Baseando-se a oposição à execução no pagamento da dívida exequenda, extinguindo-se (total ou parcialmente) o próprio crédito exequendo, os efeitos do caso julgado da sentença de embargos estendem-se ao co-executado que não deduziu oposição com esse mesmo fundamento.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Apelação nº 574/21.2T8SRE-D.C1
Juízo de Execução de Soure – Juiz ...
Recorrente AA
Recorrida BB
Juiz Desembargador Relator: Anabela Marques Ferreira
Juízes Desembargadores Adjuntos: Francisco Costeira da Rocha
Luís Miguel Caldas
Sumário (da responsabilidade do Relator – artº 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
(…).
Acordam os juízes que nestes autos integram o coletivo da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
Nos autos de execução ordinária, que correm termos no Juízo de Execução de Soure – Juiz ..., em que é Exequente AA e em que são Executados CC, DD e a Recorrida BB, foram deduzidos embargos de executado:
- Pelos executados CC e DD (Apenso B), nos quais se deixou expresso, na parte da fundamentação de sentença já transitada em julgado, para além do mais, que Conclui-se, assim, nesta parte, pela improcedência dos embargos, mas com a redução do valor aposto na letra de câmbio, matéria que se estende também à avalista, aqui embargante DD, e à outra executada e avalista BB.
- Pela executada e Recorrida BB (Apenso A), os quais foram julgados improcedentes.
Consequentemente, nos autos de execução, veio a Executada BB requerer a redução do valor da execução, em relação a si, em conformidade com o decidido no Apenso B.
Então, foi proferido o seguinte despacho:
Em 6 de fevereiro de 2024, a executada BB veio pedir que, atenta a posição assumida pela AE, requer que o juiz da causa se pronuncie sobre a seguinte divergência: se o prosseguimento da execução deve prosseguir pelo valor indicado na letra de câmbio ou se deverá apenas prosseguir pelo valor que foi fixado na sentença dos embargos à execução instaurados pelos demais executados.
O exequente manifestou a sua posição em 20-02-2024.
Respondendo ao convite efetuado pelo tribunal, a executada BB clarifica que entende que a Agente de Execução não poderá prosseguir a execução por valor diferente que o fixado na sentença proferida no apenso “B”, uma vez que o Tribunal consignou a real dívida.
O exequente reiterou o mesmo entendimento consignado antes.
Apreciando.
Em 18 de julho de 2023, foi proferida sentença no apenso de Embargos de executado instaurados pelos executados/embargantes CC e DD, já transitada.
Nessa sentença, na página 15, ficou a constar:
“Conclui-se, assim, nesta parte, pela improcedência dos embargos, mas com a redução do valor aposto na letra de câmbio, matéria que se estende também à avalista, aqui embargante DD, e à outra executada e avalista BB. “
Ou seja, a redução do valor consignado no título de crédito dado à execução estende-se também às executadas DD e BB.
Atendendo a que a sentença proferida no apenso B em 16 de outubro de 2023 transitou, tornou-se, pois, definitiva e deve ser respeitada, o que implica a vinculação do tribunal à decisão que foi prolatada.
Isto é, a extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorre um efeito negativo, que é a insusceptibilidade de o próprio tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar, e um efeito positivo, que é a vinculação desse mesmo tribunal à decisão por ele proferida.
Pelo exposto, a sentença proferida no apenso B, na parte acima consignada em concreto, que afeta a executada BB, deve ser respeitada neste processo executivo, o que ora se determina.
Notifique e comunique.
O Recorrente AA interpôs recurso dessa decisão, concluindo, nas suas alegações, que:
(…).
Terminou pedindo:
Deve o despacho datado de 13/06/2024 e ora recorrido ser declarado nulo, devendo ser revogado e substituído por um outro que determine o prosseguimento da execução contra a executada BB nos termos constantes do requerimento executivo.
A Recorrida BB não respondeu ao recurso.
Colhidos os vistos legais, prestados contributos e sugestões pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos e realizada conferência, cumpre decidir.
Questões a decidir:
1. Dos efeitos da sentença que decidiu os embargos de executado, proferida no Apenso B, em relação à demais Executada, BB
Do historial dos presentes autos no que ao âmbito do presente recurso interessa:
1. A 27 de março de 2021, o Exequente intentou a presente execução, alegando:
1. À data da prestação de serviços e fornecimento de materiais e outros equipamentos aqui em causa, o exequente dedicava-se à construção civil, designadamente, à realização de trabalhos de canalização, esgotos, eletricidade, fornecimento e instalação de equipamentos de som, de segurança para incêndios e iluminação, mediante preços que fixava e cobrava e com que prosseguia fins lucrativos.
2. Os executados CC e DD, à data casados, dedicavam-se à restauração, confeção e venda de refeições, mediante preços que fixavam e cobravam e com que prosseguiam fins lucrativos.
3. Às atividades do exequente e dos executados é aplicável o DL nº 32/2003 de 17-02, alterado pelo D.L. nº 62/2013, de 10 de Maio.
4. No ano de 2011 os executados começaram a explorar um estabelecimento comercial, composto por um restaurante, denominado “A...”, sito na Rua ..., na localidade de ..., na freguesia e concelho ..., sendo que pretendiam remodelar aquele espaço, quando o mesmo lhes foi cedido.
5. Para o efeito, em data não concretamente apurada, mas que terá sido na primavera de 2011, os executados CC e DD contactaram o exequente AA no sentido de este efetuar por sua conta, no referido estabelecimento, os seguintes trabalhos:
a) Remoção e modificação do sistema elétrico, com substituição de cabos elétricos, transformação de um quadro elétrico e colocação de outros dois, com fornecimento e instalação de disjuntores, diferenciais, cortes gerais, entre outros, com abertura de roços, com fornecimento e passagem de tubos e fios, fornecimento e instalação de tomadas, interruptores entre outros materiais e equipamentos;
b) Renovação e modi cação de rede de águas e esgotos, com remoção de tubos de águas e esgotos, com fornecimento e aplicação de novos tubos de água e esgotos, bem como respetivos acessórios, aplicação de loiças sanitárias nas casas de banho e lava-loiças nas duas cozinhas, com abertura de roços;
c) Preparação, fornecimento e venda de som ambiente, constituído por colunas de som, amplificador e comandos, com abertura de roços, fornecimento e passagem de cabos e tubos, na sala de refeições;
d) Fornecimento e aplicação de central de incêndio, com fornecimento e aplicação de detetores de incêndio, botões de alarme, sirenes, central de alarme, tubos e cabos, com abertura de roços e,
e) Fornecimento de projetores de iluminação, tubos e cabos e instalação dos mesmos.
6. Entre os executados CC e DD e o exequente AA foi acordado que o preço dos materiais e dos serviços prestados seria o de mercado.
7. Assim, como acordado, o exequente AA forneceu os materiais e prestou os serviços acima mencionados durante cerca quatro meses, de acordo com a sua disponibilidade e com as solicitações dos executados CC e DD, tendo concluído os mesmos em julho ou agosto de 2011.
7. Assim, como acordado, o exequente AA forneceu os materiais e prestou os serviços acima mencionados durante cerca quatro meses, de acordo com a sua disponibilidade e com as solicitações dos executados CC e DD, tendo concluído os mesmos em julho ou agosto de 2011.
8. Como acordado, no verão de 2011, o exequente AA solicitou aos executados CC e DD o pagamento do valor de € 17.500,00 pelos materiais fornecidos e pelos trabalhos prestados, tendo os segundos prometido proceder ao pagamento daquele valor até ao final do ano de 2011, tendo rececionado a obra concluída, sem reclamações e iniciando a atividade de restauração ainda no verão de 2011.
9. Entretanto, os executados CC e DD foram protelando o pagamento do valor acima referido, entregando diversos cheques pós-datados e indo dando indicações ao exequente AA para ir apresentando os referidos cheques a pagamento.
10. Contudo, os executados CC e EE foram atrasando a indicação para apresentação dos cheques que haviam entregue, sendo que alguns dos cheques não tinham provisão, mesmo quando aqueles executados davam indicação para que fossem apresentados a pagamento.
11. Pelo que o exequente AA contactou os executados CC e DD, no sentido destes oferecerem uma garantia do pagamento preço remanescente.
12. Por isso, em 09/05/2012 os executados confessaram, em documento escrito onde apuseram as suas assinaturas, que foram reconhecidas por advogado, deverem ao exequente a quantia de € 10.098,25 a ser paga até 31/12/2012, acrescida dos juros de mora à taxa de 10%. Doc. 1
13. Entretanto, foram atrasando os pagamentos.
14. Por isso, o exequente com receio de não vir a receber o valor que lhe era devido, exigiu aos executados CC e DD alguém que garantisse o pagamento da dívida.
15. Assim, em 2013, a executada BB, mãe da executada DD e à data sogra do executado CC, entregou ao exequente AA um cheque seu, da Banco 1..., por si assinado e com data de emissão de 30/06/2013, a favor daquele, no valor de € 10.000,00, correspondente ao valor em dívida naquela data. Doc. 2
16. Ao preencher, assinar e entregar ao exequente aquele cheque, a executada BB co-responsabilizou-se, como queria, pela dívida dos executados CC e DD, assumindo o pagamento da mesma a título principal.
17. Posteriormente, os três executados foram fazendo alguns pagamentos ao exequente por transferência bancária para conta deste que, por sua vez, ia imputando os respetivos pagamentos, primeiro nos juros e posteriormente no capital, de acordo com o disposto no artigo 785º do Código Civil.
18. Contudo, dado que os valores dos pagamentos eram sempre bastantes reduzidos face ao valor em dívida, o exequente AA exigiu aos executados que garantissem, mais uma vez, o pagamento da dívida.
19. Por conseguinte, em data não concretamente apurada, mas que terá sido durante o ano de 2014, os executados entregaram ao exequente uma letra de câmbio, onde o executado CC constava como sacado e como sacador o exequente, o que foi feito, tendo o executado dado o seu aceite.
20. Por seu turno, as executadas DD e BB apuseram as respetivas assinaturas no verso da referida letra, bem como os respetivos números de identificação fiscal, apondo ainda, cada uma delas, a expressão “Dou o meu aval” imediatamente por cima de cada assinatura.
21. Ao apor as suas assinaturas no verso da letra, bem como os seus números de identificação fiscal e ainda a expressão “Dou o meu aval”, as executadas DD e BB, constituíram-se como avalistas e garantes pelo pagamento da dívida como era sua vontade.
22. Os campos da letra destinados ao valor e à data foram deixados em branco, tendo sido acordado entre o exequente e o executado CC que o primeiro poderia preencher a letra de acordo com o valor que se encontrasse em dívida à data do respetivo preenchimento.
23. Entre o executado CC e o exequente AA foi ainda acordado que o pagamento integral da dívida devia de ocorrer até ao final do referido ano de 2014.
24. Durante os anos que se seguiram, os executados foram fazendo mais pagamentos, cujos valores e frequência foram diminuindo ao longo do tempo, passando, desde abril de 2016, para pagamentos de € 100,00, menos de uma vez por mês, o que mal chegava para liquidar sequer os juros de mora.
25. Porém, desde outubro de 2019 que os executados não mais procederam ao pagamento de qualquer quantia ao exequente.
26. Pelo que, conforme acordado, em 31/07/2020 o exequente preencheu os campos do valor e da data da letra, apondo no primeiro o valor de € 12.500,00 e no segundo a referida data de 31/07/2020, de forma a poder, eventualmente, executar os valores que lhe fossem devidos.
27. Naquela data (31/07/2020) encontrava-se em dívida o valor de € 9.322.81, a título de capital e o valor de € 1.066,11, a título de juros de mora.
28. O exequente, de forma a conseguir o pagamento sem ter que recorrer aos tribunais ainda empreendeu alguns contactos telefónicos com os executados nesse sentido que se mostraram sempre evasivos e, no caso do executado CC mesmo agressivo e insultuoso, vendo-se o exequente, consequentemente, compelido a recorrer ao processo executivo, a fim de lograr cobrar o seu crédito.
29. Até à data de hoje (23/03/2021) e desde 01/08/2020, venceram-se ainda juros de mora sobre o referido capital de € 9.322.81, no valor de € 600,24.
30. Por isso, nesta data (23/03/2021) os executados devem ao exequente a quantia global de € 10.989,16, sendo: a) € 9.322.81, a título de capital, b) € 1.666,35 (€ 1.066,11 + € 600,24), a título de juros de mora vencidos.
31. Os juros de mora contam-se à taxa de 10%, como acordado na confissão de dívida outorgada em 09/05/2012.
32. A dívida cuja cobrança coerciva ora se peticiona consta de uma confissão de dívida, com assinaturas reconhecidas, outorgada em 09/05/2012 e que se venceu em 31/12/2012.
33. Nos termos do disposto no artigo no artigo 46º, nº 1 do anterior CPC, tal documento constitui título executivo, sendo que, de acordo com o disposto no artigo 703º do Novo CPC e artigo 6º, nº 3 da Lei nº 41/2013 de 26 de junho, tal documento continua a constituir título executivo, já que o mesmo foi emitido e a respetiva dívida se venceu ainda antes da entrada em vigor da referida Lei nº 41/2013 de 26 de junho.
34. O cheque subscrito pela executada BB constitui também título executivo, de acordo com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 703º do CPC.
35. Por fim, nos termos do artigo 703º, nº 1, alínea c), do CPC, e do DL nº 23721, de 29 de Março de 1934 (L.U.L.L.), a letra de câmbio constitui título executivo, uma vez que também é título de crédito. (sublinhado nosso)
2. A 29 de Abril de 2021, foi proferido despacho liminar, convidando o Exequente a optar pelo prosseguimento da execução com base num dos três títulos executivos apresentados, após o que os autos prosseguiram pela letra de câmbio como título executivo.
3. A 14 de Junho de 2021, a Executada BB deduziu embargos de executada, que correu termos como Apenso A à execução, onde, para além do mais, invocou a falsidade do título executivo e da assinatura nele aposta. (sublinhado nosso)
4. A 14 de Junho de 2021, os Executados CC e DD deduziram embargos de executada, que correu termos como Apenso B à execução, onde, para além do mais, invocaram a falsidade do título executivo e das assinaturas nele apostas, bem como o pagamento parcial da dívida. (sublinhado nosso)
5. A 16 de Junho de 2023, foi proferida sentença no Apenso A, julgando totalmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos à execução, determinando-se o prosseguimento da ação executiva quanto à Executada BB e condenando-a como litigante de má fé.
6. A 18 de Julho de 2023, foi proferida sentença no Apenso B, julgando parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os presentes embargos à execução, determinando-se o prosseguimento da ação executiva quanto os Executados CC e DD, pelo montante de € 5.100,00 acrescido de juros, e condenando a Executada DD como litigante de má fé; nessa sentença, na parte da fundamentação de Direito, na página 15, ficou a constar: “Conclui-se, assim, nesta parte, pela improcedência dos embargos, mas com a redução do valor aposto na letra de câmbio, matéria que se estende também à avalista, aqui embargante DD, e à outra executada e avalista BB.“. (sublinhado nosso)
7. Em 6 de Fevereiro de 2024, a Executada BB requereu o esclarecimento de se a execução deve prosseguir pelo valor indicado na letra de câmbio, ou se deverá apenas prosseguir pelo valor que foi fixado na sentença dos embargos à execução instaurados pelos demais executados.
8. O exequente manifestou a sua posição em 20 de Fevereiro 2024, alegando que cada um dos incidentes de embargos é autónomo e, consequentemente, pugnado pela manutenção de diferentes valores de execução para cada um dos grupos de executados.
9. Foram prestados esclarecimentos e respostas.
10. Foi então proferido o despacho recorrido, supra transcrito.
Decidiu o Tribunal a quo que:
Em 18 de julho de 2023, foi proferida sentença no apenso de Embargos de executado instaurados pelos executados/embargantes CC e DD, já transitada.
Nessa sentença, na página 15, ficou a constar:
“Conclui-se, assim, nesta parte, pela improcedência dos embargos, mas com a redução do valor aposto na letra de câmbio, matéria que se estende também à avalista, aqui embargante DD, e à outra executada e avalista BB. “
Ou seja, a redução do valor consignado no título de crédito dado à execução estende-se também às executadas DD e BB.
Atendendo a que a sentença proferida no apenso B em 16 de outubro de 2023 transitou, tornou-se, pois, definitiva e deve ser respeitada, o que implica a vinculação do tribunal à decisão que foi prolatada.
Isto é, a extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorre um efeito negativo, que é a insusceptibilidade de o próprio tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar, e um efeito positivo, que é a vinculação desse mesmo tribunal à decisão por ele proferida. (sublinhado nosso)
Assim, o Tribunal recorrido entendeu existir caso julgado.
Porém, o segmento da sentença transcrito na decisão recorrida não faz parte do dispositivo, mas tão só da sua fundamentação, pelo que não era sequer recorrível, não se podendo falar em caso julgado nesta parte.
Por outro lado, a Recorrente BB não foi parte no Apenso B nem é um “terceiro juridicamente indiferente”, pelo que não está afetada pela autoridade do caso julgado[1].
Mas não significa isto que a decisão recorrida não seja de manter, embora por outra via. Vejamos.
O Recorrente alegou que a independência das ações decididas nos dois diferentes apensos de embargos, cuja apensação foi indeferida pelo juiz a quo, mais defendendo que, mesmo que as duas oposições tivessem sido apensadas, tal apensação não transformaria as duas ações ou oposições numa só, permitindo apenas a uniformidade de instrução e de julgamento, ou seja da sua tramitação e ainda que as exceções invocadas por uma das partes não aproveitaria às restantes, designadamente a prescrição ou o pagamento.
Citou Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-07-2022, onde se diz A apensação de acções justifica-se pela economia de actividade e pela uniformidade de julgamento das questões comuns, todavia, com a apensação cada uma das acções não perde a sua individualidade e autonomia que dispunham, anteriormente, ou seja, conservam a sua autonomia no aspecto substantivo e são independentes quanto às questões adjectivas próprias”.
Porém, há um pressuposto errado em todo este raciocínio, o de que as petições de embargos constituem, cada uma delas, uma ação autónoma, o que não corresponde totalmente à realidade.
Dispõe o artº 728º, nº 1, do Código de Processo Civil, que:
O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação. (sublinhado nosso)
Verificamos assim que a petição de embargos, embora estruturalmente independente da execução, não reveste a natureza substancial de petição inicial à semelhança do que se passa numa ação declarativa, mas de oposição, mais semelhante a uma contestação (obviamente, com diferenças, como a inexistência de ónus cominatórios).
Neste sentido, ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2023, proferido no processo nº 22108/18.6T8LSB-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde se diz:
IV - Havendo lugar à oposição e atenta a natureza jurídica da mesma, abre-se uma fase declarativa, pois quando recebidos seguem-se “os termos do processo comum declarativo” (art. 732.º, n.º 2, do CPC), e o momento até ao qual se pode conhecer da ineptidão do requerimento executivo está previsto no art. 200.º, n.º 2, do CPC, ou seja, se não apreciar a ineptidão inicial no saneador, a lei estabelece como limite a sentença final.
V - Sobre a natureza e função da oposição por embargos de executado, tem vindo a qualificar-se como uma acção declarativa, estruturalmente autónoma, mas instrumental e funcionalmente ligada à acção executiva, com vista ao exercício do direito de defesa face a essa pretensão, pelo que no plano formal a petição dos embargos de executado tem a estrutura e conteúdo de uma petição da acção declarativa, mas no plano material a oposição consubstancia uma reacção à pretensão executiva, sendo substancialmente uma contestação. (sublinhado nosso)
Assim, ambas as petições de embargos contestam a petição de execução, estando intrinsecamente ligadas à mesma e, portanto, não sendo totalmente independentes entre si.
É verdade que a previsão de não aplicação aos embargos do disposto no artº 569º, nº 2, do Código de Processo Civil, indica que nenhum dos coexecutados poderá beneficiar dos embargos apresentados por outro[2].
Porém, se a oposição se basear, como é o caso em apreço, no pagamento da dívida exequenda, entendemos que já assim não será, uma vez que é o próprio crédito exequendo que se extingue, o que o Tribunal não pode deixar de ter em conta; situação que não se confunde com a prescrição (com que o Recorrente pretende comparar a situação em apreço), que é um fator de caráter pessoal.
Neste sentido, ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 2023, proferido no processo nº 9017/14.7T8PRT-G.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde se diz:
I – É de admitir a extensão dos efeitos do caso julgado constituído por decisão proferida em embargos de executado aos executados que não embargaram quando o fundamento de oposição que determinou a extinção da execução em relação ao executado embargante também constitua, segundo o direito substantivo, motivo de extinção do crédito exequendo em relação ao executado não embargante.
II – A prescrição é um meio de defesa pessoal que aproveita apenas ao devedor que a invoca. (sublinhado nosso)
Acresce que, se qualquer um dos Executados ou mesmo um terceiro – cfr. artº 846º, nº 1, do Código de Processo Civil – pode, a qualquer momento, efetuar o pagamento da quantia exequenda, fazendo cessar a própria execução, também pode, a qualquer momento (incluindo no momento da oposição), pagar parcialmente ou comprovar o pagamento parcial da quantia exequenda, o que, pelo mesmo princípio, não pode deixar de aproveitar também aos demais Executados.
Finalmente, importa ainda ter em conta que o título executivo aqui em causa é uma letra de câmbio da qual a Recorrente é avalista.
Dispõe o artº 39º, do mesmo diploma legal, dispõe que:
O Sacado que paga uma letra pode exigir que ela lhe seja entregue com a respetiva quitação.
O portador não pode recusar qualquer pagamento parcial.
No caso de pagamento parcial, o sacado pode exigir que desse pagamento se faça menção na letra e que dele lhe seja dada quitação. (sublinhado nosso)
Deste modo, verificamos que pagamento, total ou parcial, faz extinguir o próprio título executivo, total ou parcialmente, tendo o Sacador obtido quitação através da sentença de embargos proferida no Apenso B, o que, também por esta via, não pode deixar de ser transversal a toda a execução e a todos os Executados, na medida em a obrigação cambiária tem natureza formal, extinguindo-se com o próprio título.
Deste modo, embora com diferente fundamentação, decidimos manter a decisão recorrida.
Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 3.ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo apelante – artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil.
Coimbra, 12 de Novembro de 2024
Com assinatura digital:
Anabela Marques Ferreira
Francisco Costeira da Rocha
Luís Miguel Caldas
[1] Sobre a autoridade do caso julgado, diz-nos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2022, proferido no processo nº 5138/05.5YXLSB-F.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, que:
III. O efeito reflexo do caso julgado produz-se quando a acção tenha decorrido entre todos os interessados directos (activos e passivos) na tutela jurisdicional de determinada situação. Assim, sempre que se puder dizer que se esgotou o universo de sujeitos com legitimidade para discutir a questão, a respectiva decisão tem autoridade de caso julgado, impondo-se em qualquer outro processo em que tal questão seja pressuposto ou fundamento da decisão.
IV. O caso julgado estende-se por esta via aos chamados “terceiros juridicamente indiferentes”, ou seja, todos os sujeitos a quem a sentença não causa prejuízo jurídico, causando ou não prejuízo (ou benefício) de facto. (sublinhado nosso)
[2] Neste sentido, António Abrantes Geraldes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina 2021, pág. 78.