ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO À SAÚDE
INTEGRIDADE CORPORAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I – A indemnização por danos não patrimoniais cinge-se àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – desatendendo os meros incómodos ou as contrariedades sofridas pelo lesado –, e fixa-se por recurso à equidade, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente e a sua situação económica e a do lesado, bem como as demais circunstâncias do caso, devendo mostrar-se adequada a contribuir para atenuar e minorar o sofrimento físico e psicológico em que tais danos se traduzem.
II – É hoje consensual o entendimento de que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas; tal compensação deverá ser significativa e não meramente simbólica, estando ultrapassada a época das indemnizações reduzidas para compensar esses danos.
III – No âmbito dos acidentes de viação, os danos não patrimoniais subsumem-se, fundamentalmente, ao dano à saúde, entendida esta como estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas ausência de doença ou de enfermidade.
IV – A autonomização e o reconhecimento jurídico da saúde enquanto bem jurídico, assume particular importância na sua dimensão de integridade corporal, quer física, quer psíquica, superando a visão tradicional, retrógrada, que concebia essa integridade, basicamente, na sua dimensão estritamente física, correspondente a uma ideia economicista que relacionava o dano à saúde com os seus reflexos laborais e de produção de rendimento, descurando a própria componente espiritual do dano, no pressuposto que qualquer disfunção na saúde é causa de um sofrimento moral e como tal é ressarcível.
V – Provado que, à data do acidente e em consequência do mesmo: (i) o autor tinha 61 anos de idade; (ii) não teve qualquer culpa na produção do acidente (iii) sofreu fractura na tíbia esquerda e hematomas frontotemporal direito e no cotovelo esquerdo; (iv) foi internado e submetido a cirurgia (v) sofreu dores de grau 4 e dano estético de grau 3; (vi) ficou com algumas sequelas permanentes (v.g., cicatriz, atrofia muscular de 2 cm na coxa esquerda e sequelas permanentes de prática de actividades desportivas e de lazer de grau 2), é ajustado, para compensar os danos não patrimoniais sofridos, o montante de € 25 000 (vinte e cinco mil euros).
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (3.ª Secção)[1],

A..., S.A., ré nos autos à margem melhor identificados, em que é autor AA, veio recorrer da sentença do Juízo Central Cível de ... – Juiz ..., na qual se decidiu:

“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, decide-se:

1) Condenar a Ré A... - Companhia de Seguros, S.A., no pagamento da quantia global de € 32.907,32 (trinta e dois mil, novecentos e sete euros e trinta e dois cêntimos), ao Autor AA, acrescida de juros de mora contados desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento;

2) Absolver a Ré A... - Companhia de Seguros, S.A., do demais peticionado;

3) Condenar o Autor AA e a Ré A... – Companhia De Seguros, S.A. nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 42% e 58% respectivamente (cfr. artigos 527.º, n.º 1 e 2, e 607.º, n.º 6, do Código de Processo Civil).”


*

Na petição inicial o autor, após invocar que foi vítima de um atropelamento ocorrido em 04-01-2018, na Avenida ..., ..., na cidade ..., quando atravessava uma passadeira para peões, culposamente causado pela proprietária e condutora do veículo ligeiro de mercadorias, de marca Citroën, com a matrícula ..-QQ-.., segurada na ré, que lhe causou “fractura na tíbia esquerda, um hematoma frontotemporal direito e um hematoma no cotovelo esquerdo”, concluiu:

“Nestes termos e nos mais de Direito, deverá a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser a R. condenada a pagar ao A.:

a) a quantia de € 3.038,32 a título de indemnização por danos patrimoniais;

b) a quantia de € 45.000,00 a título de indemnização pelo dano biológico na perspectiva patrimonial (défice funcional); e

c) a quantia de € 8.000,00 a título de indemnização pelo dano biológico na perspectiva não patrimonial (danos morais complementares) tudo, acrescido de juros de mora à taxa de juro civil de 4%, contados desde a data da citação para a presente acção e até efectivo e integral pagamento” (sic).

A ré contestou, reconhecendo a sua responsabilidade pela regularização do sinistro – pelo facto do mesmo ser imputável à conduta imperita e negligente da condutora do veículo por si seguro –, mas não aceitou, na íntegra, os danos alegados pelo autor, requerendo que a acção seja julgada de acordo com a factualidade que se provar.


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O recurso foi recebido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

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Nas alegações de recurso, a ré/recorrente formula as seguintes conclusões:

“A) A quantia arbitrada ao Autor a título de dano não patrimonial decorrente das lesões, incómodos e sequelas sofridas na sequência do acidente dos autos revela-se extremamente exagerada e desfasada do que tem vindo a ser decidido pelos nossos Tribunais superiores.

B) Num juízo de equidade, deve ser feita uma análise comparativa de situações análogas, com vista a salvaguardar não apenas o princípio da igualdade, mas como também o princípio da segurança na aplicação do Direito.

C) E, perante uma análise comparativa de situações semelhantes ou análogas, facilmente se concluiu que o valor de € 32.500,00, arbitrado a título de dano não patrimonial, onde se inclui o dano biológico e estético, é desajustado e manifestamente exagerado.

D) Assim, e face às decisões elencadas no corpo da presente Apelação, a referida indemnização de € 32.500,00 deve ser reduzida para € 10.000,00, valor que se afigura mais adequado e proporcional.

E) Assim se fazendo inteira Justiça.”


*

            Contra-alegou o recorrido, apresentando as seguintes alegações:

(…).


*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, apenas havendo que apurar, nesta sede recursiva, se o valor indemnizatório arbitrado pelo tribunal a quo, a favor do autor, a título de dano não patrimonial decorrente das lesões, incómodos e sequelas sofridas na sequência do acidente é ou não de manter.

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A. Fundamentação de facto.

Na 1.ª instância deu-se como provada a seguinte matéria de facto:

1) O autor nasceu no dia ../../1957.

2) No dia 24-01-2018, pelas 14h55, na Avenida ..., ..., ..., ..., ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de mercadorias, de marca Citröen, de cor branca, com a matrícula ..-QQ-.., conduzido por BB, e o autor, que seguia apeado.

3) Naquela data, 24-01-2018, mostrava-se transferida a responsabilidade civil relativa à circulação do veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-QQ-.. para a ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...77.

4) Por força da Apresentação 05683 de 19/02/2016, a 24-01-2018 mostrava-se registada na Conservatória do Registo Automóvel a propriedade do veículo de Matrícula ..-QQ-.., marca Citröen, a favor de CC.

5) Momentos antes do embate, o autor encontrava-se a circular a pé no passeio junto à Rotunda ..., tendo-se dirigido para a passadeira para realizar a travessia da via.

6) Chegado à passadeira, o autor parou e olhou, tendo visto somente o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-QQ-.. a cerca de 30 metros, vindo da sua esquerda, decidindo iniciar a travessia.

7) Quando o autor se encontrava a realizar a travessia de peões, o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-QQ-.. embateu naquele, atropelando-o e atingindo-o no lado esquerdo do corpo, o que provocou a sua queda no solo.

8) O embate deu-se na última risca da passadeira antes do eixo da via.

9) A largura total da via na Avenida ... é de 9,00 metros.

10) Após o embate, foi chamada ao local uma ambulância com elementos dos Bombeiros Voluntários ... para socorrer o autor.

11) Depois de assistido no local, o autor foi transportado para os Serviços de Urgência da Unidade Local de Saúde – Hospital ... de ..., onde ficou internado.

12) Como consequência directa e necessária do embate referido em 2), o autor sofreu uma fractura na tíbia esquerda, um hematoma frontotemporal direito e um hematoma no cotovelo esquerdo.

13) O autor foi internado no dia 24-01-2018 e saiu no dia 27-01-2018 do Serviço de Ortopedia, tendo aí sido realizado terapêutica conservadora com imobilização externa provisória com aparelho gessado, podendo deambular apenas com apoio de muletas ou cadeira de rodas com o fito de poder realizar a viagem de avião para a Alemanha.

14) A 27-01-2018, o autor viajou para a Alemanha.

15) No dia 31-01-2018, no Hospital Universitário de Mainz, o autor foi submetido a uma cirurgia de reposição aberta de uma fractura multifragmentária na área articular de um osso tubular longo, através de placa angularmente estável na tíbia proximal, esquerda, tendo sido realizada abordagem directa, redução cruenta da fractura e osteossíntese rígida com placa e parafusos do planalto tibial externo.

16) Após ter tomado conhecimento da reclamação de acidente de viação, em consequência do teor da participação de acidente de viação elaborada pela entidade policial competente, a ré concluiu que a condutora da viatura segura contribuiu para a eclosão do acidente.

17) À data do embate referido em 2), o autor não exercia qualquer actividade laboral e encontrava-se aposentado.

18) Em consequência do embate, o autor sofreu uma fractura no planalto tibial externo, à esquerda, que foi depois imobilizada com tala gessada posterior cruropodálica, no Serviço de Urgência do Hospital ..., em ....

19) No mês de Maio de 2018, o autor começou a conseguir sair de casa e aos poucos fazer as suas tarefas diárias com alguma autonomia, necessitando do auxílio de duas canadianas para se deslocar.

20) O autor teve necessidade de se deslocar com o auxílio de duas canadianas até finais de Outubro de 2018, passando nessa ocasião para a utilização de uma canadiana que manteve para se deslocar até ao final do ano de 2018.

21) O autor apresentou procedimento criminal contra BB, tendo o processo seguido os seus termos sob o n.º 688/18.....

22) No período entre 24-01-2018 e 02-05-2018, o autor, após ter tido alta hospitalar, ficou acamado no seu domicílio na Alemanha, acompanhado da sua esposa.

23) No mesmo referido período, o autor esteve incapacitado de realizar as suas actividades da vida diária, designadamente fazer a sua própria higiene, levantar-se da cama para realizar as necessidades fisiológicas, vestir-se, conduzir, passear, e ir às compras.

24) Como consequência do embate referido em 7), padeceu de dores fortes e intensas e esteve acamado durante três meses, período no qual esteve dependente de terceiros.

25) Por força deste estado físico, o autor realizou fisioterapia pelo menos duas vezes por semana logo após a cirurgia e até final de Abril de 2018, a qual era feita ao domicílio pelos profissionais de saúde.

26) De 31 de Janeiro a finais de Abril de 2018, o autor tinha dores diariamente e, por essa razão, tomou medicação diária onde se incluía analgésicos e anti-inflamatórios.

27) No mês de Maio de 2018, o autor começou a sair de casa e aos poucos fazer as suas tarefas diárias com autonomia, necessitando do auxílio de duas canadianas para se deslocar.

28) O autor deslocou-se com o auxílio de duas canadianas até finais de Outubro de 2018, passando então a utilizar uma canadiana, que manteve para se deslocar até ao final do ano de 2018.

29) Em Abril de 2019, o autor apresentava dor recorrente em carga, parestesias e disestesias da coxa e da perna, impotência funcional moderada a subir e descer escadas sem apoio no corrimão, dificuldade em passar da posição de sentado para a ortostática, por diminuição da força muscular do membro afectado.

30) No mesmo período, o autor fazia recorrentemente hidrartrose (acumulação anormal de líquido seroso numa articulação) no joelho, o que fazia com que tivesse de tomar medicação.

31) No mesmo período, o autor apresentava uma cicatriz antero externa em S itálico, hipotrofia muscular do quadricípite moderada e da região gemelar, diminuição da força muscular do membro inferior esquerdo.

32) Como consequência do embate referido em 7), o autor deixou de andar de bicicleta e de mota, descer escadas sem se apoiar no corrimão, fazer caminhadas e carregar pesos.

33) Durante mais de um ano, e como consequência do embate referido em 7), o autor sentiu-se desanimado e revoltado.

34) À data de hoje, o autor sente tristeza em virtude do referido em 32).

35) Como consequência necessária e directa do embate referido em 7), o autor liquidou as seguintes quantias:

a. € 85,00 referente a muletas e tratamento hospitalar (parte não comparticipada pelos serviços sociais da Alemanha);

b. € 60,00 referente a consulta de ortopedia; c. € 60,00 refente a consulta de ortopedia; d. € 16,00 referente a Raios X;

e. € 20,20 relativamente a transporte de táxi que suportou na Alemanha para deslocação ao Hospital durante o período de recuperação após a cirurgia

f. € 17,44, referente a medicamentos na parte não comparticipada pelos serviços sociais da Alemanha;

g. € 148,68, referente a sessões de fisioterapia, na parte não comparticipada pelos serviços sociais da Alemanha.

36) A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor é fixável no dia 30-04-2019.

37) A 12-03-2024, o autor apresentou as seguintes sequelas em consequência do embate referido em 7):

a. cicatriz medindo 12,5 cm de comprimento na face do membro inferior esquerdo;

b. antero externa do joelho esquerdo;

c. atrofia muscular de 2 cm na coxa esquerda;

d. mobilidades passivas indolores e mantidas a nível do joelho;

38) Como consequência necessária e directa do acidente, o autor sofreu traumatismo do membro inferior esquerdo.

39) Na sequência da lesão atrás referida, o autor foi submetido a tratamento médico, cirúrgico e de fisiatria.

40) O défice funcional temporário total é fixável no período de 250 dias.

41) O défice funcional temporário parcial é fixável no período de 212 dias.

42) A repercussão temporária na actividade profissional total é fixável no período de 250 dias.

43) A repercussão temporária na actividade profissional parcial é fixável no período de 212 dias.

44) O autor sofreu de um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

45) O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do autor é fixável em 3 pontos.

46) O dano estético permanente sofrido pelo autor é fixável no grau 3, numa escala com sete graus de gravidade crescente.

47) As sequelas de que o autor ficou portador são, em termos de Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer, fixáveis no grau 2 numa escala com sete graus de gravidade crescente.

48) O material de osteossíntese foi retirado ao autor em 2020.

49) A fractura com depressão do planalto tibial externo no joelho do autor está consolidada.

50) Como consequência do descrito em 7), na presente data, o autor padece ainda de falta de força muscular, dormência/falta de sensibilidade e dor localizada ao calcar no local intervencionado.

51) O autor liquidou € 72,00 para obter cópia do auto de ocorrência na PSP ....

52) O autor liquidou € 102,00 a título de taxa de justiça para constituição de assistente no Processo Crime n.º 688/18.... da 2.ª Secção da Procuradoria do Juízo Local Criminal de ....

53) O autor pagou € 2.385,00 à sociedade B... Unipessoal, Lda., pela prestação pela última de serviços agrícolas ao primeiro, nos anos de 2018 e de 2019.


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B. Fundamentação de Direito.

A seguradora/recorrente não põe em causa a obrigação de indemnizar o autor pelos danos que lhe advieram do sinistro rodoviário registado, mas apenas o valor de tal indemnização, especificamente e apenas no que tange aos danos não patrimoniais.

Segundo o n.º 1 do art. 483.º do Código Civil (CC), “[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, emergindo do art. 563.º do mesmo Código, que “[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Os requisitos legais da obrigação de indemnizar, resultantes dos citados preceitos, implicam:

– O facto do agente – que pode consistir numa acção ou numa omissão;

– A ilicitude – que pode revestir as modalidades de violação de direitos absolutos ou a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios;

– A imputação do facto ao agente/culpa – a título de dolo ou negligência, podendo, ainda, trata-se de culpa presumida (art. 503.º, n.º 3, 1.ª parte do CC);

– O dano;

– O nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.

Na perspectiva da responsabilidade civil, considera-se dano ou prejuízo toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica, havendo que investigar e apurar, por um lado, quais os danos susceptíveis de serem indemnizados e, por outro lado, fixar os seus montantes.

No ordenamento jurídico português, o princípio geral que enforma o sistema indemnizatório é o da reparação natural do dano – as coisas atingidas pelo evento lesivo devem ser repostas com exactidão na situação anterior –, consagrado no art. 562.º do CC: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” . Porém, de acordo com o n.º 1 do art. 566.º do CC, “a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.

Emerge destes dispositivos legais que a obrigação de indemnizar se traduz numa reposição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (restituição natural), sendo que, nos casos dessa restituição não ser possível, ou ser insuficiente ou ser excessiva, a indemnização se concretizará, por sucedâneo, numa quantia monetária.

Nessa fixação rege o princípio da teoria da diferença – “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (n.º 2 do art. 566.º do CC) – e, subsidiariamente, o recurso à equidade – “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (n.º 3 do art. 566.º do CC).

A data mais recente a que se refere o art. 566.º, n.º 2, do CC é, nos termos do art. 611.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), a correspondente “à situação existente no momento do encerramento da discussão”.

De entre as mais relevantes e variadas classificações do dano, distinguem-se, prima facie, os danos patrimoniais dos danos não patrimoniais:

A) Ao nível dos danos patrimoniais, a indemnização compreende não só o ressarcimento dos danos emergentes, vistos como os prejuízos causados nos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão, mas também a compensação pelos lucros cessantes, entendidos como os ganhos que se frustraram e os benefícios que o lesado deixou de auferir por causa da lesão – art. 564.º, n.º 1 do CC. 

B) A indemnização por danos não patrimoniais fixa-se por recurso à equidade, com observância das circunstâncias especificadas no art. 496.º do CC, não sendo tidos em conta os meros incómodos ou as contrariedades sofridas pelo lesado, devendo a indemnização mostrar-se adequada a contribuir para atenuar e minorar o sofrimento físico e psicológico em que tais danos se traduzem: para calcular a compensação a atribuir por danos não patrimoniais “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”.

Na situação sob recurso, itera-se, o autor/recorrido peticionou:

      “a) a quantia de € 3.038,32 a título de indemnização por danos patrimoniais;

b) a quantia de € 45.000,00 a título de indemnização pelo dano biológico na perspectiva patrimonial (défice funcional); e

c) a quantia de € 8.000,00 a título de indemnização pelo dano biológico na perspectiva não patrimonial (danos morais complementares) tudo, acrescido de juros de mora à taxa de juro civil de 4%, contados desde a data da citação para a presente acção e até efectivo e integral pagamento”.

O tribunal a quo expendeu, quanto ao dano biológico (numa vertente patrimonial), que “ponderando a idade do Autor ao tempo do acidente, a sua esperança média de vida, o grau de défice funcional permanente, às limitações sofridas no seu dia-a-dia, mas visto que o mesmo se encontrava reformado, não havendo sinal nos autos de que se dedicava a actividade económica alternativa, entende-se que não se deverá atribuir ao Autor qualquer indemnização pelo dano biológico, no sentido de consequências patrimoniais da afectação da capacidade geral ou funcional, devendo a Ré ser absolvida, nessa parte, em conformidade”, e, relativamente aos restantes danos patrimoniais, concluiu “deverá a Ré ser condenada no pagamento de € 407,32, o que se decidirá, absolvendo-se no restante peticionado a título de dano patrimonial”.

Estas decisões não foram impugnadas e transitaram em julgado.

No que concerne à determinação do valor indemnizatório pelos danos não patrimoniais, após tergiversar sobre a questão, de um ponto de vista legal, doutrinário e jurisprudencial, escreveu-se na sentença recorrida: “Nesta sede, provou-se que o Autor sofreu de um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, grau intermédio no que se reporta aos «sofrimentos padecidos pela vítima em consequência das lesões sofridas desde o momento em que se produziram até à sua cura ou durante a consolidação médico-legal» (João Álvaro Dias, Dano corporal: Quadro epistemológico e aspectos ressarcitórios, Almedina, 2001, p. 368).

Provou-se que o défice funcional temporário total do Autor é fixável no período de 250 dias e o défice funcional temporário parcial é fixável no período de 212 dias.

A repercussão temporária na actividade profissional total é fixável no período de 250 dias.

A repercussão temporária na actividade profissional parcial é fixável no período de 212 dias.

O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do Autor é fixável em 3 pontos.

O dano estético permanente sofrido pelo Autor é fixável no grau 3, numa escala com sete graus de gravidade crescente.

As sequelas de que o Autor ficou portador são, em termos de Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer, fixáveis no grau 2 numa escala com sete graus de gravidade crescente.

Como consequência do embate, na presente data, o Autor padece ainda de falta de força muscular, dormência/falta de sensibilidade e dor localizada ao calcar no local intervencionado.

Como consequência do embate, o Autor deixou de andar de bicicleta e de mota, descer escadas sem se apoiar no corrimão, fazer caminhadas e carregar pesos.

À data de hoje, o Autor sente tristeza em virtude de ter deixado de fazer as actividades referidas.

Durante mais de um ano, e como consequência do embate referido, o Autor sentiu-se desanimado e revoltado.

Assim, entende-se que, nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, tais danos provados são ressarcíveis por atingirem e ultrapassarem largamente o standard mínimo exigido pela lei.

Uma vez que se tratam de ofensas morais, apenas se poderá aspirar dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, não havendo susceptibilidade de equivalente.

Feita esta incursão pelos critérios de fixação da indemnização por danos não patrimoniais, passemos a avaliar, agora, o caso concreto dos autos.

Não poderá deixar de se aludir ainda à violência do atropelamento sofrido pelo Autor assim como às demais circunstâncias que o rodearam.

Na verdade, um acidente de viação violento é traumático para qualquer pessoa e, no caso em apreço, também para o Autor.

Ora, nessas circunstâncias, como é bom de ver, o Autor sofreu necessariamente elevado sofrimento e um acentuado sentimento de impotência.

Há ainda que ter em conta o período em que esteve totalmente incapacitado (e acamado) bem como o tempo em que teve de andar de canadianas.

Pondera-se ainda o desgosto associado às actividades que deixou de praticar.

Considerando o sofrimento físico e psicológico decorrente do embate, das lesões e sequelas sofridas, o período em que esteve internado, e às sequelas emocionais que demonstram que o Autor por muito tempo viveu o acidente como se tivesse sido um acontecimento muito vívido e recente, para além dos tratamentos e do período de recuperação a que foi sujeito, a sua idade à data do acidente e o comparativo jurisprudencial (cf., para além da síntese efectuada no Ac. já citado do STJ de 12-01-2021, proc. n.º 2787/15.7T8BRG.G1.S1, os Acs. do STJ de 19-04-2018, proc. n.º 196/11.6TCGMR.G2.S1, de 25-10-2018, proc. n.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1, de 07-07-2009, proc. n.º 1145/05.6TAMAI.C1, de 09-01-2018, proc. n.º 275/13.5TBTVR.E1.S1, de 15-02-2018, proc. n.º 4084/07.2TBVFX.L1.S1, e Ac. do TRE de 23-02-2017, proc. n.º 3088/12.8TBLLE.E1; e Salazar Casanova, «Introdução à temática do dano na responsabilidade civil», in O Dano na Responsabilidade Civil, E-book, CEJ, 2014, pp. 24-26), considera-se adequado e equitativo fixar a indemnização pelos referidos danos não patrimoniais na quantia de € 32.500,00, nos quais se incluem o dano biológico na sua dimensão não patrimonial e o aludido dano estético, e quanto ao demais peticionado, a Ré será absolvida, em conformidade, sendo certo que não se vai para além do peticionado, visto que «[a] limitação quantitativa da condenação, referida no n.º 1 do artigo 609.º do CPC, reporta-se ao valor global do pedido e não a cada um dos valores parcelares que o integram» (Ac. do TRC de 05-05-2021, proc. n.º 345/18.3JALRA.C1, www.dgsi.pt).

Tal montante afigura-se-nos adequado, justo e proporcional para compensar e debelar os danos sofridos./ Por outro lado, a qualificação jurídica ínsita ao peticionado coenvolve plurissignificações que variam de jurista para jurista: o dano biológico na vertente não patrimonial ou na vertente patrimonial pode variar entre diversos entendimentos abstractamente possíveis./O que interessa, pois, é o montante globalmente peticionado” (sic).

Quid juris?

Acompanhando Antunes Varela, os danos não patrimoniais são “os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”.[2]

Esses danos, repete-se, só são indemnizáveis quando, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito – art. 496.º, n.º 1 do CC –, apurando-se essa gravidade caso a caso, de acordo com a factualidade provada e seguindo um critério objetivo, de normalidade e bom senso prático.

Retomando a lição de Antunes Varela, a gravidade dos danos não patrimoniais deve “medir-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc.”.[3]

É hoje consensual o entendimento de que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas; tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. Está ultrapassada a época das indemnizações reduzidas para compensar danos não patrimoniais. Importa, no entanto, vincar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O juiz deve procurar um justo grau de “compensação”.

Está em causa, neste item, no âmbito dos acidentes de viação, fundamentalmente, o dano à saúde, sendo de sufragar a definição lapisar inserta no preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde: “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”.

Trata-se, ademais, de um direito fundamental da pessoa humana reconhecido pelo art. 64.º da Constituição da República Portuguesa, desde logo no seu n.º 1: “Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover”.

Hoje a autonomização e o reconhecimento jurídico da saúde enquanto bem jurídico, assume particular importância na sua dimensão de integridade corporal, quer física, quer psíquica, superando a visão tradicional (e mesmo retrógrada) que concebia essa integridade, basicamente, na sua dimensão estritamente física, correspondente a uma ideia economicista que relacionava o dano à saúde com os seus reflexos laborais e de produção de rendimento.

Na verdade, o dano à saúde abrange em si não apenas o dano à capacidade laboral, como a própria componente espiritual do dano – no pressuposto que qualquer disfunção na saúde é causa de um sofrimento moral – como, ainda, o próprio dano estético, que traduz um dano à integridade pessoal e como tal é ressarcível.[4]

Na fixação da indemnização devem ser atendidos os danos não patrimoniais, incluindo aqueles que decorrem do dano corporal, mas que não são susceptíveis de quantificação, procurando esse ressarcimento exercer uma função essencialmente compensatória.

Seguindo Luís Menezes Leitão, “se a indemnização por danos não patrimoniais não elimina o dano sofrido, pelo menos, permite atribuir ao lesado determinadas utilidades que lhe permitirão alguma compensação pela lesão sofrida sendo, em qualquer caso, melhor essa compensação do que nenhuma. A atribuição dessa compensação não representa qualquer imoralidade, uma vez que não resulta do comércio de bens não patrimoniais, representando, pelo contrário, uma sanção ao ofendido por ter privado o lesado das utilidades que aqueles bens lhe proporcionavam”.[5]

Como tem sido reiteradamente frisado na jurisprudência nacional mais actualizada, e já antes acentuámos, a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser meramente simbólica, sob pena de não se mostrar adequada aos fins a que se destina.

Nas felizes palavras do Acórdão do Tribunal de Lisboa, de 11-07-2024, Proc. n.º 4740/13.6TCLRS.L1-2, procura-se “permitir ao lesado dispor de uma soma de dinheiro que lhe permita adquirir bens ou serviços que lhe deem alguma satisfação, compensando, ainda que sofrivelmente, o mal padecido”.

O montante pecuniário desses danos será fixado, nos termos do art. 494.º ex vi do art. 496.º, n.º 4, ambos do CC, com recurso à equidade, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado, e as demais circunstâncias do caso.

Regressemos, pois, ao caso concreto.

Quanto à culpa da segurada é manifesto que esta foi muito grave, uma vez que o autor, após ter parado e olhado, viu o veículo a cerca de 30 metros, vindo da sua esquerda, sendo atropelado, atingindo no lado esquerdo do corpo, ao atravessar uma passadeira de peões, quando já estava junto da última risca da passadeira antes do eixo da via.

Por seu turno, à data do acidente, o autor tinha 61 anos – tem hoje, 67 anos – e não exercia qualquer actividade laboral, encontrando-se aposentado.

Como consequência directa e necessária do embate:

(ii) O autor sofreu uma fractura na tíbia esquerda, um hematoma frontotemporal direito e um hematoma no cotovelo esquerdo.

(iii) Foi levado para o Serviço de Urgência do Hospital ..., em ..., tendo sido internado no Serviço de Ortopedia, desde o dia 24-01-2018 até ao dia 27-01-2018, tendo aí realizado terapêutica conservadora com imobilização externa provisória com aparelho gessado – tala gessada posterior cruropodálica –, podendo deambular apenas com apoio de muletas ou cadeira de rodas.

(iv) No dia 27-01-2018, viajou de avião para a Alemanha, tendo realizado, no dia 31-01-2018, no Hospital Universitário de Mainz, cirurgia de reposição aberta de uma fractura multifragmentária na área articular de um osso tubular longo, através de placa angularmente estável na tíbia proximal, esquerda, tendo sido realizada abordagem directa, redução cruenta da fractura e osteossíntese rígida com placa e parafusos do planalto tibial externo.

(v) No período entre 24-01-2018 e 02-05-2018, após ter tido alta hospitalar, ficou acamado no seu domicílio na Alemanha, acompanhado da sua esposa, padecendo de dores fortes e intensas, e, por essa razão, tomou medicação diária onde se incluía analgésicos e anti-inflamatórios até final de Abril desse ano.

(vi) No mesmo período, esteve incapacitado de realizar as suas actividades da vida diária, designadamente fazer a sua própria higiene, levantar-se da cama para realizar as necessidades fisiológicas, vestir-se, conduzir, passear, e ir às compras.

(vii) Realizou fisioterapia pelo menos duas vezes por semana logo após a cirurgia e até final de Abril de 2018, a qual era feita ao domicílio pelos profissionais de saúde.

(viii) Em Maio de 2018, começou a conseguir sair de casa e aos poucos fazer as suas tarefas diárias com alguma autonomia, necessitando do auxílio de duas canadianas para se deslocar, até finais de Outubro de 2018, passando nessa ocasião para a utilização de uma canadiana que manteve para se deslocar até ao final do ano de 2018.

(ix) Em Abril de 2019, apresentava dor recorrente em carga, parestesias e disestesias da coxa e da perna, impotência funcional moderada a subir e descer escadas sem apoio no corrimão, dificuldade em passar da posição de sentado para a ortostática, por diminuição da força muscular do membro afectado.

(x) No mesmo período, fazia recorrentemente hidrartrose (acumulação anormal de líquido seroso numa articulação) no joelho, o que fazia com que tivesse de tomar medicação.

(xi) No mesmo período, apresentava uma cicatriz antero externa em S itálico, hipotrofia muscular do quadricípite moderada e da região gemelar, diminuição da força muscular do membro inferior esquerdo.

(xii) O défice funcional temporário total é fixável no período de 250 dias e o défice funcional temporário parcial é fixável no período de 212 dias.

(xiii) A 12-03-2024, o autor apresentou as seguintes sequelas: a) cicatriz medindo 12,5 cm de comprimento na face do membro inferior esquerdo, b) antero externa do joelho esquerdo, c) atrofia muscular de 2 cm na coxa esquerda, e, d) mobilidades passivas indolores e mantidas a nível do joelho.

(xiv)  O autor deixou de andar de bicicleta e de mota, descer escadas sem se apoiar no corrimão, fazer caminhadas e carregar pesos e, à data de hoje, sente tristeza por esses factos.

(xv) Durante mais de um ano, sentiu-se desanimado e revoltado.

(xvi) O autor sofreu de um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

(xvii) O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 3 pontos.

(xviii) O dano estético permanente sofrido é fixável no grau 3, numa escala com sete graus de gravidade crescente.

(xix) Em termos de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, as sequelas de que ficou portador são fixáveis no grau 2 numa escala com sete graus de gravidade crescente.

(xx) Padece ainda de falta de força muscular, dormência/falta de sensibilidade e dor localizada ao calcar no local intervencionado.

Na jurisprudência dos tribunais superiores, podemos destacar, entre muitos outros, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), como referenciais e balizas para o caso sub judicio:

–  Acórdão do STJ, de 15-02-2018, Proc. n.º 866/11.9TBABT.E1.S1: “Provado que, à data do acidente, (i) a autora tinha 56 anos de idade; (ii) em consequência do embate sofreu lesões sobretudo na cabeça e rosto; (iii) sofreu dores de grau 5 e dano estético de grau 4; (iv) sendo as dores persistentes e relevantes, com sequelas e repercussão na sua vida quotidiana, mostra-se adequado o valor indemnizatório fixado pela Relação, de € 35 000, a título de danos não patrimoniais, na vertente de ressarcimento do quantum doloris e do dano estético”.

–   Acórdão do STJ, de 17-10-2019, Proc. n.º 3717/16.4T8STB.E1.S1: “Não é excessivo o montante de € 32 000,00 a título de danos morais do autor que sofreu dores de grau 4/7; foi submetido a 5 intervenções cirúrgicas; sofreu tratamentos de fisioterapia durante 1 ano e 6 meses; só teve alta médica 1 ano e 10 meses após o acidente; ficou com cicatrizes e deformidades quantificáveis como dano estético permanente de grau 3/7; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer que habitualmente praticava fixável em 5/7; tinha 35 anos à data do acidente”.

– Acórdão do STJ, de 30-06-2020, Proc. n.º 313/12.9TBMAI.P1.S1: “Entende-se adequada a compensação de € 35 000,00 por danos não patrimoniais a lesado de 49 anos na data da alta, que ficou a padecer de incapacidade permanente geral de 12 pontos, teve uma incapacidade temporária de duzentos e quarenta dias até à alta, sofreu dores de grau 5 numa escala de 0 a 7 e dano estético de grau 3 em idêntica escala”.

– Acórdão do STJ, de 26-05-2021, Proc. n.º 763/17.4T8GRDC1.S1: “Ponderando que a autora: na sequência desse acidente, para o qual não contribuiu, foi submetida a internamento hospitalar (12 dias); foi longo o período com tratamentos e deles continua a necessitar (fisioterapia); teve de usar, durante 6 meses, colete dorso lombar e vai ter necessidade de o continuar a utilizar (nos períodos de trabalho, de esforços físicos e na condução); as sequelas permanentes que apresenta são graves, com os inerentes e graves reflexos físicos e psíquicos (a carecer de acompanhamento psiquiátrico) e afectam não só a sua capacidade funcional, mas também a sua qualidade de vida, dificultando-lhe a realização actividades comuns da sua vida diária, com relevante prejuízo de afirmação pessoal sofreu dores muito intensas e irá sofrer dores (grau 4/7), só atenuadas com medicação, de que depende permanentemente, é ajustado, para compensar o da não patrimonial sofrido, o montante de € 35 000,00”.

– Acórdão do STJ, de 11-11-2021, Proc. n.º 730/17.8T8PVZ.P1.S1: “Num caso em que a lesada, engenheira civil, com 38 anos de idade, sofreu lesões na cervical de que ficaram sequelas que importaram num déficit psicofísico de 4 pontos, com interferência na atividade profissional e na vida pessoal, em lugar da indemnização de € 15 000,00 fixada pela Relação, é ajustada a indemnização de € 58 000,00 que foi atribuída pela 1.a instância”.

 – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-04-2022, Proc. n.º 820/20.0T8PDL.L1.S1: “Encontra-se dentro dos padrões indemnizatórios, jurisprudencialmente seguidos em casos equiparáveis, a condenação da ré Seguradora a pagar uma compensação de € 15 000,00 ao autor lesado que, à data do atropelamento, tinha 59 anos de idade, foi submetido a intervenção cirúrgica e a múltiplos tratamentos de fisioterapia, ficou com reduzida mobilidade do ombro e braço esquerdos; sofreu um quantum doloris fixado em 4 numa escala de 7; e ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8%”.

Tudo visto, em face do circunstancialismo fáctico apurado neste processo, designadamente, a idade do autor à data do acidente, a experiência traumática que sofreu, a natureza, a gravidade e a extensão das lesões, o período de convalescença, a cirurgia e os tratamentos a que teve de se submeter, o quantum doloris, o dano estético, a circunstância de não ter tido qualquer culpa na eclosão do acidente, e ponderando os casos similares e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência, afigura-se-nos – por recurso à equidade, com observância das circunstâncias especificadas no art. 496.º do Código Civil –, que é perfeitamente adequada a fixação de uma indemnização global, actualizada à presente data,  de € 25 000,00 (vinte e cinco mil euros), para compensação das dores, lesões, desgostos e sofrimentos infligidos ao autor pelo acidente de que foi vítima (a que acrescerá o valor de € 407,32 (quatrocentos e sete euros e trinta e dois cêntimos) já antes fixado na sentença).

Quanto aos juros de mora, tem aplicação o Acórdão Uniformizador n.º 4/2002, de 27-06-2002[6], pelo que sobre a mencionada quantia incidirão juros de mora vincendos desde a data do presente Acordão até integral pagamento, calculados à taxa de juros civis.

Nessa consonância, julga-se parcialmente procedente a apelação.


*

Sumariando:

(…).

Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, e, em consequência, fixar o valor indemnizatório a pagar pela A..., S.A., a favor de AA, em € 25 407,32 (vinte e cinco mil, quatrocentos e sete euros e trinta e dois cêntimos), acrescido de juros de mora contados desde a data deste Acórdão e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a ré do demais peticionado.

Custas pela ré/recorrente e pelo autor/recorrido, na proporção dos decaimentos, nos termos do artigo 527.º, nºs. 1 e 2, do CPC.


Coimbra, 12 de Novembro de 2024

Luís Miguel Caldas

Anabela Marques Ferreira

Hugo Meireles



[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dra. Anabela Marques Ferreira e Dr. Hugo Meireles
[2] Das Obrigações em geral, 6.ª edição, 1.º Volume, p. 571.
[3] Op. cit., p. 600.
[4] Neste sentido, cf. João Álvaro Dias, Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, 2001, p. 99,
[5] Direito das Obrigações, Volume I, 14.ª edição, p. 330.
[6] Publicado no Diário da República n.º 146/2002, Série I-A de 2002-06-27, pp. 5057 – 5070, que fixou a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.