I – Uma decisão ofende o caso julgado quando ela contraria outra decisão - quando a questão ou questões decididas por uma e por outra são idênticas/ o caso julgado constitui-se e produz efeitos nos precisos limites e termos em que julga -, proferida no mesmo ou noutro processo, já transitada em julgado, que tenha força obrigatória em relação às partes, sendo que o caso julgado formal se reporta às decisões recorríveis relativas a questões de carácter processual, tendo apenas força obrigatória dentro do processo onde são proferidas.
II – Por força deste instituto fica o juiz impedido de, no âmbito do mesmo processo, alterar aquilo que já foi decidido; fica também impedido de contrariar decisões já transitadas. Resulta, assim, que devido ao caso julgado formal, deve o juiz respeitar as decisões proferidas no processo e seus apensos ou incidentes, ainda que respeitantes a questões de natureza meramente processual - o caso julgado formal constitui uma exigência do conceito de processo, enquanto conjunto encadeado de atos, bem como da necessidade da estabilização de tais atos do mesmo decorrentes, essencial à realização das finalidades do processo.
III – O caso julgado só se forma, em princípio, sobre a decisão contida na sentença ou no acórdão, e não sobre a respetiva motivação, sobre as razões que determinaram o juiz, as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar aquela conclusão final.
IV – O objecto do 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará, em parte, os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova.
V – Se o recorrente entende que o tribunal a quo valorou indevidamente meios de prova e, em contraponto, atendeu indevidamente a outros que não mereciam credibilidade, errando assim na formação da sua livre convicção, não lhe basta esgrimir a sua própria convicção para procurar descredibilizar os meios de prova que foram valorados pelo julgador, antes lhe cumprido evidenciar as razões que revelam o erro, seja por ter decidido ao arrepio das regras da experiência, ou por contrariar princípios de racionalidade lógica, ou por ter descurado quaisquer circunstâncias com influência relevante naquele processo de valoração da prova - para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.
VI – O artigo 344.º n.º 2 estabelece que há inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, ou seja, quando tal prova, no caso dos autos, for o único meio de provar a intencionalidade subjacente à transmissão da fração autónoma designado pela letra AZ por intermédio de escritura pública e à cessão de quotas celebrada e o efetivo pagamento do preço fixado em tais negócios e, tal recusa implique a impossibilidade de o autor fazer essa prova.
VII – A inversão do ónus da prova não decorre automaticamente do não cumprimento do dever de junção de documentos, alegadamente em poder da parte contrária. Exige-se para o efeito que uma das partes cause culposamente a impossibilidade de prova dos factos cujo ónus da prova incide sobre a outra por, como nos ensina José Lebre de Freitas - Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, página 409 -, “não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (…) já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos”.
VIII – Não existindo esta impossibilidade, mas mera dificuldade na produção de prova, a consequência para a falta de colaboração, passará pelo sancionamento da parte faltosa nos termos do disposto art.º 417 nº2, 1ª parte e pela livre apreciação da prova produzida, tendo em conta a dificuldade que o comportamento faltoso trouxe à parte onerada – neste preciso sentido vide Nuno Alexandre do Rosário Jerónimo Pires, A inversão do ónus da prova devido a impossibilidade de prova culposamente causada (art.344º/2 CC), pág. 15, disponível online in https://sousaferro.pt/wp-content/uploads/2020/06/Invers%C3%A3o-por-impossibilidade-culposamente-causada-NUNO-SALPICO.pdf.
IX – Em segundo lugar, o ónus da prova não serve para fundamentar a decisão de facto; ele funciona em sede de aplicação do direito para resolver a dúvida emergente da circunstância de um determinado facto não ter resultado provado, resolvendo essa dúvida contra a parte que estava onerada com o ónus de prova.
X – Significa isso, portanto, que, caso estivesse aqui em causa uma verdadeira inversão do ónus de prova, os factos em causa não seriam julgados provados (como foram) porque não é essa a função do ónus de prova e o que sucederia é que, em sede de aplicação do direito, concluir-se-ia pela existência de simulação porque, apesar de ela não ter resultado provada, cabia aos réus o ónus de provar que ela não havia existido.
XI – O que sucede, é que a prova da simulação - a cargo da Autora - é particularmente difícil e essa dificuldade tem que ser ponderada ao nível da prova necessária para fundar a nossa convicção que, na impossibilidade de fazer prova directa, terá que se basear em indícios. E a circunstância de os Réus não terem junto documentos comprovativos do pagamento e de alegarem que o fizeram em dinheiro é, nosso entendimento – que a 1.ª instância leva à sua motivação da matéria de facto -, mais do que suficiente para concluir pela prova dos factos em questão, por não ser minimamente credível e razoável que tivessem pago aquele valor mediante entrega em mãos de valor monetário, tanto mais que não existe a mínima prova que ateste ou indicie esse facto.
XII – Vem sendo entendido que, pelo menos em processo civil, o estado civil ou o parentesco podem alcançar-se mediante acordo das partes ou confissão, sempre que estes factos jurídicos não constituam o “thema decidendum”, como numa situação de responsabilidade contratual.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
1.Relatório
A..., S.A., intentou a presente acção declarativa de condenação contra B..., LDA., AA, BB, CC, DD, todos com os demais sinais identificadores constantes dos autos, pedindo que pela sua procedência seja:
a) Ser declarada nula, por simulada, a compra e venda da fração autónoma designada pelas letras “AZ”, correspondente ao rés-do-chão, parte integrante do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...89 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o número ...97, da dita freguesia, celebrada entre a 1.ª Ré e o 2.º Réu e 4.ª a Ré, reconhecendo-se o 2.º Réu e a 4.ª Ré como legítimos proprietários da mesma;
b) Na sequência da declaração de nulidade, ser ordenado o cancelamento da Ap. 503 de 2013/06/12, pela qual foi registada a aquisição da referida fração pela 1.ª Ré;
c) Ser declarada nula, por simulada, a cessão de quotas da 1.ª Ré, celebrada entre o 2.º, 3.º, 4.ª e 5.ª Rés, titulada por contrato de cessão de quotas datado de 10.05.2016, reconhecendo-se o 2.º e 3.º Réus como legítimos titulares das mesmas;
d) Na sequência da declaração de nulidade, ser ordenado o cancelamento dos Dep. 17/2016-06-06 e Dep. 18/2016-06-06, pelos quais foi registada a aquisição das quotas pela 4.ª e 5.ª Rés; caso assim não se entenda e subsidiariamente,
e) Ser declarada ineficaz, em relação à Autora, a transmissão de propriedade da fração autónoma designada pelas letras “AZ”, correspondente ao rés-do-chão, parte integrante do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...89 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o número ...97, da dita freguesia, titulada por escritura pública de compra e venda de 05.06.2013 celebrada entre a 1.ª, 2.º e 4.ª Ré, com as consequências legais, nomeadamente, as constantes do disposto nos artigos 616.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 617.º do CC;
f) Ser declarada ineficaz, em relação à Autora, a cessão de quotas da 1.ª Ré, celebrada entre o 2.º, 3.º, 4.ª e 5.ª Rés, titulada por contrato de cessão de quotas datado de 10.05.2016, com as consequências legais, nomeadamente, as constantes do disposto nos artigos 616.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 617.º do CC;
g) Ser ordenada a promoção dos competentes registos da presente ação e da douta Sentença que vier a ser proferida.
Para tanto, a Autora alegou, em síntese, que é credora do 2.º e 3.º RR, bem como de EE e FF, da quantia de €417.396,98, a que acrescem os juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento, crédito esse reconhecido por sentença proferida por um tribunal brasileiro, reconhecida e confirmada em Portugal, com base na qual propôs a competente acção executiva com vista à sua cobrança coerciva, a qual corre os seus termos no Juízo de Execução de Viseu, com o número de processo 1549/17....,
Acrescenta a Autora que o seu crédito não foi satisfeito, tendo sido possível penhorar apenas a quantia total de €4.338,62 em saldos de contas bancárias e quotas sociais no valor total de €10.297,59, estando a ser realizadas diligências para penhora de um imóvel que, a concretizar-se, apresenta um valor patrimonial de €200.960,00.
A Autora avança também que o 2.º Réu sendo casado com a 4.ª Ré, elaboraram um estratagema com a 1.ª Ré, da qual são sócios juntamente com os 3.º e 5.º RR, seus filhos, tendo em vista esconderem debaixo da sociedade 1.ª Ré todo o seu património pessoal, tendo-a constituído para esse efeito, concretizando que, entre Fevereiro de 1998, data da sua constituição e princípios de 1999, o 2.º e a 4.ª Ré transferiram ficticiamente para a sociedade treze imóveis de que eram proprietários e, em 5 de Junho de 2013, transferiram a fracção autónoma AZ parte integrante do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...89 da freguesia ..., não tendo sobrado em nome do 2.º Réu qualquer bem, sendo que, em 6 Junho de 2016, já devidamente conscientes da iminência de uma execução, de forma que a Autora não conseguisse penhorar as quotas de que eram titulares na 1.ª Ré, o 2.º e 3.º Réus registaram a transmissão das referidas quotas à sua mulher/mãe e à sua filha/irmã, transmissões essas que não representam verdadeiros negócios jurídicos, estando feridos do vício de simulação.
A Autora sustenta ainda, em termos subsidiários, que ainda que se entenda que os aludidos negócios foram onerosos, existe má-fé por parte dos RR, por estarem conscientes do que com as aludidas transmissões causavam prejuízos aos seus credores, dado que na data em que tais negócios foram celebrados tinham conhecimento da acção judicial que corria termos nos Brasil e de que a Autora lhes exigia pessoalmente o pagamento da dívida, sendo todos os Réus conhecedores da situação financeira uns dos outros, dada a relação familiar que têm entre si e sabendo que com tais negócios obstaram à penhora dos bens no âmbito da ação executiva pendente contra os 2.º e 3.º Réus, em que é Exequente a ora Autora.
Os RR contestaram a acção, por impugnação, pondo em causa a bondade da liquidação do crédito da Autora, defendendo que nunca pretenderam dissipar património para obstar à efectivação desse crédito, afirmando que são titulares de vários bens suscetíveis de o liquidar, tendo solicitado a disponibilidade da Autora para negociar esse pagamento sem que lhes tenha sido dada qualquer resposta, alegando ainda que não têm quaisquer outros credores e que a única dívida que lhes é conhecida resulta da responsabilidade subsidiária dos RR AA e BB por uma dívida de uma sociedade comercial de que foram sócios no Brasil, acrescentando que o crédito da Autora se constituiu apenas em 2014, com o trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal de Recurso brasileiro, ou seja, posteriormente à venda do imóvel objecto desta acção, declarando, por fim, que esse negócio jurídico, bem como a cessão de quotas da 1.ª Ré, são negócios reais, tendo sido pagos os respectivos preços de aquisição.
Os RR contestaram por excepção sustentando que a pendência da acção executiva para cobrança de quantia certa, que corre termos pelo Juízo de Execução de Viseu com o nº 1549/17.... constitui causa prejudicial à presente demanda, tendo pugnado pela sua suspensão até à venda total dos bens que ali se encontram penhorados.
“Pelo exposto, julgo totalmente procedente a presente acção e, consequentemente,
a) declaro nula, por simulada, a compra e venda da fracção autónoma designada pelas letras “AZ”, correspondente o rés-do-chão, parte integrante do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...89 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o número ...97, da dita freguesia, celebrada em 05.06.2013 entre a 1.ª Ré, o 2.º Réu e 4.ª a Ré, reconhecendo o 2.º Réu e a 4.ª Ré como proprietários da mesma.
b) ordeno o cancelamento da Ap. 503 de 2013/06/12, pela qual foi registada a aquisição da referida fracção pela 1.ª Ré;
c) declaro nula, por simulada, a cessão de quotas da 1.ª Ré, celebrada entre o 2.º, 3.º, 4.ª e 5.ª Rés, titulada por contrato de cessão de quotas datado de 10.05.2016, reconhecendo o 2.º e 3.º Réus como titulares das mesmas.
d) ordeno o cancelamento dos Dep. 17/2016-06-06 e Dep. 18/2016-06-06, pelos quais foi registada a aquisição das quotas pela 4.ª e 5.ª Rés;
As custas ficam integralmente a cargo dos Réus nos termos dos artigos 527.º, n.º 1 e 2 e 528.º, n.º 1 ambos do CPC.
Notifique e registe.
Transitada em julgado, comunicar-se-á a presente sentença para efeitos de registo predial.
(…).
*
A..., Autora nos autos à margem referenciados (adiante apenas “A...”, notificada das alegações de recurso apresentadas pelos Apelantes, vem, nos termos do disposto no artigo 638º, nº 5, do Código de Processo Civil apresentar as suas contra alegações, assim concluindo:
(…).
2.1 – Da (não) violação do caso julgado formal com o despacho de 08.09.2023;
Alegam os Apelantes:
“Na data de 19-05-2023 os Réus apresentaram um requerimento aos autos com a referência citius REFª: 45616732,com o seguinte teor:
“ 1. Dá-se aqui por reproduzido e integrado o teor do requerimento apresentado na data de 29-12-2022, com a referência citius 44264955:
“…………
1. Corre trâmites por este mesmo Tribunal, Juízo Central Cível de Viseu, Juiz ..., a acção declarativa de condenação com o processo nº 151/20...., em que é ali Autora a sociedade comercial B..., Lda, nipc. ...71, aqui Ré, e é ali Ré a sociedade A..., S.A., aqui Autora,
2. Naquele referido processo nº 151/20.... foi proferida Sentença cuja decisão é, em parte, conflituante e prejudicial à boa decisão dos presentes autos,
Com efeito,
3. Nos presentes autos foi realizada uma perícia de avaliação das quotas da sociedade B..., Lda, nipc. ...71, com sede Rua ..., ... ..., (cfr. perícia junta ao autos),
4. Como suporte à realização desta perícia foi previamente realizada uma outra perícia de avaliação dos bens imóveis pertencentes à referida sociedade B..., Lda, nipc. ...71 (cfr. perícia junta ao autos),
5. Nesta perícia de avaliação dos imóveis foram avaliados todos os imóveis pertencentes à sociedade B..., Lda, nipc. ...71, incluindo o prédio urbano composto de casa de habitação de 3 pisos e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...46 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o nº ...34/... (Cfr. perícia constante dos autos)
6. Por sua vez, a perícia de avaliação das quotas da referida sociedade B..., Lda, nipc. ...71 considerou e incluiu o valor total dos bens imóveis pertencentes à referida sociedade e incluídos na perícia de avaliação dos imóveis, designadamente o referido prédio urbano composto de casa de habitação de 3 pisos e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...46 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o nº ...34/...
Ou seja,
7. Para determinação do valor das quotas da sociedade B..., Lda, nipc. ...71 foi considerado como pertencendo a esta o referido prédio urbano composto de casa de habitação de 3 pisos e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...46 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o nº ...34/...(Cfr. perícia constante dos autos)
8. Acontece porém, que naquele referido processo nº 151/20.... este mesmo Tribunal decidiu não reconhecer e não declarar que tal referido prédio urbano composto de casa de habitação de 3 pisos e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...46 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o nº ...34/... pertence e é da propriedade da referida sociedade B..., Lda, nipc. ...71
9. Donde que, o decidido na Sentença Judicial proferida por este mesmo Tribunal naquele processo nº 151/20.... é incompatível com as perícias realizadas nos presentes autos, quer com a perícia de avaliação dos imóveis, quer com a perícia de avaliação das quotas da sociedade,
10. Disto de outro modo, o decidido na Sentença Judicial proferida por este mesmo Tribunal naquele processo nº 151/20.... invalida os pressupostos de avaliação considerados por ambas as perícias destes autos,
11. Na medida em que ambas as perícias consideraram que o prédio urbano composto de casa de habitação de 3 pisos e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...46 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o nº ...34/..., pertence e é da propriedade da referida sociedade B..., Lda, nipc. ...71
12. E, ou bem que o referido prédio urbano pertence à sociedade B..., Lda, nipc. ...71 e nesse caso deve ser considerado nas perícias realizadas nestes autos, como foi,
13. Ou bem que o referido prédio urbano não pertence à sociedade B..., Lda, nipc. ...71 e nesse caso não deve ser considerado nas perícias realizadas nestes autos,
14. Note-se que o valor atribuído às quotas da sociedade B..., Lda, nipc. ...71 pela perícia realizada nestes autos será substancialmente inferior (negativo até) se se entender que tal prédio não integra o acervo patrimonial e contabilístico da referida sociedade,
15. Daí que a Sentença proferida naquele processo nº 151/20.... não pode deixar de ser tida em consideração nos presentes autos,
16. E na medida em que ainda não transitou em julgado, por ter sido impugnada em sede de recurso, (cfr. certidão judicial que se junta) ela afigura-se como prejudicial à boa decisão dos presentes autos,
17. Devendo apurar-se, antes de mais, se o referido prédio urbano composto de casa de habitação de 3 pisos e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...46 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o nº ...34/..., deve ou não deve ser considerado como pertencente à referida sociedade B..., Lda, nipc. ...71 e incluído nas perícias.
18. Donde que, deverão os presentes autos aguardar pelo trânsito em julgado da decisão proferida naquele processo nº 151/20.... deste Juízo Central Cível, Juiz ..., devendo determinar-se a suspensão da presente instância nos termos do disposto no art.º 269º, 272º e 276º, do Código de Processo Civil.
19. Para prova do alegado junta-se certidão judicial com o código de acesso nº ...5...….”
2. O Tribunal já proferiu Despacho sobre tal requerimento, deixando para o decorrer da audiência de julgamento melhor apreciação da questão,
3. Ora, na presente data mantém-se pendente tal questão prejudicial,
4. E é do interesse para a boa decisão da causa que o Tribunal e as partes, tenham ao seu dispor as perícias realizadas nos autos devidamente ajustadas à eventual eliminação do prédio urbano composto de casa de habitação de 3 pisos e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...46 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o nº ...34/...
5. Uma vez que, na presente data, a Sentença deste mesmo Tribunal proferida naquele outro processo nº 151/20.... implica necessariamente que tal prédio deva ser excluído das perícias.
6. Para tanto entende-se que deve ser solicitado aos Srs. Peritos que apresentem uma segunda versão dos respectivos relatórios periciais com exclusão prédio urbano composto de casa de habitação de 3 pisos e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...46 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o nº ...34/...
7. A apresentação de tais perícias reformuladas permitirá ao Tribunal e às partes, saber com rigor qual é efectivamente o valor das quotas avaliadas, nas duas hipóteses:
a. Valor das quotas incluindo o referido prédio
b. Valor das quotas excluindo o referido prédio
8. Salvo melhor opinião, só assim é possível evitar colocar o Tribunal perante uma eventual decisão contraditória com outra anteriormente proferida pelo mesmo Tribunal.
Termos em que se requer a V.Exª se digne solicitar aos Srs. Peritos que apresentem uma segunda versão dos respectivos relatórios periciais de avaliação com exclusão do prédio urbano composto de casa de habitação de 3 pisos e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...46 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o nº ...34/...”
Este requerimento dos Réus mereceu do Tribunal o seguinte Despacho, proferido em 22-05-2023 (cfr. autos):
“Pendente, no(s) Tribunal(i) superior(es), há já mais de um ano, o recurso da decisão final proferida naquele processo 151/20...., em cujo âmbito, e além do mais, se fixará definitivamente se o prédio urbano em referência integra ou não o património da sociedade aqui ré, afigura-se-me que, presentemente – e por muito que, eventualmente, se possa tentar o contrário – pouco faltará para que a referida questão esteja definitivamente solucionada.
Considerando que a matéria em causa não extravasa a jurisdição civil e que, ademais, se trata unicamente de um dos elementos a ponderar para a presente decisão, entendo que não estaremos perante uma causa prejudicial. Todavia, tudo de novo ponderado, afigura-se-me que se trata, presentemente, de um “motivo justificado” para, como refere o nº 1 do art.º 272º do código de processo civil, se suspender a instância.
Nestes termos – e sem esperar por eventual contraditório, atenta a data agendada – dou sem efeito a audiência final, e declaro suspensa a instância, até que se mostre transitada decisão proferida naquele 151/20.....”
Resulta desde Despacho, que transitou em julgado, que o Tribunal considerou que o trânsito em julgado da decisão proferida naquele outro processo 151/20.... deste mesmo Tribunal “a quo” determinaria que o referido prédio urbano não poderia ser considerado como integrando o património da Ré B..., Lda,
E, concomitantemente, tal prédio deveria ser desconsiderado nas perícias realizadas nos presentes autos, quer da perícia de avaliação dos imóveis, quer da perícia de avaliação das quotas da sociedade comercial Ré,
Ora, por Acórdão proferido em 02.05.2023 pelo Tribunal da Relação de Coimbra e que transitou em julgado em 07.06.2023, o recurso daquela decisão final proferida naquele processo 151/20.... veio a ser julgado improcedente e manteve da decisão do tribunal “a quo” de considerar que o referido prédio não integrava o património da ali Autora e aqui Ré sociedade comercial. (cfr. autos, informação citius nº 6004026 de 21- 06-2023)
Consequentemente, perante tal decisão processo 151/20.... e perante o acima referido Despacho Judicial do Tribunal “a quo” de 22-05-2023, impunha-se a actualização das perícias realizadas nos autos, devendo o prédio urbano composto de casa de habitação de 3 pisos e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...46 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o nº ...34/... ser retirado do património imobiliário da Ré sociedade comercial para efeitos das respectiva avaliações.
Acontece porém, que entretanto, mudou o Magistrado titular do Tribunal “a quo” e que na data de 08-09-2023 proferiu Despacho com, entre outros, o seguinte teor:
“… Ao contrário do que defendem os RR, do resultado daquela acção não se pode concluir que a Ré não seja a proprietária do prédio considerado nas perícias. Em suma, no nosso modesto juízo, não existe qualquer questão prejudicial entre esta acção e aquela outra já finda, não existindo qualquer fundamento legal para excluir o aludido prédio das perícias realizadas, o que se decide.”
Ora, salvo melhor opinião, este ultima Despacho está em contradição com o Despacho anterior de 22-05-2023, o que constitui violação de caso julgado formal, nos termos do disposto no art.º 620º do CPC,
Tendo esta violação forte impacto na decisão se mérito proferida, designadamente quanto ao valor das quotas da sociedade comercial Ré,
Devendo a segunda decisão (segundo Despacho) ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão,
E sendo no processo inadmissível (e por isso ineficaz – art. 625º, n.º 2 do CPC) decisão posterior sobre a mesma questão.
O que aqui se invoca para todos os efeitos legais,
Devendo, nessa medida, ser revogada a Sentença recorrida”.
Alegam, desde logo, os Apelantes que o despacho datado de 08.09.2023 - deverá ser desconsiderado por violação do caso julgado formal assente em prévia decisão, e sendo no processo inadmissível e, por isso ineficaz – art.º 625.º, n.º 2 do CPC - decisão posterior sobre a mesma questão, concluindo pela revogação da decisão proferida na 1.ª instância.
Diz-nos o artigo 621.º do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem - que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique”.
Ora, uma decisão ofende o caso julgado quando ela contraria outra decisão - quando a questão ou questões decididas por uma e por outra são idênticas/ o caso julgado constitui-se e produz efeitos nos precisos limites e termos em que julga -, proferida no mesmo ou noutro processo, já transitada em julgado, que tenha força obrigatória em relação às partes, sendo que o caso julgado formal se reporta às decisões recorríveis relativas a questões de carácter processual, tendo apenas força obrigatória dentro do processo onde são proferidas.
Por força deste instituto, fica o juiz impedido de, no âmbito do mesmo processo, alterar aquilo que já foi decidido; fica também impedido de contrariar decisões já transitadas. Resulta, assim, que devido ao caso julgado formal, deve o juiz respeitar as decisões proferidas no processo e seus apensos ou incidentes, ainda que respeitantes a questões de natureza meramente processual - o caso julgado formal “(…) constitui uma exigência do conceito de processo, enquanto conjunto encadeado de atos, bem como da necessidade da estabilização de tais atos do mesmo decorrentes, essencial à realização das finalidades do processo”- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2023, disponível em www.dgsi.pt. Conforme se escreve no Acórdão desta Relação de Coimbra de 28.04.2010, pesquisável em www.dgsi.p, “O caso julgado só se forma, em princípio, sobre a decisão contida na sentença ou no acórdão, e não sobre a respetiva motivação, sobre as razões que determinaram o juiz, as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar aquela conclusão final”.
Os despachos em causa:
i) proferido em 22-05-2023:
“Pendente, no(s) Tribunal(i) superior(es), há já mais de um ano, o recurso da decisão final proferida naquele processo 151/20...., em cujo âmbito, e além do mais, se fixará definitivamente se o prédio urbano em referência integra ou não o património da sociedade aqui ré, afigura-se-me que, presentemente – e por muito que, eventualmente, se possa tentar o contrário – pouco faltará para que a referida questão esteja definitivamente solucionada. Considerando que a matéria em causa não extravasa a jurisdição civil e que, ademais, se trata unicamente de um dos elementos a ponderar para a presente decisão, entendo que não estaremos perante uma causa prejudicial. Todavia, tudo de novo ponderado, afigura-se-me que se trata, presentemente, de um “motivo justificado” para, como refere o nº 1 do art.º 272º do código de processo civil, se suspender a instância. Nestes termos – e sem esperar por eventual contraditório, atenta a data agendada – dou sem efeito a audiência final, e declaro suspensa a instância, até que se mostre transitada decisão proferida naquele 151/20.....”
Ora, não resulta, desde logo, que neste despacho a 1.ª instância considerasse que o trânsito em julgado da decisão proferida naquele outro processo 151/20...., determinaria que o referido prédio urbano não poderia ser considerado como integrando o património da Ré B..., Lda e que, concomitantemente, tal prédio deveria ser desconsiderado nas perícias realizadas nos presentes autos, quer da perícia de avaliação dos imóveis, quer da perícia de avaliação das quotas da sociedade comercial Ré.
O que resulta de tal decisão, com valia para determinar a suspensão da instância até que se mostre transitada decisão proferida naquele 151/20.... , é que “a matéria em causa não extravasa a jurisdição civil e que, ademais, se trata unicamente de um dos elementos a ponderar para a presente decisão, entendo que não estaremos perante uma causa prejudicial”, mas sim, e nas palavras do julgador, de um “motivo justificado” para, como refere o nº 1 do art.º 272º do código de processo civil, se suspender a instância”, nada mais.
Ora, logo após o acórdão de 02.05.2023, proferido nesta Relação de Coimbra, entendeu a 1.ª instância, por despacho de 08-09-2023, que “… Ao contrário do que defendem os RR, do resultado daquela acção não se pode concluir que a Ré não seja a proprietária do prédio considerado nas perícias. Em suma, no nosso modesto juízo, não existe qualquer questão prejudicial entre esta acção e aquela outra já finda, não existindo qualquer fundamento legal para excluir o aludido prédio das perícias realizadas, o que se decide.”
Por isso, com todo o respeito pelos Apelantes, este despacho não está em contradição com o despacho anterior de 22-05-2023 – só existiria violação do caso julgado se o julgador, em novo despacho, não aguardasse pelo trânsito em julgado da decisão proferida no processo 151/20.... -, não existindo, por isso, violação de caso julgado formal, nos termos do disposto no art.º 620.º, decisão esta que já transitou em julgado, sendo, por isso, insusceptível de impugnação.
A 1.ª instância fixou, assim, a sua matéria de facto:
1. A Autora é uma sociedade que tem por objeto a exportação, industria e comércio de produtos alimentares, sendo uma das maiores empresas comerciantes de bacalhau do mundo (1.º PI).
2. A sociedade comercial por quotas denominada B..., Lda., 1.ª Ré foi constituída em Fevereiro de 1998, tendo por objecto actividades de agricultura, agropecuária, viticultura, culturas agrícolas, fruticulturas, horticulturas, floriculturas, bovinicultura, exploração florestal e sua produção comercialização, importação e exportação, conforme certidão integral do registo comercial junta a fls. 267 a 71 dos autos (94.º PI e referido documento).
3. O 2.º Réu foi nomeado único gerente da sociedade, aqui 1.ª Ré (95.º PI).
4. O capital social da 1.ª Ré é de €9.975,97 e estava dividido da seguinte forma:
(…)
i) Uma quota no valor nominal de €99,76 da titularidade do 2.º Réu;
ii) Uma quota no valor nominal de €3.292,07 da titularidade do 3.º Réu;
iii) Uma quota no valor nominal de €3.292,07 da titularidade da 4.ª Ré e
iv) Uma quota no valor nominal de €3.292,07 da titularidade da 5.ª Ré (96.º PI)
5. No ano de 2007 a Autora forneceu à sociedade de direito brasileiro C..., Ltda., sociedade comercial de direito brasileiro, diversos produtos, os quais foram recebidos pela sociedade, que os comercializou no Brasil (2.º PI)
6. Na sequência dos referidos fornecimentos a Autora emitiu, em nome da sociedade C..., as seguintes facturas (3.º PI):
7. Apesar de os fornecimentos terem sido feitos e apesar de a sociedade C..., Ltda. ter assinado documento pelo qual se comprometeu a pagar os valores devidos à Autora, esta não recebeu qualquer pagamento por conta dos fornecimentos efetuados (5.º PI).
8. O 2.º e 3.º Réus, juntamente com EE, FF e HH, eram sócios da sociedade brasileira (6.º PI).
9. Não tendo sido pagos os montantes em dívida, em 3 de Setembro de 2009, a Autora intentou, junto da Vara Cível do Fórum Regional da ..., Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, contra a sociedade C..., Ltda., contra os 2.º e 3.º Réus e ainda contra EE, FF e HH, na qualidade de sócios, acção de cobrança, pedindo a condenação dos Réus, solidariamente, ao pagamento da dívida, no valor de USD 383.680,00, acrescida de juros e das custas e honorários, correspondentes a 20% do valor da causa (8.º PI).
10. O referido processo correu termos na ... Vara Cível do Fórum Regional da ..., Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, com o número ...09 (9.º PI)
11. Os Réus foram citados em 23 de Fevereiro de 2010 e, em 10 de Março de 2010, apresentaram contestação na acção acima identificada (10.º PI)
12. Em 17 de Dezembro de 2013 foi proferida sentença em primeira instância, confirmada em recurso pela Décima Oitava Câmara Cível do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, por decisão proferida em 17 de Setembro de 2014 que decidiu julgar procedente a ação e condenar os Réus, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de 383.680,00 USD, a serem convertidos em moeda nacional no dia do efetivo pagamento em sede de liquidação de sentença pelo câmbio oficial, com juros de 1% ao mês a partir da citação e ainda ao pagamento das custas judiciais e honorários de advogado, fixados em 10% sobre o valor da causa (13.º PI).
13. Desta decisão os Réus interpuseram recurso, tendo o Tribunal Superior, Décima Oitava Câmara Cível do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, por decisão proferida em 17 de Setembro de 2014, confirmado a decisão proferida (17.º PI).
14. Quer a decisão proferida em primeira instância, quer a decisão proferida pelo Tribunal Superior, transitaram em julgado tendo o processo, após o trânsito, sido devolvido à primeira instância, em 17 de Novembro de 2014 (19.º PI).
15. Apesar de conhecedores dos fornecimentos feitos, do valor em dívida, e do teor da decisão proferida, os Réus não pagaram à Autora qualquer quantia, assim como não o fizeram os restantes (20.ºPI).
16. A Autora tentou recuperar o seu crédito de forma coerciva no Brasil, não tendo aí sido localizados quaisquer bens (21.º PI).
17. Em 13 de Janeiro de 2016 foi enviada ao 2.º Réu carta de cobrança peticionando o pagamento do montante em dívida (22.º PI).
18. Em 10 de Maio de 2016, a Autora intentou contra o 2.º e 3.º Réus, e ainda contra EE e FF, acção de revisão de sentença estrangeira, com vista à confirmação e reconhecimento em Portugal da sentença proferida pela ... Vara Cível do Fórum Regional da ..., Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, Processo n.º ...09, a qual correu termos na 1.ª Seção do Tribunal da Relação de Coimbra, com o número de processo 93/16.... (23.º PI)
19. O 2.º e 3.º Réus, assim como EE e FF foram citados no âmbito da ação de revisão de sentença estrangeira, tendo o 2.º e 3.º Réus e ainda EE deduzido oposição à mesma, em 14 de Junho de 2016, pedindo a recusa, por parte do Tribunal Português, do reconhecimento da sentença proferida pela ... Vara Cível do Fórum Regional da ... (24.º PI).
20. Em 6 de Dezembro de 2016 foi proferido, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, acórdão no âmbito da acção de revisão de sentença estrangeira que decidiu rever e confirmar a sentença proferida em 17 de Dezembro de 2013, pela ... Vara Cível do Fórum Regional da ..., Comarca da Capital do Rio de Janeiro, que condenou o 2.º e 3.º Réus e ainda EE e FF, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de 383.680,00 USD, a serem convertidos em moeda nacional no dia do efetivo pagamento em sede de liquidação de sentença pelo câmbio oficial, com juros de 1% ao mês a partir da citação e ainda ao pagamento das custas judiciais e honorários de advogado, fixados em 10% sobre o valor da causa (25.º PI).
21. Em 24 de Janeiro de 2017 o 2.º e 3.º Réus, assim como EE, apresentaram recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra (26.º PI)
22. Em 27 de Abril de 2017 foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, o qual julgou improcedente o recurso e manteve a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, confirmando a revisão da sentença proferida pela ... Vara Cível do Fórum Regional da ..., tendo o mesmo transitado em julgado em 15 de Maio de 2017 (27.º PI)
23. Em 1 de Abril de 2017 a Autora intentou em Portugal a competente acção executiva com vista à cobrança coerciva, no valor de €415.801,49, a qual corre os seus termos no Juízo de Execução de Viseu, com o número de processo 1549/17.... (31.º PI)
24. O montante do crédito da Autora, objecto de execução, corresponde aos seguintes valores:
i) €355.094,86 ao capital em dívida, correspondente à conversão em euros do montante de 383.680,00 USD, conforme câmbio e conversão disponibilizada pelo Banco de Portugal à data de entrada do requerimento executivo e junto ao mesmo como doc. 3 (cfr. requerimento executivo já junto como doc. 25);
ii) €35.509,49 a 10% do valor da causa, a titulo de honorários de advogado, correspondente à conversão em euros do montante de 38.368,00 USD, conforme câmbio e conversão disponibilizada pelo Banco de Portugal à data de entrada do requerimento executivo e junto ao mesmo como doc. 4 (cfr. requerimento executivo já junto como doc. 25);
iii) €25.197,14 aos juros de mora calculados à taxa de 1% ao mês desde a citação concretizada em 23.02.2010 até à data da entrada do requerimento executivo (32.º PI).
25. Ao valor do crédito da Autora acrescem ainda juros de mora vencidos, desde a data de entrada do requerimento executivo (27.03.2017) até à presente data, que se cifram em €1.595,49 e os vincendos até efetivo e integral pagamento (33.º PI).
26. No âmbito da acção executiva referida foi apurado o seguinte pelo Agente de Execução:
(i) em nome do 2.º Réu foi apurado o prédio urbano em propriedade total sem andares nem divisões, destinado a habitação, sito em ..., ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...89, da freguesia ..., com um valor patrimonial tributário de €200.960,00, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...54, da freguesia ...,
(ii) o 2.º Réu não aufere qualquer pensão e não é proprietário de quaisquer veículos;
(iii) o 3.º Réu, também executado, não é proprietário de quaisquer bens imóveis ou veículos automóveis, a última remuneração registada na Segurança Social remonta a Novembro de 2008, no valor de €426,00 e não aufere qualquer pensão;
(iv) o Executado EE não é proprietário de quaisquer bens imóveis ou veículos automóveis, a última remuneração registada na Segurança Social é de Fevereiro de 2017, apenas no valor de €838,44 e não aufere qualquer pensão (36.º PI)
27. No que respeita a contas bancárias, no âmbito da acção executiva em curso foi possível apurar o seguinte:
i. Em nome do 2.º Réu foram encontradas contas bancárias no Banco 1..., Banco 2..., S.A. e Banco 3..., sendo que, no Banco 3... foi possível penhorar a quantia de €2.075,10; no Banco 2..., S.A. não foi possível penhorar qualquer valor, nem no Banco 1...;
ii. Em nome do 3.º Réu foram encontradas contas bancárias no Banco 1... e Banco 4...;
iii. Em nome do Executado EE foram encontradas contas bancárias no Banco 2..., S.A., Banco 5... e Banco 3..., sendo que no Banco 3... foi possível penhorar a quantia de €2.263,52, no Banco 2..., S.A. não foi possível penhorar qualquer valor, nem na Banco 5... (37.º PI).
28. Foi ainda possível a penhora de participações sociais de que os Executados são titulares em várias sociedades comerciais, no valor total de €10.297,59 (39.º PI);
29. No que respeita ao imóvel identificado como sendo propriedade do 2.º Réu, não obstante o mesmo se encontrar inscrito nas finanças em nome deste, na Conservatória do Registo Predial o mesmo imóvel encontra-se registado em nome de terceiro, tendo natureza urbana nas finanças mas natureza rústica na Conservatória, existindo também divergência de áreas, pelo que não foi possível o registo definitivo da penhora (40.º PI).
30. Em 18 de Setembro de 1998, o 2.º Réu e a 4.ª Ré transmitiram à Sociedade B..., Lda., 1.ª Ré, o prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...72 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...53, da dita freguesia, com o valor patrimonial tributário de €33,42 (52.º e 54.º PI).
31. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 2 de 1998/09/18 (53.ºPI).
32. Na mesma data, o 2.º e a 4.ª Ré transmitiram à mesma sociedade, 1.ª Ré, o prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...73 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...60, da dita freguesia, com o valor patrimonial tributário de €7,48 (55.º e 57.º PI).
33. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 2 de 1998/09/18 (56.º PI).
34. Na mesma data o 2.º Réu e a 4.ª Ré transmitiram à 1.ª Ré o prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...74 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...66, da dita freguesia, com o valor patrimonial tributário de €10,97 (58.º e 60.º PI).
35. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 2 de 1998/09/18 (59.º PI).
36. Na mesma data o 2.º Réu e a 4.ª Ré transmitiram 1.ª Ré o prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...75 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...83, da dita freguesia, com o valor patrimonial tributário de €376,49 (61.º e 63.º PI).
37. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 2 de 1998/09/18 (62.º PI).
38. Na mesma data o 2.º Réu e a 4.ª Ré transmitiram à 1.ª Ré o prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...76 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...84, da dita freguesia, com o valor patrimonial tributário de €39,90 (64.º e 66.º PI).
39. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 2 de 1998/09/18 (65.º PI).
40. Na mesma data o 2.º Réu e a 4.ª Ré transmitiram à 1.ª Ré o prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...77 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...89, da dita freguesia, com o valor patrimonial tributário de €26,34 (67.º e 69.º PI).
41. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 2 de 1998/09/18 (68.º PI).
42. Na mesma data o 2.º Réu e a 4.ª Ré transmitiram à 1.ª Ré o prédio rústico sito em ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...78 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...15, da dita freguesia, com o valor patrimonial tributário de €226,06 (70.º e 72.º PI).
43. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 2 de 1998/09/18 (71.º PI).
44. Na mesma data o 2.º e a 4.ª Ré transmitiram à 1.ª Ré o prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...79 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...20, da dita freguesia, com o valor patrimonial tributário de €5,99 (73.º e 75.º PI).
45. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 2 de 1998/09/18 (74.º PI).
46. Na mesma data o 2.º Réu e a 4.ª Ré transmitiram à 1.ª Ré o prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...80 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...66, da dita freguesia, com o valor patrimonial tributário de €17,56 (76.º e 78.º PI).
47. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 2 de 1998/09/18 (77.º PI).
48. Na mesma data o 2.º Réu e a 4.ª Ré transmitiram à 1.ª Ré o prédio rústico denominado ..., sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...39 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...66, da dita freguesia com o valor patrimonial tributário de €13,17, (79.º e 81.º PI).
49. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 2 de 1998/09/18 (80.º PI).
50. Na mesma data o 2.º Réu e a 4.ª Ré transmitiram à 1.ª Ré o prédio rústico sito ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...71 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...30, da dita freguesia com o valor patrimonial tributário de €21,05 (82.º e 84.º PI).
51. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 2 de 1998/09/18 (83.º PI).
52. Em 30 de Março de 1999, o 2.º Réu, casado com a 4.ª Ré, transmitiu à 1.ª Ré o prédio urbano denominado ..., sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...34 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o número ...93, da dita freguesia, com o valor patrimonial tributário de €218.610,00 (85.º e 87.º PI).
53. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 9 de 1999/03/30 (86.º PI).
54. Na mesma data, o 2.º Réu e a 4.ª Ré, transmitiram à 1.ª Ré, o prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...83 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...64, da dita freguesia com o valor patrimonial tributário de €8,98 (88.º e 90.º PI).
55. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 6 de 1999/03/30 (89.º PI).
56. Em Janeiro de 1997 foi constituída a sociedade D..., Lda., pessoa coletiva n.º ...65, com sede em Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., com um capital social de €5.000,00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... sob o mesmo número de pessoa colectiva, tendo como sócios o 2.º Réu, titular de três quotas, cada uma no valor nominal de €625,00, EE, titular de uma quota no valor nominal de €625,00; II, titular de uma quota no valor nominal de €625,00; JJ, titular de uma quota no valor nominal de €625,00; CC, titular de uma quota no valor nominal de €625,00; KK, titular de uma quota no valor nominal de €625,00 (108.º PI)
57. Sendo o 2.º Réu o único gerente da referida sociedade (109.º PI).
58. Em 22 de Fevereiro de 2000 a sociedade D..., Lda. transmitiu à 1.ª Ré o prédio rústico denominado sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...66 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...14, da dita freguesia, com o valor patrimonial tributário de €47,09, (110.º e 112.º PI), conforme informação predial que ora se junta como doc. 66.
59. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 7 de 2000/02/22 (111.º PI).
60. Em 18 de Setembro de 1998 foi constituída a sociedade E..., Lda., pessoa coletiva n.º ...24, com sede na Praça ..., freguesia ..., concelho ..., com um capital social de €99.759,60, matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... sob o mesmo número de pessoa coletiva (113.º PI).
61. Sendo o 2.º Réu o sócio maioritário da referida sociedade e o único gerente da mesma (114.º PI)
62. Em 14 de Setembro de 2011 a sociedade E..., Lda. transmitiu à 1.ª Ré as fracções autónomas designadas pelas letras A a H, de que era proprietária, partes integrantes do prédio urbano sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...35 da freguesia ... (115.º PI).
63. As referidas frações foram registadas em nome da 1.ª Ré pela Ap. 995 de 2011/09/14 (116.º PI).
64. Até Junho de 2013, o 2.º Réu e a 4.ª Ré eram proprietários da fracção autónoma designada pelas letras AZ, correspondente ao rés-do-chão, parte integrante do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...89 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o número ...97, da dita freguesia, com o valor patrimonial tributário de €96.420,09 (93.º e 131.º PI).
65. Em 5 de Junho de 2013, o 2.º Réu e a 4.ª Ré transmitiram à 1.ª Ré a aludida fracção autónoma, pelo preço de €94.298,38, (91.º e 133.º PI).
66. A sociedade compradora, 1.ª Ré foi representada pelo 2.º Réu, na qualidade de gerente, que actuou quer em nome pessoal, quer em nome da sociedade (134.º PI).
67. O referido imóvel foi registado em nome da 1.ª Ré pela Ap. 503 de 2013/06/12 (92.º PI).
68. O 2.º Réu e a 4.ª Ré declararam que já haviam recebido da sociedade compradora, 1.ª Ré o valor correspondente ao preço da fracção mas não foi pago aos Réus qualquer valor (135.º PI).
69. Nem o 2.º Réu e nem a 4.ª Ré quiserem vender a fracção AZ acima identificada (137.º PI)
70. Nem a 1.ª Ré a quis comprar (138.º PI).
71. Tratou-se apenas de um acordo entre os 2.º Réu e 4.ª Ré e 1.ª Ré com a intenção de o 2.º Réu e a 4.ª Ré porem a salvo o seu património tendo em vista não responder pelas suas responsabilidades perante a Autora (139.º PI).
72. À data da celebração do negócio os Réus eram conhecedores da sua situação financeira, assim como da situação financeira da sociedade, dado que o 2.º Réu é sócio e único gerente da 1.ª Ré, sendo a 4.ª Ré sócia da mesma,
73. A 1.ª Ré é conhecedora da situação financeira dos Réus, designadamente das suas dívidas, dado que o seu legal representante é o 2.º Réu, vendedor no mesmo negócio (150.º PI)
74. A fracção AZ à data da escritura de compra e venda tinha um valor de mercado de €126.448,00 (151.º PI).
75. Com a transmissão da fracção AZ, o 2.º Réu ficou despojado de um imóvel que poderia satisfazer, pelo menos parcialmente, o crédito da Autora (154.º PI).
76. Ao declarar transmitir/adquirir a fracção AZ todos os intervenientes tinham perfeita consciência de que a prática desse acto agravava a satisfação do crédito da Autora.
77. Por contrato de cessão de quotas datado de 10 de Maio de 2016 o 2.º Réu transmitiu à
5.ª Ré a quota, no valor nominal de €99,76, de que era titular na 1.ª Ré (98.º PI).
78. A referida transmissão foi registada pela Ap. 17/2016-06-06 (99.º PI).
79. Pelo mesmo contrato o 3.º Réu transmitiu à 4.ª Ré a quota, no valor nominal de €3.292,07, de que era titular na 1.ª Ré, (100.º PI).
80. A referida transmissão foi registada pela Ap. 18/2016-06-06 (101.º PI)
81. Não foi pago pela 4.ª e 5.ª Rés o valor real das referidas quotas (169.º PI).
82. Nem o 2.º Réu e nem o 3.º Réu quiserem vender as quotas que detinham na 1.ª Ré (171.º PI)
83. Nem a 4.ª e 5.ª Rés as quiseram comprar (172.º PI).
84. Tratou-se apenas de um estratagema combinado entre os Réus para porem a salvo o seu património tendo em vista não responder pelas suas responsabilidades perante a Autora, de forma a impossibilitar uma futura penhora das quotas de que eram titulares na 1.ª Ré. (173.º PI)
85. A alienação das quotas não foi mais do que um esquema utilizado pelos Réus destinado a iludir o seu credor e a transmitir a titularidade das quotas para a esfera jurídica da 4.ª e 5.ª Rés (182.º PI)
86. Isto para não permitir que as quotas de que o 2.º e 3.º Réus eram titulares fossem penhoradas e que assim perdessem o controlo da sociedade sobre a qual têm o respetivo património (183.º),
87. Em nome do 2.º Réu não sobrou qualquer bem para além dos identificados no âmbito da execução (120.º PI).
88. À data dos negócios referidos em 30 a 63, o 2.º Réu era casado com a 4.ª Ré, sendo o 3.º e a 5.ª Ré filhos daqueles e EE, irmão do 2.º Réu, cunhado da 4.ª Ré e tio do 3.º Réu e 5.ª da Ré (48.º e 51.º da PI).
89. Os Réus utilizam a 1.ª Ré para debaixo dela colocarem todo o seu património imobiliário (117.º PI).
90. A 1.ª Ré é proprietária de mais de uma dezena de imóveis que, só em valor patrimonial tributário, perfazem a quantia total de €315.864,59, a que acresce o valor das fracções alienadas e identificadas em 62. (188.º PI)
91. As quotas da sociedade, face ao património da mesma, apresentam um valor global de €533.874,11 (190.º PI).
92. Foram pagos os impostos devidos pela compra e venda da fracção AZ, no valor de € 6.129,39 de IMT e de € 754,39 de Imposto de Selo (91.º Cont).
*
Factos não provados com relevo para a decisão da causa:
a) A carta enviada ao 2.º Réu pela Autora a 13 de Janeiro de 2016 não mereceu qualquer resposta por parte do mesmo (22.º PI);
b) Todo o património imobiliário, quer da sociedade D..., Lda., quer da sociedade E..., foi transferido para 1.ª Ré (122.º PI).
c) Os Réus são titulares de vários outros bens susceptíveis de pagar o crédito da Autora (3.º Cont)
d) Os Réus solicitaram, por intermédio de mandatário, a disponibilidade da Autora para negociar o pagamento do crédito (4.º Cont).
e) Tendo os Réus oferecido disponibilidade para o seu pagamento (5.º Cont).
f) A Autora optou por ignorar o contacto dos Réus e enveredou pela presente acção judicial (6.º Cont).
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
A alínea b), do nº 1, do art.º 640º, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos - os ónus enunciados nesta norma pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido/ a apreciação da satisfação das exigências estabelecidas nesta norma deve consistir na aferição se da leitura concertada da alegação e das conclusões, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, resulta que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se encontra formulada num adequado nível de precisão e seriedade, independentemente do seu mérito intrínseco/por todos, o Acórdão do STJ de 20.6.2023. proc. 2644/16.0T8LSB.L1-A.S1, pesquisável em www.dgsi.pt.
Como é sabido, o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure – neste preciso sentido, o Acórdão do STJ de 7.9.2017, processo 959/09.2TVLSB.L1.S1, pesquisável em www.dgsi.pt.
Os juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos, por isso, quem invoca a violação do valor tabelado de um meio de prova tem de tornar claro o sentido da sua alegação, por referência aos elementos do processo.
Nessa análise haverá, desde logo, que assentar o seguinte:
-O objecto do 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará, em parte, os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova.
-Se o recorrente entende que o tribunal a quo valorou indevidamente meios de prova e, em contraponto, atendeu indevidamente a outros que não mereciam credibilidade, errando assim na formação da sua livre convicção, não lhe basta esgrimir a sua própria convicção para procurar descredibilizar os meios de prova que foram valorados pelo julgador, antes lhe cumprido evidenciar as razões que revelam o erro, seja por ter decidido ao arrepio das regras da experiência, ou por contrariar princípios de racionalidade lógica, ou por ter descurado quaisquer circunstâncias com influência relevante naquele processo de valoração da prova - para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.
O que alegam, neste particular, os Apelantes:
“Os impostos de IMT e Selo, que o tribunal considerou como pagos, também foram pagos em numerário, (facto 92) mas o tribunal recorrido entendeu que não releva.
Justificou ainda o tribunal recorrido que: “…não colhendo naturalmente, a alegação do pagamento em numerário (a cuja prova os RR nem sequer se propuseram), dado que sendo a 1.ª Ré, adquirente, uma sociedade comercial não se admite como exequível que a referida transacção se pudesse concretizar com essa informalidade, sem que exista qualquer registo da saída/entrada de uma quantia tão avultada….
É falso, e não corresponde à verdade, que não tenha existido na sociedade comercial o registo de saída e entrada da quantia paga como preço de aquisição da fracção,
Esse registo existe e consta expressamente de todas as perícias realizadas nos autos,
Todos os peritos intervenientes nos autos, e que para elaborarem as perícias fizeram consultas à contabilidade da empresa, dão nota do registo contabilístico da aquisição do imóvel, aliás, por valor superior ao seu valor patrimonial, (cfr. perícias juntas aos autos, prédio urbano ...97-AZ)
Daqui resulta uma insuficiente apreciação das perícias realizadas nos autos pelo tribunal recorrido.
Assim e por tudo quanto se deixa dito até aqui, deverá ser alterada a decisão da matéria de factos relativa os factos vertidos nos nºs 68 a 76 e serem considerados não provados (…)
Sustentam a decisão de alteração da decisão desta matéria de facto (68 a 76), para além dos fundamentos alegados, os documentos juntos aos autos, escritura pública de transmissão da fracção AZ, cópias dos cheques e talões de depósito juntos aos autos e entrados no Apenso A, perícias de avaliação dos imóveis e perícias de avaliação das quotas societárias juntas aos autos.
Os factos considerados provados nos nºs 81 a 91 devem ser considerados não provados, pelas seguintes razões:
Não obstante ter sido apresentado suporte documental do pagamento dos preços de transmissão isso de nada valeu, porque o tribunal recorrido considerou como preço não pago,
Quanto à transmissão do imóvel o tribunal recorrido considerou que não foi apresentado comprovativo de pagamento do preço e, portanto, inverteu o ónus da aprova e considerou o preço como não pago,
Quanto às quotas, foi apresentado o comprovativo de pagamento do preço e, ainda assim, o tribunal recorrido considerou como preço não pago,
Dê por onde der, quer haja comprovativos, quer não haja, para o tribunal recorrido o preço não se considerou pago, !!!
(…)
De todos estes 3 documentos técnicos constantes dos autos o tribunal recorrido escolheu, como bom, o documento emitido pelo técnico menos qualificado, o Contabilista Certificado !!!
(…)
Também andou mal o tribunal recorrido ao considerar provado o facto nº 88, quanto aos alegado laços de parentesco dos Réus, porquanto dos autos não consta qualquer certidão de teor de registo civil comprovativa de tais vínculos de parentesco,
Sendo que tais factos só podem ser provados por documento idóneo nos termos do disposto no art.º 4º e 211º do Código de Registo Civil, que o tribunal recorrido violou,
Violação que aqui se invoca para todos os efeitos legais.
(…)
Sustentam a decisão de alteração da decisão desta matéria de facto (81 a 91), para além dos fundamentos alegados, os documentos juntos aos autos, a cópias dos cheques e talões de depósito juntos aos autos e entrados no Apenso A, as perícias de avaliação dos imóveis e perícias de avaliação das quotas societárias juntas aos autos, O Parecer Jurídico do professor Universitário junto aos autos e as declarações prestadas pelo ROC em sede de audiência de julgamento no dia 06-11-2023 entre os minutos 09:44 e 09:56 (Cfr. gravações citius)”.
Ora, como escreve a 1.ª instância:
“ A reapreciação da prova gravada implica que a peça que define o objecto do recurso contenha alguma impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto a partir da reponderação de meios de prova que, tendo sido prestados oralmente, tenham ficado registados, independentemente do juízo que ulteriormente seja feito acerca do cumprimento do ónus de indicação das passagens da gravação ou de qualquer outro requisito previsto no artigo 640.º- Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, In Código de processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Artigos 1.º a 702.º, 2.ª Edição Almedina, 2021, pág. 793.
Embora os Recorrentes afirmem que o recurso visa a reapreciação das decisões da matéria de facto e da matéria de direito analisadas as suas alegações verificamos que em momento algum visam a reapreciação da prova gravada (no sentido de que a impugnação que fazem da decisão da matéria de facto seja sustentada, ainda que numa pequena parte, em prova gravada que deva ser reanalisada)”.
É verdade que os Apelantes pretendem, desde logo, ver alterada a decisão da matéria de facto, além do mais, quanto aos factos 81 a 91 da sentença, no sentido de passarem a considerar-se como não provados. Todavia, para esse efeito limitam-se a pôr em causa a convicção do tribunal quanto à prova pericial produzida, referindo que não percebem a opção do tribunal entre uma avaliação em detrimento de outra, fazendo alusão às declarações prestadas pelo perito (ROC) em sede de audiência de julgamento, no dia 06-11-2023 e fixando-as entre os minutos 09:44 e 09:56 (Cfr. gravações citius), para referirem que as mesmas estão em conformidade com o teor do seu relatório (deixando consignado: tanto mais que, os esclarecimentos que o Revisor Oficial de Contas prestou na audiência de julgamento em nada abalam ou alteram a conclusão do seu Relatório Pericial e o valor por si atribuído a cada uma das quotas sociais).
Como escreve a Apelada, argumentação esta que seguimos, “na verdade, no capítulo os Recorrentes apenas discorrem sobre a alegada total colaboração dos Réus para fundamentarem o facto de não se verificar a inversão do ónus da prova, concluindo que o Tribunal a quo violou o n.º 2 do art.º 344.º do Código Civil e bem assim defendem a existência de um erro de julgamento, uma vez que o Tribunal a quo não apreciou corretamente os relatórios periciais, inexistindo qualquer menção seja nas alegações seja nas conclusões a um qualquer passagem de registo de prova gravada e produzida em sede de audiência de julgamento.
Em suma, a verdade é que os Recorrentes não cumpriram o ónus imposto do 640º CPC, porquanto numa tentativa de justificar a apresentação das alegações com recurso a prova gravada limita-se a fazer uma referência a uma passagem de 12 minutos das declarações prestadas pelo perito, deixando "a escolha da seleção das passagens para os I. Juízes Desembargadores decidirem como melhor lhe aprouver, o que é no mínimo insólito.
A verdade é que os Recorrentes não querem alterar a decisão quanto à matéria de facto os Recorrentes querem sim alterar a decisão de direito por considerar que a matéria de facto provada determinava outra decisão.
(…)
43. Uma vez mais, tal não corresponde à verdade, pese embora os Recorrentes tenham juntado documentos que alegadamente titulam o pagamento do preço convencionado, esse preço correspondia ao valor registado/nominal as quotas, o qual como resultou provado dos autos não corresponde ao valor real, sendo apenas e só um valor ficcionado pelos Recorrentes para mais uma venda simulada.
44. Os presentes autos foram instruídos com duas Perícias para analisar o valor das quotas da sociedade comercial B..., Lda, tendo as mesmas coincidindo quanto à necessidade de ponderar o justo valor dos imoveis para alcançar o desiderato:
A primeira perícia concluiu por um capital próprio de € 533.874,11, considerando que não se deveria excluir do capital próprio o valor das prestações suplementares, e a segunda perícia concluiu por um capital de € 536.737,17, caso se incluísse as prestações suplementares no capital próprio da sociedade, mas que seria de € 36.737,17 em caso de uma situação de liquidação da empresa.
45. Dúvidas não restam de que as prestações suplementares integram o capital próprio da sociedade, e são, em regra, realizadas exatamente para reforçar esse capital. Não configuram verdadeiros empréstimos dos sócios à sociedade e não têm um prazo de restituição ou reembolso estipulado.
46. Aliás, como bem sabem os Recorrentes, as prestações suplementares (art.ºs 210.º a 213.º do CSC.), constituem atribuições em dinheiro determinantes de um implemento do património social, incrementando o capital (o chamado “capital flutuante”, embora diferenciado do capital social fixo, restituível quando desnecessário e sem vencimento de juros.
47. Pelo que, outro não podia ser o entendimento do Tribunal a quo, se não o de perfilhar o entendimento plasmado na primeira perícia realizada nos autos pelo Sr. Perito LL.
48. Ademais, a tese dos Recorrentes soçobra, desde logo porque o valor apresentado referente à alegada transmissão é um valor ficcionado e bem assim as perícias foram claras no que diz respeito ao valor real das quotas, sendo que as prestações suplementares não são, obviamente, equiparadas a capital social….sendo completamente desadequado o “pedido” dos Recorrentes de restituição das prestações suplementares ao seu titular.
49. Não se podendo admitir o alegado pelos Recorrentes, quando alegam que o Perito da 1ª perícia laborou em erro no seu relatório, apenas e só porque não utiliza o método de avaliação mais conveniente à tese dos Recorrentes”.
E, neste particular, mostra-se clara, motivada e acertada a fundamentação do julgador da 1.ª instância, ao escrever:
“Os factos referidos em 68 a 76 e em 81 a 86 constituíam o cerne probatório desta acção dado que encerram a verdadeira intenção das partes outorgantes nos negócios jurídicos cuja nulidade a Autora pretende ver declarada. Relembra-se que foram fixados como temas de prova a intencionalidade subjacente à transmissão da fracção autónoma designada pela letra AZ do prédio sito na Rua ... por intermédio da escritura pública celebrada no dia 5 de junho de 2013 e à cessão de quotas celebrada em 10 de Maio de 2016 e o efectivo pagamento do preço fixado em tais negócios.
Ora, no contexto factual apurado, tendo em mente que o objecto social da 1ª Ré (que conforme ficou provado em 2, consiste em actividades de agricultura, agropecuária, viticultura, culturas agrícolas, fruticulturas, horticulturas, floriculturas, bovinicultura, exploração florestal e sua produção comercialização, importação e exportação) não apresenta qualquer conexão de negócio que justifique a aquisição da aludida fracção AZ (esta sita no concelho ... e arrendada a terceiros para exploração de um espaço de cabeleireiro e beleza), ponderando as estreitas relações familiares existentes entre os seus sócios (pais e filhos), o facto do 2.º Réu ser o único gerente dessa sociedade (mesmo depois de ter cedido a sua quota) e, sobretudo, ajuizando que os RR não lograram demonstrar que a 1.ª Ré tenha pago qualquer valor por essa aquisição, estando cientes de que o seu património pessoal serviria para garantir o crédito da Autora (dado que a mesma reclamava judicialmente do 2.º e 3.º Réus o pagamento de uma quantia avultada - USD 383.680,00 - tendo os mesmos sido já citados para a respectiva acção de cobrança - em 23.02.2010), deparamo-nos com indícios claros, analisados segundo as regras da experiência comum e da razoabilidade, que nos permitem inferir que tal compra e venda é de mera aparência e resulta de um acordo estabelecido entre a 1.ª Ré (cuja vontade era firmada e coincidente com a do 2.º Réu, seu gerente), o 2.º Réu e a 4.ª Ré (os quais estiveram formalmente casados durante 17 anos), com o intuito de o subtrair do seu património pessoal e, dessa forma, enganar e prejudicar a Autora, sua credora, impedindo-a de poder garantir o seu crédito através da futura penhora desse imóvel.
Note-se que os RR instados a fazer prova do pagamento/recebimento do preço de aquisição da fracção AZ (cf. notificações registadas na Acta de audiência prévia), negaram-se a demonstrá-lo (conforme se colhe do teor da sua resposta datada de 19.04.2018 e em 09.10.2018), justificando-se, assim a inversão do ónus probatório da Autora, tendo em mente o que resulta do artigo 344.º, n.º 2 do CC.
O ónus da prova do pagamento/recebimento do preço devido por tais negócios passou pois a incumbir aos Réus – o que não lograram fazer - sendo certo que a escritura pública de compra e venda, pese embora constitua um documento autêntico, só faz prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, nos termos do artigo 371.º, n.º 1 do CC, daí que, naturalmente, tal documento, em face da arguida simulação, não sirva para demonstrar esse pagamento/recebimento do preço, não colhendo, naturalmente, a alegação do pagamento em numerário (a cuja prova os RR nem sequer se propuseram), dado que sendo a 1.ª Ré, adquirente, uma sociedade comercial não se admite como exequível que a referida transacção se pudesse concretizar com essa informalidade, sem que exista qualquer registo da saída/entrada de uma quantia tão avultada ( € 94.298,38).
Adianta-se, por fim, que o pagamento dos impostos devidos pela compra e venda da fracção AZ, no valor de € 6.129,39 de IMT e de € 754,39 de Imposto de Selo (tal como ficou provado em 92) nada revela a não ser que o cumprimento das obrigações tributárias se impõe aos cidadãos nacionais mesmo quando decidem celebrar negócios fictícios.
Idêntica convicção se extrai relativamente às cessões de quotas, pese embora os RR tenham juntado documentos que titulam o pagamento do preço convencionado (cf. documentos juntos a fls. 358 a 360 dos autos), preço esse que correspondia ao valor registado/nominal das quotas mas que, como se apura nesta acção, está absolutamente desfasado do respectivo valor real, independentemente do critério que se adopte para a avaliação das quotas cedidas.
Concluiu-se dos factos dados como provados em 30 a 55, 58 a 59 e 62 a 63 que a 1.ª Ré é proprietária de mais de uma dezena de imóveis que, só em valor patrimonial tributário, perfazem a quantia total de €315.864,59, a que acresce o valor das fracções A a H, descritas em 62 (afirmação que se verteu no facto 90) pelo que o valor acordado para essas transmissões, correspondente aos valores nominais das quotas de €99,76 e €3.292,07, revela-se totalmente irreal, sendo certo que essa factualidade também nos revela que todo o património familiar foi sendo posto na alçada da sociedade, tal como ficou demonstrado em 89. A propósito do valor estimado dos imóveis registados a favor da sociedade primeira Ré (avaliação essa que se revelou necessária para determinar o próprio valor das quotas sociais) concluiu o Sr. Perito por um património imobiliário no valor global de 927.779,00 €.
Note-se que realizadas duas peritagens com o objectivo de determinar o valor da 1.ª Ré e das respectivas quotas sociais, os respectivos relatórios coincidiram quanto à necessidade de ponderar o justo valor dos imóveis (em detrimento dos valores registados contabilisticamente) para alcançar tal desiderato, reportando essa avaliação à data das cessões de quotas.
A primeira perícia concluiu por um capital próprio de €533.874,11, explicando porque razão não excluiu desse capital próprio o valor das prestações suplementares realizadas pela sócia CC, ora 4.ª Ré, avançando que a sua restituição assim como as diminuições de capital social aos sócios depende da deliberação em assembleia geral e só pode ser efetuada desde que o capital próprio (depois da restituição) não fique inferior à soma do capital social realizado e da reserva legal. Situação diversa é a realidade da B..., Lda, pois em 10 de maio de 2016, data da avaliação, não se verificava a restituição das prestações suplementares, e que, a terem acontecido ocasionariam capital próprio negativo, que de acordo com o Código das Sociedades Comerciais não poderia acontecer.
Efectivamente, como afirma o Sr. Perito LL as prestações suplementares, ao contrário dos suprimentos, são um reforço do capital próprio da sociedade, não se justificando essa agregação na avaliação que lhe foi submetida. Já na segunda perícia também se afirma que o valor da sociedade em 10 de Maio de 2016 era de 536.737,17€, todavia, o Sr. Perito MM pondera que a ocorrência de uma situação de liquidação da empresa determinaria o pagamento prévio do valor das prestações suplementares no valor de €500.000,00, o que conduziria a um valor de partilha pelos sócios de apenas €36.737,17; asserção essa que no nosso modesto ponto de vista não se justifica no presente caso dado que, como o mesmo refere no seu relatório, se estivermos em face de uma análise pressupondo a continuidade da sociedade não se vislumbra base legal para que um sócio, que tenha realizado prestações suplementares, possa exigir a sua restituição, ficando a sua restituição na exclusiva disponibilidade da sociedade, mediante deliberação que observe os requisitos previamente elencados – os previstos no artigo 213.º do Código das Sociedades Comerciais.
Já em sede de audiência de julgamento o Sr. Perito MM esclareceu que o valor da empresa como um todo é, efectivamente, de cerca de €536.000,00 e que o valor das prestações suplementares poderia ser ou não agregado ao valor da quota transmitida, sendo que, em caso de transmissão agregada, essa quota seria acrescida dos €500.000,00 de prestações suplementares, afirmando assertivamente que as prestações suplementares são legalmente inseridas na rubrica “capitais próprios” de uma sociedade comercial.
Em face, pois, da natureza das prestações suplementares (capitais próprios, julgamos que a primeira avaliação é aquela que se apresenta como mais consentânea com a análise técnica pretendida e com o objecto da perícia que os autos reclamavam, ou seja, determinação do capital próprio da sociedade em 10 de Maio de 2016 (sendo certo que nessa data nenhuma restituição de prestações suplementares tinha sido deliberada e se desconhece se alguma vez viria a ser, uma vez que o momento da restituição corresponde ao da liquidação da sociedade), pelo que dúvidas não nos restam que é primeira perícia que melhor traduz o valor real da sociedade e das respectivas quotas sociais na data da cessão de quotas e que, como tal, nos convence que a repartição das quotas, pelos RR, se traduz numa quota cujo valor real era de €5.338,76 na titularidade do 2.º Réu e uma quota de €176.178,45 na titularidade do 3.º Réu, valores esses, significativamente, abaixo dos declarados e pagos valores nominais de €99,76 e €3.292,07, razão pela qual demos como assente o facto descrito em 91.
Por outro lado, ponderando igualmente as estreitas relações familiares existentes entre os sócios da 1.ª Ré (pais e filhos), o facto do 2.º Réu se manter como gerente da sociedade depois de ter cedido a sua quota e percebendo que todos os RR estavam cientes de que o património pessoal do 2.º e 3.º Réus estava em risco, porquanto serviria para garantir o crédito da Autora, podemos concluir, com segurança, que essas cedências são fictícias e resultam de um acordo estabelecido entre os 2.º a 5.º RR com o intuito de enganar e prejudicar a Autora, enquanto credora conhecida, visando impedi-la de penhorar tais quotas sociais, assim se explicando a nossa convicção quanto à demonstração cabal dos factos 81 a 86”.
Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto fixada na 1.ª instância.
A propósito da reapreciação pelo matéria de facto dada como provada nos n.ºs 68 a 76, alegam os Recorrentes que os factos considerados provados nos nºs 68 a 76 devem ser considerados não provados, considerando que “resulta manifesto que não existe qualquer fundamento legal ou factual, para a inversão do ónus da prova decidido pelo tribunal recorrido”, e que “os réus prestaram toda a colaboração do Tribunal que podiam prestar, não havendo justificação para a inversão do ónus da prova decidido”, terminando os Recorrentes por concluir que o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 344.º. n.º 2.
Ora, tal norma estabelece que há inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, ou seja, quando tal prova, no caso dos autos, for o único meio de provar a intencionalidade subjacente à transmissão da fração autónoma designado pela letra AZ por intermédio de escritura pública e à cessão de quotas celebrada e o efetivo pagamento do preço fixado em tais negócios e, tal recusa implique a impossibilidade de o autor fazer essa prova.
Lendo a norma do art.º 417º, aí se determina que “todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados e que aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; e se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do art.º 344º CC”.
Como é sabido, a inversão do ónus da prova não decorre automaticamente do não cumprimento do dever de junção de documentos, alegadamente em poder da parte contrária. Exige-se para o efeito que uma das partes cause culposamente a impossibilidade de prova dos factos cujo ónus da prova incide sobre a outra por, como nos ensina José Lebre de Freitas - Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, página 409 -, “não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (…) já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos”.
Não existindo esta impossibilidade, mas mera dificuldade na produção de prova, a consequência para a falta de colaboração, passará pelo sancionamento da parte faltosa nos termos do disposto art.º 417 nº2, 1ª parte e pela livre apreciação da prova produzida, tendo em conta a dificuldade que o comportamento faltoso trouxe à parte onerada – neste preciso sentido vide Nuno Alexandre do Rosário Jerónimo Pires, A inversão do ónus da prova devido a impossibilidade de prova culposamente causada (art.344º/2 CC), pág. 15, disponível online in https://sousaferro.pt/wp-content/uploads/2020/06/Invers%C3%A3o-por-impossibilidade-culposamente-causada-NUNO-SALPICO.pdf.
Por outro lado, a inversão do ónus não dispensa o exercício do contraditório afim de se evitar decisões surpresa e impõe que a notificação da parte para apresentar o documento, deve ser efectuada com a cominação da inversão do ónus da prova, no caso de não o juntar – neste preciso sentido, o Acórdão desta Relação de Coimbra, no processo nº1325/03.9TBNV.C1- relator Arlindo Oliveira, acessível em www.dgsi.pt.
Consta dos autos, com interesse para esta questão, o seguinte:
Na audiência prévia que teve lugar de no dia 9.4.2018:
“Por se referirem a matéria que no atual estado dos autos se encontra controvertida, enunciam-se os seguintes TEMAS DE PROVA:
1.intencionalidade subjacente à transmissão da fração autónoma designada pela letra AZ do prédio sito na Rua ... por intermédio da escritura pública celebrada no dia 5 de junho de 2013 e à cessão de quotas celebrada em 10 de maio de 2016; -
2. efetivo pagamento do preço fixado em tais negócios;-
3. crédito dos autores sobre os réus, momento da sua constituição e seu valor;-
4. insuficiência/suficiência do património dos réus para pagamento de tal crédito;-
5. contribuição dos negócios mencionados em 1) para a impossibilidade o agravamento da impossibilidade de satisfação do crédito titulado pela autora-
VIII – Do despacho que antecede não foram apresentadas reclamações.
IX – Prosseguiu a audiência com a apreciação dos requerimentos probatórios apresentados, tendo sido concedida a palavra aos ilustres Mandatários presentes para esclarecerem se pretendem manter o requerimento probatório apresentado ou se ao mesmo pretendem fazer alterações. ---
*
Dada a palavra à ilustre Mandatária da Autora, Drª NN, a mesma requereu: ---
Relativamente à prova testemunhal, mantém o requerido. ---
Quanto à prova documental, a Autora vem requerer, nos termos do artº 429º do C.P.C., a notificação dos Réus para a junção aos autos dos seguintes documentos:
- Notificação da 1ª Ré para juntar comprovativo do pagamento do preço da aquisição da fração autónoma identificada no artº 131º da Petição Inicial;
- Notificação dos 2º e 4º Réus para juntar comprovativo do recebimento do preço da aquisição da referida fração autónoma;
- Notificação da 5ª Ré para juntar o comprovativo do pagamento do preço da aquisição das quotas da 1ª Ré ao 2º Réu;
- Notificação do 2º Réu para juntar comprovativo do recebimento do preço da venda das quotas da 1ª Ré à 5ª Ré;
- Notificação da 4ª Ré para juntar o comprovativo do pagamento do preço da aquisição das quotas da 1ª Ré ao 3º Réu;
- Notificação do 3º Réu para juntar comprovativo do recebimento do preço da aquisição das quotas da 1ª Ré à 4ª Ré. –
(…)
Assim, dado que o ilustre Mandatário é portador de cópias mais legíveis de tais documentos, determino a sua junção aos autos, bem como a notificação da ilustre Mandatária da Autora para que, querendo, exerça contraditório.
(…)
Nos termos do disposto no artº 429º e 436º do C.P.C., determino a notificação dos Réus para que juntem aos autos os documentos cuja junção foi nesta audiência prévia requerida pela ilustre mandatária da Autora, aqueles que não se encontram juntos ao apenso de Caução.
No tocante à requerida junção documental, as rés apresentam o seguinte requerimento:
“Quanto à junção de documentos
1. Juntam pública forma, por certidão, da escritura pública de compra e venda outorgada em 05-06-2013, exarada de fls.9 a fls-10 do Livro 73-F do Cartório
Notarial de OO,
2. Do teor da referida escritura pública consta o pagamento do preço de aquisição pela primeira Ré e respectiva quitação pelos segundo e quarto Réus, atestados pelo respectivo Notário, enquanto oficial público,
3. A referida escritura pública é um documento autêntico, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 363º nº 1 e nº 2 e art.º 369º de seguintes, todos do Código Civil,
4. Nos termos do disposto no art.º 371º nº 1 in fine do Código Civil, a referida escritura pública faz prova plena dos factos ali atestados pelo oficial público,
5. Não carecendo os Réus de qualquer outro elemento de prova, tanto mais que a Autora não invocou, nem invoca, a falsidade do referido documento”.
Ao que respondeu a Autora, além do mais:
(…)
17 – Assim, tendo a Autora invocado a simulação da compra e venda, ou seja, a existência de uma falta de vontade e como tal a divergência entre a vontade real e a vontade declarada, pelo que não havia qualquer exigência da alegação da eventual falsidade da escritura pública.
18 – Pelo que não tem qualquer fundamento a invocação dos Réus no sentido de que a declaração de pagamento e recebimento do preço fazem prova plena desse pagamento e recebimento.
19 – Nos termos do n.º 2 do artigo 417.º do CPC, aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis, se o recusante for parte o Tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do CC.
20 – Nos termos do n.º 2 do artigo 344.º do CC, há inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova do onerado, sem prejuízo das sanções que a lei do processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.
21 – Assim, considerando que o entendimento dos Réus no sentido de o pagamento do preço de encontra plenamente provado pelas declarações insertas na escritura pública, desde já se requer que sejam os Réus novamente notificados para a junção dos comprovativos do pagamento e recebimento do preço referente ao imóvel em causa nos presentes autos, com a expressa cominação de que, não o fazendo, se considera invertido o ónus da prova, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPC, conjugado com o n.º 2 do artigo 344.º do CC”.
Pela ilustre julgadora da 1.ª instância foi determinado:
“II – Mantendo também o juízo de pertinência relativamente à prova documental destinada a comprovar o pagamento da fração autónoma identificada no artigo 131º, da petição inicial, tanto mais que foi invocada a simulação negocial, ao abrigo do disposto no artigo 436º, CPC, determino a notificação dos réus para que, em 10 dias
- esclareçam quais foram os meios de pagamento do preço declarado na escritura pública da fração;
- apresentem comprovativo de tal pagamento ou esclareçam se estão impedidos de o comprovar e por que motivo”.
Os RR. responderam:
1. Reafirmam tudo quanto já deixaram dito no requerimento de pronúncia, com junção de documentos, anterior, com o qual juntaram pública forma, por certidão, da escritura pública de compra e venda outorgada em 05-06-2013, exarada de fls.9 a fls-10 do Livro 73-F do Cartório Notarial de OO, comprovativa do pagamento do preço de venda e respectiva quitação,
2. Os RR não dispõem de qualquer outro documento que titule o referido pagamento, que foi realizado em numerário”.
Insistindo a Autora:
6 – Em primeiro lugar não pode a Autora deixar de referir que, é no mínimo estranho, que o pagamento do preço pela transmissão das quotas da sociedade, correspondente a valores muito inferiores ao preço declarado pela aquisição da fracção, tenha sido feito através de cheque e de transferência bancária, e o pagamento do preço de aquisição da fracção tenha sido feito em numerário.
7 – Por outro lado, a adquirente da fracção é uma sociedade comercial, com contabilidade organizada, tendo de justificar todas as entradas e saídas de dinheiro, pelo que, tendo efectivamente pago o preço de aquisição da fracção, tal pagamento, ou seja, saída de dinheiro, tem de ter um documento comprovativo do mesmo que suporte o movimento em termos contabilísticos.
8 – Mais se refira que, tratando-se de uma quantia avultada, mais de €94.000,00, com certeza a mesma não estava à disposição em numerário, tendo de ter saído de alguma conta bancária, assim como deverá ter entrado em alguma conta bancária dos Réus.
9 – Assim, e considerando o alegado pelos Réus, desde já se requer que a sociedade Ré seja notificada para vir informar a conta bancária de que é titular e da qual saíram os €94.000,00 destinados ao pagamento do preço (Banco, Balcão e IBAN correspondente), assim como a data em que tal quantia foi levantada com vista ao pagamento do preço pela aquisição da fracção, devendo ainda ser notificada para proceder à junção do extracto correspondente e do qual seja possível aferir de tal movimento.
10 – Na sequência da resposta que for dada pela sociedade Ré desde já se requer a notificação do Banco que vier a ser identificado para confirmar a veracidade da informação e da documentação que vier a ser junta.
11 – Deve, ainda, a Ré sociedade ser notificada para proceder à junção dos documentos contabilísticos que suportem a saída do dinheiro, assim como dos documentos de suporte do movimento contabilístico.
12 – Mais se requer a notificação dos Réus AA e CC para virem informar a conta bancária de que são titulares e na qual foram depositados os €94.000,00 que alegam ter recebido em consequência do pagamento do preço (Banco, Balcão e IBAN correspondente), assim como a data em que tal quantia foi depositada, devendo, ainda, proceder à junção do extracto correspondente e do qual seja possível aferir tal movimento.
13 - Na sequência da resposta que for dada pelos Réus desde já se requer a notificação do Banco que vier a ser identificado para confirmar a veracidade da informação e da documentação que vier a ser junta.
14 – Mais se requer que a notificação dos Réus seja feita com a expressa cominação de que, não o fazendo, se considera invertido o ónus da prova, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPC, conjugado com o n.º 2 do artigo 344.º do CC”.
Ao que a julgadora decidiu:
“Afigurando-se pertinentes as informações requeridas pela autora por intermédio do requerimento com a referência 29498747, que permitirão apurar do efetivo pagamento (em numerário) invocado, defiro o aí requerido, determinando a notificação dos réus para que em 10 dias prestem as informações solicitadas, sob pena de, em caso de recusa injustificada, ser ulteriormente ponderada a inversão do ónus da prova, nos termos doa rtigo 417º, nº 2, CPC.
27/9/2018”.
Respondendo os RR:
1. Reafirmam tudo quanto já deixaram dito no requerimento de pronúncia, com a junção de documentos, anterior, com o qual juntaram pública forma, por certidão, da escritura pública de compra e venda outorgada em 05-06-2013, exarada de fls.9 a fls-10 do Livro 73-F do Cartório Notarial de OO, comprovativa do pagamento do preço de venda e respectiva quitação,
2. Os RR não dispõem de qualquer outro documento que titule o referido pagamento, que foi realizado em numerário,
3. Por ter sido pago em numerário, não foi movimentada nenhuma conta bancária.
4. Deverá notar-se que antes da entrada em vigor da Lei n.º 92/2017 de 22 de Agosto, era prática comum o pagamento em numerário do preço de aquisição e não existia qualquer obrigatoriedade de serem movimentadas contas bancárias para pagamento ou recebimento do preço, bem como, não existia qualquer obrigatoriedade de menção na escritura pública de compra e venda do meio de pagamento do preço.
5. Donde que, a argumentação alegada pela Autora apenas poderia ter razão de ser para os factos transmissivos praticados após a entrada em vigor da referida Lei n.º 92/2017 de 22 de Agosto.
6. Pelo exposto, é materialmente impossível satisfazer a pretensão da Autora.
Sem prescindir e por dever de patrocínio, cumpre dizer o seguinte,
7. Face à cominação constante do Despacho ora notificado, não concordando os Réus com os termos e fundamentos do mesmo, não podem estes deixar de expressar a sua opinião,
Assim,
8. O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar é um direito constitucional previsto no n.º 1 do artigo 26º da Constituição da República Portuguesa na parte consagrada aos Direitos, Liberdades e Garantias,
9. E bem assim, a reserva de vida privada e familiar é tanto um direito fundamental como um direito de personalidade, reconhecido no artigo 80º nº 3 do Código Civil,
10. As contas bancárias e a matéria relativas a elas, integram esse âmbito de reserva da vidra privada, como aliás se considerou no Parecer n.º 20/94, do Conselho Consultivo da PGR, que refere a este propósito a opinião de PIERRE KAYSER (“La Protection de la Vie Privée”, Tomo I, 1984, pág. 159), que afirma o seguinte: “Deve igualmente considerar-se o património como um elemento da vida privada [...]. No estado actual dos nossos costumes, os bens e as dívidas, os rendimentos dos bens e os rendimentos profissionais não devem ser levados ao conhecimento do público e não devem ser objecto de buscas.”,
11. E como, aliás, tem entendido a generalidade da jurisprudência portuguesa.
12. Donde que, dúvidas não restam que as informações relativas às movimentações de dinheiro e/ou contas bancárias dos Réus, sua existência ou movimentação, integram a esfera jurídica da reserva da sua vida privada,
13. Nessa medida, sendo certo que os Réus têm o dever de colaborar para a descoberta da verdade, a lei reconhece-lhe, contudo, o direito de recusa em determinadas situações, sendo uma delas a de que a colaboração pedida importe violação da reserva da sua vida privada: art. 417º, nº 3, al. b) do Código de Processo Civil
14. Ou seja, com a devida vénia e salvo melhor opinião, nunca poderá existir fundamento legal para a cominação de inversão do ónus da prova notificada no Douto Despacho,
15. Porque os Réus sempre teriam o direito de recusar qualquer divulgação de dados bancários ou de movimentos financeiros, sem que isso importasse qualquer penalização processual,
16. Por outro lado, também nem os Réus nem ninguém nestes autos obstou ou obsta a que a Autora faça prova do alegado por si,
17. Pelo que, nunca se poderia concluir que a eventual falta de prova da Autora se deveria a qualquer impossibilidade culposa dos aqui Réus”.
Para arrematar a questão a 1.ª instância escreve que “a atitude probatória dos réus decorrente, desde logo, dos seus requerimentos de fls 379 e ss e 411 e ss, será ponderada oportunamente, não se justificando qualquer inversão do ónus de prova neste momento, pois a factualidade em causa poderá ainda ser investigada e apurada no decurso da audiência de julgamento, em que serão produzidos vários meios de prova. Ou seja, apenas na hipótese de “não prova” da factualidade apurada poderá perspetivar-se a pretendida inversão do ónus de prova, relativamente ao qual os réus já foram notificados, designadamente no último despacho”, o que fez na sua motivação fáctica, em sede de decisão final.
Ora, sobre esta questão haverá que dizer o seguinte:
Não se pode dizer, em rigor, que os Réus tenham culposamente tornado impossível a prova da Autora, como se exige no n.º 2 do art.º 344.º., porque os documentos que os Réus não juntaram não podiam provar os factos que a Autora tinha o ónus de provar - os factos constitutivos da simulação -, sendo certo que aquilo que eles poderiam provar era o facto contrário - ou seja, a inexistência de simulação. Não poderemos, portanto, afirmar que, tendo recusado a junção desses documentos, os Réus tenham inviabilizado a prova da simulação. Em bom rigor, a falta de junção desses documentos, até facilitou (não dificultou) a prova da Autora, porque, em face dessa conduta e da inexistência desses documentos, será bem mais fácil concluir, à luz das regras de experiência, que não foi efectuado qualquer pagamento e que as partes não tiveram a real intenção de fazer os negócios.
Em segundo lugar, o ónus da prova não serve para fundamentar a decisão de facto; ele funciona em sede de aplicação do direito para resolver a dúvida emergente da circunstância de um determinado facto não ter resultado provado, resolvendo essa dúvida contra a parte que estava onerada com o ónus de prova.
Significa isso, portanto, que, caso estivesse aqui em causa uma verdadeira inversão do ónus de prova, os factos em causa não seriam julgados provados (como foram) porque não é essa a função do ónus de prova e o que sucederia é que, em sede de aplicação do direito, concluir-se-ia pela existência de simulação porque, apesar de ela não ter resultado provada, cabia aos réus o ónus de provar que ela não havia existido.
O que sucede, é que a prova da simulação - a cargo da Autora - é particularmente difícil e essa dificuldade tem que ser ponderada ao nível da prova necessária para fundar a nossa convicção que, na impossibilidade de fazer prova directa, terá que se basear em indícios. E a circunstância de os Réus não terem junto documentos comprovativos do pagamento e de alegarem que o fizeram em dinheiro é, nosso entendimento – que a 1.ª instância leva à sua motivação da matéria de facto -, mais do que suficiente para concluir pela prova dos factos em questão, por não ser minimamente credível e razoável que tivessem pago aquele valor mediante entrega em mãos de valor monetário, tanto mais que não existe a mínima prova que ateste ou indicie esse facto.
Como escreve o julgador da 1.ª instância, na sua motivação:
“Relembra-se que foram fixados como temas de prova a intencionalidade subjacente à transmissão da fracção autónoma designada pela letra AZ do prédio sito na Rua ... por intermédio da escritura pública celebrada no dia 5 de junho de 2013 e à cessão de quotas celebrada em 10 de Maio de 2016 e o efectivo pagamento do preço fixado em tais negócios.
Ora, no contexto factual apurado, tendo em mente que o objecto social da 1ª Ré (que conforme ficou provado em 2, consiste em actividades de agricultura, agropecuária, viticultura, culturas agrícolas, fruticulturas, horticulturas, floriculturas, bovinicultura, exploração florestal e sua produção comercialização, importação e exportação) não apresenta qualquer conexão de negócio que justifique a aquisição da aludida fracção AZ (esta sita no concelho ... e arrendada a terceiros para exploração de um espaço de cabeleireiro e beleza), ponderando as estreitas relações familiares existentes entre os seus sócios (pais e filhos), o facto do 2.º Réu ser o único gerente dessa sociedade (mesmo depois de ter cedido a sua quota) e, sobretudo, ajuizando que os RR não lograram demonstrar que a 1.ª Ré tenha pago qualquer valor por essa aquisição, estando cientes de que o seu património pessoal serviria para garantir o crédito da Autora (dado que a mesma reclamava judicialmente do 2.º e 3.º Réus o pagamento de uma quantia avultada - USD 383.680,00 - tendo os mesmos sido já citados para a respectiva acção de cobrança - em 23.02.2010), deparamo-nos com indícios claros, analisados segundo as regras da experiência comum e da razoabilidade, que nos permitem inferir que tal compra e venda é de mera aparência e resulta de um acordo estabelecido entre a 1.ª Ré (cuja vontade era firmada e coincidente com a do 2.º Réu, seu gerente), o 2.º Réu e a 4.ª Ré (os quais estiveram formalmente casados durante 17 anos), com o intuito de o subtrair do seu património pessoal e, dessa forma, enganar e prejudicar a Autora, sua credora, impedindo-a de poder garantir o seu crédito através da futura penhora desse imóvel.
(…)
O ónus da prova do pagamento/recebimento do preço devido por tais negócios passou pois a incumbir aos Réus – o que não lograram fazer - sendo certo que a escritura pública de compra e venda, pese embora constitua um documento autêntico, só faz prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, nos termos do artigo 371.º, n.º 1 do CC, daí que, naturalmente, tal documento, em face da arguida simulação, não sirva para demonstrar esse pagamento/recebimento do preço, não colhendo, naturalmente, a alegação do pagamento em numerário (a cuja prova os RR nem sequer se propuseram), dado que sendo a 1.ª Ré, adquirente, uma sociedade comercial não se admite como exequível que a referida transacção se pudesse concretizar com essa informalidade, sem que exista qualquer registo da saída/entrada de uma quantia tão avultada ( € 94.298,38)”.
Como alega a Apelada:
“39. Não obstante os Recorrentes invocarem que tal pagamento foi feito em numerário, a verdade é que tal não se afigura provável, uma vez que, tal como entende e bem o Tribunal a quo “dado que sendo a 1.ª Ré, adquirente, uma sociedade comercial não se admite como exequível que a referida transação se pudesse concretizar com essa informalidade, sem que exista qualquer registo da saida/entrada de uma quantia tao avultada (€ 94.298,38)”.
Improcede, também neste particular, a Apelação.
Alegam, ainda, os Apelantes que “prestaram caução de garantia nos presentes autos pelo preço das quotas transmitidas, e, para tanto, depositaram à ordem dos autos o montante pecuniário pago pelas transmissões das quotas”, concluindo que “tal incidente de caução foi indeferido pelo tribunal recorrido, não podendo assim imputar-se aos Réus qualquer tentativa de se furtar ao pagamento do crédito da Autora com a transmissão das referidas quotas” e que “a autora só não recebeu já o preço de venda das referidas quotas, porque o tribunal recorrido não permitiu”.
Como escreve a Autora/Apelada:
“Estamos perante uma subversão dos factos sem limites e não podemos deixar de referir que os Recorrentes faltam à verdade com as suas alegações, tentando uma vez mais ludibriar o Tribunal ad quem. É verdade que os Recorrentes requereram a sua admissão a prestarem caução, contudo, é falso que a Recorrida “só não recebeu já o preço da venda das referidas quotas, porque o tribunal recorrido não permitiu”.
Conforme resulta da sentença proferida a 18.12.2017 no apenso A: “Por outro lado, a autora, que alega ser credora dos réus, não requereu ao tribunal qualquer tutela cautelar como lhe seria permitido pelo artigo 2º, nº 2, CPC, apenas tendo manifestado pretender impugnar os negócios em causa, ou por via da declaração de nulidade que requereu em via principal ou por via da impugnação pauliana que deduziu subsidiariamente. Consequentemente, a tutela que requereu ao tribunal será obtida pela procedência de qualquer dos pedidos formulados, inexistindo fundamento legal ou processual, para lhe conferir qualquer garantia especial (adicional) do crédito de que se arroga sobre os réus. Acresce que a decisão final a proferir quanto ao destino do montante caucionado, designadamente, da sua entrega à autora ou aos réus, sempre dependeria da decisão de mérito a proferir a final, ou seja, da procedência ou improcedência da ação.
Consequentemente, a prestação de caução nunca constituiria factor a ponderar para a procedência ou improcedência dos pedidos formulados, como parecem pressupor os requerentes.
Certo é que, não tendo a autora requerido qualquer tutela adicional para além da que poderá decorrer da procedência da ação, e inexistindo qualquer efeito processual ou substantivo que os réus possam obter com a sua prestação, inexiste fundamento legal ou contratual que legitime a prestação de caução. Pelo exposto, por falta de fundamento legal ou negocial, julgo improcedente o incidente relativo à prestação de caução pelos réus/requerentes AA e BB.”
Ademais e conforme esclarece o Tribunal da Relação de Coimbra, “1. A finalidade da prestação de caução – garantia especial das obrigações reguladas nos art.ºs 623.º e seguintes do CC – é a de facultar ao credor um meio através do qual se poderá fazer pagar.
2. A particular função da caução prevista no art.º 733º, n.º 1, alínea a) do CC é a de garantir o cumprimento da obrigação exequenda, acautelando ou prevenindo os riscos eventualmente resultantes da suspensão do processo, garantindo ao exequente a satisfação do seu direito, caso os embargos improcedam.
3. A caução para que seja eficaz há-se ser idónea (i.é, prestada por meio adequado) e suficiente (apta a cobrir o crédito exequendo e demais acréscimos que resultem da suspensão do processo executivo). (…)”99 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17.01.2017, Processo n.º 5211/15.1T8PBL-B.C1, Relator: Fonte Ramos, disponível para consulta em www.dgsi.pt. (Destaque nosso).
Como se vê, a finalidade da prestação de caução é facultar ao credor uma garantia mediante a qual possa ver o seu crédito assegurado.
A verdade é que, não obstante a Recorrida pretender ver-se ressarcida do seu crédito, a presente ação é já muito mais do que isso, na mesma é peticionada que seja declarada a nulidade dos dois negócios (o da compra e venda e o da cessão de quotas). Sendo que, e focando-nos agora unicamente no negócio de cessão de quotas, porquanto só quanto este os Recorrentes pretenderam apresentar caução, o efeito jurídico pretendido pela Recorrida é, não apenas ver- se ressarcida do seu crédito, mas também a destruição do negócio jurídico simulado pelos Recorrentes e a manutenção das quotas na titularidade dos cedentes, para que as mesmas possam integrar o património pessoal dos Recorrentes singulares.
Assim, não obstante a tentativa de prestação de caução de garantia junta aos presentes autos, tal não configura impedimento para o Tribunal a quo concluir que as cedências foram fictícias e que tiveram como intuito “enganar e prejudicar a Autora, enquanto credora conhecida, visando impedi-la de penhorar tais quotas sociais”.
Frise-se ainda a deslealdade manifesta por parte dos Recorrentes ao considerar que “a Autora só não recebeu já o preço de venda das referidas quotas, porque o tribunal recorrido não permitiu”, bem sabendo os Recorrentes que a decisão de julgar improcedente o incidente se deveu a falta de fundamentação legal e negocial, devidamente fundamentado na sentença de 20.12.2017 no Apenso A.
Termos em que concluímos que andou bem o Tribunal a quo em ter julgado improcedente o incidente de caução e ter julgado o verdadeiro objeto dos presentes autos, nomeadamente, a intenção dos Recorrentes de enganar e prejudicar a Autora”.
Improcede, por isso, também esta conclusão dos Apelantes.
Alegam ainda os Recorrentes que “andou mal o tribunal recorrido ao considerar provado o facto n.º 88, quanto aos alegados laços de parentesco dos Réus, porquanto dos autos não consta qualquer certidão de teor de registo civil comprovativa de tais vínculos de parentesco”.
Não consta e tal não era necessário.
Já no cabeçalho da petição a Autora identifica os réus, escrevendo:
B..., LDA., com sede em Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., ... ..., pessoa coletiva número ...71, matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... sob o mesmo número de pessoa coletiva, de ora em diante 1.ª Ré;
AA, casado com CC, no regime da comunhão de adquiridos, contribuinte fiscal n.º ...04, residente na Rua ..., ... ..., de ora em diante 2.º Réu;
BB, solteiro, maior, contribuinte fiscal n.º ...08, residente na Rua ..., ... ..., de ora em diante 3.º Réu;
CC, casada com AA, no regime da comunhão de adquiridos, contribuinte fiscal n.º ...47, residente na Rua ..., ... ..., de ora em diante 3.ª Ré; e
DD, divorciada, contribuinte fiscal n.º ...39, residente na Rua ..., ... ..., de ora em diante 4.ª Ré”.
Alega:
“50º
Primeiramente importa referir que o 2.º Réu é casado com a 4.ª Ré, sendo o 3.º e a 5.ª Ré filhos daqueles.
51º
Por sua vez EE, executado na ação executiva movida pela Autora e já acima identificada, é irmão do 2.º Réu, cunhado da 4.ª Ré e tio do 3.º Réu e 5.ª da Ré”.
Factos estes que os RR não impugnam.
Ora, não obstante, não ter sido junta ao processo qualquer certidão de teor de registo civil, as relações familiares são inegáveis, não tendo, os Réus, ora Apelantes, impugnado tal facto em sede de contestação, nem feito qualquer prova em sentido contrário, levantando, só agora e na fase recursiva, tal questão. Como decidimos, no Acórdão desta Relação de Coimbra de 15.10.2013, pesquisável em www.dgsi.pt, “Tem sido entendido que, pelo menos em processo civil, o estado civil ou o parentesco podem alcançar-se mediante acordo das partes ou confissão, sempre que estes factos jurídicos não constituam o “thema decidendum”, como numa situação de responsabilidade contratual.
Como escreve a 1.ª instância, “a circunstância de, à data dos negócios referidos em 30 a 63, o 2.º Réu e a 4.ª Ré serem casados, resulta do teor da certidão de nascimento da 4.ª Ré, junta a fls. 333 dos autos, a qual tem como facto averbado em 2017-10-26, a dissolução desse casamento por divórcio decretado em 12 de Maio de 2010, por um tribunal brasileiro (pese embora o ex-casal tenha omitido essa realidade, quer no contrato de cedência de quotas celebrado em 2016, quer na escritura de compra e venda da fracção AZ, sendo que nesta declaram ser casados no regime de comunhão de adquiridos), razão pela qual ficou provado o facto 88, adiantando-se que a filiação do 3.º e da 5.ª Ré e a relação de parentesco com EE não mereceu qualquer impugnação por parte dos RR, daí que tenham resultado provadas (tendo o tribunal prescindido da respectiva prova documental dado que essas relações familiares não constituem o thema decidendum)”.
Improcede, pois, a Apelação, mantendo-se, por isso, a decisão proferida pela 1.ª instância, cuja decisão de direito aqui damos como reproduzida.
As conclusões (sumário):
(…).
Na improcedência do recurso, confirmamos a decisão proferida no Juízo Central Cível de Viseu - Juiz ....