I – O art. 212.º, n.º 2, al. a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, segundo o qual os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano não conferem direito de voto, também tem aplicação ao Processo Especial de Revitalização.
II – Vigorando o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, um crédito exigível porque vencido, e que no plano passa a ser objecto de pagamento fraccionado em múltiplas prestações mensais, consubstancia uma alteração relevante para os fins do art. 212.º, n.º 2, al. a), gozando o respectivo credor de direito de voto.
III – Igualmente para o crédito detido pela Segurança Social, tendo em conta os arts. 30.º da Lei Geral Tributária, aplicável aos créditos contributivos da Segurança Social, ex vi art. 3.º, al. a), do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Tribunal a quo: Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra/Juízo de Comércio de Coimbra (J...)
Recorrente: A..., Lda.
Sumário (art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…).
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I.
A..., Lda., melhor identificada nos autos, veio apresentar-se a Processo Especial de Revitalização, ao abrigo do art. 17.º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aduzindo, em abono da sua pretensão, que se encontra com graves dificuldades para cumprir as suas obrigações, mas acredita na sua recuperação, por ter garantido níveis de actividade de facturação para o próximo ano (2024) e seguintes, que lhe permitirão satisfazer as suas despesas correntes e assegurar a diminuição do passivo acumulado, ainda que gradual.
Todavia, para esse fim é essencial a aprovação pelos seus credores de um plano de recuperação, tendente à sua revitalização, aditando que continua a laborar, com aumento ligeiro do seu volume de negócios.
Proferido despacho inicial, os termos da instância foram-se desenvolvendo, com o processo negocial entre a empresa e os respectivos credores e a prolação de decisão sobre o reconhecimento de créditos, até que foi junto plano de recuperação visando a revitalização da empresa, com parecer favorável do Sr. Administrador Judicial.
A Sentença cuja prolação remonta a 19 de Junho de 2024, conclui que:
«Em face do exposto, não se considera aprovado o plano de recuperação apresentado pela devedora A... LDA.
Valor: 30.000,01€ (cf. artigo 301.º do CIRE).
Custas pela requerente (cf. artigo 17.º-F, n.º 12, do CIRE).
Registe, notifique e demais d.n.
Notifique o Senhor AJP para, no prazo de 5 dias, informar se ouviu previamente a devedora e credores para emitir o parecer apresentado no sentido de a devedora não se encontrar em situação de insolvência (cfr. artigo 17.º-G, n.º 3, ex vi do artigo 17.º-F, n.º 9, ambos do CIRE.».
II.
Desta discordando, a Recorrente interpôs Recurso de Apelação, cujas alegações finalizam com as seguintes
«CONCLUSÕES:
1. A Recorrente no Processo Especial de Revitalização não formou categoria de credores.
2. O Tribunal a quo não excluiu do âmbito dos credores com direito a voto aqueles que não foram afetados pelo plano, como é exigido pelo artigo 212.º, n.º 2, alínea a) do CIRE.
3. O Estado – Fazenda Nacional e Instituto da Segurança Social/Centro Distrital de Coimbra são pagos na totalidade, sem perdão de qualquer tipo de juros, em prestações, resultando o seu número (150 para a Segurança Social e 30 para a Fazenda Nacional) de normas legais que impõem um valor mínimo de cada prestação.
4. Os votos contra correspondem não a 49,66% mas sim a 47,58%.
5. Nos termos da alínea b) do n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE considera aprovado o plano de recuperação que seja votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito a voto.
6. O Tribunal a quo confunde esta disposição com a que está estatuída na alínea a) do mesmo número e artigo.
7. Destes votos expressos (1/3) o plano tem de recolher o voto favorável de dois terços da totalidade dos votos emitidos.
8. Basta o voto favorável de 2/3 de 1/3 dos créditos com direito a voto.
9. Existe, por parte do Tribunal a quo, uma interpretação e aplicação errada da lei.
10. Se os votos da Estado - Fazenda Nacional e Instituto da Segurança Social/Centro Distrital de Coimbra fossem excluídos, nos termos do artigo 212.º, n.º 2, alínea a) do CIRE, o plano reunia os requisitos exigidos pela alínea c) do nº. 5, do artigo 17.º-F, do mesmo código.
11. O Tribunal a quo ao reconhecer e referir este dispositivo legal e ao não aplicá-lo e este caso concreto incorreu num erro de julgamento e violou a lei.».
III.
Colhidos os vistos legais, é o momento de apreciar e decidir.
IV.
Questão decidenda
Sem prejuízo da apreciação de questões que sejam de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o âmbito da apelação (arts. 608.º, n.º 2, 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil):
- Da não aprovação do Plano de Recuperação, por:
. preterição do art. 212.º, n.º 2, al. a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com lapso na contabilização da percentagem de votos contra (de 47,58%, e não de 49,66%);
. errada interpretação e aplicação do art. 17.º-F, n.º 5, als. a), b) e c).
V.
Dos Factos
Vêm provados os seguintes factos (transcrição):
1. A requerente é uma sociedade comercial por quotas, que tem por objecto “produção e comercialização de produtos agrícolas, de flores e plantas.” – Cfr Certidão permanente junta como Doc 1).
2. O capital social integralmente realizado é de 9.975,96 € (Cfr. Doc 1).
3. A Administração da sociedade cabe aos gerentes AA e AA (Cfr. Doc 1).
4. Do requerimento inicial apresentado pela requerente não foi apresentada qualquer proposta de classificação dos credores, afetados pelo plano de recuperação, em categorias distintas, de acordo com a natureza dos respetivos créditos, em credores garantidos, privilegiados, comuns e subordinados.
5. Foi apresentado plano de recuperação do seguinte teor:
Proposta de Plano de Recuperação
1. Credores do Setor Público Estatal
a. Autoridade Tributária
i. Pagamento da totalidade do crédito em 30 prestações mensais e iguais, sendo a primeira após o trânsito em julgado da sentença homologatória de aprovação do plano.
b. Segurança Social
i. Pagamento da totalidade do crédito em 150 prestações mensais e iguais, sendo a primeira após o trânsito em julgado da sentença homologatória de aprovação do plano.
c. A regularização dos créditos ao Setor Público Estatal será feita nos termos dos respetivos despachos dos dois credores públicos.
d. O número de prestações proposto para cada um dos credores públicos resulta da norma legal que impõe um valor mínimo de cada prestação de 102 euros.
2. Bancos e Sociedades Financeiras
a. Pagamento da totalidade do valor do capital em divida em 120 prestações mensais e anualmente crescentes, conforme quadro abaixo, com carência de capital de 12 meses, após o trânsito em julgado da sentença homologatória de aprovação do plano.
b. Considera-se o capital em divida o somatório dos valores de capital aprovados no processo e dos juros vencidos não pagos até ao trânsito em julgado da sentença homologatória de aprovação do plano, calculados à mesma taxa considerada para os juros vincendos, pelo que os credores deverão indicar o valor desses juros vencidos a consolidar com o capital, no prazo de sessenta dias após o transito trânsito em julgado da sentença homologatória de aprovação do plano.
c. Vencimento de juros vincendos desde o trânsito em julgado da sentença homologatória de aprovação do plano, calculados à taxa de EUR12M (Euribor a 12 meses) + 2% de spread, ou seja previsão do vencimento de juros, postecipados e contados dia a dia, à taxa de juro variável anual nominal que resultar da média aritmética simples das cotações diárias da taxa EURIBOR a 12 (doze) meses, durante o mês anterior a cada período anual de contagem e arredondada à milésima de ponto percentual, por excesso se a quarta casa decimal for igual ou superior a cinco, ou por defeito se for inferior, e depois acrescida do 'spread' ou margem de 2%, sendo que, em qualquer circunstância, a taxa de juro nominal aplicável nunca será inferior ao ‘spread’.
d. Os juros vincendos serão calculados e pagos trimestralmente, sendo o primeiro pagamento efetuado no final do terceiro mês seguinte ao mês do trânsito em julgado da sentença homologatória de aprovação do plano.
e. Manutenção de todas as garantias prestadas por terceiros.
3. Restantes Credores
a. Pagamento da totalidade do valor do capital em divida em 120 prestações mensais e anualmente crescentes conforme quadro abaixo, com carência de capital de 18 meses, após o trânsito em julgado da sentença homologatória de aprovação do plano.
b. Perdão de juros vencidos e vincendos.
4. Evolução das prestações e novos quadros resumo da relação de créditos edo plano de pagamento.
Quadro das prestações crescentes considerando-se a probabilidade de a 1ª prestação ser paga em Jul/2025:
5. Concluídas as negociações com os credores e recebidos os respetivos votos sobre a proposta de plano final, conclui-se que:
a) A totalidade dos créditos reclamados e reconhecidos e a que se atribuiu direito de voto é de €1.120.714,33;
b) Exerceram o seu direito de voto os credores correspondentes a 1.112.338,29€, ou seja, 99,25% do total de créditos incluídos na lista de credores dos autos;
c) Dos credores votantes, 50,34% votou favoravelmente (559.991,23€).
d) A proposta final de plano de recuperação recebeu votos contra de credores correspondentes a 552.427,06€ ou seja, 49,66% do total dos credores que emitiram o seu voto, de acordo com o mapa junto a 11/06/2024 e que se considera integralmente reproduzido e em resumo:
6. Votaram desfavoravelmente, entre outros credores a Autoridade Tributária e Aduaneira e a Segurança Social.
7. O administrador Judicial Provisório emitiu parecer dizendo, em suma, que não só que a devedora não se encontra em situação de insolvência como considera estar perante uma empresa que tem viabilidade, não se encontra na situação da insolvência e com a aplicação do plano e deve inequivocamente ser apoiada através da aprovação do plano de recuperação e por isso ser este homologado.
VI.
Do Direito
No caso vertente, consoante emerge dos arts. 1.º, n.º 2, e 5.º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a Recorrente – empresa que declarou encontrar-se em situação económica difícil, na acepção contida no seu art. 17.º-B – veio a Tribunal pedir a instauração de processo especial de revitalização, o qual é um processo judicial especial, pré-insolvencial, concursal[2], urgente, híbrido e recuperatório[3].
Ao mesmo são-lhe aplicáveis as respectivas regras (arts. 17.º-A a 17.º-J), seguidamente e com as necessárias adaptações, as normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que não sejam incompatíveis com a sua natureza (art. 17.º, n.º 3), e por fim, as disposições gerais e comuns, devidamente adaptadas, do Código de Processo Civil (arts. 17.º, n.º 1, e 549.º, este do Código de Processo Civil).
Tal qual emana dos autos, aquando da apresentação da Recorrente a Tribunal, não foi apresentada proposta de classificação dos credores, afectados pelo plano de recuperação, em categorias distintas, segundo a natureza dos respectivos créditos, em credores garantidos, privilegiados, comuns e subordinados [art. 17.º-C, n.º 3, al. d)], não foi formada categoria de credores (art. 17.º-C, n.ºs 3, al. d), e 4, por remissão para o anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro[4]), posteriormente foram reclamados e reconhecidos créditos (art. 17.º-D, n.ºs 2 e 5), vindo, a final, a ser recusada oficiosamente a homologação do plano, contra o parecer do Administrador Judicial [que enquadrou a sua aprovação à luz do art. 17.º-F, n.º 5, al. c)].
Expressis verbis por força do art. 17.º-F, n.º 7, no momento em que o Tribunal afere se estão, ou não, reunidas as condições para homologar o plano de recuperação, deve ter presente os arts. 194.º a 197.º, 198.º, n.º 1, 200.º a 202.º, 215.º e 216.º, sendo que no caso em análise, interessa, por ora, reter a norma do art. 215.º.
De facto, «A não homologação oficiosa deve ocorrer no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação (art. 215°).»[5].
A primeira objecção oposta pela Recorrente centra-se no facto do Tribunal não ter excluído do universo dos credores com direito a voto, aqueles não lesados pelo plano, referindo-se e aqui incluindo o Estado, nas vestes da Administração Tributária e Aduaneira, e a Segurança Social, o que deflui do art. 212.º, n.º 2, al. a).
Do art. 17.º-F, n.º 5, retira-se um requisito mínimo – todos os credores afectados devem ser contemplados na categorização dos créditos. Também se retira da disciplina legal que apenas as partes afectadas podem integrar as categorias de votantes, como imposto pelo art. 9.º, n.º 2, 2[6], da Directiva 2019/1023[7].
A remissão genérica que o art. 17.º-F, n.º 7, efectua para o Título IX do Código – epigrafado Plano de Insolvência e que abrange os arts. 192.º a 222.º-J –, levantou a questão de saber se o art. 212.º, n.º 2, al. a), segundo o qual os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano não conferem direito de voto, também tem aplicação ao Processo Especial de Revitalização.
É a questão da atribuição de direito de voto a credores cujo crédito não seja beliscado pelo plano de recuperação.
A doutrina e jurisprudência mais recentes têm reiterado que a norma do art. 212.º, n.º 2, é-lhe aplicável[8], o que se perfilha.
Esta exclusão do direito de voto bem se compreende, posto que não faria sentido que os credores cujos créditos não fossem modificados pelo plano o pudessem directamente condicionar, através do exercício do voto, permitindo a aprovação de medidas que, deixando os seus créditos absolutamente incólumes, afectassem, em maior ou menor medida, os restantes credores[9].
Por conseguinte, afirmada a aplicação do art. 212.º, n.º 2, al. a), à situação em apreço, a questão subsequente é a de apurar quando ocorre, ou não, modificação do crédito que conceda ou denegue o direito de voto a um determinado credor.
A resposta não pode deixar de ser casuística, «… admitindo-se que a simples intocabilidade do capital não é suficiente para concluir pela não modificação do crédito.
Haverá, … modificação do crédito, quando se estabeleçam alterações substanciais à morfologia do crédito, de modo a que a relação jurídico-creditícia fique algo distante das condições inicialmente contratualizadas, seja através da estipulação de expressivas moratórias ou de planos prestacionais prolongados no tempo, seja através da abolição ou abrupta redução da taxa de juros, seja através da eliminação ou atenuação das garantias.»[10].
Num enfoque pragmático pode dizer-se que essa modificação dos créditos existirá quando no plano os mesmos venham a ser sopesados em termos distintos dos que existiam no momento temporal anterior ao da intervenção do Tribunal, seja pelo seu montante, seja pelas suas condições de pagamento, seja pelas suas garantias[11].
A Sentença remeteu para o mapa carreado pelo Administrador Judicial, em 11 de Junho de 2024, e da sua leitura constata-se que os credores n.ºs 15 (Estado) e 18 (Segurança Social), reclamaram créditos, correspondendo às percentagens:
. Estado: 1420,09 € + 1538,73 € + 126,24 € (= 0,13% + 0,14% + 0,01%);
. Segurança Social: 19 919,48 € + 209,51 € (= 1,78% + 0,02%).
Na óptica da Recorrente, ambos não deveriam ter tido direito de voto, uma vez que vão ser «…pagos na totalidade, sem perdão de qualquer tipo de juros, …», pelo que a percentagem assim obtida ascende a 2,08%, e que deduzida da percentagem de votos contra (49,66%), perfaz 47,58%, com o que o plano seria homologado (conclusão 4.ª).
Contudo, falece a razão à Recorrente.
No que concerne ao crédito reclamado pelo Estado, é inequívoco que vigora o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, e um crédito exigível porque vencido, e que no plano passa a ser objecto de pagamento fraccionado em múltiplas prestações mensais – única hipótese legalmente possível, sem violação de regras imperativas, em face do art. 196.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário[12] –, consubstancia uma alteração relevante para os fins do art. 212.º, n.º 2, al. a), gozando o respectivo credor de direito de voto[13].
Idênticas considerações são válidas para o crédito da Segurança Social[14].
A Recorrente parece confundir a obrigação de pagamento da quantia global da(s) dívida(s), com as novas condições de pagamento fixadas no plano (conclusão 3.ª).
Na realidade, atento o tipo de créditos, é consabido que o valor em causa teria sempre que ser pago na totalidade, já que o perdão não é legalmente equacionável, mas é indiscutível que há uma modificação introduzida no modo do seu pagamento (agora prestacional), e que este é substancialmente diverso daquele que vigorava anteriormente à proposta feita no plano.
Esta alteração legitima a concessão de direito de voto a ambas entidades (e tendo-o, votaram contra o plano).
Em sintonia com o art. 73.º, n.º 1, ex vi art. 17.º-A, n.º 3, no cálculo dos votos, cada crédito confere um voto por cada Euro ou fracção.
Volvendo ao caso em análise, dado que não foi formada categoria de credores, a determinação do quorum deliberativo segue o modelo indicado pelo art. 17.º-F, n.º 5, als. b) ou c).
Para justificar a não aprovação do plano, a Sentença aqui em crise convocou a seguinte linha de razões:
«No presente processo, a empresa, que se encontra na classificação de empresas micro, pequenas e médias empresas (art. 2.º, n.º 3, do Anexo ao Dec. Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro), optou por não formar categorias de credores. Como tal, a determinação do quórum de aprovação será feita com recurso aos critérios estabelecidos na alínea b) do art. 17.º-F, n.º 5, ou, não sendo a maioria ali prevista alcançada, aos critérios estabelecidos na alínea c) do mesmo normativo.
…
Tendo por base este enquadramento, concluídas as negociações, foi apresentado o mapa da votação e os votos regularmente emitidos, resultando, o seguinte:
a) A totalidade dos créditos reclamados e reconhecidos e a que se atribuiu direito de voto é de €1.120.714,33;
b) Exerceram o seu direito de voto os credores correspondentes a 1.112.338,29€, ou seja, 99,25% do total de créditos incluídos na lista de credores dos autos;
c) Dos credores votantes 50,34% votou favoravelmente (559.991,23€).
d) A proposta final de plano de recuperação recebeu votos contra de credores correspondentes a 552.427,06€ ou seja, 49,66% do total de créditos incluídos na lista de credores dos autos, de acordo com o mapa junto a 11/06/2024 e que se considera integralmente reproduzido e em resumo:
Assim, ao contrário do que o Administrador Judicial Provisório veio primeiro dizer que se encontrava reprovado nos termos do disposto no arrtº 17º-F, nº 5, al.a) e depois aprovado no termos da al. c) da citada norma, e ainda a devedora que se encontra aprovado nos termos das als. b) e c) da mesma norma (veja-se que a devedora a 27/05/2024, veio requerer prazo para tentar obter votos favoráveis que entendia ser de 16,66 % para que o plano fosse aprovado), o plano de recuperação não se encontra aprovado porque ficou aquém, em termos de votação, do necessário para a sua aprovação, tanto ao abrigo da alínea b) como da alínea c) do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE.
Com efeito, de acordo com o mapa da votação e os votos regularmente emitidos, resulta que:
- O total de votos relacionados ascende a 1.120.714,33€;
- O total de votos emitidos foi de 1.112.338,29€;
- Votaram a favor da aprovação do plano credores detentores de créditos representativos de 49,96% (559.911,23€) do total de créditos relacionados (correspondente a 50,34% dos votantes);
- Votaram contra a aprovação do plano credores detentores de créditos representativos de 49,29% (552.427,06€) do total de créditos relacionados (correspondente a 49,66% dos votantes)
Para aferir da aprovação do plano de recuperação, deverá atender-se, conforme já supra referido, no caso dos presentes autos (em que não se procedeu à classificação dos credores em categorias distintas) às previsões contidas nas alíneas b) e c) do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE, nos termos das quais é aquele considerado aprovado se:
«b) (…) sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 a 6 do artigo 17.º-D, não se considerando as abstenções, recolha cumulativamente:
i) O voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos;
ii) O voto favorável de mais de 50 % dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D; ou
c) Recolha cumulativamente, não se considerando as abstenções:
i) O voto favorável de credores cujos créditos representem mais de 50 % da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 a 6 do artigo 17.º-D;
ii) O voto favorável de mais de 50 % dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 a 6 do artigo 17.º-D.».
Em face do mapa da votação apresentado, conforme referido, constata-se que o plano ficou aquém do necessário para a sua aprovação, tanto ao abrigo da alínea b) como da alínea c) do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE.
Com efeito, quanto à al. a) da citada norma, apesar de terem votado mais de 1/3 do total dos créditos relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 a 6 do artigo 17.º-D, não se considerando as abstenções (1/3 seria 373.571,44€)- o quórum da norma refere-se a um dado fixo, como é a totalidade dos créditos relacionados com direito de voto e não aos votos concretamente emitidos (vide Ac do TRP, de 21-06-2021, publicado em www.dgsi.pt, apesar de se referir a anterior redacção)-, sendo que do total de votos emitidos foi de 1.112.338,29€, o certo é que não preencheu os demais requisitos cumulativos da al. b), do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE.
Desde logo, o voto favorável não foi de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos- de todos os credores que exerceram o seu direito de voto. Os votos emitidos foram de 1.112.338,29€ e os votos favoráveis de 559.911,23€, correspondente apenas a 50,34%, sendo que teria que ter obtido mais de 741.558,86€ (correspondente a 66,67%, o que teria que ser superir a este valor), o que torna desnecessária a apreciação do outro requisito, que é cumulativo, não preenchendo a presente al., o plano não se encontra aprovado.
Quanto à al.c), do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE, sabendo que:
- O total de votos relacionados ascende a 1.120.714,33€;
- O total de votos emitidos foi de 1.112.338,29€;
- Votaram a favor da aprovação do plano credores detentores de créditos representativos de 49,96% (559.911,23€ correspondente a 50,34% dos votantes) do total de créditos relacionados- 1.120.714,33€, dado que o quórum da norma refere-se a um dado fixo, como é a totalidade dos créditos relacionados com direito de voto e não aos votos concretamente emitidos (vide Ac do TRP, de 21-06-2021, publicado em www.dgsi.pt, apesar de se referir a anterior redacção).
Ou seja, também aqui não preenche os requisitos, dado que era exigível, desde logo, que o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de 50% da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 a 6 do artigo 17.º-D (1.120.714,33€), ou seja, mais de 560.357,17, sendo que aqui votaram a favor da aprovação do plano credores detentores de créditos representativos de 49,96% (559.911,23€) do total de créditos relacionados.
Tanto basta para concluir que o plano de revitalização apresentado nos autos não pode ser judicialmente homologado, porque não aprovado.».
Da leitura deste excerto, resulta que o Tribunal escalpelizou o art. 17.º-F, n.º 5, als. a), b) e c), afastando a aplicação da al. a) por não ter sido formada categoria de credores, e analisando as als. b) e c) com uma argumentação coerente e clara, que não merece qualquer reparo.
Nada mais há a acrescentar à conclusão de que a não aprovação do plano surge como consequência lógica e obrigatória da subsunção do caso às als. b) e c), e da não verificação do quorum legalmente estabelecido, razão pela qual bem andou o Tribunal ao recusar a sua homologação, no estrito respeito dessa norma legal imperativa.
Desta feita, improcede, in toto, a pretensão recursiva.
Por ser parte vencida, a Apelante fica adstrita ao pagamento das custas processuais (arts. 527.º e 607.º, n.º 6, este ex vi 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, por via da remissão do art. 17.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
VII.
Decisão:
Nos termos explanados, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a douta decisão recorrida.
O pagamento das custas processuais constitui encargo da Apelante.
Registe e notifique.
(assinatura electrónica – art. 153.º, n.º 1, do Código de Processo Civil)
Catarina Serra in, Direito da Insolvência (Faculdade de Direito/Universidade Nova de Lisboa, Mestrado em Direito Forense e Arbitragem, ano lectivo de 2018/2019, p. 62) refere que «Um corolário lógico da qualificação do PER como processo especial é a ideia de que o PER não é autossuficiente no plano do direito aplicável, ou seja, do direito aplicável ao PER não pode esgotar-se na disciplina contida nas normas dos artigos 17ºA a 17ºJ. Regista-se, em particular, o recurso às normas do plano de insolvência para resolver casos omissos em matérias como as dos requisitos do conteúdo do plano, da votação e da aprovação do plano, da homologação do plano e dos efeitos do plano (194º, 195, 198º, 201º, 202º, 212º, 215º, 216º, 217º, 218º).».
[9] Expressão usada no Acórdão deste Tribunal da Relação, Proc. n.º 5693/22.5T8CBR.C1, de 26-09-2023.
[10] Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n.º 760/19.5T8ACB.C1.S1, de 09-03-2021 (e com interesse, o Acórdão exarado no Proc. n.º 2316/16.5T8CHV.G1.S2, de 05-06-2018).
[11] O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. n.º 1448/21.2T8AVR.P1, de 08-02-2022, alerta que «Sob pena de se contornar a lei contrariando a finalidade a que foi dirigida, deve entender-se não constituírem modificações atendíveis para efeitos do art. 212º, nº 2, a) do CIRE as pequenas alterações à forma como há-de fazer-se o pagamento do crédito.».
[12] Sob a epígrafe Pagamento em prestações e outras medidas, estatui, no segmento relevante, que:
«1 - As dívidas exigíveis em processo executivo podem ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao órgão da execução fiscal, sem prejuízo do disposto no artigo 198.º-A.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável às dívidas resultantes da falta de entrega, dentro dos respetivos prazos legais, de imposto retido na fonte ou legalmente repercutido a terceiros, salvo em caso de falecimento do executado.
3 - É excepcionalmente admitida a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas referidas no número anterior, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional ou criminal que ao caso couber, quando:
a) O pagamento em prestações se inclua em plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação, e decorra do plano ou do acordo, consoante o caso, a imprescindibilidade da medida, podendo neste caso haver lugar a dispensa da obrigação de substituição dos administradores ou gerentes, se tal for tido como adequado pela entidade competente para autorizar o plano; ou
b) Se demonstre a dificuldade financeira excecional e previsíveis consequências económicas gravosas, não podendo o número das prestações mensais exceder 24 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização.
4 - O pagamento em prestações é autorizado desde que se verifique que o executado pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez, não devendo o número das prestações em caso algum exceder 36 e o valor de qualquer delas ser inferior a um quarto da unidade de conta no momento da autorização, exceto se demonstrada a falsidade da situação económica que fundamenta o pedido.
5 - Nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta.
6 - Quando, para efeitos de plano de recuperação a aprovar no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou de acordo a sujeitar ao regime extrajudicial de recuperação de empresas do qual a administração tributária seja parte, se demonstre a indispensabilidade da medida, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do número anterior.
7 - Quando o executado esteja a cumprir plano de recuperação aprovado no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas, e demonstre a indispensabilidade de acordar um plano prestacional relativo a dívida exigível em processo executivo não incluída no plano ou acordo em execução, mas respeitante a facto tributário anterior à data de aprovação do plano ou de celebração do acordo, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado, até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do n.º 5.
8 - A importância a dividir em prestações não compreende os juros de mora, que continuam a vencer-se em relação à dívida exequenda incluída em cada prestação e até integral pagamento, os quais serão incluídos na guia passada pelo funcionário para pagamento conjuntamente com a prestação.».
[13] Com contornos muito semelhantes, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 7843/23.5T8SNT.L1-1, de 23-04-2024: «…se estivermos ante um crédito tributário, vale em pleno o princípio da indisponibilidade, o que significa que as alterações ao crédito operadas por acordo previsto no CIRE, incluindo o plano de insolvência, o plano de recuperação em PER e o plano de pagamentos em PEAP, têm que cumprir o previsto na lei tributária, independentemente da respetiva natureza (garantida, privilegiada, comum ou subordinada).
O que significa que esta alteração prevista no plano ao crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira, caso se trate de um crédito tributário – que era imediatamente exigível, logo que vencido, o que, claramente, tratando-se de taxas de portagens e sendo já exigidos juros, custas e coimas, já tinha ocorrido – é uma alteração relevante, …. dispondo o crédito em causa de direito de voto.».
[14] Cf. art. 30.º da Lei Geral Tributária, aplicável aos créditos contributivos da Segurança Social, ex vi art. 3.º, al. a), do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.