PLANO DE REVITALIZAÇÃO
EXTINÇÃO DE HIPOTECA
INOBSERVÂNCIA DE REGIME LEGAL IMPERATIVO
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL
PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS
INAPLICABILIDADE AOS DEMAIS CREDORES
ÂMBITO DE EFICÁCIA DO PLANO
Sumário

I – O plano de revitalização, ainda que tenha recebido a aprovação da maioria dos credores, não pode alterar o regime legal que regula a extinção das hipotecas. A cláusula inserta no plano de pagamentos que vai contra o regime legal que prevê os casos em que a hipoteca pode ser extinta, constitui uma violação não negligenciável de normas legais aplicáveis em relação ao conteúdo do acordo.
II – A solução preconizada para os créditos da Autoridade Tributária e da Segurança Social, limitando a eficácia do Plano relativamente a estes credores, quando modificam os seus créditos, por força do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários consagrado nos artºs. 30.º/2, 36.º/2 e 3 da LGT não se aplica aos demais credores.
III – Limitar a eficácia do plano a todos os credores não concordantes, seria postergar o fim do plano que é vincular todos os credores ao que nele foi acordado, inclusive aqueles que nele não intervieram nem reclamaram os seus créditos, relativamente aos créditos já constituídos, ainda que não se encontrem vencidos, à data da nomeação do administrador judicial provisório, assim como os que votaram contra a aprovação.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Relator: Helena Melo
Adjuntos: Catarina Gonçalves
Paulo Correia

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

A..., LDA intentou processo especial de revitalização (doravante designado por PER), tendo em vista a promoção da respetiva revitalização através da aprovação de um plano.

Juntou, para o efeito, os documentos previstos no artigo 17.º-C, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Foi nomeado administrador judicial provisório que, findo o prazo de reclamação dos créditos, apresentou a lista provisória de créditos a que alude o artigo 17.º- D do CIRE, em 22.01.2024 (cf. ref.ª 8612502, junta a fls. 151 e ss. do processo físico).

Foram deduzidas impugnações à lista provisória de créditos, as quais foram decididas por despacho de 24.03.2024.

Decorreu o prazo de negociações (que foi prorrogado por mais 30 dias), após o que a devedora, no dia 19.04.2024, depositou no tribunal a primeira versão do plano de recuperação, o qual foi publicado no portal Citius, no dia 22.04.2024.

No prazo de 5 dias subsequente à referida publicação, vieram os seguintes credores expressar a sua não concordância com tal versão do plano:

- B..., S.A., (ref. 8830280, de 22.04.2024);

- C..., Ld.ª, AA e BB (ref.ª 8833452, de 23.04.2024), requerendo a não homologação do mesmo, porquanto o mesmo não contém as informações previstas nas alíneas a) a j) do artigo 17.º-F, n.º 1, do CIRE; não descreve como é que a devedora perspetiva a sua recuperação, nem em que se sustentará o pagamento dos créditos; para além disso, prevê que os créditos comuns sejam pagos pelos valores fixados em anterior PER.

- D..., Ld.ª (ref.ª 8836638, de 24.04.2024), requerendo também a não homologação do plano apresentado, com fundamento nos argumentos aduzidos pelos credores C..., Ld.ª, AA e BB, para os quais remeteu;

- CC (ref.ª 8842313, de 29.04.2024), requerendo igualmente a não homologação do plano apresentado, com fundamento nos argumentos aduzidos por C..., Ld.ª, AA e BB, para os quais remeteu;

- E..., S.A. (ref.ª 8843175, de 29.04.2024); e ainda,

- Banco 1..., CRL (ref.ª 8833616, de 23.04.2024), que também requereu a não homologação do plano, alegando, em síntese, que: a devedora já se encontra em situação de insolvência; o plano não contém as informações previstas nas alíneas a) a j) do n.º 1 do artigo 17.º-F do CIRE; o plano afeta o seu direito de crédito, sem que o mesmo o tenha consentido e a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que aquela que resultaria na ausência de qualquer plano, uma vez que prevê:

. um período de pagamento de 15 anos, o qual é injustificadamente alargado;

. a liberação das garantias bancárias/cauções e depósitos prestados no âmbito de empreitadas de obras públicas, sem que se perceba se afeta alguma das que foram prestadas pela ora credora, o que, a suceder, não se aceita;

. o distrate das garantias referentes às hipotecas constituídas a favor da ora credora sobre dois bens imóveis que identifica.

No dia 06.05.2024, veio o senhor AJP depositar no tribunal a versão final do plano de revitalização (cf. ref.ª 8858074, que faz fls. 741 a 747 do processo físico).

No dia imediatamente seguinte, 07.05.2024, foi publicado no portal Citius anúncio, advertindo da junção de nova versão do plano, correndo desde a publicação referida o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado podia solicitar a não homologação do plano (cf. ref.ª 94130392).

No decurso deste prazo de votação, a credora Banco 1..., CRL (ref.ª 8865040, de 08.05.2024) veio manifestar novamente o sentido negativo do seu voto em relação ao plano apresentado.

Findo o prazo legalmente previsto, o senhor AJP, no dia 21.05.2024 (ref.ª 889700, junto a fls. 748 e ss.), remeteu ao tribunal documento elaborado e assinado por si, contendo o resultado da votação, bem como os votos emitidos, o qual ainda foi complementado com o esclarecimento apresentado em 03.06.2024 (ref.ª 8925189), após notificação do Tribunal para o efeito.

Por sentença de 13.06.2024  foi recusada a homologação do plano.

A requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de  apelação, tendo concluído as suas alegações da seguinte forma:

(…).

A credora Banco 1... contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…).

II – Objeto do recurso

           De acordo com as conclusões da apelação as quais delimitam o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

            . se deve ser admitida a junção de documentos com o recurso interposto pela apelante;

           . se o plano de revitalização apresentado deve ser homologado, ainda que possa ser declarada a ineficácia da cláusula que prevê o distrate de duas das três hipotecas,  constituídas a favor da credora Banco 1....

III – FUNDAMENTAÇÃO

Na 1ª instância foram julgados provados os seguintes factos:
1) A..., LDA (doravante, apenas A...), é uma sociedade por quotas, com o capital social de 74.819,68€, representado por duas quotas, sendo uma de 49.879,79€, titulada por DD, e outra de 24.939,89€, titulada por EE;
2) A sociedade tem por objeto a aquisição e revenda de prédios, operações sobre imóveis e investimentos imobiliários, execução de loteamentos, construção e promoção imobiliária, administração e arrendamento de imóveis, construção de obras públicas, compra e venda de materiais de construção;
3) A sua gerência é assegurada por DD;
4) Foi fundada em 1996 e vem exercendo a sua atividade nas áreas da construção habitacional e não habitacional, construindo para venda direta e/ou arrendamento, bem como na instalação de indústrias e espaços comerciais, a par da intervenção em diversas obras públicas;
5) Ao longo dos seus anos de atividade, foram-se adjudicadas 38 obras públicas;
6) O «modus operandi» da sociedade assenta, essencialmente, no recurso à subcontratação ou à contração por obra;
7) Em 2016, interpôs um PER, que correu termos com o n.º 7817/16.... no Juízo de Comércio de ... – J..., cujo plano de revitalização foi aprovado e judicialmente homologado em 12.04.2017;
8) Em 2019, interpôs novo PER, que correu termos com o n.º 4008/19.... no Juízo de Comércio de ... – J..., cujo plano de revitalização foi aprovado e judicialmente homologado em 09.12.2019;
9) No entanto, a sua área de negócio sofreu uma forte queda a partir de 2021, em virtude, essencialmente, do impacto da pandemia provocada pela COVID19;
10) Tal circunstância originou atrasos no cumprimento de compromissos com os clientes, como também significativas dificuldades de tesouraria e, por isso, dificuldades no cumprimento do plano de revitalização;
11) A situação de dificuldade sentida agravou-se ainda mais com a guerra na Ucrânia, com a inflação subsequentemente surgida e a subida das taxas de juro;
12) Em face de tal situação, a devedora teve necessidade de recorrer a novo PER;
13) Em 01.12.2023, a A... interpôs, pois, o presente PER, tendo em vista a aprovação e homologação de um plano de revitalização que tem «por objetivo basilar, a criação de condições que permitam a adequação da regularização do passivo da empresa à sua real e efetiva capacidade de libertação de meios financeiros, num quadro de regular funcionamento da exploração, tendo em conta o atual contexto económico, nomeadamente, do sector em que se insere»;
14) A situação de desequilíbrio financeiro da devedora foi, nos termos do aludido plano, resultado de um conjunto de fatores, designadamente:
a) O aumento generalizado dos preços das matérias-primas e dos serviços de subempreitadas, sem que fosse possível repercutir no preço global da empreitada negociada com o cliente;
b) Ruturas de stock de matérias-primas, associadas às quebras nas cadeias de fornecimento;
c) Escassez de mão de obra, que condiciona o avanço dos trabalhos em curso;
d) Dificuldade por parte dos clientes em cumprir com os prazos de pagamento;
15) Este cenário conduziu a devedora a uma rutura de tesouraria, pelo que o incumprimento perante os credores será inevitável;
16) Não tendo conseguido libertar meios de tesouraria suficientes para satisfazer os compromissos assumidos neste período, não logrou abater o seu passivo corrente de forma sustentada;
17) As dívidas à ATA e ao ISS, I.P., encontram-se, porém, a ser cumpridas em planos prestacionais acordados;
18) A devedora apresentou nos últimos três exercícios contabilísticos os seguintes resultados: em 2020: - 256.391,42€; em 2021: + 598,31€; e em 2022: + 13.448,47€;
19) No ano de 2023, a devedora alega ter realizado vendas e prestações de serviço no valor global de 435.914,85€;
20) Os ativos da empresa devedora têm-se mantido estáveis, não tendo a mesma alienado património, sendo que dos mesmos consta um prédio urbano com o valor patrimonial de 76.627,79€, mas real de 170.000,00€ (onerado com duas hipotecas e uma penhora), e bens móveis que totalizam o valor de 39.700,00€;
21) Tais ativos, nos termos do plano apresentado, discriminam-se da seguinte forma:


22) Atualmente, tem a correr termos a ação judicial n.º 40/21...., no TAF do Porto, em que peticiona a quantia de 761.999,99€; sendo que ainda tem a correr mais duas ações judiciais: os processos n.ºs 661/17...., no valor de 60.588,61€, no TAF do Porto, e 603/20...., no valor de 227.715,19€, no TAF de Loulé;
23) A empresa devedora direciona agora a sua estratégia para as obras particulares, tendo um lote de terreno, em ..., ..., com projeto aprovado, que prevê a construção de 4 apartamentos, prevendo-se a realização, logo no 1.º ano de execução do presente plano, em 800.000,00€;
24) A devedora prevê ainda a construção e uma moradia na Avenida ..., em ..., prevendo-se a realização de 600.000,00€;
25) Estes empreendimentos, nos termos do aludido plano de revitalização, serão o motor de recuperação da presente situação, sendo que, para tanto, a devedora necessita de financiamento bancário;
26) A estas obras acrescerão outros projetos de construção e remodelação, por forma a garantir a recuperação da empresa;
27) A revitalização da empresa, nos termos do plano apresentado, mostra-se assente nos seguintes vetores:


28) Assente nos indicados vetores, o plano apresentado prevê a evolução dos investimentos, vendas e prestação de serviços nos termos seguintes:


29) O plano apresenta também os balanços previsionais para os anos de 2025 até 2034;
30) Não tendo sido apresentado mapa de pessoal, o plano refere, porém, que a área de administração e gestão financeira encontra-se assegurada por pessoa que indica, a área de contabilidade por outra pessoa que também indica e a área jurídica pelo Ilustre mandatário que constituiu nos presentes autos, desconhecendo-se, porém, o tipo de vínculo que tem constituído com os dois primeiros;
31) A devedora não apresentou a proposta de classificação dos credores em categorias distintas, prevista na alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C do CIRE;
32) O passivo total reconhecido no âmbito do presente PER, já após o conhecimento das impugnações deduzidas à lista de créditos, foi de 1.555.774,78€, incluindo o crédito de 20.242,34€ reconhecido sob condição suspensiva;
33) O plano de recuperação apresentado pela devedora prevê a reestruturação do seu passivo, através do seguinte plano de pagamentos:



34) De acordo com o mapa de votação elaborado pelo senhor AJP (que atribuiu 100% dos direitos de voto ao crédito sob condição suspensiva reconhecido ao credor B..., S.A.), do universo de credores com direito a voto, totalizando 1.555.774,78€, exerceram esse seu direito, relativamente ao plano apresentado pela devedora, credores titulares de créditos no montante global de 1.347.358,54€, sendo que nenhum é subordinado, tendo votado a favor da aprovação créditos correspondentes a 787.534,25€ e contra a aprovação créditos correspondentes a 559.824,29€;
35) O credor B..., S.A., titular do crédito reconhecido sob condição suspensiva, votou a favor do plano de revitalização apresentado;
36) O senhor AJP emitiu parecer no sentido de o plano apresenta perspetivas razoáveis para assegurar a efetiva viabilização da A..., dando, por conseguinte, parecer favorável sobre aquele.

            Da junção de documentos com as alegações

            (…).

                                                           *

Da pretendida homologação do Plano de Recuperação

A sentença recorrida recusou a homologação por três razões:

. Embora esteja prevista a manutenção da garantia real constituída sobre o prédio urbano sito na Rua ..., ..., em ..., com o alegado valor comercial de 600.000,00€, o plano prevê,  contra o consentimento da credora, a extinção de duas hipotecas voluntárias constituídas a favor da credora Banco 1...: o distrate das duas hipotecas de que a Banco 1...  é beneficiária sobre o prédio urbano sito em ..., ... (único que é propriedade da devedora A...), no alegado valor comercial de 170.000,00€,e sobre o prédio urbano sito na Avenida ..., em ..., com o alegado valor comercial de 250.000,00€.  A homologação do plano apresentado colocaria a credora numa posição bastante mais desvantajosa, “uma vez que o único prédio titulado pela própria devedora A... deixaria de estar onerada com a garantia constituída a favor desta credora, para além de que esta ainda perderia outra garantia real constituída sobre um outro prédio urbano, sendo o seu crédito o mais significativo do presente PER (representando cerca de 1/3 da totalidade dos créditos reconhecidos com direito de voto).

. Uma hipoteca voluntária apenas pode extinguir-se nas situações taxativamente previstas no artigo 730.º do Código Civil, sendo que, não estando verificadas, no caso em apreço, as previsões legais contidas nas respetivas alíneas a), b) e c), é também patente que a Banco 1... não renunciou às hipotecas voluntárias constituídas a seu favor (cf. alínea d) do citado artigo 730.º do Código Civil) e tal renúncia, a existir,  sempre teria de ser expressa e exarada em documento autenticado, conforme resulta do artigo 731.º do mencionado diploma legal. A extinção das hipotecas sem o acordo da credora constitui violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de revitalização apresentado.

. O plano prevê ainda a «liberação das garantias bancárias/cauções e depósitos prestados no âmbito de empreitadas de obras públicas, no valor de €61.513,95», sem que, por um lado, se identifiquem as entidades bancárias que deverão proceder a tal liberação, designadamente se alguma é também credora no presente PER, como a Banco 1..., CRL;  sem que, por outro lado, se ateste o necessário consentimento das entidades beneficiárias das mesmas (não intervenientes no presente PER); e sem que, por fim, se clarifique se se tratam de garantias autónomas simples ou de garantias autónomas automáticas, o que igualmente implicaria a recusa oficiosa do presente plano, nos termos previstos no citado artigo 215.º do CIRE.

Na sentença recorrida entendeu-se, assim,  que “a ausência de plano determinará: ou a liquidação do único bem imóvel da devedora (onerada com garantia constituída a favor da Banco 1...) num eventual processo de insolvência subsequente (mantendo a Banco 1... a preferência de pagamento por força da garantia que detém); ou, caso a insolvência não seja declarada, a manutenção das garantias reais que a Banco 1... tem constituídas a seu favor para pagamento do seu crédito.

Assim sendo, num exercício intelectual de prognose que se impõe efetuar neste momento, traduzido na comparação do que se antevê resultar da homologação do plano, para a Banco 1..., com aquilo que aconteceria na ausência dele, cremos ser manifesto que o plano apresentado pela devedora mostra-se claramente mais desfavorável para a credora, pelo que não pode ser homologado pelo Tribunal.”

Sobre a fundamentação do Tribunal para considerar que a situação da Banco 1... ao abrigo do plano apresentado fica claramente mais desfavorável, a apelante limita-se a referir que não pretendeu o distrate das hipotecas mas apenas a sua redução, para depois contrariamente referir que afinal pretendeu assegurar o distrate, mas só após a conclusão das obras que prevê realizar nos prédios hipotecados.

Vejamos:

A votação do Plano  efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º do CIRE (diploma a que, doravante, se referem todos os preceitos legais que venham a ser citados, sem indicação da fonte), com as necessárias adaptações, e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com a empresa e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal, acompanhado do seu parecer fundamentado sobre se o plano apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma (artº 17-F, nº 6).

Nos 10 dias seguintes à receção da referida documentação, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º, e aferindo:

a) Se o plano foi aprovado nos termos do n.º 5;

b) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, os credores inseridos na mesma categoria são tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos;

c) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, as categorias votantes discordantes de credores afetados recebem um tratamento pelo menos tão favorável como o de qualquer outra categoria do mesmo grau, e mais favorável do que o de qualquer categoria de grau inferior;

d) Que nenhuma categoria de credores, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, pode, no âmbito do plano de recuperação, receber nem conservar mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos;

e) Se a situação dos credores ao abrigo do plano é mais favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa, caso existam pedidos de não homologação de credores com este fundamento;

f) Se aplicável, que qualquer novo financiamento necessário para executar o plano de reestruturação não prejudica injustamente os interesses dos credores;

g) Se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma (artº 17ºF, nº 7).

O artº 215º refere-se às situações em que o juiz deve recusar a homologação, independentemente de lhe ter sido ou não pedido por um interessado e o artº 216º prevê os fundamentos de recusa de homologação a pedido dos interessados.

O artº 215º dispõe que o juiz pode recusar, oficiosamente, a homologação do plano de revitalização aprovado na assembleia de credores, no caso em que ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza.

A lei não define o que são vícios não negligenciáveis.

Tem se entendido que a violação de normas procedimentais corresponde, “a uma irregularidade processual que se consubstancia no facto de ter sido praticado um ato que a lei não admite ou de ter sido omitido um ato ou formalidade prescrito na lei e, nessa medida, o critério para apurar se tal violação é (ou não) negligenciável deve ser semelhante ao critério adotado no artigo 195º do CPC com vista a determinar se a irregularidade tem aptidão necessária para produzir nulidade.” Dessa forma, a violação dessas normas será não negligenciável sempre que possa afetar e influir no exame ou na decisão da causa, o que, no âmbito do processo de acordo de pagamento[1], equivale a dizer que tal violação será não negligenciável sempre que ela seja suscetível de afetar, de forma relevante, o processo negocial e o resultado que com ele se pretende atingir: a conclusão de um acordo entre o devedor e os seus credores em resultado das negociações entre eles estabelecidas.

A violação de normas referentes ao conteúdo do plano prende-se com a substância do plano de recuperação (aquilo que ele contém ou deve conter) e (…)  de um modo geral, sempre que ela acarrete um resultado que a lei não permite, seja porque o conteúdo do plano viola disposições legais de carácter imperativo, seja porque viola regras legais que, apesar de não serem imperativas, visam tutelar e proteger determinados direitos sem que os respetivos titulares tivessem consentido ou renunciado à tutela que a lei lhes confere. A violação dessas normas será, portanto, não negligenciável sempre que ela possa afetar/prejudicar a salvaguarda dos interesses – sejam eles do devedor ou dos credores – que sejam dignos de proteção legal (cfr. se defende no Ac. desta Relação de  11.10.2017, proc. 6/17.0T8GRD-A.C1, de onde foi retirado o extrato transcrito entre aspas).

Além das situações em que o juiz deve recusar oficiosamente o plano, o plano deverá ainda ser recusado se tal lhe for solicitado por algum credor cuja oposição haja sido comunicada anteriormente à aprovação do plano (artº 17-F, nº 2), contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que:

a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;

b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.

Atualmente, dadas as alterações introduzidas à alínea e) do nº 7 do artº 17º F, os credores podem requerer a não homologação do plano se demonstrarem que o plano não garante que a sua situação ao abrigo do plano é mais favorável do que seria num cenário da liquidação da empresa (não bastando que fiquem em situação idêntica, para que o plano seja homologado, como resulta do disposto no artº 216º, nº 1, alínea a) (cfr. defende Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência, Almedina, 8ª Edição, pág. 507).

Por sua vez o nº 2 do artº 192º estabelece uma regra geral de tutela dos interesses dos credores e dos direitos de terceiros ao consagrar que “o plano só pode afetar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados”.

E no que respeita ao conteúdo do plano, o art. 195º do CIRE dispõe que “O plano (…) deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência” (nº 1) e “o impacto expectável das alterações propostas por situação que se verificaria na ausência de qualquer plano” (nº 2, alínea f).

Estabelece ainda o artº 194º que o plano obedece ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas (nº 1 do artº 194º) ou do consentimento do credor afetado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável (nº 2 do artº 194º).

Como se referiu, a apelante para contrariar o juízo formulado na sentença recorrida, no sentido de que a aprovação do Plano coloca a credora numa situação mais desfavorável da que teria num cenário de liquidação da empresa e  na ausência de qualquer plano, vem dizer apenas que não pretendeu a extinção das duas hipotecas, mas apenas a sua redução e que o distrate a ocorrer, apenas teria lugar após a conclusão das obras.

No Plano apresentado consta no ponto destinado à Banco 1...:.
1. Período de carência de juros – 12 meses
Período de carência de capital – 12 meses
Pagamento em 15 euros (180 prestações)
Perdão de comissões e juros vincendos
Obs: a diferenciação do prazo de pagamento deve-se sobretudo não só ao valor da quantia em dívida, mas também ao facto desta credora ter todo o seu crédito garantido, não só por bens da empresa, como também por bens pessoais do sócio gerente, o que não acontece com nenhum outro credor.
.2. Manutenção da garantia real sobre o prédio urbano sito na Rua ..., ..., em ..., composto de casa de habitação, de cave, ... , ... andar e sótão, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...76 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o artigo ...19, com o valor comercial de Euros 600.000,00 /seiscentos mil euros).
.3. Distrate de garantias sobre os prédios urbanos constituídos pelos lotes de terreno:
.a.) Prédio urbano sito em ..., ..., composto por lote de terreno para construção, denominado lote 3, inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ..., ... e ... sob o artº ...10, e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...75 da freguesia ..., com o valor comercial de Euros 170.000,00 (cento e setenta mil euros).
.b.) Prédio urbano, denominado lote 7, composto de lote de construção, sito na Avenida ..., em ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...88 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...45, com o valor comercial e Euros 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros).
.4. Liberação da mora, com comunicação à Central de Responsabilidades de Crédito, por forma a permitir a obtenção de financiamento.

Na interpretação do Plano há que recorrer às normas do artº 236º a 238º do CC, tendo o Código Civil consagrado a teoria da impressão do declaratário, de cariz objetivista, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia. Ora, um declaratário normal na posição do real declatário, não entenderia as cláusulas  do acordo sob o nº 3, como pretendendo a redução das hipotecas nem como medida a empreender apenas posteriormente, após a conclusão das obras que a apelante pretende construir nos mencionados lotes de terreno. Desde logo a pretensão da apelante não tem qualquer correspondência com o texto do Plano, sendo que, tratando-se de um contrato formal, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um  mínimo de  correspondência no texto do respetivo documento (artº 238º, nº 1 do CC).  Ora, a expressão utilizada no texto não  é redução, mas sim ”distrate” que  implica, designadamente,  o cancelamento do respetivo registo no Registo Predial. E versando o Plano um conjunto de medidas a implementar após a sua homologação, também não se pode interpretar o pretendido distrate, como medida a efetuar posteriormente, só após a construção das obras e pagamento da dívida garantida, pois que aí, obviamente que o distrate teria de ser efetuado, não sendo necessário prever o mesmo no Plano. Seria consequência normal da liquidação da dívida. 

No caso dos autos, prevê-se, em relação à Banco 1..., a manutenção da garantia real constituída sobre o prédio urbano sito na Rua ..., ..., em ..., com o alegado valor comercial de 600.000,00€, propriedade do sócio gerente da apelante, e o distrate de garantias de que esta é beneficiária sobre o prédio urbano sito em ..., - lote 3 - ... (único que é propriedade da devedora A...), no alegado valor comercial de 170.000,00€, e sobre o prédio urbano sito na Avenida ..., ... - em ..., com o alegado valor comercial de 250.000,00€, igualmente propriedade do sócio gerente, contra a vontade da apelada Banco 1....

As hipotecas só podem extinguir-se, de acordo com o artº 730º do CC:

a) Pela extinção da obrigação a que serve de garantia;

b) Por prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição e cinco sobre o vencimento da obrigação;

c) Pelo perecimento da coisa hipotecada, sem prejuízo do disposto nos artigos 692.º e 701.º;

d) Pela renúncia do credor.

Ora, o plano, ainda que tenha recebido a aprovação da maioria dos credores, não pode alterar o regime legal que regula a extinção das hipotecas. A cláusula inserta no plano de pagamentos que vai contra o regime legal que prevê os casos em que a hipoteca pode ser extinta, constitui uma violação não negligenciável de normas legais aplicáveis em relação ao conteúdo do acordo.

A questão que a apelante suscita relativamente à redução da hipoteca, em seu entender possível, porque o valor do crédito reclamado pela Banco 1... é inferior ao reconhecido na lista provisória de créditos pelo sr. AJP, é irrelevante, uma vez que não se entendeu  estar em causa a redução das hipotecas, mas sim a sua extinção, pelo que  não é necessário  apurar qual é o montante do crédito em causa nestes autos, para verificar se corresponde a uma redução de menos de 2/3 do seu valor inicial, caso em que a redução judicial é possível  (artº 720º, nº 2, alínea a) do CC).

No caso a decisão que julgou improcedente as impugnações da devedora à lista provisória de créditos, onde alegava, designadamente,  que a dívida da Banco 1... era inferior à reconhecida na lista provisória de créditos, foi objeto de recurso autónomo, interposto  em 10.02.2024, pela apelante em momento anterior à prolação da decisão recorrida.  Este  recurso não foi admitido pela 1ª instância, em 13.06.2026, mas a apelante deduziu reclamação nos termos do artº 643º do CPC. A reclamação foi atendida e já foi proferido acórdão, em 25 de outubro de 2024 que julgou improcedente o recurso (aguardando-se o trânsito em julgado).

Da pretendida eliminação da cláusula do Plano que prevê o distrate

O apelante vem ainda defender que o plano poderia ser homologado, uma vez que recolhe os votos da maioria dos credores,  mas eliminando-se a referida cláusula.

A questão da ineficácia do acordo relativamente a alguns credores surgiu nos casos em que o acordo de pagamentos, no âmbito do PEAP, o plano de insolvência ou de reestruturação, no âmbito do processo de insolvência e o plano de revitalização no âmbito do PER foi aprovado, com o voto contra ou sem o acordo dos credores dos créditos exclusivamente da Autoridade Tributária e da Segurança Social. O Supremo Tribunal da Justiça tem entendido, maioritariamente nestes casos, que quando o  plano foi aprovado e não se verifica outra razão para a sua não homologação, que por força do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários  consagrado nos artºs. 30.º/2, 36.º/2 e 3 da LGT, a decisão não produz efeitos relativamente aos credores Segurança Social e Autoridade Tributária. Ou seja, o plano produzirá todos os seus efeitos, viabilizando o prosseguimento da atividade económica e comercial da empresa e satisfazendo os interesses dos credores na exata medida acordada e por eles aceite, à exceção daqueles que teriam reflexo na esfera jurídica do Instituto da Segurança Social e da AT, enquanto entidade titular de créditos de natureza tributária, ao qual não serão oponíveis, permanecendo intangíveis e imodificáveis no seu conteúdo (cfr. se defende no Ac. do STJ de 17.10.2023, proferido no processo nº 2395/22.6T8STR.E1.S1, de 17.10.2023, onde se mencionam diversos acórdãos nesse sentido, mas que tem um voto de vencido, no sentido de que o art. 215.º do CIRE não consente, em relação a um mesmo Plano, uma decisão de homologação em relação a uma parte dele e uma decisão de não homologação em relação a outra parte, admitindo, porém, a homologação total do acordo no caso em que as alterações introduzidas aos créditos tributários sejam pouco expressivas, constituindo assim uma violação negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo).

Em defesa da tese maioritária,  Catarina Serra, “O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência”, Almedina, 2017, 2ª edição, páginas 105 a 106 e Fonseca Ramos, em  os “Os créditos tributários e a homologação do plano de recuperação da insolvência”, publicado na “ Revista do Direito da Insolvência”, Ano 0, páginas 267 e seguintes.

Em sentido relativamente divergente, pronuncia-se Sara Luís Dias, no artigo “A afetação do crédito tributário no plano de recuperação da empresa insolvente”, artigo também publicado na “Revista do Direito da Insolvência”, Ano 0, na medida em que, segundo refere, o CIRE não só prevê nos artigos 212º a 217º e 176º a aplicação das medidas a todos os credores, sem excecionar a Autoridade Tributária, como privilegiou, através da Lei nº 16/2012, de 12 de Abril, a sua proteção pelo crédito tributário, o que nos parece indiciar a sua tomada de posição pela recusa, pura e simples, de homologação do plano (referências doutrinárias retiradas do Ac. do STJ de 17.10.2023, já citado).

No caso, não se nos afigura que possa ser defendida a solução preconizada pelo apelante que tem sido aplicada aos créditos tributários e da Segurança Social. Limitar a eficácia do plano aos credores não concordantes, seria postergar o fim do plano que é vincular  todos os credores ao que nele foi acordado, inclusive aqueles que nele não intervieram nem reclamaram os seus créditos, relativamente aos créditos já constituídos, ainda que não se encontrem vencidos, à data da nomeação do administrador judicial provisório, assim como os que votaram contra a aprovação. 

Da alegada violação do princípio da proteção da confiança, da segurança jurídica, da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso

            Entende a apelante que foi violado o princípio da proteção da confiança, uma vez que, em face da aprovação do Plano pela maioria dos credores, confiava que o Plano fosse homologado.

           De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o princípio da proteção da confiança (artº2º da CRP),  corolário do princípio do Estado de direito democrático, e que constitui o lado subjetivo da garantia de estabilidade e segurança jurídica,  só é violado, quando uma norma afeta, de forma "inadmissível, arbitrária ou demasiado onerosa direitos ou expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos". Casos em que a norma "viola aquele mínimo de certeza e segurança que as pessoas devem depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito". A este impõe-se, na verdade, que organize a "proteção da confiança na previsibilidade do direito, como forma de orientação de vida" (cf. o acórdão nº 330/90, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volº 17º, pgs 277 e sgs, de onde foi retirado o texto entre aspas).

Pretende-se assim a valoração da estabilidade do direito vigente, sendo proibidas  alterações legislativas incalculáveis ou bruscas que afetem a confiança que os privados legitimamente depositam no direito.

As expectativas de estabilidade de determinado regime jurídico devem ter sido induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos; elas devem, igualmente, ser legítimas, ou seja, fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; por fim, o cidadão deve ter orientado a sua vida e feito opções, precisamente, com base em expectativas de manutenção do quadro jurídico.

Verificados estes pressupostos, há que proceder a uma ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Com efeito, para que a situação de confiança seja constitucionalmente protegida, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, no balanceamento a efetuar, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa (Cfr. se defende, designadamente, no Ac. do  TC nº º 413/2014 de 26-06-2014).

           Ora,  a violação do princípio da proteção da confiança tem aplicação  na sucessão de regimes legais, mas não em sede de aplicação do direito aos factos.  

Mas ainda que assim não se entendesse, não se vislumbra como é que a apelante podia confiar na homologação do Plano, desde logo quando vários credores requereram a sua não  homologação. A apelante não tinha razões para confiar que, no máximo a cláusula constante do ponto 3 seria retirada do plano  e este aprovado.

Os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição de excesso não são incompatíveis com a imposição de limites, como os que resultam do disposto nos artigos 215º, 216º e 192º.

            Da alegada falta de identificação das entidades bancárias que deverão proceder à liberação das garantias bancárias

           Na sentença recorrida entendeu-se que decorria ainda do  plano apresentado “a previsão de «liberação das garantias bancárias/cauções e depósitos prestados no âmbito de empreitadas de obras públicas, no valor de €61.513,95», sem que, por um lado, se identificassem entidades bancárias que deverão proceder a tal liberação, designadamente se alguma das credoras do presente PER, como a Banco 1..., CRL; sem que, por outro lado, se ateste o necessário consentimento das entidades beneficiárias das mesmas (não intervenientes no presente PER); e sem que, por fim, se clarifique se se trata de garantias autónomas simples ou de garantias autónomas automáticas.”.

            Considera a apelante que o Plano identifica as entidades e refere que tais valores se tratam de cauções (retenção de 5% do valor das faturas) e depósitos caucionados.

            Por sua vez, a apelada vem dizer que não corresponde à verdade que as entidades estejam identificadas no Plano, acrescendo que a apelante não faz qualquer referência à garantia bancária n.º ...36, datada de 20.06.2017, no valor de 27.618,43, emitida pela apelada a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, omitindo assim que com o Plano apresentado também pretendia a sua liberação.

No entender da apelada, esta omissão permitiria à recorrente no futuro, caso o plano fosse aprovado, fazer-se valer do Plano para dizer que a garantia bancária prestada pela Caixa se encontrava liberada, o que não se concede. O Tribunal a quo só podia recusar a homologação do Plano, por não estarem ali identificadas as entidades bancárias que deverão proceder a tal liberação e não ser possível confirmar que deram o seu consentimento à liberação.

Mais referiu que a garantia prestada pela Banco 1... a favor do Instituto da Segurança Social  existe e encontra-se em vigor, pelo que a Caixa pode ser interpelada, a todo o momento pela beneficiária das garantias, para proceder ao pagamento das mesmas (pelo que bem andou o Sr. AJP ao reconhecer o crédito resultante daquelas garantias como crédito sob condição garantido), sendo que tal facto não é mera hipótese académica, como a devedora/recorrente pretende fazer crer e a Banco 1... não deu qualquer consentimento para a liberação.

            Vejamos:

           Sob a denominação “créditos garantidos”, o plano prevê a “liberação das garantias bancárias/cauções e depósitos prestados no âmbito de empreitadas de obras públicas no valor de Euros 61.513,95”, referindo terem sido prestadas a favor das seguintes entidades garantidas: CM de ..., CM da ..., Escola Superior ... e  Câmara Municipal .... O plano refere ainda a garantia nº ...56 prestada a favor da Administração do Porto ... pela Banco 1..., cuja extinção se encontra assegurada no âmbito de uma transação efetuada no proc. 258/23.....

            Não é feita qualquer referência no plano a uma garantia prestada pela Banco 1... a favor do Instituto da Segurança Social, razão pela qual não se vislumbra como é que se pode retirar a ilação, retirada pela apelada, que a devedora também pretende a liberação desta garantia.

  A apelante vem fazer, no âmbito do recurso, referência ao disposto no artº 295º, nº 5 do Código dos Contratos Públicos (DL n.º 18/2008, de 29 de Janeiro), que prevê a promoção pelo contraente público, ao longo de cinco anos, da liberação da caução prestada destinada a garantir o exato e pontual cumprimento das obrigações contratuais, nos contratos referidos no nº 4 do artº 295º  e em que o  prazo das obrigações de correção de defeitos seja superior a três anos.

Ora, a liberação das cauções prestadas parciais e finais têm como pressuposto, além do decurso do prazo, a inexistência de defeitos da prestação do cocontratante ou da correção daqueles que hajam sido detetados até ao momento da liberação, sem prejuízo de o contraente público poder decidir diferentemente, designadamente por considerar que os defeitos identificados e não corrigidos são de pequena importância e não justificam a não liberação (artº 295º, nº 8 do Código dos Contratos Públicos).

Decorrido o prazo previsto nos números anteriores para a liberação da caução sem que esta tenha ocorrido, o cocontratante pode notificar o contraente público para que este cumpra a obrigação de liberação da caução, ficando autorizado a promovê-la, a título parcial ou integral, se, 15 dias após a notificação, o contraente público não tiver dado cumprimento à referida obrigação (artº 295º, nº 9 do Código dos Contratos Públicos).

A mora na liberação, total ou parcial, da caução confere ao cocontratante o direito de indemnização, designadamente pelos custos adicionais por este incorridos com a manutenção da caução prestada por período superior ao que seria devido (artº 295º, nº 10 do Código dos Contratos Públicos).

Como resulta das disposições legais citadas, o mero decurso do  prazo (que no caso também se desconhece) não é suficiente para que se possa proceder à liberação das garantias. Assim, a liberação das cauções prestadas sem que se tenha obtido o consentimento das entidades garantidas, ou sem que comprove o cumprimento do disposto no artº 295º, nº 9 do DL 18/2008, não é possível, sem o consentimento dos beneficiários, constituindo também uma violação não negligenciável das normas referentes ao conteúdo do plano.

            O recurso deve, assim, improceder.

            Sumário:

(…).

            IV – Decisão

           Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª secção em julgar improcedente o recuso, confirmando a sentença recorrida.

            Custas pela apelante.

            Notifique.

            Coimbra, 12 de novembro de 2024


[1] E também no âmbito de um processo de revitalização, como se verifica no caso.