (23.02.2023),  a hora do seu fecho (10H00), o valor das propostas apresentadas (duas propostas uma de 60.000,00 e outra de 80.000,00), e a identificação da utente que apresentou a melhor proposta, Margarida Maria dos Santos Cardoso, em resultado do leilão promovido através da plataforma eletrónica e-leiloes.pt.

Em 14.03.2023 a proponente Margarida Maria dos Santos Cardoso veio pedir ao tribunal que fosse autorizado que o título de transmissão fosse emitido em nome da sociedade A..., Lda., da qual é a única sócia e gerente, alegando que foi sempre sua intenção que fosse a sociedade a adquirir o bem, no entanto, a plataforma e-leilões.pt não permitiu o registo do utente em nome da sociedade.

Estabelece o artº 837º, nº 1 do CPC que, exceto nos casos referidos nos artigos 830.º e 831.º do CPC, a venda de bens imóveis e de bens móveis penhorados é feita preferencialmente em leilão eletrónico, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, encontrando-se regulada nos artigos 20º a 25º  da Portaria 282/2013, de 29/08.

Só podem efetuar ofertas de licitação no leilão eletrónico regulado na referida Portaria, utilizadores que se encontrem registados, após autenticação efetuada de acordo com as regras do sistema (nº 3 do artº 21º da Portaria 282/13).  As regras do sistema regulam o processo de registo referido no número anterior, devendo assegurar a completa, inequívoca e verdadeira identificação de cada uma das pessoas registadas como utilizadores da plataforma a que alude o artigo anterior (nº 4 do artº 21º da Portaria) e a cada utilizador registado são fornecidas credenciais de acesso constituídas por um nome de utilizador e uma palavra-chave pessoais e intransmissíveis, que permitam a sua autenticação na plataforma referida no artigo anterior (nº 5 do artº 21º da Portaria).

O Despacho 12624/2015, de 09 de Novembro veio definir as regras de funcionamento da plataforma de leilão eletrónico, desenvolvida e administrada pela Câmara dos Solicitadores, identificada por www.e-leiloes.pt, nos termos previstos no artigo 837.º do CPC e nos artigos 20.º e seguintes da Portaria n.º 282/2013.

Efetivamente, tal como refere a requerente/proponente BB, as pessoas coletivas não se podem inscrever na plataforma e-leiloes.pt. Apenas as pessoas singulares revestem a qualidade de utentes da plataforma e podem solicitar que lhes sejam concedidas credenciais de acesso à plataforma www.e-leiloes.pt ( cfr. artº 2º, nº 1, al. m) do Despacho  12624/2015). As pessoas coletivas e entidades equiparadas devem apresentar propostas através de utente que declare ter poderes de representação (artº 3º, nº 4 do Despacho). Estes poderes de representação não são fiscalizados pelo administrador da plataforma, sem prejuízo de poder vir a ser exigida a sua comprovação na execução (artº 3º nº 5 do Despacho 12624/2015).

Por isso, no artº 2º, nº 1, al.j) do Despacho 12624/2015, é definido licitante como o  utente que, por si ou em representação de terceiro, submeta na plataforma uma proposta de compra relativa a um bem ou conjunto de bens que integram um lote.

Diferentemente do que refere o apelante, não há um acesso à plataforma e-leiloes.pt distinto para pessoas singulares e para pessoas coletivas. Apenas as pessoas singulares podem ser utentes da plataforma e obterem as necessárias credenciais. Pretendendo adquirir em nome de uma sociedade, as pessoas singulares devem declarar que têm poderes de representação das sociedades que representam, sem que os poderes sejam fiscalizados pelo administrador da plataforma.

Portanto, era apenas a pessoa BB que podia ser utente da plataforma e ter acesso à plataforma e-leilões.pt e não também a sociedade A..., Lda.

Concluído o leilão são emitidas duas certidões eletrónicas (artº 8º, nº 9 do Despacho):

a) A primeira, destinada ao agente de execução titular do processo de execução, que contém, designadamente, os seguintes dados:

i. Todos os que constam da publicitação da venda, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;

ii. O valor da proposta mais elevada;

iii. A identificação completa do utente que subscreveu a proposta mais elevada;

iv. A identificação completa dos eventuais representados;

Ora, da análise da certidão que acompanhou as notificações efetuadas a 27.02.2023, dando conhecimento do encerramento do leilão eletrónico, não consta no local destinando à identificação dos representados (campo C 4) a indicação de qualquer nome. Forçoso é concluir que a proponente (eventualmente por desconhecimento ou por desatenção) ao submeter a sua proposta na plataforma não referiu que se encontrava a agir em representação da Sociedade A..., Lda.

A sociedade unipessoal por quotas é constituída por um sócio único, pessoa singular ou coletiva que é titular da totalidade do capital social (artº 270º-A, nº 1 do CSC). Uma pessoa singular só pode ser sócia de uma única sociedade unipessoal por quotas (artº 270º-C, nº 1). Às sociedades unipessoais por quotas aplicam-se as normas que regulam as sociedades por quotas, salvo as que pressupõem a pluralidade de sócios, pelo que se lhes aplicam as disposições relativas à limitação da responsabilidade pelas dívidas societárias. A concessão de limites à responsabilização patrimonial através da adoção deste tipo societário surgiu como medida para dotar os indivíduos de meios de prever o seu efetivo comprometimento patrimonial, limitando a sua responsabilidade.

Com o objetivo de maior transparência, ao contrato entre sócio único e sociedade unipessoal é imposta a obrigação de verificação de uma série de requisitos (nos 1, 2 e 3, art. 270-F do CSC), cuja inobservância implicará a nulidade dos negócios e responsabilidade ilimitada do sócio (nº 4 do artº 270º-F) do CSC).

A separação de patrimónios e imposição de diversos requisitos ao contrato entre o sócio e a sociedade unipessoal, ilustra bem a separação entre a pessoa coletiva sociedade unipessoal e a pessoa singular ou coletiva que é a sua única sócia.

Afigura-se-nos, assim,  pacífico que a pessoa singular proponente é pessoa jurídica diferente da sociedade A... Lda., pelo que não se pode considerar que a proposta apresentada pela utente BB em 23/02/2023 foi apresentada pela pessoa coletiva a favor de quem foi emitido o título de transmissão, como se entendeu na decisão recorrida.

Não tendo a proponente efetuado tal declaração na plataforma e-leiloes.pt, está impedida de se fazer substituir?

A venda em processo de execução produz os mesmos efeitos da venda realizada através de um negócio jurídico, ou seja tem como efeitos essenciais as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço, e a transmissão da propriedade da coisa - artº 879º als. a) a c) do Código Civil.

 Na venda por leilão eletrónico, a adjudicação, cuja decisão é da competência do agente de execução, deve ser realizada nos termos previstos para a venda por propostas em carta fechada, por força da parte final do artigo 8º, nº 10, do Despacho n.º 12624/2015. Esse regime é o que se acha previsto no artigo 827º do CPC e inclui a emissão pelo agente de execução de título de transmissão a favor do proponente adjudicatário.

 É controvertido a definição do momento em que se aperfeiçoa a venda executiva. Lebre de Freitas (A ação executiva, 7ª edição, p. 383) defende que a venda se efetiva com o depósito do preço, correspondendo à data em que os bens foram adjudicados. Na jurisprudência, há decisões onde se sustenta que a transmissão da propriedade da coisa ou do direito ocorre com a emissão do título de adjudicação (cfr. se defende, v.g,  no Ac. do TRE de 06.12.2018, processo 1866/14. 2T8SLV-B.E1 e Ac. do STJ de 23.02.2021, proc. 1013/18.9T8PDL.L1.S1) ) e outras onde se entende que a venda executiva reveste a natureza de um negócio jurídico, ficando o efeito translativo da propriedade da coisa ou da titularidade do direito sujeito à verificação da condição suspensiva da realização dos depósitos a que se refere a que se refere o artº 815º (como se defende no Ac. do TRL de de 28/04/2015, proc. 30347/09).

Entendemos que, com o devido respeito pelo entendimento contrário, que a transmissão só ocorre com a emissão do título de transmissão. Até ter lugar essa emissão, aceite a proposta,  o proponente está ligado por um contrato preliminar constituído com os elementos já verificados da fatispecie complexa do contrato definitivo em formação, com eficácia semelhante à do contrato-promessa, podendo transmitir a sua posição[3]  [4].

      A intervenção de um terceiro na obrigação de contratar pode derivar de várias fontes, com regimes específicos, seja através da “promessa de contrato por terceiro”, de um “contrato para pessoa a nomear”, de uma cláusula de “reserva de nomeação” ou de uma “cessão da posição contratual” (cfr. se defende no Ac. do TRC de 24.02.2015, proc. 528/13.2TBPBL.C1. “Ela implica uma modificação subjetiva dos sujeitos da relação contratual, que permanece objetivamente a mesma, sendo que para o terceiro (cessionário) é transmitida a posição contratual no seu todo, ou seja a posição global do cedente existente no momento da eficácia do negócio. Deste modo, a transmissão da posição contratual produz a liberação do cedente em face do cedido, no momento em que foi notificada ao cedido ou a aceitou, pois a partir daí o cessionário passa a ocupar o lugar do cedente no contrato inicial, com o complexo de direitos e obrigações.

Existe um contrato base ou contrato inicial (realizado originariamente entre cedente e cedido) e o contrato instrumento da cessão (entre cedente e cessionário), através do qual se dá a transmissão.” (cfr. Ac. do TRC de 24.02.2015, já citado, de onde foi retirado o extrato transcrito).

Na situação dos autos não está comprovada a cessão da posição contratual da proponente BB, para A..., Lda e nada nos indica que tal cessão tenha sido feita. A proponente ter-se-á limitado a indicar à Sra. AE,  o nome da sociedade e a afirmar o que referiu no requerimento que remeteu ao tribunal de 14.03.2023. Não tendo havido cessão da posição contratual,  o proponente continuou a ser a BB, pessoa singular, razão pela qual o título de transmissão não deveria ter sido emitido em nome da sociedade. 

E qual a consequência da emissão do título de transmissão a favor de pessoa diferente do proponente?

A  emissão do título de transmissão a favor de pessoa diferente do proponente, afigura-se-nos não constituir uma irregularidade processual, mas sim um incumprimento do “contrato-promessa” de compra e venda, assistindo ao proponente lesado os direitos que assistem aos contraentes cujos contratos “preliminares” são incumpridos.

Assim, tendo já sido emitido o título, embora por razões diferentes das constantes do despacho recorrido, não há que proceder à anulação da venda executiva.

Da tempestividade do exercício do direito de remição

Afigura-se-nos pacífico que o direito de remição tem de ser exercido até ao momento em que é emitido o título de transmissão, aplicando-se relativamente à venda por leilão eletrónico o estabelecido quanto à venda por propostas em carta fechada (artº 843º, nº 2, alínea a) do CPC e artº 8º, nº10 do despacho 12624/2015).

No caso o descendente do executado manifestou a intenção de remir em data posterior. O título foi emitido em 20.03.2023 e a intenção de exercer o direito foi manifestada em 17.05.2023. Referimos intenção de remir porque só se pode considerar o direito como validamente exercido quando for efetuado o depósito do preço e também a da indemnização, nos casos em que esta é devida (artº 843/2 do CPC), o que no caso não chegou a ocorrer.

Quando foi elaborada, em 21.03.2023, a notificação para as partes, dando conhecimento do requerimento de 14.03.2023, o título de transmissão já tinha sido emitido no dia anterior. Eventualmente, a Sra. AE  desconhecia que a requerente tinha apresentado no processo um requerimento em 14.03.2023. O processamento em paralelo junto do tribunal e junto da agente de execução, originou que a notificação do requerido pela proponente ao juiz do processo, já fosse efetuada depois da emissão do título de transmissão (tendo sido apenas objeto de decisão judicial em  26.09.2023).  Mostrando-se integralmente depositado o preço e liquidados os devidos impostos (IMT e Imposto de Selo em 13.03.2023, como demonstram as guias  juntas aos autos), a Sra. AE emitiu o título de transmissão em conformidade com o disposto no artº 827º, nº 1 do CPC, sendo que apenas dispõe de um prazo de 10 dias, contados da certificação da conclusão do leilão, para dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada (artº 8º nº 10 da Portaria 12624/2015).

O  artigo 719.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe “Repartição de competências” estabelece que “Cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz (…)”.

Compete, consequentemente,  ao agente de execução a quase totalidade dos atos de execução. No atual modelo da ação executiva, as competências do juiz são restritas e tipificadas, sem prejuízo da reserva de jurisdição prevista no artº 202º, nº 2 da CRP (cfr. defendem Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil anotado, 2º volume, 2020, Almedina, pág. 59). O juiz apenas pode fiscalizar a legalidade dos atos processuais no âmbito do que lhe for solicitado, para além de apreciar questões de conhecimento oficioso.

A  intervenção do agente de execução no processo executivo é subsidiária, em relação à secretaria e ao juiz, constituindo ainda entendimento prevalecente (decorrente do seu Estatuto, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 19/9, e do demais direito positivo) que a relação entre o juiz e o agente de execução não se pauta por uma relação hierárquica do segundo para com o primeiro, inexistindo da parte deste um poder geral de controlo sobre a atuação do segundo, que não se confunde com o controle jurisdicional previsto no artigo 723.º (cfr. se defende nos  Acórdãos do TRC de 27-06-2017, proc. 522/05.7TBAGN.C1 e do TRE  de 27.05.2021, proc. 2561/15.0T8STB-E.E1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).

De acordo com o nº 1 do artº 723 do CPC, a lei especificamente atribui ao juiz, sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, competência para:

a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar;

b) Julgar a oposição à execução, e penhora, bem como verificar e graduar os créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação;

c) Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias;

d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.

As decisões tomadas pelos agentes de execução que não forem objeto de oportuna reclamação ou impugnação das partes ou por terceiros intervenientes na ação executiva (à luz do disposto nas als. c) e d) do nº. 1 do artº. 723º do CPC) estabilizam-se/consolidam-se definitivamente (como efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado de uma decisão judicial, cfr. se defende no acórdão do TRC de  27.06.2017, proc. 522/05.7TBAGN.C1).

E há que entender que o esgotamento do poder de decisão do agente de execução, quanto à questão por si decidida, impede que o juiz de execução tenha uma intervenção oficiosa no sentido de contrariar o ato praticado ou a decisão tomada por aquele agente, salvo nos casos em que a lei especificamente autorizar o juiz a decidir de forma distinta.

A alínea d) constitui uma norma aberta, de caráter residual, abrangendo designadamente a reação à inação do agente de execução, bem como questões que não pressuponham o esgotamento da sua capacidade decisória (cfr. Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, Almedina, 2020, p. 64). O recurso à alínea d) poderá ser utilizado para esclarecer dúvidas sobre a solução jurídica ou sobre a interpretação de determinados preceitos legais e, designadamente,  para os efeitos previstos nos artigos 755º, nº 4 e 855º, nº 2, alínea b) do CPC.

           O juiz só deve pronunciar-se sobre questões suscitadas pelas partes ou por terceiros intervenientes, se tiverem sido suscitadas questões que não sejam do âmbito da competência do agente de  execução.  Caso contrário, deverá remeter a questão para o AE e, caso a parte ou o terceiro  não se conforme com a decisão por este proferida, poderá reclamar do ato para o tribunal.

Embora, não demonstrando os autos ter sido proferida qualquer decisão por escrito do Sra. AE sobre a pretensão da proponente,  no sentido de deferir o requerido pela proponente, há que se entender que a emissão de título de transmissão em nome da sociedade unipessoal, constitui deferimento tácito da pretensão da proponente, sendo que é da incumbência do AE o deferimento ou indeferimento do requerido pela proponente.

Tendo os executados sido notificados em 27.02.2023 da certidão de encerramento do leilão, onde consta, o valor das propostas apresentadas (duas propostas uma de 60.000,00 e outra de 80.000,00), e a identificação do utente que apresentou a melhor proposta, Margarida Maria dos Santos Cardoso, em resultado do leilão promovido através da plataforma eletrónica e-leiloes.pt, incumbia-lhes acompanhar o processo e dar conhecimento do facto aos familiares que podem exercer o direito de remição, tivessem ou não constituído mandatário, sendo que, no caso, o executado estava, pelo menos desde 01.03.2023 (data em que juntou procuração ao processo), representado por mandatário.  Incumbe aos executados e respetivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afete o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição, sem, com isso, porem em causa a legítima confiança que o adquirente dos bens em processo executivo depositou na estabilidade da aquisição patrimonial que realizou. Daí que se entenda que os familiares dos executados não têm de ser notificados para exercer o direito de remição (Ac. do TRC de 27.05.2015, proferido no proc. 386/12.4TBSRE-B.C1 Ac. do TRP de 17.03.2016, proc. 557/10.2TBSJM-B.P1 e os Acórdãos do STJ, de 10/12/2009, Processo n.º 321-B-1997.S1 e de 13/09/2012, Processo n.º 4595/10.2TBBRG.G1.S1). Ora, dispondo o º 10 do artº 8º do Despacho 12624/2015 que o AE tem 10 dias a partir da certificação do leilão para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada, a qualquer momento dentro desse prazo o título de transmissão iria ser emitido, pelo que deveria ter sido manifestada pelo filho do executado,  após a notificação da certidão do encerramento do leilão, de imediato ou nos dias muito próximos, a intenção de exercer o direito e efetuado o depósito do preço, o que não foi feito. Nem todas as diligências relativas à venda têm de ser notificadas aos executados, por não contenderem com direitos e garantias das partes, designadamente, não tem de ser notificado que o proponente efetuou o pagamento do IMT e do Imposto de Selo, quando devidos, nem a data em que vai ser emitido o título de transmissão ou realizada a escritura pública ou documento particular autenticado. Mas já terão de ser notificadas as propostas que se relacionam com o valor da venda do bem, pois que este elemento é decisivo para o exercício do direito de remição ou do direito de preferência.

A circunstância da proponente ter requerido nos autos o que requereu em 14.03.2023, em nada altera a data para exercer o direito de remição. Não pode o executado fundamentar-se no facto de ter sido emitida notificação do requerimento da proponente de 14.03.2023, em 21.03.2023,  para defender que o prazo se mantinha em curso, até porque, quando o executado é notificado de tal requerimento, já o prazo para exercer o direito de remição tinha decorrido, porque o título já tinha sido emitido, em 20.03.2023.

A reclamação do ato da Sra. AE efetuada em 03.03.2023 não suspende a execução. A atribuição desse efeito teria de constar de preceito legal nesse sentido. Note-se que noutro plano, no caso dos despachos judiciais, o recurso dos despachos interpostos nos termos dos nºs 2 e 3 do artº 853º do CPC, onde se inclui o despacho que se pronuncie, designadamente,  sobre a anulação da venda, não têm efeito suspensivo, mas sim devolutivo (artº 853º, nº 4 do CPC).

Consequentemente, é de manter o despacho recorrido que julgou extemporâneo o exercício do direito de remição.

Sumário:

(…).

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando as decisões recorridas nos termos supra expostos.

Custas pelo apelante.

Coimbra, 25 de outubro de 2024


[1] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 176.
[2] A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e atualizada, p. 391.
[3] Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC, “Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, pg. 582, embora considerem que a venda se mostra perfeita com o depósito do preço.
[4] No Manual de Boas Práticas, A Venda Executiva, Parte 1, da Câmara dos Solicitadores, de Abril de 2012,  pgs. 22 a 24, acessível em https://www.osae.pt/uploads/cms_page_media/808/manual%20sobre%20a%20venda%201.pdf, defende-se a  possibilidade de substituição do proponente no título de transmissão, porquanto, pelo menos, deve considerar-se que o  adquirente/proponente passa a  beneficiar do direito de adquirir, ou seja, passa a ter uma expectativa de aquisição de determinado bem, expectativa essa que é transmissível  ou mesmo passível de ser objeto de penhora (778º, nº 1 do CPC). Na verdade, ainda que se entenda que o proponente desfruta de um direito de adquirir que apenas se torna perfeito com a passagem do título de transmissão, ele goza do direito de alienar essa posição jurídica subjetiva e, se falecer, antes da emissão do título de transmissão, o seu direito transmite-se aos herdeiros.  No caso da venda por negociação particular,  nada parece obstar a que o agente de execução ou a pessoa que ficar incumbida de a realizar, combine com o potencial adquirente que este se reserva na faculdade de designar uma outra pessoa que assuma a sua posição contratual, como se o contrato tivesse celebrado com esta última (artº 452º, nº 1 do CC).